Capa da revista ILUSTRAÇÃO PORTUGUEZA nº 16 de 11 de Junho de 1906.
PRÓLOGO
É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António. Debruçar-nos-emos aqui sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares e cancioneiro popular alentejano.
ADAGIÁRIO PORTUGUÊS.
Não é extenso, mas existe algum adagiário relativo a Santo António:
- “Água de Santo António tira o pão à gente e dá o vinho ao demónio.”
- “Ande o calor por onde andar, pelo Santo António, há-de chegar.”
- “Dia de Santo António, vêm comer as cerejas ao castanheiro.”
- “Entre António e João planta teu feijão.”
- “Não há sermão sem Santo António, nem panela sem toucinho.”
- “Nem Deus com um gancho, nem Santo António com um garrancho.”
- “Ovelha que é do lobo, Santo António Antônio não guarda.”
- “Santo António tira a dor, mas não tira a pancada.”
TRADIÇÔES E SUPERSTIÇÕES POPULARES
- No dia de Santo António deve-se colher um raminho de erva-pinheira, para pendurar em casa. Se este reverdecer, tal facto é indício de fortuna. [2]
- Para que Santo António opere o milagre de casar uma rapariga solteira, é preciso que uma sua imagem seja roubada a outra pessoa. [2]
- Rezar um responso a Santo António faz com que a pessoa ou o animal responsado não consiga andar para diante, mas apenas para trás, pelo que volta ao ponto de partida. [2]
- Na véspera do dia de Santo António, é costume ornamentar as portas ou as sacadas das casas com canas verdes. [7]
ORAÇÕES POPULARES ALENTEJANAS
Um tipo de oração popular é a encomendação (recomendação) que se faz a Jesus, à Virgem Maria ou a um Santo, para eles livrarem o encomendante de qualquer bicho ou pessoa que lhe queira fazer mal, assim como de qualquer influência maléfica ou demoníaca que o possam afectar. Vejamos uma “Encomendação a Santo António”:
“Santo António se levantou,
Caminho e carreira andou,
Nossa Senhora encontrou,
Ela lhe perguntou:
- Aonde vais, António?
- À vossa Santa busca vou.
- Pois tu, António, irás
E na terra ficarás,
O meu corpo me guardarás
De mau lobo e de má loba,
De mau cão e de má cadela,
De mau homem e de má mulher
E de tudo mau que houver,
Que eu nunca tenha perca
Nem dano nem prejuízo algum.
Em louvor da Virgem Maria
Um Padre Nosso e uma Ave Maria.” [5]
Um outro tipo de oração popular é o responso, entendido como uma oração a um Santo, visando o aparecimento de coisas desaparecidas ou que não ocorram males que se temem. Vejamos um “Responso de Santo António”:
“Santo António se levantou,
seu sapatinho calçou,
seu bordãozinho pegou,
seu caminho caminhou,
Jesus Cristo encontrou.
Jesus Cristo lhe perguntou:
- Onde vais, Beato António?
- Senhor, convosco vou.
- Comigo não virás,
na terra ficarás
guardando o que está perdido,
que à mão do dono seja restituído.
Em nome de Deus e da Virgem Maria
Pai-Nosso e Ave-Maria.” [1]
Este responso reza-se três vezes, depois das quais, as coisas desaparecidas, aparecem.
CANCIONEIRO POPULAR ALENTEJANO
O Povo não esquece a data festiva do Santo António:
“A treze do mês de Junho
Santo António se demove,
S. João a vinte e quatro,
e S. Pedro a vinte e nove.“ [6]
Pelo Santo António, S. Pedro e S. João é cantada a seguinte cantiga popular:
“Santo António, S. Pedro e S. João,
Santinhos padroeiros,
Do meu terno coração.
Olhai por mim,
Protegei-me, dai-me sorte,
Que eu serei vossa devota
Quer na vida quer na morte.” (Évora) [3]
O Povo considera que Santo António pertence a uma admirável geração:
“S. Francisco é meu primo,
Santo António é meu irmão,
Os anjos são meus parentes,
Ai que linda geração!” (Beja) [4]
Tem-no, naturalmente, na mais elevada estima:
“Ailé,
Senhor Santo António,
É o melhor cravo
Do meu oratório.“ [6]
O Santo é invocado para guardar olivais:
“Santo António de Lisboa,
Guardador dos olivais,
Guarda lá minha azeitona
Do biquinho dos pardais.“ [6]
Igualmente é invocado para guardar amores fugitivos:
“Santo António de Lisboa,
Guardador dos olivais,
Guardai-o meu lindo amor,
Que cada vez foge mais.“ [6]
Santo António é casamenteiro. Por isso, ele ou ela imploram:
“Ó meu amor, pede a Deus,
E eu peço a Santo António
Que nos deixe juntar ambos
No livro do matrimónio.“ (Alcáçovas) [4]
O homem confessa o objecto da sua fé:
“O sol bate de chapa,
Faz a maçã coradinha;
Tenho fé em Santo António
Que inda hás-de vir a ser minha.“ (Odemira) [4]
Por seu lado, a mulher suplica ao Santo que a case com determinado homem:
“Ó meu rico Santo António,
Eu bem alto aqui to digo;
Casai os rapazes todos,
O Josezinho comigo!“ (Alcáçovas) [4]
Chegam a chamar namoradeiro ao Santo:
“Santo António me acenou
De cima do seu altar,
Olha o maroto do santo,
Que também quer namorar." [6]
Apontam-lhe mesmo, certos episódios:
“Santo António, com ser santo,
Foi sempre um grande gaiato,
Foi à fonte com três moças,
recolheu, trazia quatro.“ [6]
Chegam ao ponto de lhe fazer determinadas insinuações:
“Senhor Santo António
Tem duas ladeiras:
Umas das casadas,
Outra das solteiras.“ (Moura) [4]
Por chalaça, Santo António é invocado pelas mulheres para escarnecer dos homens:
“Santo António de Lisboa,
Venha ver o que cá vai,
Deu a rabugem nos homens,
Como dá nos animais.“ [6]
Os homens respondem na mesma moeda:
“Santo António da Terrugem
Venha ver o que cá vai,
Anda a rabugem nas moças,
Té o cabelo lhes cai.“ [6]
No conceito popular, o Santo é portador da mais alta patente militar, daí que digam:
“Santo António de Lisboa
Não quer que lhe chamem santo,
Quer que lhe chamem António,
General, mar’chal de campo.“ [6]
Pelo poder que lhe é atribuído, não é de estranhar que Santo António seja invocado para livrar os mancebos da vida militar:
“Sant’Entóino é bom rapaz,
Que livrou seu pai da morte.
Também livrará meu bem
Quando for “tirar as sortes””. (Mina de S Domingos) [4]
Igualmente é invocado para ajudar a vencer desafios ainda maiores:
“Santo António é bom filho,
Que livrou seu pai da morte;
Ajudai-nos a vencer
Esta batalha tão forte.“ [6]
Como o ramo de loureiro era utilizado para sinalizar a porta das tabernas, houve quem ironizasse a decoração do altar do Santo:
“No altar de Santo António
‘Stá um ramo de lòreiro;
Olha que pouca vergonha,
Fazer de um santo vendeiro!“ (Évora) [4]
Os homens chegaram ao ponto de o acusar de reservar o vinho para as mulheres:
“Santo António de Cabanas
Tem uma pipa no monte,
As mulheres bebem vinho,
Os homens água da fonte.“ [6]
Chega a ser encarado como vendedor, a quem se solicita que seja pródigo no avio:
“Santo António vende peras,
Vende peras a vintém,
Lá irá o meu menino,
Santinho, aviai-o bem.“ [6]
A invocação da sua intercessão não conhece limites:
“Ó meu padre Santo António,
Vestidinho d’estamenha;
A quem quer ajudar
O vento lhe ajunta a lenha.“ [6]
O povo que tem convicções firmes e gosta de coisas rijas, considera que o Santo é mesmo um Santo com força nas canelas:
“Santo António da Terruge’
Feito de pau de azinho,
Tem mais força no canelo
Que um barrasco no focinho.“ (Terrugem) [4]
EPÍLOGO
Julgamos que dentro da literatura de tradição oral, as orações populares e o cancioneiro são reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural.
(Texto publicado inicialmente a 15 de Junho de 2011)
BIBLIOGRAFIA
[1] – ALVES, Aníbal Falcato. Rezas e Benzeduras. Campo das Letras. Porto, 1998.
[2] - CONSIGLIERI PEDROSO, “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
[3] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Edição de Álvaro Pinto (Revista de Portugal). Lisboa, 1955.
[4] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Leite. Cancioneiro Popular Português, vol. III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra, 1983.
[5] – POMBINHO JÚNIOR, A.P. Orações Populares de Portel. Edições Colibri-Câmara Municipal de Portel. Lisboa, 2001.
[6] - THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progesso. Elvas, 1902.
[7] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.