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sábado, 4 de junho de 2011

Estremoz – Mercado das Velharias

Mercado de sábado. Estremoz, Agosto de 2006. Fotografia de José Cartaxo.


À minha amiga Manuela Mendes:

Dizem que eu sou um respigador nato, um cão pisteiro, um farejador de coisas velhas. Talvez seja algo de epidérmico, se não mesmo genético. E perante os meus olhos nascem coisas que parece que estavam ali circunspectas, à espera que eu me abeirasse delas. Ainda há dias foi a 1ª edição da "SUBERICULTURA" (1950) e a nova edição (1942) de "POMARES" do Prof. Vieira Natividade, que ali comprei ao preço da uva mijona.
Para fechar com chave de ouro, essa manhã de sábado, comprei ainda ao preço da dita uva, uma "ANTOLOGIA DE FIALHO DE ALMEIDA", organizada por Manuel da Fonseca e com extensa dedicatória autografa, deste último. A minha biblioteca já incorporava outros livros com dedicatórias autógrafas de outros grandes escritores portugueses, nomeadamente alentejanos, como o Conde de Monsaraz ou António Sardinha, mas quanto ao Manuel da Fonseca, o nosso "Manel", estava às escuras.
Quando as minhas mãos nervosas, tactearam o livro descoberto pela cirurgia do meu olhar, senti uma espécie de calafrio na espinha, seguido dum deslumbramento como terão porventura sentido os nossos navegadores, quando aportarem ao novo mundo.
À semelhança do que acontecia com o meu vizinho Sebastião da Gama, que conheci ainda eu era uma criança, sábado é o dia mais belo da semana. Não troco por nada, a ida ao mercado de sábado.
Num dos seus poemas que relembro de memória, o Manel diz: "Domingo que vem, vou fazer as coisas mais belas que um homem pode fazer na vida". Pois eu, que sou "sabadeiro", digo para mim mesmo: "Sábado que vem vou comprar as coisas mais belas que um homem pode comprar na vida" e de sexta para sábado, mal durmo, farto-me da dar voltas na cama, à espera que o dia nasça. Então ergo-me, de súpalo e com toda a adrenalina dos meus sessenta e cinco anos, aí vou eu, respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, em passo acelerado, a caminho do mercado de sábado, em Estremoz. E quando muito mais tarde, perto da hora de almoço, regresso a casa com o estômago vazio, a minha alma vai cheia. E aguenta-se uma semana, até ao sábado que vem.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Arte Popular Alentejana - O dançarino



Os rituais animistas das sociedades primitivas utilizavam fantoches, que eram considerados objectos sagrados e personagens intermediárias entre essas sociedades primitivas e os seus deuses. O fantoche conferia poder divino ao personagem, pelo que a sua manipulação estava reservada exclusivamente aos iniciados que iriam participar na cerimónia com uma dramaturgia simbólica.
Em todas as civilizações, os fantoches têm desempenhado os seus papéis, a sua tipologia tem evoluído e os reportórios têm sido alterados e aumentados.
Não se deixando nunca fixar no seu passado, os fantoches têm uma grande história. Porém, uma coisa mantiveram sempre, o ritual da alegria colectiva, os espectáculos de rua, nos adros das igrejas, nas feiras, nos jardins, nas praias, nos pátios, nas tabernas.
O dançarino, brinquedo popular alentejano destinado a animar grupos de pessoas ao serão ou em festas, pode ser englobado na categoria dos fantoches. O que apresentamos foi comprado no mercado das velharias em Estremoz e passamos de imediato a descrevê-lo.
5,5 x 2 x 21 cm. Tronco de cortiça. Cabeça e membros articulados em madeira de oliveira, que é a que melhor som produz sobre a base que funciona como piso de dança. Boa expressão facial. Cor do vestuário evocando as cores, verde e rubra da bandeira republicana.
Manipulação horizontal ao nível do manipulador, o qual segura uma vara de madeira que encaixa pela retaguarda no orifício do centro do peito. O manipulador senta-se em cima duma tábua que fica com uma das extremidades livres e assenta os pés do fantoche em cima da tábua. Seguidamente imprime pancadas na tábua com o ritmo desejado, o que a faz vibrar e saltitar o boneco.
Nos montes alentejanos, a manipulação era feita pelo chefe da família para entreter os filhos pequenos, o que acontecia quando regressava do trabalho ou ao serão, à luz da candeia ou do candeeiro a petróleo.
Era uma das maneiras de encurtar as noites no tempo em que se seroava e as mulheres faziam malha ou arranjavam a roupa e alguém evocava os antepassados falecidos ou os familiares ausentes. Era o tempo da tradição oral, em que os serões eram usados para passar aos mais novos o testemunho do património cultural oral colectivo: histórias, adivinhas, lenga-lengas, provérbios, superstições, rezas e benzeduras, canções, etc. Havia tempo para os pais falarem com os filhos. A educação era feita no seio da família e o pai e a mãe tidos como modelos a seguir.
Lembro-me de nos anos 50 do século passado ter visto numa taberna em Estremoz, um popular que ao mesmo tempo que numa gaita-de-beiços trauteava um fandango, punha um fantoche destes a dançar a música que tocava. Depois da actuação, havia sempre alguém que lhe pagava um copo.

Publicado inicialmente em 12 de Dezembro de 2010

A manipulação pode envolver dois dançarinos postados frente a frente. Na figura,
manipulação por Rui Alves e Fotografia de Vítor Cid, obtida após o petisco de Páscoa,
em Estremoz.  Como diz o Rui, no final das "comidas e buídas" houve "balho".

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A ânsia de toda a beleza do mundo



O cancioneiro popular encarregou-se de "arranjar um par de botas" aos sapateiros, que geralmente nele são mal vistos. Talvez porque haja repentistas que são autênticas "linguinhas de prata":

“Sapateiros e alfaiates
São uma súcia de ladrões:
Sapateiro furta a sola,
Alfaiate, os botões.” [1]

Já a nível da arte pastoril, parece existir maior apreço pelos sapateiros, uma vez que na solidão eremítica da charneca alentejana, o rabadão que já fora zagal e já andara descalço, sabia o que era andar a pé limpo por sobre a terra escaldante, as rochas angulosas ou a vegetação parente do saramago.
Quem anda a pé limpo, tem um pé blindado, que só encontra parente próximo nas mãos do cortiçeiro envolvido em tórrida e recente despela.
Quantos não foram os camponeses alentejanos que usaram calçado pela primeira vez, quando foram à tropa?
Por isso, o camponês alentejano era capaz de exaltar e mitificar coisas aparentemente comezinhas, como o calçado.
É o caso deste sapato (9, 5 x 2 x 3 cm), talhado e bordado em madeira, por quem se identificou com a obra e resolveu deixar na sola, a sua marca de criador: JMV.
Comprado no Mercado das Velharias em Estremoz, mercado de memórias, onde eu faço parte da “mobília”, na qualidade de comprador.
Não é um sapato frívolo de quem anda envolvido em danças de salão. É um sapato sóbrio e austero, nascido da alma de quem conhece a dureza do que é andar a pé limpo num solo que corta como lancetas. Mas é um sapato bordado, porque o camponês, servo da gleba, tinha na sua alma, a ânsia de toda a beleza do mundo.

[1] – ALCÁÇOVAS – Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume I. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1975.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Rossio Marquês de Pombal - Símbolo de Soberania Popular


Foto de C.J. Walowski (1891).

Um dos maiores espaços comunitários do país, que ao longo dos anos tem assumido particular importância na vida da urbe. Palco de actividades religiosas e de paradas militares, onde se concentravam e donde partiam tropas e onde foi descoberto um cemitério medieval.

Passeio Público
Pavimentado em toda a sua orla por calçada à portuguesa, por onde os estremocenses passeiam, visando manter a forma física e pôr as conversas em dia, “lavando a roupa suja” e “cortar na casaca”, jeitos locais de fazer crítica social e política.
Palco de concertos de bandas filarmónicas, desde a inauguração do Coreto em 13 de Setembro de 1888, quando este passou a animar o Passeio Público, após o encerramento do Convento dos Congregados.

Mercados e Feiras
Diariamente se realiza ali o Mercado que aos sábados atinge o auge. Ali convergem vendedores de concelhos limítrofes e do concelho, alguns dos quais são camponeses da região.
No espaço central junto ao Coreto funcionou o Mercado Abastecedor antes de se vir a fixar no pavilhão actual.
Frente à Câmara sempre decorreu a venda da loiça de barro vermelho, assim como de cestos, alcofas, esteiras, pincéis, vasculhos e escadas de madeira para as fainas agrícolas.
Palco de feiras, como a “Feira de Santiago”, a “Feira de Santo André” (desde 1754), a “Feira de Maio” (desde 1925), a “Feira de Artesanato” (desde 1983) e a “FIAPE” (desde 1986) até ser transferida para o Parque de Feiras.
Palco ainda da “Feira de Gado”, no tempo dos “motores de combustão a palha”, quando a carroça e o trem eram imprescindíveis nas fainas agrícolas e no transporte de pessoas e mercadorias. Ali, negociantes, ciganos, tosquiadores e alveitares eram reis e senhores. Onde hoje é o BES havia um ferrador e mesmo ali ao lado, a “Estalagem do Peúgas”, antiga estação de muda da Mala-Posta do Alentejo, onde se comia, se recolhia gado e se pernoitava com ele.
A Feira das Velharias só ali se instalou depois da urbanização do chamado Campo da Feira.
Frente ao Hospital, vendiam-se queijos e cal branca. Aí, em churriões-taberna, improvisavam poetas populares como o Hermínio Babau e o Jaime da Manta Branca.
Frente aos cafés sempre foi a zona de cavaqueira, onde se encetavam ou rematavam negócios que transitavam pelas mesas e balcões dos cafés limítrofes, entre goles de vinho e garfadas dum petisco de ocasião.
Aos sábados, a animação sonora era feita por Carmo Pequito da Agência APAL, “a palavra mágica da propaganda” e por ali paravam os vendedores da banha da cobra ou vendedores ambulantes como o Painho, fala-barato bastante popular.

Animação variada
Local das Festas à Exaltação da Santa Cruz, de chegada de excursões, de concentrações militares e da Reforma Agrária, bem como de comemoração do 1º de Maio.
Local de aprendizagem de condução de bicicleta e de automóvel, de gincanas e de lançamento de pára-quedistas, de aterragem de helicópteros, de amaragem de balões, de actuação de ranchos folclóricos, bandas filarmónicas, circos e companhias de teatro ambulante.

Memórias de Tempos Idos
A todos, o Rossio e o casario que o emoldura, despertam memórias de tempos idos, nas quais o Rossio, hoje maioritariamente um incaracterístico parque de estacionamento, sempre serviu de sala de visitas e de espaço cívico de festejo e de convívio.
Apesar das vicissitudes e atentados que tem sofrido, o Rossio e com ele o Mercado de Sábado, símbolos de identidade cultural estremocense, permanecem unos e indivisíveis, como símbolos perenes da soberania popular que derrotou nas urnas, aqueles que os queriam retalhar.

Publicado anteriormente em 21 de Maio de 2010
(Publicado também no jornal ECOS, nº 85, de 21 de Maio de 2010)

Foto de C.J. Walowski (1891).
Feira-Exposição de Maio de 1925.
Mercado de sábado (c. de 1940). Foto de Rogério Carvalho.
 
Mercado de sábado (c. de 1940). Foto de Rogério Carvalho.
Mercado de sábado (meados do séc. XX). Foto de Rogério de Carvalho.

Mercado de sábado (c. 1960). Foto de Rogério de Carvalho.