Mercado das Velharias, em Estremoz. Fotografia de autor desconhecido.
Fiel frequentador do Mercado das Velharias em
Estremoz, reincido em ir ali todos os sábados, como peregrino que vai cumprir
uma promessa. Trata-se do compromisso assumido de por ali deambular à procura
de registos do passado, que me permitam não só deleitar o espírito, como saciar
a minha avidez de contar estórias. É que os objectos encerram em si estórias
que se torna imperativo decifrar, para que possam ser transmitidas à
comunidade. Daí que aqui dê conta de três exemplares de arte pastoril
alentejana ali recentemente adquiridos.
Consagração
eucarística
A imagem mostra um invulgar exemplar de arte
pastoril em madeira, representando o cálice, vaso sagrado onde, na Missa, se
consagra o vinho no Sangue de Jesus Cristo. Vê-se ainda a hóstia circular, que se
torna no seu Corpo às palavras da consagração.
O artefacto em madeira simboliza a Consagração Eucarística,
momento culminante da Missa em que, às palavras de Jesus Cristo na Última
Ceia, proferidas em sua memória pelo sacerdote celebrante, o pão e o vinho se
transubstanciam no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo.
Forca de fazer cordão
Trata-se de uma alfaia em madeira usada em
tecnologia têxtil rural na manufactura de cordão e cuja origem remonta ao
período viking (01) e medieval (02). O seu uso terá diminuído depois do séc.
XII (02) e renascido no séc. XVII (04), para diminuir novamente no início do
séc. XIX (3). Era usada no fabrico de cordão para utilizar no vestuário ou para
pendurar objectos do cinto.
A forca de fazer cordão tem sempre uma extremidade
em forma de lira, na qual se manufactura o cordão e, na extremidade oposta uma
alça pela qual a forca se segura na mão que não está a ser utilizada na
produção de cordão. No caso presente, a alça da forca é de forma circular e
assemelha-se à cabeça de uma cágueda (fecho de coleira de gado com chocalho
suspenso). Está dividida em duas partes: um circulo central e uma coroa
circular que lhe é circundante, ambos lavrados. O círculo central simula uma
flor com pétalas irradiando do centro e ligeiramente encurvadas para a direita
do observador. A coroa, à excepção da sua parte inferior está decorada com um
padrão de zig-zag. A inscrição “ANTONIO” gravada no verso da forca, perpetua na
madeira o antropónimo do artista popular que a concebeu e executou.
Descamisador
O descamisador (ou sovino) era uma alfaia agrícola,
outrora utilizada nas descamisadas, para retirar as folhas que envolvem as
maçarocas de milho após a respectiva colheita, de modo a prepará-las para a
debulha. O descamisador era muitas vezes em madeira, consistindo de um pau
pontiagudo, mais ou menos trabalhado. Com uma mão segurava-se uma maçaroca e
com a outra empunhava-se o descamisador, cuja ponta era feita incidir
longitudinalmente sobre a maçaroca, de modo a cortar as folhas sobrepostas, que
depois eram separadas dela. A descamisada era um trabalho colectivo nocturno,
de entreajuda e de convívio da comunidade vicinal.
(01) PETTERSSON, Kerstin. En gotländsk
kvinnas dräkt. Kring ett textilfynd från vikingatiden, Tor 12. Societas Archaeologica Upsaliensis. Uppsala , 1967-1968 (pág. 174- 200).
(02)
- MACGREGOR, Arthur. Bone, Antler,
Ivory and Horn: The Technology of Skeletal Materials since the Roman Period.
Croom Helm. London ,
1985.
(03)
- GROVES ,
Sylvia. The History of Needlework
Tools and Accessories. Hamlyn Publishing. Middlesex, 1966.
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