terça-feira, 14 de março de 2023

MERCADO TRADICIONAL DE ESTREMOZ / Bom filho à casa torna




Fotografias de
 Maria Miguéns



Primeira etapa
No passado dia 11 de Março, o tradicional Mercado de Sábado começou a regressar ao local anterior, uma vez que foram dadas por concluídas as obras de requalificação do espaço público do Rossio, iniciadas em Março do ano passado. A execução das obras tinha exigido a deslocalização das diversas componentes do Mercado de Sábado, que se espraiaram e diluíram ao longo dos 4 lados do quadrilátero que é o Rossio.
No passado sábado, os vendedores de produtos hortícolas, frutas, plantas, doçaria, queijos, enchidos e artesanato, voltaram a localizar-se na zona primitiva, ainda que não necessariamente no mesmo local, uma vez que houve necessidade de fazer ajustamentos que se impunham e justificavam.
A reinstalação dos vendedores teve lugar na sequência de um inquérito realizado no mês de Janeiro e de uma reunião com os mesmos no passado dia 6 de Março. Cada vendedor ocupa agora um lugar numerado, que consta de uma planta elaborada e da qual foi dado conhecimento prévio.

Segunda etapa
O regresso dos vendedores ao local anterior teve de se processar duma forma faseada, visando assegurar a logística necessária, bem como o apoio da equipa que acompanha o processo. Após a mudança ocorrida no passado sábado, terá lugar a mudança do Mercado das Velharias, a realizar no sábado, dia 25 de Março.

A cereja em cima do bolo
A reinstalação das várias componentes do Mercado de Sábado aponta para um retoque final perfeito, que é a aprovação em sede própria do Projecto de Regulamento Municipal de Mercados, Feiras e Venda Ambulante e Actividade de Restauração ou de Bebidas não Sedentária do Município de Estremoz, cuja discussão pública está a decorrer.
Há muito que se fazia sentir a necessidade de um novo Regulamento, uma vez que o anterior estava desactualizado. Vai, pois, haver um novo Regulamento que define e regula a organização, funcionamento, disciplina, limpeza e segurança interior do Mercado Tradicional de Sábado. De acordo com art.º 50 do Regulamento (Competência) no seu ponto 1.: A fiscalização do funcionamento das feiras e dos mercados municipais, bem como da venda ambulante e da actividade de restauração ou de bebidas não sedentária, incumbe aos serviços de fiscalização da Câmara Municipal e, nos termos definidos pela lei, às autoridades policiais, fiscais e sanitárias.
Vivemos num Estado de direito e em democracia. Significa isto que o Regulamento é para ser cumprido por todos, o que deve ser assegurado permanentemente e de uma forma activa pelas entidades e autoridades acima referidas. Faço votos para que cada uma cumpra a sua missão e o Regulamento não venha a ser letra morta, a que toda a gente fecha os olhos.

A importância do regresso às origens
Como cidadão responsável, é meu entendimento que o Município fez muito bem ao fazer regressar o Mercado Tradicional ao espaço primitivo. É esse o espaço inicial e tradicional, consignado pelo tempo e pela frequência de sucessivas gerações. É o espaço que herdámos dos nossos antepassados e que devemos valorizar, preservar e legar ás novas gerações. É fácil de perceber porquê.
A importância e a força do Mercado Tradicional resultam em primeiro lugar da sua situação privilegiada no centro da cidade, onde é fácil o acesso de mercadorias e o fluxo de pessoas. Resultam em segundo lugar da elevada concentração humana no espaço em que funciona. Tudo isso conjugado, contribui para que o espaço primitivo do Mercado Tradicional, seja um espaço nobre, um espaço de excelência, de proximidade e de partilha que urge preservar.
Dispersar o Mercado Tradicional ao longo do Rossio, tal como aconteceu transitoriamente, seria descaracterizá-lo pela sua fragmentação, quebrando os elos simbióticos entretecidos entre as suas diversas componentes. Uma tal segmentação enfraqueceria as dinâmicas inter partes, o que equivaleria a condená-lo á morte.
Bem-haja, pois, o Município de Estremoz por manter o Mercado Tradicional no espaço que há muito é seu e o tornaram num ex-líbris da nossa cidade.

Publicado no jornal E, n.º 308, de 16 de Março de 2023







segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Esquilo em madeira, possível artefacto de arte pastoril

 


Brinquedos populares
Desde os anos 80 do século XX que me interessei por brinquedos populares em madeira, folha de flandres e barro, os quais colecciono. Todos eles exercem em mim um fascínio que tem a ver com intensas e diversificadas memórias de infância, as quais ocupam um lugar privilegiado nas gavetas e baús do registo das memórias do tempo em que fui menino.
Recentemente comprei a um vendedor do Mercado das Velharias em Estremoz, um brinquedo popular cuja descrição passo a fazer de imediato.

Esquilo em madeira
O brinquedo popular que é objecto do presente estudo é uma escultura em madeira, representando um esquilo assente nas patas de trás e empunhando nas patas da frente um martelo, com o qual percute aquilo que configura ser uma noz assente num cepo.
Tanto as patas superiores como as inferiores constituem um bloco único, em cujas extremidades, sulcos definem os dedos. As orelhas formam igualmente um bloco único. No rosto, os olhos, as narinas e a boca encontram-se definidos por incisões efectuadas nas posições correspondentes. A cauda arrebitada apresenta sulcos, configurando pêlos, o mesmo se verificando na cabeça.
A escultura assenta numa base paralelepipédica de 12,2x3,4x2,4 cm, esquinada nas arestas e com duas “beliscadelas” junto às extremidades das arestas superiores e direccionadas segundo a maior dimensão do paralelepípedo. Das “beliscadelas” partem incisões paralelas que se dirigem em direcção às arestas inferiores.
A base tem um orifício situado no centro do topo da face de menores dimensões, situado do mesmo lado da cauda do esquilo. O orifício conduz a uma galeria cilíndrica, ao longo da qual se pode deslocar um cilindro maciço, segundo a direcção da maior dimensão da base.
Quando se comprime o cilindro, este actua numa articulação existente nos pés do esquilo, fazendo-o oscilar para trás. Quando cessa a compressão, o esquilo oscila para a frente, arrastando com ele o martelo, o qual percute a noz.

O esquilo em Portugal
Por falta de habitat, os esquilos foram durante centenas de anos, dados como extintos em Portugal. Todavia, nos anos 80 de séc. XX, começaram a atravessar a fronteira pelo Minho, tendo até hoje sido registada a sua presença nas áreas protegidas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do Parque Natural de Montesinho, do Parque Natural da Serra de São Mamede e do Parque Natural do Vale do Guadiana. A expansão dos esquilos pelo território nacional não será estranha à transformação da agricultura portuguesa em monoculturas florestais.

Arte pastoril?
A natureza artesanal da escultura em madeira que foi objecto do presente estudo, leva-me a admitir a possibilidade de estar em presença de um brinquedo popular, que seja um artefacto de arte pastoril alentejana. Será? Isso implicaria que um pastor alentejano tivesse avistado e observado um ou mais esquilos e tivesse registado mentalmente os contornos e os pormenores dos seus corpos. Tal não é impossível, já que o Parque Natural da Serra de São Mamede, por exemplo, é uma zona onde foram avistados esquilos e na qual existe pastorícia. De resto, a escultura em madeira pode ter sido manufacturada à maneira da arte pastoril, por um artesão que nunca tenha sido pastor.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Chávena e pires enfeitados



Chávema e pires enfeitados (2023). Modelação de Carlos Alves e pintura de
Cristina Malaquias.

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A chávena e o pires enfeitados [i] aqui apresentados foram modelados pelo barrista Carlos Alves e decorados por Cristina Malaquias, mediante sugestão minha. Trata-se de uma recriação de um conjunto homólogo de finais do séc. XIX, pertencente à colecção do pintor Armando Alves (1935- ), que foi aluno de Mestre Mariano da Conceição (1903-1959) e que adquiriu em 2011 o grosso da colecção Pinto Tavares, já que o sobrante, constituído por brinquedos de louça de Estremoz, uns pintados e outros não, foi por mim adquirido em 2012.
O Tenente-coronel Pinto Tavares cedeu a título de empréstimo de dias, exemplares da sua colecção para servirem de modelo na revitalização da manufactura de bonecos de Estremoz empreendida com êxito em 1935, pelo escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e mais tarde vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz.
José Maria de Sá Lemos atribuíra a si próprio a missão de recuperação da antiga tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, considerada extinta com a morte da barrista Gertrudes Rosa Marques (1840-1921).
Ana das Peles (1869-1945), velha bonequeira, foi o instrumento primordial dessa recuperação e Mestre Mariano da Conceição (O Alfacinha) foi o instrumento de continuidade dessa mesma recuperação.
A revitalização empreendida por Sá Lemos incidiu também na olaria enfeitada, para a qual foi determinante a valiosa e indispensável participação de Mestre Mariano da Conceição, que produziu esbeltos e coloridos exemplares que integram o acervo do Museu Rural de Estremoz, o que inclui pucarinhos, cantarinhas, candelabros, castiçais e palmatórias.
A chávena e o pires enfeitados, bem como os brinquedos de louça de Estremoz e outros que a seu tempo divulgarei, não foram objecto da recuperação impulsionada por Sá Lemos naquela época.
Daí a importância de que se reveste a recriação de Carlos Alves e Cristina Malaquias, que foi objecto do presente escrito. É um pontapé de saída no retomar da sua produção, para que não fique cativa das malhas do tempo e por direito próprio se apresente à luz do dia para usufruto e deleite do nosso espírito.

BIBLIOGRAFIA

Hernâni Matos



[i] A olaria enfeitada engloba exemplares oláricos de barro vermelho de Estremoz, enfeitados com motivos geralmente fitomórficos e geométricos, apostos por pintura ou por colagem com barbotina de elementos modelados com barro.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Oh que lindo arraial!

 

inspirados nos Bonecos de Estremoz,

A Boniqueira - Joana Santos Ceramista publicou ontem na sua página do Facebook, um texto associado à imagem acima, o qual reproduzo aqui na íntegra:

“Não foram a tempo do dia dos namorados mas ficaram prontinhas para o carnaval, o que, com a explosão de cores que delas emana, até é capaz de ser mais adequado.
É que bem vistas a coisas, o Amor é para ser celebrado todos os dias!
Agora, é vê-las a desfilar, pimponas e coloridas, na @gente.da.minha.terra , em Évora!
Feliz Entrudo!”

Naturalmente que fiquei fascinado pela suas bonecas, o que longe de constituir um caso isolado, se tornou uma prática corrente: a minha admiração pelo binomio “criações – escritos que lhe estão associados”.
Não é, pois, de admirar que eu, que não sou dado a morrer de pasmo a olhar para aquilo que gosto, tenha resolvido dar publico conhecimento de que gosto e porque gosto. É esse texto que partilho aqui com o leitor:

“Oh que lindo arraial!
Que bebedeira de cores, de luz e de formas!
Figuras saídas das mãos da Joana, que com alma e com calma, lhes deu alma, como elas precisavam e nos revelam na plenitude da sua individualidade.
Em termos plásticos e estéticos são ao mesmo tempo manifestos primaveris e hinos à alegria. São um abrir Abril das portas que se estão abrindo. É o povo, neste caso as mulheres, em marcha. É o Tempo Novo!”

Hernâni Matos

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

“Perpétua Cegueira do Amor” de Maria Antónia Viana

 



É sobejamente conhecida a minha paixão pelos Bonecos de Estremoz, a qual sendo dominante, não é exclusiva, já que há outros bonecos capazes de fazer tanger as tensas cordas de violino da minha alma. Foi o que se passou recentemente com a figura “Perpétua Cegueira do Amor” da barrista estremocense Maria Antónia Viana. Daí que partilhe com os leitores, tudo aquilo que a imagem me disse e sugeriu.
Trata-se de uma figura alegórica com uma modelação simples, mas harmoniosa e expressiva, cujo fruto é uma figura esbelta, servida por um cromatismo de dominante quente, baseada no vermelho e no amarelo, simbolicamente associados à paixão carnal e à alegria, respectivamente.
O vermelho povoa lábios carnudos, prontos a beijar, bem como dedos que coroam mãos carentes de afagos.
O coração, omnipresente, transvaza as mãos e conquista o resto do corpo. As asas e o chapéu transmutaram-se em corações, eles próprios trespassados por setas, que na extremidade visível, terminam por corações de menores dimensões.
Os olhos estão tapados por um chapéu de plumas azuis com olhos laranja (que sugerem penas de pavão), o qual parece evocar os chapéus de plumas das sufragistas dos princípios de novecentos, como Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete ou Carolina Beatriz Ângelo, pioneiras da luta pela igualdade de género em Portugal. O azul transmite a ideia de espiritualidade pautada por alegria e vitalidade, sugeridas pelos olhos cor de laranja. A utilização do azul e do laranja não terão sido ocasionais, já que são cores tradicionalmente usadas na decoração de Bonecos de Estremoz, muito em particular na figura do “Amor é cego”. Também a base na qual a figura assenta, parece querer dizer que a figura, não sendo Boneco de Estremoz, se inspirou nos Bonecos de Estremoz. Para tal, a barrista fez assentar a figura numa base de cor verde bandeira, orlada a zarcão e sarapintada de branco, amarelo e zarcão.
O coração sustentado pelas mãos e que ainda não foi atingido por nenhuma seta, apresenta uma decoração floral, que sugere a decoração das mobílias alentejanas, modo encontrado de referenciar a figura ao Alentejo.
A decoração da parte superior e inferior do vestido, integra corações que são pétalas vermelhas de flores, cujos caule verdes simbolizam no seu todo, a esperança num futuro que há de vir. Os folhos dos punhos e da gola do vestido, igualmente em verde, parecem configurar zonas de escape da quentura que do corpo dimana. Funciona como autodefesa de um corpo que não quer sofrer autocombustão.
Tendo em conta a designação ”Perpétua cegueira do amor” atribuída pela barrista á sua criação, sou levado a pensar que aquela denominação visa sugerir que há que tomar precauções. Se a ideia não for essa, que me perdoe a barrista, a quem agradeço e felicito vivamente pela oportunidade e felicidade deste seu trabalho. Bem haja.

Publicado inicialmente a 14 de Fevereiro de 2012 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Exposição "Amor é Cego" de Alexandre Correia

 



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 3 de Fevereiro de 2023

Integrada no programa das comemorações do "VIVE Estremoz Apaixonado", irá decorrer, no dia 14 de fevereiro, pelas 11:00 horas, no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, a inauguração da exposição "Amor é Cego", com peças da coleção de Alexandre Correia.
A mostra estará representada com mais de duas dezenas de peças do "Amor é Cego" da coleção privada de Alexandre Correia que dedica esta exposição à Vila de Veiros: "Pois bem, dá-me agora a cidade de Estremoz a honra de dar a conhecer ao mundo, pela primeira vez, esta minha coleção. A primeira vez que exponho parte da minha coleção de Artesanato que já conta com mais de um milhar de peças à parte da coleção que se centra na temática antoniana.
Quero dedicar esta exposição à Vila de Veiros, freguesia de Estremoz, e aos Veirenses pela forma simpática, acolhedora e afável com que me receberam e recebem na sua terra como se também eu um filho da terra fosse."
Atualmente, e desde os finais do século XX, o Amor é Cego tornou-se umas das mais conhecidas e produzidas peças do Figurado de Estremoz. Muitos são os estudiosos que tentam encontrar nesta figura inúmeras fontes de inspiração eruditas, contudo, não existem quaisquer certezas quanto às razões da sua origem, sendo hoje entendida pelo público como uma simples e bonita alegoria ao amor profano.
Uma exposição a não perder, que estará em exibição até 30 de abril de 2023.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Um benfiquista através do seu cabelo

 

Espelho de bolso, com ilustração alegórica ao Sport Lisboa e Benfica.
Cortesia de PATINE ESTREMOZ 

No princípio da minha juventude, aí pelos anos 60 do século passado, o rock an roll andava no ar e eu usava brilhantina ou brylcreem para modelar o cabelo à Elvis. Nas calças, dentro da carteira, trazia sempre um pentinho e um espelho, para poder compor o cabelo, para o que desse e viesse. O espelho era do Benfica. Pois claro!
Aí pelo Maio de 68, com 20 anos feitos, eu sonhava com as barricadas de Paris e punha-me ao lado de tudo aquilo que elas representavam. O cabelo dava-me então pelos ombros. Não havia pente que entrasse com ele. Passei a usar escova em casa. O pentinho e o espelho passaram à reforma, mas não a alma que continuou a ser benfiquista.
Já depois do 25 de Abril, passei a usar o cabelo mais curto, estilo senhor todo direitinho com os impostos e confissões em dia. É que não quis ser confundido com rapaziada que andava metida nos químicos para fugir ao real e usava o cabelo à Amália Rodrigues. Vermelho por dentro e por fora, continuei a ter o Benfica no coração.
Chegado à terceira idade, menos direitinho que dantes, mas com os impostos em dia e as confissões atrasadas, sou considerado um kota pela rapaziada de agora. A crina branca, sem fartura e a vastidão de outrora, só quer a escova e mais nada. Quanto ao resto: BENFICA, ATÉ DEBAIXO DE ÁGUA!