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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Esquilo em madeira, possível artefacto de arte pastoril

 


Brinquedos populares
Desde os anos 80 do século XX que me interessei por brinquedos populares em madeira, folha de flandres e barro, os quais colecciono. Todos eles exercem em mim um fascínio que tem a ver com intensas e diversificadas memórias de infância, as quais ocupam um lugar privilegiado nas gavetas e baús do registo das memórias do tempo em que fui menino.
Recentemente comprei a um vendedor do Mercado das Velharias em Estremoz, um brinquedo popular cuja descrição passo a fazer de imediato.

Esquilo em madeira
O brinquedo popular que é objecto do presente estudo é uma escultura em madeira, representando um esquilo assente nas patas de trás e empunhando nas patas da frente um martelo, com o qual percute aquilo que configura ser uma noz assente num cepo.
Tanto as patas superiores como as inferiores constituem um bloco único, em cujas extremidades, sulcos definem os dedos. As orelhas formam igualmente um bloco único. No rosto, os olhos, as narinas e a boca encontram-se definidos por incisões efectuadas nas posições correspondentes. A cauda arrebitada apresenta sulcos, configurando pêlos, o mesmo se verificando na cabeça.
A escultura assenta numa base paralelepipédica de 12,2x3,4x2,4 cm, esquinada nas arestas e com duas “beliscadelas” junto às extremidades das arestas superiores e direccionadas segundo a maior dimensão do paralelepípedo. Das “beliscadelas” partem incisões paralelas que se dirigem em direcção às arestas inferiores.
A base tem um orifício situado no centro do topo da face de menores dimensões, situado do mesmo lado da cauda do esquilo. O orifício conduz a uma galeria cilíndrica, ao longo da qual se pode deslocar um cilindro maciço, segundo a direcção da maior dimensão da base.
Quando se comprime o cilindro, este actua numa articulação existente nos pés do esquilo, fazendo-o oscilar para trás. Quando cessa a compressão, o esquilo oscila para a frente, arrastando com ele o martelo, o qual percute a noz.

O esquilo em Portugal
Por falta de habitat, os esquilos foram durante centenas de anos, dados como extintos em Portugal. Todavia, nos anos 80 de séc. XX, começaram a atravessar a fronteira pelo Minho, tendo até hoje sido registada a sua presença nas áreas protegidas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do Parque Natural de Montesinho, do Parque Natural da Serra de São Mamede e do Parque Natural do Vale do Guadiana. A expansão dos esquilos pelo território nacional não será estranha à transformação da agricultura portuguesa em monoculturas florestais.

Arte pastoril?
A natureza artesanal da escultura em madeira que foi objecto do presente estudo, leva-me a admitir a possibilidade de estar em presença de um brinquedo popular, que seja um artefacto de arte pastoril alentejana. Será? Isso implicaria que um pastor alentejano tivesse avistado e observado um ou mais esquilos e tivesse registado mentalmente os contornos e os pormenores dos seus corpos. Tal não é impossível, já que o Parque Natural da Serra de São Mamede, por exemplo, é uma zona onde foram avistados esquilos e na qual existe pastorícia. De resto, a escultura em madeira pode ter sido manufacturada à maneira da arte pastoril, por um artesão que nunca tenha sido pastor.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Esta é a estória de ser coleccionador



Ando sempre à "coca" de coisas que povoam o meu imaginário. Nessas andanças descubro também, coisas que nunca me passou pela cabeça que pudessem existir e outras que jamais pensei que pudessem vir até mim. Sim, porque por vezes, as coisas vêm até mim, sem as procurar. É como se eu as atraísse e há coisas a que de modo algum consigo resistir..
Tenho o coleccionismo na massa do sangue. Sou geneticamente um coleccionador e cumulativamente um contador de estórias, não só de estórias reais, mas também das estórias que as coisas me contam sobre os segredos que a sua existência encerra. Bom e há ainda também as estórias que eu invento, que me nascem, florescem e frutificam na cabeça. São estórias e mais estórias...

domingo, 21 de agosto de 2022

Arte pastoril e devoção


Fig. 1 - Caixa de devoção com tampa removida.


Caixas de devoção
Ainda que tal não seja obrigatório, a prática da oração é muitas vezes efectuada perante imagens devocionais. A maioria destas encontram-se presentes nos locais de culto, tanto públicos como privados. Todavia, os crentes têm muitas vezes que se deslocar para locais onde não existem imagens devocionais. Uma tal ausência pode ser suprida pelo crente, transportando consigo uma pequena caixa com tampa, na qual está contida a imagem devocional, perante a qual pode orar, sempre que o desejar. Um tal estojo é conhecido por “caixa de devoção” e existe uma vasta diversidade de caixas de devoção, tendo em conta múltiplos factores: época de construção, composição do material, tamanho, geometria, decoração, modo de abertura da tampa e imagem devocional contida.

O culto da Santíssima Trindade
A caixa de devoção que é objecto do presente estudo (Fig. 1 a Fig. 4), foi confeccionada numa madeira extremamente leve e tem uma geometria sinuosa, tal como mostram as figuras. A tampa (Fig. 3 e Fig. 4) pode ser removida por deslocação ao longo de dois sulcos laterais existentes na parte superior da caixa e dispostos segundo a maior dimensão da mesma (Fig. 1). As suas dimensões são de 11,2 x 4 x 1,8 cm. A superfície interior e exterior da caixa foi pintada a zarcão, à excepção do fundo, o qual apresenta uma tonalidade esverdeada. Quando fechada, a caixa revela a existência de contornos pintados a negro nas arestas (Fig. 2).
Uma análise minuciosa da caixa revela que a mesma foi escavada num bloco único da madeira, no qual foi introduzida a imagem devocional (Fig. 1), colada numa fina base de madeira com contorno adequado, pintada numa tonalidade esverdeada.
A imagem devocional (Fig. 1) em madeira não pintada, tem três componentes que debaixo para cima são: - FILHO (uma imagem de Cristo crucificado com um resplendor sobre a cabeça e assente numa peanha); - ESPÍRITO SANTO (representado pelo fogo, uma das suas representações possíveis); - PAI (representado por uma venerável figura situada no topo, por cima da cruz e que ostenta igualmente um resplendor sobre a cabeça). Estamos, pois, em presença de uma representação da Santíssima Trindade, a qual constitui um dogma central sobre a natureza de Deus na maioria das igrejas cristãs. De acordo com esta crença, Deus é um ser único que existe como três pessoas distintas consubstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo.

Arte pastoril alentejana
A presente caixa de devoção, de autoria desconhecida e cuja datação não consigo precisar, pela sua singeleza e simultaneamente finura de execução, configura-me ser um exemplar de arte pastoril alentejana e como tal o tenho catalogado na minha colecção.


Fig. 2 - Caixa de devoção com tampa.

Fig. 3 - Face exterior da tampa da caixa de devoção.

Fig. 4 - Face interior da tampa da caixa de devoção.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Arte pastoril - Carretilhas

 

Fig. 1

A arte pastoril alentejana é das mais ricas e expressivas manifestações de arte popular portuguesa. Trata-se de uma afirmação que ressalta como corolário natural de factos facilmente observáveis e constatáveis:
1 – A diversidade das funcionalidades dos exemplares (cabaças, cabritas, cáguedas, canudos do lume, chavões, cochos, colheres, cornas, dedeiras, forcas de fazer cordão, pisadores, sovinos, tarros, etc.).
2 – A diversidade dos materiais em que pode ser executada (madeira, cortiça, corno, bunho).
3 – A diversidade das decorações exibidas, que têm a ver com o imaginário dos criadores e os contextos antropológicos e sociológicos em que vivem.
4 – A diversidade das morfologias que se podem manifestar em exemplares com uma dada funcionalidade.
Este último aspecto é objecto do presente escrito, centrado em três exemplares de carretilhas em madeira, pertencentes à minha colecção de arte pastoril.
Como é sabido, uma carretilha é um artefacto de cozinha no qual existe uma roda dentada circular, em forma de roseta, que gira num eixo encabado e que é impulsionado pela mão humana. Com ele se recorta ou pontilha, deixando em lavor, a massa de forrar pastéis, bolos, biscoitos e doces. Como tal é utilizado por confeiteiros, pasteleiros, doceiros ou simples donas de casa.
A carretilha da fig. 1 é um artefacto monofuncional que na extremidade oposta à roda dentada, apresenta uma argola para suspensão na parede.
O exemplar da fig. 2 é um artefacto bifuncional que na extremidade oposta à carretilha, apresenta uma colher de prova.
O espécime da fig. 3 é também um artefacto bifuncional, constituído por uma carretilha e 3 chavões móveis ao longo de uma argola circular.
O modelo da fig. 4 é igualmente um artefacto bifuncional que na ponta oposta à da carretilha, ostenta um pé que permite marcar a massa.
Decerto que existirão outros exemplares de carretilhas, com morfologias e outras funcionalidades associadas, diferentes das que foram aqui apresentadas. Quando as conhecer, divulgo-as. Fica a promessa feita.

Publicado inicialmente a 29 de Julho de 2022

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Joana Santos e o “Ti Manel do tarro”



Ti Manel do Tarro (1922). Joana Santos (1978-  ). 

É sabido que de há largos anos a esta parte, sou coleccionador e estudioso da Arte Pastoril Alentejana. Quer daquela que saiu das mãos de criadores anónimos, como da criada por aqueles que tendo saído do anonimato, me concederam a prerrogativa da sua amizade. Foi o caso do veirense Roberto Carreiras (1930-2017), com quem tive o privilégio e o prazer de privar, bem como com sua esposa Rosa Mariano Machado, no decurso das Feiras de Artesanato em Estremoz.
Roberto Carreiras partiu há 5 anos, completados no transacto dia 8 de Janeiro. No elogio fúnebre (*) que lhe fiz na altura do seu falecimento, disse: “Pessoalmente, orgulho-me de as minhas colecções de Arte Pastoril integrarem especímenes afeiçoados pelas suas mãos, que comandadas pela sua alma de visionário, nunca se renderam à rudeza do uso do cajado e do mester de vaqueiro. Foram mãos hábeis que aliadas a um espírito sensível, conseguiram filigranar e esculpir os materiais com mestria.”
Decorridos 5 anos, a barrista Joana Santos teve acesso a uma excelente fotografia de Isabel Borda d'Água, na qual figura Roberto Carreiras, sentado, a manufacturar um tarro de cortiça. De imediato, pensou em criar um Boneco de Estremoz, que perpetuasse no barro a actividade daquele lídimo representante da Arte Pastoril Alentejana. E se bem o pensou, melhor o fez, para gáudio daquele que viria a ser o seu felizardo destinatário, que como devem ter calculado fui eu.
“Ti Manel do tarro” chamou a barrista à sua criação. Ora, Manuel é um nome bastante comum no Alentejo, pelo que ao cognominar a figura com aquele epíteto, a barrista regionaliza a sua criação, que assim transcende a figuração de Roberto Carreiras e ascende à condição de representação generalista dum mesteiral de Arte Pastoril Alentejana.
Fascinado pela obra da barrista, dei-lhe conta desse meu estado de espírito, através da presente missiva:
"Joana:
O “Ti Manel do tarro” está uma maravilha das maravilhas. É um monumento e simultaneamente um hino à matriz identitária da Arte Popular Alentejana. Digo hino, porque para deleite de espírito, da figura que criou, flui o cante da Alma Alentejana. A mesma alma que conjuntamente com as suas mãos benditas, perpetuou no barro a figura icónica do meu grande amigo, o veirense Roberto Carreiras, uma referência eterna da Arte Pastoril Concelhia.
Bem-haja Joana, por toda a beleza que vem criando e connosco partilha."


(*) – MATOS, Hernâni. Roberto, guardador de vacas e artista popular. [Em linha]. Disponível em:





Roberto Carreiras (1930-2017). Fotografia de Isabel Borda d'Água.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Bonecos de Redondo?

 


Fig. 1 - Bonecos de Redondo?

Em 2010 comprei a um vendedor local no Mercado das Velharias em Estremoz, um boneco habitualmente designado por DANÇARINO (Fig. 2) e que se enquadra na categoria das marionetas ou fantoches. Trate-se de um exemplar de arte pastoril alentejana, bem antigo e de autor desconhecido, sobre o qual escrevi então o texto O DANÇARINO
onde expliquei como é que o mesmo era manipulado, recorrendo a um varão que era introduzido na abertura do peito.
Há duas semanas e no mesmo local, comprei a um vendedor de fora, 2 bonecos que se enquadram na categoria anterior, ainda que não apresentem o orifício atrás referido. Todavia, apresentam como que um gancho implantado na cabeça, o qual decerto servirá para a sua manipulação. Só diferem dos Bonecos de Santo Amaro, dos Bonecos de São Bento do Cortiço e dos Bonecos de Santo Aleixo, porque estes apresentam uma argola implantada na cabeça, sendo a partir daí, manipulados com um cabo.
Segundo o vendedor, estes bonecos foram por eles comprados há já algum tempo, a um artesão de Redondo, entretanto falecido e cujo nome desconhece.
Pergunto ao leitor:
- Conhecem algum artesão de Redondo que possa ter produzido estas marionetas?
- Sabem como é que elas eram manipuladas?
- Será legítimo chamar-lhe Bonecos de Redondo?
Todas as respostas serão bem-vindas e por elas vos estou antecipadamente grato.

Fig. 2 - Bailarino.

sábado, 21 de agosto de 2021

Hernâni Matos

 

Filomena Barata. Arqueóloga.


Homem, alentejano, determinado.  Conhecedor, melhor, sabedor do seu território, do nosso, que divulga como ninguém. Homem de convicções que não foge a defendê-las, não se esconde em ondas turvas, mas respira de peito aberto para o amanhã.

Filomena Barata
Lisboa, 19 de Agosto de 2021 

Hernâni Matos

domingo, 1 de agosto de 2021

Um amigo de há quarenta anos

 

António Oliveira. Alfarrabista.


O professor Hernâni Matos é uma figura sobejamente conhecida, tanto a nível local como nacional.
É um excepcional amigo com o qual me encontro quase todos os sábados em Estremoz.
Conhecemo-nos há cerca de 40 anos, através do coleccionismo, tendo eu por diversas vezes sido convidado a participar com colecções minhas em exposições por si organizadas.
Tem publicado inúmeros textos nos jornais “Brados do Alentejo” e “E”, ambos de Estremoz, bem como no seu blogue “Do Tempo da outra Senhora”, que é uma fonte de conhecimento para quem o consulta.
Tem uma extraordinária biblioteca que tem contruído ao longo dos anos e para a qual tenho dado o meu contributo como alfarrabista.
Tem duas grandes paixões: a filatelia e a etnografia, em particular do mundo rural alentejano.
A segunda dessas paixões levou-o a publicar em 2018 o livro “Bonecos de Estremoz”, na sequência de investigação realizada e depois disso continua a ser um entusiasta dos bonecos e um divulgador dos trabalhos dos bonequeiros.
Desejo-lhe a continuação de um bom trabalho.

António Oliveira
Évora, 10 de Julho de 2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

Hernâni Matos: do lado esquerdo, o centro

 

Pedro Martins. Jurista. filósofo. Escritor.


Se a memória me não atraiçoa, vai para uns sete anos que pela mão de Maria Antónia Vitorino, e por mor da memória de seu marido, António Telmo, professor e filósofo vinculado às terras de Estremoz, conheci o Professor Hernâni Matos. Graças a ele, foi possível realizar uma sessão de homenagem ao autor da História Secreta de Portugal (livro em boa parte escrito no Café Águias d’Ouro) na Escola Secundária de Estremoz, onde Telmo, em meados dos anos 60, chegou a leccionar, como docente de Português e Francês da então Escola Industrial e Comercial, imediatamente antes de partir para o Brasil, para se juntar a Eudoro de Sousa e Agostinho da Silva na Universidade de Brasília.
Foi uma sessão fabulosa, memorável como poucas, num auditório repleto de jovens estudantes, em que além do autor destas linhas intervieram Elísio Gala, que apresentou as Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, livro então recém-lançado com a chancela eborense da Licorne e em que o Alentejo, de Estremoz ao Redondo, revela a sua notável presença; o próprio Hernâni Matos, evocando o quotidiano estremocense do filósofo como quem lhe traçasse um perfil de bilharista exímio; o Professor José Salema, Director da Escola e antigo aluno de Telmo; e a Professora Cláudia Marçal, Directora da Biblioteca Escolar, em cujas paredes, a partir desse dia 14 de Novembro de 2014, passou a estar patente em permanência um retrato do filósofo.
Uma homenagem assim, singelamente grandiosa e muito bem-sucedida, só foi possível graças ao denodo infatigável do Hernâni Matos, que a concebeu, preparou e organizou até ao mais ínfimo pormenor. Membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra, foi também ele quem, alguns meses depois, convocando os bons ofícios da Associação Filatélica Alentejana, promoveu em Estremoz o lançamento a nível nacional do Volume III das Obras Completas de António Telmo, Luís de Camões e o Segredo d’Os Lusíadas seguido de Páginas Autobiográficas, com o selo proverbial da editora Zéfiro. Foi isto em 20 de Junho de 2015, no dia em que exactamente se completavam 35 anos sobre a célebre conferência “O Segredo d'Os Lusíadas”, proferida por António Telmo na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa, no âmbito das comemorações nacionais do quarto centenário da morte do poeta.
Generosa e fecunda, tão profícua como brilhante, a inesgotável capacidade de trabalho de Hernâni Matos, que venho de ilustrar com aquilo que de um modo mais directo, e sobretudo pessoal, lhe pude testemunhar, melhor se afere por padrões próximos da lenda. Décadas a fio, Hernâni Matos vem erguendo uma obra monumental como escritor, jornalista e blogger. Diria antes, para tudo dizer, como um emérito, notável investigador, pesquisador infatigável, insaciável coleccionador. Perquiridor de raízes e arcanos, o professor autodidacta e interdisciplinar percorre transversalmente, com ecuménica compreensão, sólida erudição e a sempre necessária argúcia, os domínios ecléticos da história local e regional, sem nunca olvidar os mais vastos horizontes da portugalidade, essa outra nuvem só nossa feita de todos os céus consentidos à vista desarmada – isto é, pacífica – da terra e do mar.
Apenas os insignes regionalistas da estirpe austera e entusiasta de um Hernâni Matos podem realmente entender o verdadeiro nacionalismo, que é sempre e só cultural, como sem escândalo sucede há muito ocorrer em música com um Lopes-Graça, e por vezes também cultual, posto que às baias dos dogmas sempre o nosso povo, herdeiro da heresia de Prisciliano, tenha sabido quebrar as grilhetas de todas as Romas, como nesse culto popular do Espírito Santo, que se talvez ande creditado em demasia à tão de Estremoz Rainha Santa Isabel, não deixa, também por esta, de nos evocar a Santa Liberdade sem a qual só o medo voraz ou o mesquinho interesse nos restam.
Homem por certo da margem esquerda, que é o lado do coração, Hernâni Matos devém um construtor de pontes: ele bem sabe que um rio mais pode unir do que separar logo que lhe sintamos a força da corrente, pressentindo a grandeza do que fica além da sua foz. E não é afinal o coração, no mar dos símbolos, como ensinava Telmo na senda de Dante e Guénon, o centro do mundo?
Não que com tudo isto se exima Hernâni ao exercício diuturno, e por vezes contundente, de uma crítica que na sua consciência é ainda memória, mas também o raiar daquela fímbria de esperança sem a qual nada vale realmente a pena. Franco-Atirador é o título certeiro dado como um espelho à recolha antológica que em 2017 deu a lume este Jano dado aos nossos dias. A potência dos seus escritos mais sugere a força de um exército. São, porém, homens solitários (não obstante, os mais solidários) como um Hernâni Matos – ou um António Reis Marques numa Sesimbra que não é já “minha” por se ter tornado terra de ninguém – que simulando, ou semelhando, as multidões iludem por ora os vazios onde sempre os demónios se procuram instalar. Haverá motivo maior para a nossa gratidão?

Pedro Martins
Almoinha, Sesimbra, 27 de Julho de 2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

Homenageando o Professor Hernâni Matos

 

Fernando Máximo. Funcionário Público.

HOMENAGEANDO O PROFESSOR HERNÂNI MATOS


Professor Hernâni Matos
Junta a teoria aos factos
Com muita desenvoltura;
P’lo muito que tem feito
Merece o nosso respeito
Por ser homem da cultura!

Dos vultos mais competentes
Em áreas tão diferentes
Numa muito longa lista:
É um insigne escritor
Etnógrafo, professor,
E Mestre filatelista

É expositor e jurado,
“Expert” do figurado
Essa arte, (que tão nobre,)
Património Imaterial
Deste nosso Portugal
Que tanto orgulho nos cobre!

É firme nas convicções
E em certas reflexões
Que por vezes o consomem...
É excelente escritor
Um “Franco-atirador”
Mas mais que tudo é um HOMEM!

Quem o conhece de perto
Reconhece-lhe por certo
Virtudes que são verdades...
Admirá-lo é um direito
Prestando assim o seu preito
A quem só tem qualidades...

Professor, meu grande amigo,
Em boa hora lhe digo:
Pelo crer que a si se pôs,
Ganha, pois, o meu louvor
Por ser um grande SENHOR
Desta cidade Estremoz

Fernando Máximo
Avis, 02 de Abril de 2021

domingo, 20 de junho de 2021

Pode alguém ser quem não é? / A propósito de Hernâni Matos


Álvaro Borralho. Sociólogo. Professor Universitário. 

Os nossos caminhos cruzaram-se quando eu era estudante da Escola Secundária de Estremoz – é assim que gosto de recordar a minha velha Escola –, aí por volta do 8.º ano, e num anfiteatro de físico-química. Não por ter sido seu aluno, que nunca fui – embora tivesse gostado de ser, pois gostava muito de física –, mas por breve tempo ter aderido a um clube de filatelia que o Prof. Hernâni estava a criar na Escola. Éramos poucos, mas ele animava estas sessões com especial entusiasmo, de tal modo, que me mantive. Todavia, o final do ano lectivo levou algum do entusiasmo e não logrei ser o filatelista que verdadeiramente nunca quis ser. Ela já o era, há muito, reconhecidamente, e foi sempre com grande deleite que assisti a algumas das suas exposições. Recordo uma, em especial, de Maximafilia no Salão Nobre dos Paços do Concelho, assim como as realizadas no espaço exíguo da Associação num espaço existente no início da Rua Narciso Ribeiro. Ir a uma das suas exposições tinha, além do mais, o atractivo de o poder ouvir nas suas detalhadas explicações e compreender um pouco melhor o mundo fascinante dos selos. Embora tenha perdido o breve encantamento da filatelia, lia sempre a sua coluna no Brados do Alentejo.
E foi no jornal que nos voltámos a encontrar mais assiduamente, que cimentámos a nossa amizade a que não é estranho termos sido colaboradores pela mesma altura. O Brados foi, e é, um local de encontro, juntando várias gerações, permitindo o convívio, a entreajuda e o interconhecimento. Dali sempre se saiu mais rico.
Mais tarde, havia de o procurar para me ajudar a desvelar alguns aspectos do processo político estremocense, de 1974 a 1976, quando realizei uma dissertação académica sobre o assunto. E foi com inegável prazer que o entrevistei umas boas horas sobre as suas memórias, a sua participação, sobre factos e acontecimentos. Passadas mais de duas décadas sobre esse encontro, ainda recordo algumas das leituras que me proporcionou. Só não lhe perdoar que tenha deitado ao lixo algum tempo antes, segundo me confessou, uma colecção de comunicados de todos os partidos políticos distribuídos em Estremoz. Conhecendo o seu pendor detalhista e a sua capacidade de perseguir, e de reunir o perseguido, imagino que seria uma excelente base documental. Guardo a leve esperança que alguém tenha guardado aquelas pastas, mas sem grande alento. Perdoei-lhe, mas tive um grande desgosto em não ter deitado mão àqueles preciosos documentos.
Se conto este episódio é para reforçar o quão importante é encontrar e conhecer alguém como o Hernâni Matos. A nossa memória colectiva vive destes sequazes guardadores de memórias, que, com espírito abnegado, guardam o espólio sobre o qual se há-de construir, e reconstruir, esta nossa memória. Preservando-a, dão um contributo inestimável ao seu estudo, e, assim, a tentar interpretar e a entender os vários sentidos que cada um – pessoas, partidos, grupos, etc. – concederam aos acontecimentos. Quer dizer, ajudam a fazer a história, no meu caso, a sociologia, de tempos vividos, mas não presenciados com a mesma intensidade ou proximidade.
O seu recente livro sobre os bonecos de Estremoz aí está a comprovar o que antes afirmei: o desejo de recolher, reunir, coleccionar, dispor organizadamente o material e, por fim, dá-lo a conhecer a quem tenha essa curiosidade. Nunca é um esforço vão, é sempre um contributo para a procura de mais e melhores significados.
Termino com a mesma interrogação com que se iniciou este breve depoimento: pode alguém ser quem não é? Como se sabe, é o título de uma magnífica canção do Sérgio Godinho que serve perfeitamente para dar o tom a este escrito. E que o Hernâni continue a ser quem é e nos dê a satisfação de o encontrar e de o ler por onde decidir andar.

Álvaro Borralho
Ponta Delgada, 19 de Abril de 2021

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Naquela esquina um amigo

 

Maria Helena Figueiredo. Jurista.

Não conheço o Hernâni Matos há tantos anos assim. Melhor, conheço o Hernâni Matos da escrita, do Blog, das trocas de emails, dos telefonemas há vários anos, mas pessoalmente – ao vivo e a cores como se costuma dizer – conheci-o há menos tempo.
Foi em Estremoz há 5 anos, na rua, mais precisamente no pátio do Castelo, quando ambos estávamos envolvidos na defesa da casa do Alcaide-Mor, que a Camara estava a tentar vender a privados em condições muito questionáveis.
Poucas vezes alguém me deixou uma imagem tão impressiva como o Hernâni Matos.
Aquele homem grande, o que é invulgar para a sua geração, de pé à minha espera na esquina, numa postura muito firme e com o ar amistoso dos velhos conhecidos, ficou-me gravada na memória porque ela reflecte, no fundo, aquilo que o Hernâni é.
Um homem de grande estatura ética, firme nas convicções, um homem que nem no tempo da ditadura nem depois se vergou aos interesses de ocasião e que sempre, com firmeza e coragem, defendeu a liberdade. Um homem desassombrado, que não cala a injustiça e que sempre se levanta pelo que considera justo, pela sua terra e pelas suas gentes.
Um homem de cultura, que faz da transmissão do conhecimento uma missão de todos os dias e que encontramos na primeira linha na defesa do património e da nossa história colectiva. Uma história que não é apenas a dos reis e das rainhas, mas também a história dos de baixo, do Povo e das suas lutas.
E depois, depois fica-lhe aquele “brilhozinho nos olhos” quando fala no figurado de Estremoz, quando esgrime a valorização deste património e se envolve na sua defesa, com a sabedoria que todos lhe reconhecemos, mas sem ficar preso ao passado. Com inteligência e capacidade de olhar, reconhece os e as jovens barristas, dando-lhes com as suas palavras e o seu apoio o tão necessário ânimo para continuar.
Hernâni Matos é uma figura ímpar, um Homem especial. Podemos chamar-lhe guardador de memórias, podemos chamar-lhe mestre, podemos chamar-lhe muita coisa. A mim honra-me poder chamar-lhe amigo.

Maria Helena Figueiredo
Évora, 19 de Abril de 2021

terça-feira, 15 de junho de 2021

Professor Hernâni: das Ciências à preservação da Cultura

 

Filipe Glória Silva. Pediatra.
 

A recordação mais antiga que tenho do professor Hernâni Matos é das aulas de Química, do 10.º ao 12.º ano. Homem de altura imponente e voz forte, um pouco austero na primeira impressão, conseguia manter desde o início a ordem na sala de aula e ganhava também o respeito dos alunos pela sua segurança no conhecimento e no ensino das matérias. A convivência permitia também conhecer o seu sentido de humor muito próprio. O programa de Química estava todo explicado nos acetatos que projetava durante as aulas e que entregava para fotocopiar e distribuir entre os alunos. Incentivava a prática de muitos exercícios, o que era fundamental para a consolidação da aprendizagem.
Sempre foi evidente o seu zelo pela organização e sistematização, fundamental para viabilizar a disponibilidade de tempo para os seus muitos interesses para além da ciência. Penso que a sua maior paixão na altura era a filatelia, mas muitos interesses se foram juntando com um espírito persistente, minucioso, curioso, irrequieto, ativista, resiliente, colecionador e empreendedor.
Quando penso no professor Hernâni, não consigo deixar de pensar também na companheira da sua vida, a professora Fátima, com o seu ar discreto e sereno. Diz-se que ao lado de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Será também aqui o caso pelo seu cuidado com a família, persistência, resiliência, mostrando bonita admiração pelos projetos do seu marido.
De facto, o professor Hernâni tem feito um trabalho notável de recolha, reflexão, promoção e preservação do património cultural português e, particularmente, da cidade de Estremoz e da sua barrística. Fê-lo por diversos meios e iniciativas, não ficando também de fora da revolução da internet com o seu blogue “Do tempo da outra senhora” e página do Facebook. Enquanto filhos desta terra alentejana e cidadãos portugueses, ficamos-lhe gratos por todo este trabalho e empenho. Bem-haja, professor Hernâni.
 
Filipe Glória Silva

Lisboa, 14 de março de 2021

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Dois em um

 

Bento Grossinho Dias. Engenheiro Mecânico. Gestor.


Há uns 15 anos que conheço o Hernâni Matos, Ser orgulhoso das suas origens, do seu Alentejo e da sua Estremoz, dos seus bonecos e tradições, que tão bem divulga na sua oralidade e escrita.
Mas sou amigo do Carmelo de Matos há 43 anos (tive que fazer um esforço mental para recuar tanto no tempo). E claro a lembrança para mim, jovem na altura com 16 anos, era o seu estranho nome, herdado do avô materno, que ouvido me soava a guloseima, sem que me atrevesse a esclarecer tal bizarria. Mas o meu não era muito melhor…
Aproximou-nos o coleccionismo, os postais, os inteiros postais, os postais máximos, dos quais o Carmelo de Matos foi e é expoente máximo… pela sua cultura, pelo gosto pelas ciências e pela história, que afortunadamente puderam ser ainda mais divulgados com a disseminação das redes sociais.
Mas o vozeirão (de que tão bem me lembro!) que caracterizava o contacto humano com o Carmelo de Matos, passou agora a ouvir-se na forma digital dos maravilhosos escritos do Hernâni Matos. Sempre mordaz, consciente das suas convicções e crente na sua mensagem, Hernâni Carmelo de Matos (agora na forma inteira) é uma daqueles poucos amigos que não esquecemos, pela força da sua presença.
Obrigado Carmelo de Matos, obrigado Hernâni Matos.

Bento Grossinho Dias
Lisboa, 30 de Março de 2021

Hernâni Matos

terça-feira, 13 de abril de 2021

Professor para sempre...


Laurinda Paulino. Professora.

Conheci o Hernâni no dia 11 de novembro de 1980, na sala 14 (anfiteatro do primeiro piso) da Escola Secundária de Estremoz quando se apresentou como professor de Física da turma C do 12.º ano, à qual eu pertencia. Ensinou-me conteúdos de Física que se integravam nos ramos da Mecânica, da Cinemática, da Dinâmica e da Estática, mas também me ensinou Matemática, nomeadamente Álgebra e Análise Vetorial e foi com ele que eu aprendi “a derivar”.
Eu vivi a escola (e a universidade) nos anos em que foram implementadas profundas transformações no sistema educativo (1974-1986) e fui uma das “cobaias” a experimentar o curso geral unificado, o curso complementar, o 12.º ano de escolaridade em substituição do ano propedêutico, novos programas e novos modelos de avaliação. Portugal estava a equiparar o seu sistema de ensino com os outros países europeus, estabelecendo 12 anos de escolaridade obrigatória antes do ensino superior. Por isso, eu como aluna, e o Hernâni como professor, experimentámos pela primeira vez aquele programa de Física. Não havia manual, os apontamentos/fichas com exercícios do professor eram indecifráveis pois apresentavam uma caligrafia que me faziam doer os olhos de tantas horas que levava a olhar para aqueles gatafunhos. Às vezes conseguia-os descodificar, outras vezes adivinhava-os após algumas investidas e noutras desistia mesmo e ia para a biblioteca escolar estudar através dos livros que o professor aconselhara.
O Hernâni era um bom professor, dominava completamente os assuntos que abordava, preparava as aulas e lecionava-as de forma muito profissional e por vezes, adicionava uma “pitada” de humor nas suas exposições. Mas quando se zangava… era de fugir. “A malta” respeitava-o e gostava dele.
No segundo período o professor Hernâni rumou a outras paragens e deixou-nos com “a filha nos braços”. Foi substituído por uma jovem professora do Norte. A turma sentiu a sua falta.
No final do 12.º ano fiz uma limpeza à papelada que havia em casa e joguei fora todos os cadernos da escola de todas as disciplinas, exceto o de Física do 12.º ano. Vá-se lá saber porquê!... Conteria informação preciosa? Mais de 40 anos depois, voltei a abri-lo para pesquisar o esclarecimento que hoje necessito. No primeiro ano da universidade, enrascada com a Mecânica, recorri aos apontamentos do Hernâni Matos, que me deram jeito e me safaram no exame de Física Geral I.
Em 1986, regressei à Escola Secundária de Estremoz como professora do grupo 4.ºA (Física e Química). O Hernâni era o delegado de grupo e voltou a dar-me uma lição no que respeita à dedicação e envolvimento nesta sua função na escola. Desde a preparação das reuniões, planificações, participação nas discussões até à realização de exposições e outras atividades, rotulagem e catalogação de materiais e equipamentos, o Hernâni despendia todo o seu potencial e deixou na escola, algumas referências que os colegas ainda hoje utilizam. Considero-o “um homem sem medo”, decidido, desenrascado, sincero, frontal, lutador e como ele próprio dizia “capaz de apanhar o touro pelos cornos”. Com o aparecimento e desenvolvimento das novas tecnologias, o Hernâni depressa criou uma simbiose com os computadores, e também me considero sua discípula neste território devido a algumas aprendizagens que fiz com ele.
Compartilhámos ações de formação, reuniões, materiais, momentos de trabalho e momentos de convívio. A relação profissional evoluiu para uma afinidade que se estabeleceu entre nós, gerando uma amizade, e tenho pelo Hernâni um sentimento de afeto, carinho, confiança e admiração por tudo aquilo que faz.
Para além de professor de Física e Química, o Hernâni deu outras grandes lições. Quando comparecemos em exposições de filatelia enriquecemos os nossos conhecimentos históricos sobre temas associados a acontecimentos, lugares, países, objetos… e ele organizou muitas. Quando assistimos às suas palestras aprendemos sempre algo na exposição divulgada e ele deu algumas sempre motivantes, enriquecedoras e bem-humoradas.
Em 1998 fiz parte da Direção da Escola e o Hernâni deu-nos todo o seu apoio, fazendo parte da Assembleia de Escola e foi convidado a dinamizar o Centro de Recursos, fazendo como é seu apanágio, um excelente trabalho.
Aposentou-se como professor da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel de Estremoz tendo-me oferecido algum do seu património na área da Física e da Química. Reformou-se mas não parou de doutrinar, divulgar e mostrar toda a sua dedicação à Cultura Portuguesa com ênfase nos Bonecos e Olaria de Estremoz.
Não sei se diga que o Hernâni entregou a sua vida a dar lições ou se deu uma grande lição de vida onde florescem ideias que se casam uma nas outras, se multiplicam e acrescentam pontos para completar um conto que vai com certeza fazer parte da História de Estremoz.

Laurinda Paulino. Professora.
Estremoz, 1 de Abril de 2021

domingo, 11 de abril de 2021

Quando levantar o cerco


 António Morais Arnaud. Engenheiro Mecânico. Doutor em Informática.
Professor Universitário.

Todas as Terras deviam ter um Hernâni que conhecesse a sua História, as suas gentes, que apreciasse a sua beleza e as defendesse com a palavra amplificada pelas tecnologias, da informação pós-Gutenberg e da comunicação digital. Muitas tiveram a sorte de terem sido berço de escritores que perpetuaram em livro a memória da época em que viveram e algumas foram estudadas por apaixonados que reuniram memórias etnográficas, arquitetónicas, com respeito pelos concidadãos que as cuidaram.
Só conheci o Hernâni neste século, apesar de ter ido para a Valeja, a 14 km de Estremoz, com uma semana de idade e de aí ter passado até aos 20 anos, Natais, Páscoa e parte das férias grandes, com idas a Estremoz, semanais e nos dias de festa. Só passei a conhecer Estremoz e a lembrar aspectos do meu crescimento com o blogue que o Hernâni tem mantido vivo, com a sua paixão multifacetada, acompanhando e defendendo a integridade do património cultural com independência, isenção e conhecimento meticuloso. 
São inúmeros os agradecimentos que deveria fazer ao Hernâni, da gastronomia que partilhámos, às conversas na Feira de Velharias, onde ele salvava objectos abandonados, passando pelos muitos amigos comuns e vivências relembradas. 
Só aguardo o levantar deste cerco às nossas vidas para voltar ao Sábado à Terra de que mais gosto neste país que tenho percorrido e almoçar com o Hernâni no Tira-Picos.
 
António Morais Arnaud
Lisboa, 20 de Março de 2021

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Hernâni, o professor, o colega, o pai de Catarina e o amigo


Helena Fidalgo Marques. Professora.
 
Nos finais dos anos 80, do século passado, o Hernâni foi meu professor de Física e Química, no 10º e 11º ano. Ainda me recordo das suas aulas, no anfiteatro, que a Escola Secundária de Estremoz tinha na ala direita, onde atualmente estão os gabinetes e a biblioteca. Sempre, muito empenhado, em explicar aquelas matérias difíceis, mas interessantes, pelo menos para mim. Foi um bom professor e, dos tempos de aluna, ficaram memórias de luz.
Os professores contagiam e eu voltei à escola para, também, ser professora. E tive o privilégio de rever alguns dos meus professores e, entre eles, estava o colega Hernâni. Éramos os dois professores de Física. Só que ele da Física e Química e eu da Educação Física. Inércia, atrito, leis de Newton, velocidade, força e resistência, entre outros assuntos, são aspetos comuns às duas. Foram matérias que, também aprendi, no 9º ano, com a Fátima.
Em Abril de 2001, organizámos conjuntamente uma estafeta entre Évora e Estremoz, assegurada por cerca de 50 alunos da Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A estafeta constituiu uma das actividades de animação das Exposições Filatélicas “ESTREMOZ 2001” e “FILAMOZ 2001”, integradas no programa da FIAPE e visava transportar a mala postal entre a Estação dos Correios do Largo das Portas de Moura, em Évora e o Teatro Bernardim Ribeiro, em Estremoz, local do acto inaugural daquelas exposições. A mala transportada sucessivamente pelos alunos, continha correspondência marcada à partida com a marca de dia de serviço na Estação, assim como o carimbo de trânsito de “Correio por Estafetas”, sendo marcada à chegada com o “Carimbo Comemorativo do Centenário de Tomaz Alcaide”.
Quando a Catarina, filha da Fátima e do Hernâni, chegou ao ensino secundário, foi a minha vez de ser a sua professora.
Somos exemplo, de como a escola nos ligou. E, quando passados, cerca de 35 anos, recebo o seu convite para escrever, chamo-lhe amizade.
Obrigado Hernâni pelos seus ensinamentos e pelo gosto insaciável de partilhar conhecimento.
 
Helena Fidalgo Marques
Estremoz, 14 de março de 2021


Os alunos participantes na estafeta Évora-Estremoz realizada em Abril de 2001
posando para a posteridade.

domingo, 4 de abril de 2021

Hernâni, Homem de Cultura!


Renato Valadeiro. Funcionário autárquico.
 

Décimas dedicadas a Hernâni Matos
pelo poeta popular Renato Valadeiro


HERNÂNI, HOMEM DE CULTURA!

 
Faz anos que o conheci
Amigo que no tempo perdura
Por isso é que eu digo aqui
Hernâni, homem de cultura!
 
Soube que foi professor
A mim não me leccionou
De estudar não se cansou
O que faz é por amor.
Deixo-lhe assim o louvor
Porque eu nunca fingi
Enquanto assim eu cresci
Descobrindo coisas boas
Foi uma dessas pessoas
Faz anos que o conheci.
 
Sempre ele me convidava
Para os encontros de poetas
Queria atingir suas metas
Em tudo o que organizava.
Ninguém sequer o calava
Tinha até certa “bravura”
Quando alguma criatura
As voltas, lhe queria trocar
Vou então sempre afirmar
Amigo que no tempo perdura.
         
Também ele se dedica
À arte da Filatelia
E cada evento que cria
De coração cheio se fica.
Há mesmo quem o critica
Mas eu jamais percebi
Porque se o Sujeito segui
Sei que sabe muito de História
Não me sairá da memória
Por isso é que eu digo aqui.
 
E no blogue onde escreve
Pode-se provar ser verdade
Falar sobre esta cidade
Só como ele sabe e se atreve.
Que um dia destes se eleve
Para lembrança futura
Justa homenagem em escultura
Deste Ser mui sabedor
Dando-lhe o devido valor
Hernâni, Homem de Cultura!

Renato Valadeiro
Estremoz, 14 de Março de 2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O jogo ainda não acabou!


José Gonçalez. Fadista. Radialista. Fotografia de Márcia Filipa Moura.

Falar do Prof. Hernâni Matos foi o desafio colocado. Talvez eu possa dizer que não é muito difícil falar do Prof. Hernâni, como possa dizer que não é muito fácil falar do Prof. Hernâni. Não porque a vida do Prof. se me afigure uma antítese ou algo que é alguma coisa e o seu contrário. Não. Vou tentar explicar. Não é fácil falar do Prof. Hernâni porque nunca foi meu professor, nunca tive com ele um relacionamento, estreito ou muito próximo e nunca desenvolvi com ele nenhuma actividade cultural ou social.

A nossa relação foi sempre a de duas pessoas que se conhecem, sabem quem são e se respeitam. Por isso, não me será difícil falar sobre o Prof. Mas, ao mesmo tempo, não me é fácil falar do Prof. Hernâni porque nem sei de quando o conheço. Conheço-o de sempre. Conheci muito bem o seu Pai, amigo do meu Pai e visita habitual da antiga Sociedade Columbófila de Estremoz. E lembro-me de o ver nos jogos do Hóquei também! Do Prof. sempre ouvi também falar do acidente que teve, de como Estremoz viveu esse acontecimento e como o Prof. recuperou.
Não será difícil conhecer o Prof. Hernâni porque o seu trabalho é publico e notório. Não falo da sua profissão e da sua dedicação à causa, seguramente. Não. Falo das questões políticas e culturais. Na política cruzei-me com o Prof. várias vezes, tive o enorme gosto e honra de o entrevistar na “minha Rádio Despertar” em várias ocasiões e de ter percebido a sua dimensão humana e intelectual. Creio que a nossa primeira conversa foi com o Dr. Dias Sena, quando este foi candidato à Câmara Municipal de Estremoz. Lembro-me de várias conversas, lanches até, recordo mesmo uma tarde com o Eng.º Vítor Silva, entre outros, no quiosque do Rossio Marquês de Pombal, dias depois de o Dr. José Dias Sena ter sido eleito Presidente e se preparar mais uma edição da FIAPE… Mas, como sempre vi o Prof. Hernâni, para lá do seu grave vocal, foi a de um homem sonhador, dedicado, estudioso, trabalhador, historiador. Envolvido e envolvente.
Leio atentamente o seu blogue “Do Tempo da Outra Senhora” e alegra-me muito que alguém se preocupe com o nosso passado colectivo, neste caso muito focado em Estremoz, nas suas gentes, nos seus hábitos, tradições e costumes. Está a fazer História, está a deixar História e está sobretudo a deixar ferramentas às gerações vindouras. Um trabalho importantíssimo e de grande mérito.
Lembro-me do Prof. igualmente pela sua paixão à Filatelia. Por culpa sua, ao ver uma exposição, comecei uma colecção de selos. Não tenho muitos, tenho alguns, mas o coleccionador ficou, há muito, pelo caminho. Mas mantive os selos.
Por fim, acompanhei e acompanho, o seu excelente trabalho desenvolvido à volta da barrística de Estremoz, aos “Bonecos”, do seu apoio, entrega e paixão a esta arte tão enraizada na Cidade de Estremoz, que lhe vale hoje a sua elevação a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Por tudo isto e por tanto mais com certeza, não se pode afigurar difícil falar sobre o Prof. Hernâni, a exposição pública das suas actividades, a sua acção pública e empenhada pela valorização e perpetuação, mesmo a um nível antropológico da História de Estremoz e das suas gentes, bem como a sua intervenção política. Tudo isto fez e faz, com que o Prof. Hernâni não seja mais um na bancada a assistir aos jogos. Sempre o vi em campo. Em vários campos e é assim que espero continuar a vê-lo por muitos mais anos. Assumindo as suas lutas, trabalhando e partilhando as suas obras.
Prof., o “jogo” ainda não acabou, meu caro. Não será um homem consensual, nem poderia ser. As pessoas que abraçam causas e dão a cara por crenças, nunca o serão. O meu abraço e da minha parte muito obrigado pelos seus excelentes trabalhos e dedicação!

José Gonçalez

Estoril, 10 de Março de 2021

quarta-feira, 31 de março de 2021

MANIFESTO PRÓ-HERNÂNI à maneira de Almada, com PIM e tudo!

 
Francisca de Matos. Professora. Foto de Luís Mariano Guimarães.

MANIFESTO PRÓ-HERNÂNI
à maneira de Almada, com PIM e tudo!
 
O Hernâni tem alma de azinheira que nos montes enfrenta a ventania de igual para igual!
O Hernâni é homem de paixões arrebatadas: pelo Alentejo, por Estremoz, pela cultura popular que coleciona com a voracidade de quem sabe que daquilo já não há quem faça mais!
O Hernâni é guardião de tesouros e preciosidades de antanho, das memórias de um tempo que já não existe, mas que é preciso não esquecer, tanto pelas boas como pelas más razões.
 
 Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni é incansável! Como Sísifo, move pedregulhos, escava este mundo e o outro com afinco, uma e outra vez, à procura das certezas que o seu instinto lhe diz que existem e que acaba por, mais cedo ou mais tarde, encontrar!
O Hernâni fez da escrita uma arma de pontaria certeira para lembrar que o passado define quem somos e que não o podemos descartar sob pena de perdermos a nossa identidade cultural e coletiva!
O Hernâni é uma instituição, a memória viva de Estremoz, das suas gentes e das suas tradições!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni faz pontaria aos dantas deste mundo de cabeça erguida e sem pedir licença por ser como é!
O Hernâni diz o que pensa e o que sente, sem subterfúgios, doa a quem doer, e ganhou o direito de o fazer porque tem feito muito pela sua terra. Só é pena que, como diz o rifão, “santos da casa não façam milagres”!...
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni levou longe a sua paixão pela filatelia! Foi nesta fase que o conheci e testemunhei o seu empenho e iniciativa na realização de eventos que projetaram Estremoz a nível nacional e internacional!
O Hernâni dinamizou, durante anos, um espaço aberto a colecionadores e artistas, um espaço de diálogo, de encontro e de partilha que muito animou a cidade e que a cidade não deveria esquecer!
Na verdade, uma cidade que tem a força motriz de um Hernâni que não consegue estar quieto nem um segundo e que a todo a hora faz propostas e lança ideias cuja primeira intenção é valorizar e melhorar a terra em que nasceu deve, no mínimo, estar reconhecida pela sua existência!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
Mas o Hernâni tem um amor maior, um amor da idade madura, daqueles que nascem da certeza e do saber e, por isso, são à prova de bala. Amor alimentado pela experiência, pelo conhecimento e, sobretudo, pelas suas próprias raízes culturais: os bonecos de Estremoz!
Por este amor tem feito das tripas coração, tem até engolido sapos, o que só confirma a fortaleza e a grandeza dos seus sentimentos!
Por este amor, o Hernâni tem construído um sólido enquadramento teórico que ficará para a posteridade e que lhe permite, como a qualquer apaixonado, tomar a liberdade de ousar!
O Hernâni tem sido candeia que vai à frente: questiona ideias feitas, desafia convenções, desafia artesãos! E estes respondem-lhe à letra para gáudio e satisfação do seu coração - que nessas alturas é de menino! - que mais não poderia desejar! E respondem aos seus desafios por saberem que ele respeita e valoriza a sua arte como poucos!
 
Viv’ó Hernâni, Viva!
 
O Hernâni e eu fomos colegas de profissão e, nas voltas do tempo, aprendemos a conhecer-nos. Aprendi que o Hernâni, por detrás daquela força da natureza que o ajuda a levantar-se sempre que a vida lhe prega uma partida é um homem empenhado, ativo e de grande sensibilidade. Quase sem dar por isso, tornámo-nos amigos e assim nos temos mantido até hoje (o diabo seja cego, surdo e mudo!)! A amizade que nos une é genuína e merece sempre retribuição! Sim, porque amigos não há muitos e como o Hernâni, então, são muito raros!
 
Por isso
Viv’ó Hernâni, Viva!

PIM!

Francisca de Matos
Estremoz, 7 de Março de 2021

 Francisca de Matos no decurso da sua palestra Até amanhã, Manuel Tiago" ou o
 neo-realismo como projecto de resistência, proferida na Sala de Exposições do
Centro Cultural de Estremoz, em 13 de Maio de 2013.
Foto de Luís Mariano Guimarães.


Hernâni Matos