segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Esquilo em madeira, possível artefacto de arte pastoril

 


Brinquedos populares
Desde os anos 80 do século XX que me interessei por brinquedos populares em madeira, folha de flandres e barro, os quais colecciono. Todos eles exercem em mim um fascínio que tem a ver com intensas e diversificadas memórias de infância, as quais ocupam um lugar privilegiado nas gavetas e baús do registo das memórias do tempo em que fui menino.
Recentemente comprei a um vendedor do Mercado das Velharias em Estremoz, um brinquedo popular cuja descrição passo a fazer de imediato.

Esquilo em madeira
O brinquedo popular que é objecto do presente estudo é uma escultura em madeira, representando um esquilo assente nas patas de trás e empunhando nas patas da frente um martelo, com o qual percute aquilo que configura ser uma noz assente num cepo.
Tanto as patas superiores como as inferiores constituem um bloco único, em cujas extremidades, sulcos definem os dedos. As orelhas formam igualmente um bloco único. No rosto, os olhos, as narinas e a boca encontram-se definidos por incisões efectuadas nas posições correspondentes. A cauda arrebitada apresenta sulcos, configurando pêlos, o mesmo se verificando na cabeça.
A escultura assenta numa base paralelepipédica de 12,2x3,4x2,4 cm, esquinada nas arestas e com duas “beliscadelas” junto às extremidades das arestas superiores e direccionadas segundo a maior dimensão do paralelepípedo. Das “beliscadelas” partem incisões paralelas que se dirigem em direcção às arestas inferiores.
A base tem um orifício situado no centro do topo da face de menores dimensões, situado do mesmo lado da cauda do esquilo. O orifício conduz a uma galeria cilíndrica, ao longo da qual se pode deslocar um cilindro maciço, segundo a direcção da maior dimensão da base.
Quando se comprime o cilindro, este actua numa articulação existente nos pés do esquilo, fazendo-o oscilar para trás. Quando cessa a compressão, o esquilo oscila para a frente, arrastando com ele o martelo, o qual percute a noz.

O esquilo em Portugal
Por falta de habitat, os esquilos foram durante centenas de anos, dados como extintos em Portugal. Todavia, nos anos 80 de séc. XX, começaram a atravessar a fronteira pelo Minho, tendo até hoje sido registada a sua presença nas áreas protegidas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do Parque Natural de Montesinho, do Parque Natural da Serra de São Mamede e do Parque Natural do Vale do Guadiana. A expansão dos esquilos pelo território nacional não será estranha à transformação da agricultura portuguesa em monoculturas florestais.

Arte pastoril?
A natureza artesanal da escultura em madeira que foi objecto do presente estudo, leva-me a admitir a possibilidade de estar em presença de um brinquedo popular, que seja um artefacto de arte pastoril alentejana. Será? Isso implicaria que um pastor alentejano tivesse avistado e observado um ou mais esquilos e tivesse registado mentalmente os contornos e os pormenores dos seus corpos. Tal não é impossível, já que o Parque Natural da Serra de São Mamede, por exemplo, é uma zona onde foram avistados esquilos e na qual existe pastorícia. De resto, a escultura em madeira pode ter sido manufacturada à maneira da arte pastoril, por um artesão que nunca tenha sido pastor.

2 comentários:

  1. Hernâni, mais um excelente apontamento cultural que divulgas.

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    1. Obrigado José, pelo teu comentário.
      Há coisas que falam comigo e me dizem muito. Que fazer então? Partilhar com os outros tudo aquilo que me dizem, porque considero isso bastante gratificante.
      Um grande abraço para ti, José.

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