JOGO DO PIÃO (c. 1930). Fotografia de João Martins. Negativo em nitrato. Divisão
de Documentação Fotográfica / IMC. Número de Inventário do Objecto: 155.001.122
O presente post, fruto da nossa reflexão pessoal sobre jogos e brincadeiras infantis, é a síntese dialéctica de dois posts anteriores: BRINCADEIRAS D'OUTRORA, editado em 9 de Março de 2010 e DIA MUNDIAL DA CRIANÇA, editado em 1 de Junho de 2011. Trata-se do nosso contributo para o debate que se impõe em torno do tema que é objecto deste post.
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões (c.1524 – 1580)
Porque fomos crianças ontem, devemos pensar nas crianças de hoje e apostar fortemente nas crianças de amanhã.
Porque fomos crianças ontem, devemos pensar nas crianças de hoje e apostar fortemente nas crianças de amanhã.
A brincadeira é o trabalho da criança. É a brincar que a criança aprende a ser homem ou mulher e constrói a sua personalidade.
As brincadeiras de hoje não são as brincadeiras de ontem. Nos meus tempos de miúdo, éramos capazes de nos divertir com um simples apito. Com ele, podíamos imitar um pássaro, um polícia ou um árbitro. Dependia da nossa imaginação momentânea e daquilo que nos desse na real gana. Exercitávamos assim a nossa imaginação criadora e praticávamos o exercício da liberdade.
Outras brincadeiras e jogos eram colectivos. Jogávamos aos amalhões, à mosca, à pateira, à roda, ao botão, ao pião, ao berlinde, à bola, etc., etc. Com eles, desenvolvíamos a nossa socialização e reforçávamos o espírito colectivo. E às vezes desentendíamos e jogávamos ao soco uns com os outros e todos levavam no focinho, porque lá diz o rifão: “Quem vai à guerra, dá e leva”. Passado algum tempo, fazíamos as pazes e continuávamos a brincar juntos.
Nas nossas brincadeiras, o que contava era a imaginação sem limites e a arte do desenrasca, em que o português ainda hoje é mestre.
Havia também a ida aos grilos e partidas que se pregavam aos tansos como a “ida aos gambozinos” ou fazer de estribo na “brincadeira do rei coxo”.
Hoje em muitos casos não é assim. São as consolas, os jogos de vídeo, de computador e de telemóvel. Tudo envolvendo jogos que na sua esmagadora maioria foram concebidos para serem praticados individualmente, visando fomentar o individualismo e para programarem e vincularem os seus praticantes, a estereótipos de egoísmo, do salve-se quem puder, do vale tudo, da violência, do terror e do medo. É isso que interessa à sinistra alta finança mundial, que a nível global, controla os governos de cada país.
Não lhes interessa que haja cidadãos que se possam sentir homens livres, criativos, com carácter, com coragem, amantes da Paz, solidários com o próximo, com respeito pelo colectivo, que reconheçam o valor do esforço, do trabalho e do mérito. Isso para eles é subversivo. Para eles, interessa-lhes que em criança, os cidadãos sejam programados de maneira diferente.
Interessa-lhes cidadãos dóceis, submissos, governados pelo medo, obedientes, egoístas, sem respeito pelo colectivo e que aceitem acefalamente a violência e a guerra.
Nos meus tempos de miúdo, para além das brincadeiras de rapazes e tanto quanto me permite a memória dos tempos idos, sempre tive gosto por colecções, entre elas, botões, cromos, moedas, selos, postais, panfletos publicitários e mais tarde, aí pelos 12 anos, livros.
A estas colecções vieram-se juntar outras, mas as colecções primitivas ainda hoje perduram. Entre elas, as colecções de cromos montadas nas respectivas cadernetas, como é o caso das RAÇAS HUMANAS, da HISTÓRIA DE PORTUGAL, da HISTÓRIA NATURAL e dos TRAJES TÍPICOS DE TODO O MUNDO, entre eles os de Portugal.
As cadernetas de cromos constituíam a nossa iniciação à leitura e à literatura, a nossa primeira abordagem à História de Portugal, a nossa partida à descoberta do mundo, de outros povos e de outros costumes.
Decerto que foi com a caderneta dos TRAJES TÍPICOS DE TODO O MUNDO, que eu fiquei fascinado pela Etnografia, antes de saber que entre nós, Garrett tinha sido o percursor, Leite de Vasconcellos o fundador e Luís Chaves e outros mais, os continuadores.
As cadernetas de cromos, foram as minhas pastilhas de Cultura. Foram o meu software, antes de terem inventado as consolas electrónicas que programam e condicionam o divertimento, assim como a raça maldita dos Magalhães, que põem os putos convencidos que fazer um trabalho de pesquisa, não é mais que uma mera operação de corte e colagem.
Não trocava uma caderneta de cromos por 10 Magalhães, nem sequer o meu talego de botões (com mirôlas e chapéuzinhos de chumbo) por consolas.
Nos meus tempos de miúdo, as meninas, salvo alguma Maria Rapaz, que as havia e algumas delas encantadoras, brincavam às donas de casa, passando a ferro, fazendo jantarinhos e dando banho e biberão aos bonecos.
Hoje, reconheço que o sistema estava montado para gerar diferença de género e havia coisas que, apesar de puto, eu tinha a noção que não deveriam ser assim.
É preciso que os pais e educadores tenham cada vez mais consciência destes problemas e se empenhem em dar a volta ao que está errado, para que a formação daqueles que serão os homens e mulheres de amanhã, se possa efectuar sem desvios nem distorções.
Torna-se necessário retomar jogos e brincadeiras antigas, algumas das quais têm milhares de anos e adoptar outras novas, que ajudem a formar homens e mulheres de carácter, livres, verdadeiros, justos e solidários. Essa é uma revolução permanente que temos de tomar nas nossas mãos. É a nossa grande batalha pela cidadania. E havemos de vencer, porque quem não se rende, vence sempre. De resto, o registo das memórias passadas é o melhor investimento cultural que podemos legar aos nossos netos.