Capa de Alberto de Souza (1880-1961) para o livro
“TAPETES DE ARRAYOLOS”,
editado em 1917 por D. Sebastião Pessanha (1892-1975).
É um tremor de terra, Hernâni!
Era um fim de manhã soalheiro de Janeiro. Sentado à
secretária, filigranava uma farpa literária destinada a alguém, que algures
dela é merecedor. Da cozinha chegava-me às narinas um olor carnal a ensopado de
borrego que apurava no fogão. O aroma das especiarias excitava-me o olfacto e o
palato.
De repente, sinto um abanão que me induz a vibrar
solidariamente com a casa onde moro. Simultanea e sincronicamente, as vidraças
da janela começam a tremer com um nervoso que nada tinha de miudinho. Como sou
um penso rápido, disse para comigo mesmo:
- “ É um tremor de terra, Hernâni!”
Não deu para rezar a Santa Bárbara, já que não se
tratava dum castigo do Céu. Aquilo era obra do Demónio, congeminada nas
entranhas da Terra. Havia que sair rapidamente de onde estava, pelo que me
levantei da cadeira como que impulsionado por uma mola. Atravessei a sala de
jantar, na qual o lustre oscilava e os copos tilintavam nas cristaleiras, em
sintonia com as vidraças. Era um concerto para fugir dali. Por isso, desci dois
lances de escada a uma velocidade que só eu sei, no que fui acompanhado pela
patroa. Chegados à rua, não se falava noutra coisa e cada um relatava a sua
experiência pessoal.
Tem a palavra o IPMA
Decorrido algum tempo, o IPMA divulgou a seguinte nota informativa, a qual foi transmitida pelos média:
“O sismo que ocorreu às 11:51 (UTC), com uma magnitude ML=4.9, localizou-se na região NE de Arraiolos, perto de Aldeia da Serra. O hipocentro (preliminar) tem as coordenadas 38.779 N, 7.960 W e a profundidade de 11.8 km.
Indicando um mecanismo focal em desligamento direito, compatível com as determinações realizadas para sismos que ocorreram anteriormente na mesma região, de que é exemplo o sismo ocorrido em 31 de julho de 1998 com magnitude 4.
Este sismo ocorre numa conhecida área de sismicidade, designada habitualmente por “cluster sísmico” de Arraiolos, onde os acidentes morfológicos e os estudos geológicos apontam para uma orientação dominante WNW-ESE. A origem destes sismos está associada a uma zona de transição entre uma área relativamente calma sismicamente a norte, e uma área mais ativa sismicamente a Sul, dentro de uma zona denominada “Zona de Ossa-Morena”, caracterizada por soco Paleozóico da Península Ibérica que no Alentejo apresenta falhas orogénicas WNW-ESE e falhas frágeis tardi-variscas (pós-orogénicas) com a mesma orientação. A morfologia e em particular a rede drenagem tem a mesma orientação desta fracturação.
O IPMA enviou já uma equipa de sismologistas para realizar o inquérito macrossísmico na região. Este inquérito é importante para a caracterização do risco sísmico na região.”
13 badaladas na Torre dos Congregados
Entretanto, soaram 13 badaladas na Torre dos
Congregados. Foi como que um toque de clarim, em jeito de ordem para eu
dispersar. Tinha chegado a hora regimental de começar a dar ao dente e iniciar
a mastigação. Chegado a casa, as escadas foram mais fáceis de subir que de
descer, ao contrário do que se passou com Veloso, tal como nos relata Camões no
Canto V dos Lusíadas.
O ensopado não se escapou, tal como o borrego não
se tinha escapado e daí a razão de haver ensopado. A pinga também não se
escapou e desta feita tive direito a reforço, já que com o estremeção não
ganhara para o susto.
A feitura desta crónica interrompeu a farpa
literária que tinha entre mãos. Alguém terá dito:
- “Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas!”
A isso eu respondo:
- “Deixa estar, que não perdes pela demora!”
Hernâni Matos
Reporter de abanões e tudo
(Texto publicado no jornal E nº 192, de 25-01-2018)
(Texto publicado no jornal E nº 192, de 25-01-2018)
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