terça-feira, 11 de junho de 2019

Estremoz - Surpresas do Mercado das Velharias - 02


Mercado das Velharias, em Estremoz. Fotografia de autor desconhecido.

Fiel frequentador do Mercado das Velharias em Estremoz, reincido em ir ali todos os sábados, como peregrino que vai cumprir uma promessa. Trata-se do compromisso assumido de por ali deambular à procura de registos do passado, que me permitam não só deleitar o espírito, como saciar a minha avidez de contar estórias. É que os objectos encerram em si estórias que se torna imperativo decifrar, para que possam ser transmitidas à comunidade. Daí que aqui dê conta de três exemplares de arte pastoril alentejana ali recentemente adquiridos.

Con­­sagração eucarística
A imagem mostra um invulgar exemplar de arte pastoril em madeira, representando o cálice, vaso sagrado onde, na Missa, se consagra o vinho no Sangue de Jesus Cristo. Vê-se ainda a hóstia circular, que se torna no seu Corpo às palavras da consagração.
O artefacto em madeira simboliza a Con­­sagração Eucarística, mo­men­to culminante da Missa em que, às pa­lavras de Jesus Cristo na Última Ceia, proferidas em sua me­mória pelo sacerdote celebrante, o pão e o vinho se transubstanciam no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo.


Consagração eucarística.

Forca de fazer cordão
Trata-se de uma alfaia em madeira usada em tecnologia têxtil rural na manufactura de cordão e cuja origem remonta ao período viking (01) e medieval (02). O seu uso terá diminuído depois do séc. XII (02) e renascido no séc. XVII (04), para diminuir novamente no início do séc. XIX (3). Era usada no fabrico de cordão para utilizar no vestuário ou para pendurar objectos do cinto.
A forca de fazer cordão tem sempre uma extremidade em forma de lira, na qual se manufactura o cordão e, na extremidade oposta uma alça pela qual a forca se segura na mão que não está a ser utilizada na produção de cordão. No caso presente, a alça da forca é de forma circular e assemelha-se à cabeça de uma cágueda (fecho de coleira de gado com chocalho suspenso). Está dividida em duas partes: um circulo central e uma coroa circular que lhe é circundante, ambos lavrados. O círculo central simula uma flor com pétalas irradiando do centro e ligeiramente encurvadas para a direita do observador. A coroa, à excepção da sua parte inferior está decorada com um padrão de zig-zag. A inscrição “ANTONIO” gravada no verso da forca, perpetua na madeira o antropónimo do artista popular que a concebeu e executou.
  
Forca de fazer cordão.

Descamisador
O descamisador (ou sovino) era uma alfaia agrícola, outrora utilizada nas descamisadas, para retirar as folhas que envolvem as maçarocas de milho após a respectiva colheita, de modo a prepará-las para a debulha. O descamisador era muitas vezes em madeira, consistindo de um pau pontiagudo, mais ou menos trabalhado. Com uma mão segurava-se uma maçaroca e com a outra empunhava-se o descamisador, cuja ponta era feita incidir longitudinalmente sobre a maçaroca, de modo a cortar as folhas sobrepostas, que depois eram separadas dela. A descamisada era um trabalho colectivo nocturno, de entreajuda e de convívio da comunidade vicinal.

Descamisador.

BIBLIOGRAFIA
(01) PETTERSSON, Kerstin.  En gotländsk kvinnas dräkt. Kring ett textilfynd från vikingatiden, Tor 12. Societas Archaeologica Upsaliensis. Uppsala, 1967-1968 (pág. 174- 200).
(02) - MACGREGOR, Arthur. Bone, Antler, Ivory and Horn: The Technology of Skeletal Materials since the Roman Period.  Croom Helm. London, 1985.
(03) - GROVES, Sylvia. The History of Needlework Tools and Accessories. Hamlyn Publishing. Middlesex, 1966.
 (04) - Oxford English Dictionary. Ver: “Lucets”.

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