terça-feira, 18 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: José Marcelino Moreira


Fig. 1 - José Marcelino Moreira (1926-1991), a modelar uma “Primavera” na sua
oficina da Rua do Nine, nº 12 em Estremoz. Fotografia do filme “Bonecos de
Estremoz” realizado em 1976 por Lauro António. Cortesia de Lauro António.
Arquivo fotográfico do autor.

Nasceu a 23 de Março de 1926, no sítio dos Mártires, na freguesia de Santa Maria, concelho de Estremoz. Filho ilegítimo de Felicidade Moreira, de 28 anos, doméstica, natural e residente na referida freguesia e de pai incógnito (5).
José Moreira teve uma infância difícil. Quando a mãe morreu, ficou sem casa e vivia num buraco da muralha. Dado a tropelias, subia a meio da noite para a torre sineira da Igreja de Santiago em Estremoz onde tocava os sinos. Daí a alcunha de “Zé do Telhado”. Foi Ti Ana das Peles, que o veio a recolher em sua casa e lhe ensinou a arte bonequeira. De resto, aprendeu a modelar o barro na Olaria de Mestre Cassiano, cunhado de Ana das Peles, na Rua do Afã, onde ingressou aos 11 anos de idade. Aos 18 muda para a Olaria Alfacinha, na Rua de Santo Antonico, onde trabalhou cerca de 8 anos com José Ourelo (1916-1980). Dali viria a sair nos anos 70, para se dedicar exclusivamente à manufactura de Bonecos de Estremoz.
A 25 de Dezembro de 1956, com 30 anos de idade, casou catolicamente com Josefina Augusta Ferreira (1922-2019), de 34 anos, doméstica, natural do sítio das Casas Novas da freguesia de Santa Maria, concelho de Estremoz, filha legítima de Vicente Ferreira e de Maria Antónia Ferreira, já falecidos e naturais da referida freguesia de Santa Maria. A celebração do matrimónio segundo o regime de comunhão de bens, decorreu na Igreja Matriz de Santa Maria de Estremoz e foi presidida pelo Padre Henrique José Catarro, pároco da freguesia (6).
No quintal da sua residência, na Rua do Nine, nº 12 A, em Estremoz, tinha a oficina e o forno por ele próprio construído. Era ele quem procurava e cavava o barro que depois preparava, visando a confecção de imagens. Estas eram por si executadas, mas a pintura e o acabamento pertenciam a sua mulher, Josefina Augusta Ferreira (1922- )[1].
O pintor Armando Alves (1935- ) acompanhou de perto o trabalho de José Moreira e sobre ele escreveu (2): “Recordo muitas horas de bom convívio e troca de impressões sobre o trabalho desenvolvido pelo casal. Ele a modelar e trabalhar o barro como poucos o fazem e a Josefina nos acabamentos, isto é, a escolher as cores próprias para pintar cada boneco, o que ela fazia com extrema sensibilidade, desenvoltura e saber. Tive o primeiro contacto com o José Moreira, (que também dava pelo nome de José do Telhado), era eu aluno na Escola Industrial e Comercial de Estremoz e ele empregado na Olaria Alfacinha.
Vi-o muitas vezes a trabalhar na roda ao lado do José Ourelo e sob o olhar atento e exigente do mestre Mariano Alfacinha. Mas foi mais tarde que melhor o conheci. Nessa altura era eu professor na Escola Superior de Belas Artes do Porto e sempre que voltava a Estremoz visitava-o em sua casa para ver o que estava a fazer e conversarmos um pouco, sempre a propósito dos seus bonecos, dos “seus inventos”, a que
ele soube dar um cunho muito especial, (que o distingue de todos os artistas do barro que tenho conhecido), e que muito aprecio.
A casa está inserida num pequeno núcleo de arquitectura popular urbana de rara beleza que se desenvolve em vários compartimentos interligados, havendo ao fundo do quintal uma zona onde o José Moreira preparava o barro que ele próprio ia cavar ali para os lados dos Casarões, na estrada para Sousel.
Num tanque raso, por ele construído, fazia passar por várias fases o barro que trazia em bruto dos campos, até o levar à pureza necessária para ser trabalhado.
Opera-se ai o milagre da transformação da massa inerte que é o barro naquilo que hoje é um tesouro da criação humana - os Bonecos de Estremoz.
José Moreira (Fig. 1) e Josefina (Fig. 2) continuaram o trabalho dos artesãos que os antecederam abrindo caminho a outros que mantêm esta tradição que importa não deixar perder.
Recordo com saudade este casal de artistas populares que dedicaram grande parte das suas vidas a trabalhar o barro e a levar mais longe o nome de Estremoz.”
O trabalho de José Moreira e de Josefina está documentado no filme “Bonecos de Estremoz”, que Lauro António realizou em 1976 e que se encontra disponível no YouTube (3).
De José Moreira, disse Joaquim Vermelho (1927-2002) (1): “A renovação por que passou a barrística nos anos trinta encontrou em Zé Moreira um artista sensível para entender os seus valores e um raro criador. O que saía das suas mãos tinha uma marca muito pessoal.” E mais adiante “O Mundo da infância passada em contacto com a vida do campo foi importante escola para a criação das suas obras quer quanto a formas quer quanto a cores. Como a sua escola foi a da vida, que outros saberes não possuía, a sua arte surgiu liberta de influências e modismos’, com a pureza e ingenuidade que são timbre da escola de Estremoz resistindo sempre a uma certa clientela. E acabou por ficar como um exemplo de fidelidade e descomprometimento.“
José Moreira tinha uma maneira peculiar de observar o mundo e de o interpretar, tendo-nos legado traços de identidade pessoal nas peças que manufacturava, as quais são marcas indeléveis que o permitem identificar como autor.
O olhar das figuras antropomórficas, é semelhante ao das imagens de Mariano da Conceição, com sobrancelhas e pestanas paralelas, sendo estas últimas tangentes às meninas do olho. Todavia estas são maiores que nos Bonecos de Mariano, o que torna o olhar mais expressivo.
Nas figuras zoomórficas, os cavalos têm uma cabeça maior que as dos cavalos de Mariano da Conceição e de Sabina Santos. Têm um olhar mais vivo, as narinas e a boca estão mais bem definidas e os focinhos dos equídeos estão arrebitados, como que procurando afastar-se do pescoço. A crina do pescoço está não só representada por incisões no mesmo, como através de pintura na fronte e na nuca, pendendo para o lado esquerdo. E, ao contrário do que se passa nos ginetes de Mariano da Conceição e de Sabina Santos, a crina da cauda, pintada de preto, quase que roça o chão e está inclinada para o lado esquerdo, dando uma certa sensação de movimento. Em termos de comportamento animal, isto é sinónimo de insatisfação, tal como as narinas dilatadas são indício de atenção. Por outro lado, nas figuras a cavalo de José Moreira (Amazona, Cavaleiro, Frade a cavalo, Lanceiro, lanceiro com bandeira), a base é verde, enquanto que nas de Mariano e de Sabina e de acordo com a tradição, a base que representa o chão, é verde, pintalgada de branco, amarelo e zarcão, numa alegoria a um chão atapetado por erva e tufos coloridos de flores silvestres. Todavia, quando José Moreira utiliza noutras figuras esta forma de decoração da base, as pintas são maiores e mais próximas que nos Bonecos de Mariano da Conceição e de Sabina Santos.
Nas figuras masculinas, personagens das fainas agro-pastoris, ao contrário do que se passa nos Bonecos de Sabina Santos, o chapéu é sempre um chapéu aguadeiro, tal como nos correspondentes exemplares de Mariano da Conceição, ainda que por vezes de dimensões maiores.
No conjunto dos “Bonecos da Tradição” existem imagens que ilustram o uso do barrete no Alentejo. Caso de espécimens como “Pastor das migas” e “Matança do porco”. Todos os barristas do século XX e XXI cobriram a cabeça desses exemplares com o tradicional barrete. Porém, José Moreira, irreverente e inovador, nelas substituiu o barrete pelo tradicional chapéu aguadeiro, que a seu ver identificava melhor o homem alentejano.
Frequentador dos Salões de Artesanato do Estoril, do Mercado da Primavera em Lisboa e da Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, por diversas vezes premiado, foi um embaixador da barrística popular estremocense. Os seus Bonecos, muito expressivos e por isso muito apreciados, estão espalhados por todo o país e pelo estrangeiro.
Em Estremoz, José Moreira comercializava os seus Bonecos não só na sua oficina na Rua do Nine, nº 12, como no rés-do-chão da Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso, na Rua da Rainha Santa Isabel, frente à cadeia Quinhentista. O templo, construído nos finais do século XVI ou inícios do século XVII, destinava-se a servir espiritualmente os presos da cadeia. Ali existiu entre 1982 e 1991 uma loja de artesanato pertencente a Domingos Lameiras, funcionário da Pousada da Rainha Santa Isabel. A loja tinha como funcionária a sua sogra, a conhecida poetisa popular Constantina Babau.
Conheci José Moreira (1926-1991) nos finais dos anos cinquenta do século passado, quando comecei a fazer o avio para a casa dos meus pais na Mercearia Luiz Campos, no Largo General Graça, em Estremoz. José Moreira era igualmente cliente, daí que nos encontrássemos com frequência.
Mais tarde, nos anos sessenta, encontrávamo-nos no bar da Mocidade Portuguesa, por ocasião dos santos populares e ali bebíamos uns copos com o António Lapa do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa e com o menino Cigano. José Moreira era um bom conversador e tinha costela de filósofo. Era agradável conviver e falar com ele.
José Marcelino Moreira viria a falecer no dia 20 de Junho de 1991, com 65 anos de idade, no Hospital de Évora, freguesia da Sé (4), (9). Foi uma perda irreparável para a barrística popular estremocense. A sua mulher, Josefina Augusta Ferreira faleceu a 31 de Março de 2019, com 97 anos de idade no Centro Social Paroquial de Santo André - Estremoz (8).

BIBLIOGRAFIA
1 - A Barrística de Estremoz perde um dos seus mais expressivos representantes (José Marcelino Moreira) in Brados do Alentejo nº 285, 19/07/1991. Estremoz, 1991 (pág. 10).
2 - ALVES, Armando José Ruivo. Depoimento sobre José Marcelino Moreira. Porto, 2014. sp.
3 - ANTÓNIO, Lauro. Bonecos de Estremoz (Filme). Estremoz, 1976.
4 - José Marcelino Moreira -  Assento de Óbito nº 444 de 1991, da Conservatória do Registo Civil de Évora.
5 - José Marcelino Moreira - Registo de Nascimento nº 244 de 1926, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
6 - José Marcelino Moreira - Transcrição de Casamento nº 181 de 1956, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
7 - Josefina Augusta Ferreira – Assento de Nascimento nº 783 de 2015, da Conservatória do Registo Civil / Predial / Comercial / Automóvel de Estremoz.
8 - Josefina Augusta Ferreira – Assento de Óbito nº …. de 2019, da Conservatória do Registo Civil / Predial / Comercial / Automóvel de Estremoz.
9 - ÓBITOS – José Marcelino Moreira in Brados do Alentejo nº 284, 05/07/1991. Estremoz, 1991 (pág. 29).

Fig. 2 - Josefina Augusta Ferreira (1922-2019 ), mulher de José Moreira a pintar uma
figura confeccionada pelo seu marido. Fotografia do filme Bonecos de Estremoz”
realizado em 1976 por Lauro António. Cortesia de Lauro António.
Arquivo fotográfico do autor.
Hernâni Matos


[1] - Conheci pessoalmente José Moreira e nunca tive conhecimento que Josefina modelasse. O pintor Armando Alves (2) frequentador da oficina de José Moreira também não. O filme de Lauro António (3) também não fala de Josefina a modelar. Não conheço qualquer evidência física (marca de autor) que confirme que Josefina tenha modelado, ao contrário de Ana Lagartinho (1936- ), mulher de Mário Lagartinho (1935-2016), que assinava os Bonecos que confeccionava. Todavia, o director do Museu Municipal de Estremoz, Hugo Guerreira, afirma que em entrevista que lhe fez já com avançada idade, Josefina lhe disse que também modelava. O mesmo foi dito por Josefina às Irmãs Flores.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Estremoz - Surpresas do Mercado das Velharias - 02


Mercado das Velharias, em Estremoz. Fotografia de autor desconhecido.

Fiel frequentador do Mercado das Velharias em Estremoz, reincido em ir ali todos os sábados, como peregrino que vai cumprir uma promessa. Trata-se do compromisso assumido de por ali deambular à procura de registos do passado, que me permitam não só deleitar o espírito, como saciar a minha avidez de contar estórias. É que os objectos encerram em si estórias que se torna imperativo decifrar, para que possam ser transmitidas à comunidade. Daí que aqui dê conta de três exemplares de arte pastoril alentejana ali recentemente adquiridos.

Con­­sagração eucarística
A imagem mostra um invulgar exemplar de arte pastoril em madeira, representando o cálice, vaso sagrado onde, na Missa, se consagra o vinho no Sangue de Jesus Cristo. Vê-se ainda a hóstia circular, que se torna no seu Corpo às palavras da consagração.
O artefacto em madeira simboliza a Con­­sagração Eucarística, mo­men­to culminante da Missa em que, às pa­lavras de Jesus Cristo na Última Ceia, proferidas em sua me­mória pelo sacerdote celebrante, o pão e o vinho se transubstanciam no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo.


Consagração eucarística.

Forca de fazer cordão
Trata-se de uma alfaia em madeira usada em tecnologia têxtil rural na manufactura de cordão e cuja origem remonta ao período viking (01) e medieval (02). O seu uso terá diminuído depois do séc. XII (02) e renascido no séc. XVII (04), para diminuir novamente no início do séc. XIX (3). Era usada no fabrico de cordão para utilizar no vestuário ou para pendurar objectos do cinto.
A forca de fazer cordão tem sempre uma extremidade em forma de lira, na qual se manufactura o cordão e, na extremidade oposta uma alça pela qual a forca se segura na mão que não está a ser utilizada na produção de cordão. No caso presente, a alça da forca é de forma circular e assemelha-se à cabeça de uma cágueda (fecho de coleira de gado com chocalho suspenso). Está dividida em duas partes: um circulo central e uma coroa circular que lhe é circundante, ambos lavrados. O círculo central simula uma flor com pétalas irradiando do centro e ligeiramente encurvadas para a direita do observador. A coroa, à excepção da sua parte inferior está decorada com um padrão de zig-zag. A inscrição “ANTONIO” gravada no verso da forca, perpetua na madeira o antropónimo do artista popular que a concebeu e executou.
  
Forca de fazer cordão.

Descamisador
O descamisador (ou sovino) era uma alfaia agrícola, outrora utilizada nas descamisadas, para retirar as folhas que envolvem as maçarocas de milho após a respectiva colheita, de modo a prepará-las para a debulha. O descamisador era muitas vezes em madeira, consistindo de um pau pontiagudo, mais ou menos trabalhado. Com uma mão segurava-se uma maçaroca e com a outra empunhava-se o descamisador, cuja ponta era feita incidir longitudinalmente sobre a maçaroca, de modo a cortar as folhas sobrepostas, que depois eram separadas dela. A descamisada era um trabalho colectivo nocturno, de entreajuda e de convívio da comunidade vicinal.

Descamisador.

BIBLIOGRAFIA
(01) PETTERSSON, Kerstin.  En gotländsk kvinnas dräkt. Kring ett textilfynd från vikingatiden, Tor 12. Societas Archaeologica Upsaliensis. Uppsala, 1967-1968 (pág. 174- 200).
(02) - MACGREGOR, Arthur. Bone, Antler, Ivory and Horn: The Technology of Skeletal Materials since the Roman Period.  Croom Helm. London, 1985.
(03) - GROVES, Sylvia. The History of Needlework Tools and Accessories. Hamlyn Publishing. Middlesex, 1966.
 (04) - Oxford English Dictionary. Ver: “Lucets”.

domingo, 9 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Preta florista


Preta florista. Ana das Peles (1859-1945).


Figura antropomórfica feminina, seminua [1], cor de chocolate, de pé, com as mãos segurando uma canastra com flores, à altura da cintura. A canastra [2] é amarela e apresenta lateralmente linhas incisas e inclinadas que se cruzam para parecer que a canastra foi entretecida com verga [3]. A canastra comporta flores policromáticas e folhas verdes.
Na cabeça, o cabelo curto é negro e picado para imitar carapinha.
A cabeça está envolvida superiormente por um turbante de forma cilíndrica, cor de zarcão e com linhas incisas na horizontal [4]. O turbante está decorado na parte lateral esquerda com um laço amarelo, do qual pende a ponta do turbante que cai até ao peito da figura. As linhas incisas do turbante, apresentaram uma pintura amarela, praticamente toda sumida [5].
Os olhos são dois círculos negros em fundo circular branco [6]. O nariz é uma saliência larga e a boca está pintada de vermelho.
Das orelhas pendem duas argolas amarelas de formato oval, representando brincos. O pescoço é de formato cilíndrico e está envolto por um lenço cor de zarcão [7] com as pontas pendentes e unidas na parte frontal superior do tronco.
Os braços são cilindriformes, arqueados para dentro e na sua extremidade, as mãos apresentam linhas incisas representando os dedos. Cada um dos ombros está ornamentado com três flores policromáticas, de forma cónica.
As pernas são cilindriformes e nas suas extremidades os pés apresentam linhas incisas, configurando os dedos [8].
A figura veste uma saia curta e rodada, cor de zarcão, ornamentada próximo do fundo com uma barra amarela, de aspecto cordiforme [9]. Na cintura, um fita amarela [10] que termina num laço de pontas pendentes na parte posterior.
A figura assenta numa base circular de cor verde, com círculos entalhados e da mesma cor, junto à orla [11].





[1] A figura está seminua porque usa apenas saia e tem o tronco a descoberto. A representação é comum aos demais barristas estudados, exceptuando-se José Moreira, cujo modelo enverga um vestido.
[2] Nos Bonecos de Ana das Peles, de Liberdade da Conceição e de Maria Luísa da Conceição, a canastra não apresenta pegas, como acontece nos restantes barristas estudados.
[3] Ana das Peles imita o entretecimento da verga na canastra recorrendo a incisões. Maria Luísa da Conceição fá-lo recorrendo a linhas inclinadas cor de laranja, as quais se cruzam. Os restantes barristas estudados não simulam o entretecimento da verga. Apenas a canastra de Liberdade da Conceição está decorada no bordo superior com traços alternadamente azuis e cor de zarcão.
[4] O turbante da imagem de José Moreira, ao contrário dos demais, é de cor amarela com uma faixa cor de zarcão e não apresenta linhas incisas na horizontal.
[5] O mesmo acontece nas linhas do turbante do exemplar de Mariano da Conceição. Já nas figuras de Sabina da Conceição e das Irmãs Flores, a pintura amarela das linhas incisas do turbante é bem visível. Por sua vez, nas imagens de Liberdade da Conceição e de Maria Luísa da Conceição, as linhas incisas do turbante foram pintadas a vermelho.
[6] O mesmo se passa em todos os exemplares estudados, à excepção do de Maria Luísa da Conceição, no qual os olhos são dois círculos negros em fundo elíptico branco.
[7] É o que acontece nas restantes figuras estudadas, à excepção da de Mariano da Conceição, em que o lenço é amarelo com pintas cor de zarcão, assim como na das Irmãs Flores, na qual o lenço apresenta uma faixa amarela e outra cor de zarcão, no sentido longitudinal.
[8] Ana das Peles e Mariano da Conceição não configuraram as unhas, o que não acontece nos restantes barristas estudados. Nestes, as unhas podem aparecer com diferentes cores: creme (José Moreira), castanho (Sabina da Conceição), cor de zarcão (Liberdade da Conceição e Maria Luísa da Conceição) e cinzento claro (Irmãs Flores).
[9] O artefacto de José Moreira, ao contrário dos restantes, não apresenta junto do fundo, uma barra amarela de aspecto cordiforme. Apresenta sim, duas barras lisas, uma cor de zarcão na orla do vestido e outra azul-escuro, mais para cima.
[10] No espécimen de José Moreira, a fita é cor de zarcão.
[11] Os círculos são da mesma cor verde da base. Exceptua-se o exemplar de José Moreira, no qual os círculos foram alternadamente pintados de branco e cor de zarcão. Exceptua-se ainda o artefacto de Liberdade da Conceição, no qual os círculos foram preenchidos a azul- escuro.

Preta florista. Mariano da Conceição (1903-1959).

Preta florista. Sabina da Conceição (1921-2005).

Preta florista. Liberdade da Conceição (1913-1990).


Preta florista. José Moreira (1926-1991).


Preta florista. Irmãs Flores (1957, 1958-)


Preta florista. Maria Luísa da Conceição (1934-2015).

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Quirina Alice Marmelo


Fig. 1 - Quirina Marmelo (1922-2009) a trabalhar na sua oficina perante o olhar
embevecido de uma admiradora, a minha madrinha de baptismo Maria da
Conceição Carmelo Figueira. Fotografia de autor desconhecido, c. 2000.
 Arquivo fotográfico do autor.

Nasceu a 10 de Janeiro de 1922 numa casa dos montes da Igreja, na freguesia de São Lourenço de Mamporcão, concelho de Estremoz. Filha legítima de Silvestre António Marmelo, de 50 anos, trabalhador, natural da freguesia de Santo António da Terrugem do concelho de Elvas e de Joaquina de Jesus, de 40 anos, doméstica, natural da freguesia de São Lourenço de Mamporcão, concelho de Estremoz (6).
A 3 de Março de 1973, com 51 anos de idade, casou catolicamente com António Lino de Sousa, de 54 anos, oleiro, natural da freguesia de Redondo, concelho de Redondo. O casamento ficou sujeito ao regime imperativo de separação de bens, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 1920 do Código Civil. A celebração do matrimónio decorreu na Igreja Matriz de Santa Maria de Estremoz e foi presidida pelo Padre Júlio Luís Esteves (3).
Quirina começou a trabalhar no campo aos 11 anos, onde trabalhou até ingressar como cozinheira no refeitório da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, em 15 de Novembro de 1962, na qualidade de contratada. O Contracto Individual de Trabalho foi assinado a rogo de Quirina, visto esta não saber ler. Em 25 de Setembro de 1981 deixa de ser cozinheira e passa à condição de servente contratada, tendo sido dispensada da habilitação (4ª classe) por certidão passada pela Direcção-geral de Educação de Adultos. De 3 de Novembro de 1982 até à sua aposentação, em 29 de Outubro de 1986, teve a categoria de contínua de 2ª classe. A última classificação de serviço que teve foi Bom (5).
Quirina enviuvou a 5 de Junho de 1982, com a idade de 60 anos, tendo o marido sido vítima de insuficiência cardíaca – edema agudo do pulmão. (1)
Ainda em vida do marido, Quirina confeccionava Bonecos com ele e pintava os de ambos, visto que a pintura não era uma tarefa que agradasse ao marido. Após se ter aposentado como cozinheira, Quirina (Fig. 1) dedicou-se em exclusivo à manufactura de Bonecos na sua oficina-loja na Rua Arco de Santarém, nº 4, onde também comercializava louça do Redondo e de São Pedro do Corval. Outro ponto de venda dos seus Bonecos era o Museu Municipal de Estremoz.
A cozedura dos Bonecos era feita inicialmente num forno a lenha que o marido António Lino construíra no quintal da sua residência. Só nos últimos anos da sua vida é que Quirina passou a cozer numa mufla eléctrica, actualmente utilizada por seu neto, Duarte Catela.
As suas figuras tanto antropomórficas como zoomórficas têm um aspecto por um lado vigoroso e por outro lado simplificado quando comparado com as de outros barristas. A esta manufactura sui-generis está associada uma pintura que utiliza cores não convencionais. Tudo isto torna inconfundíveis os seus Bonecos.
Enquanto foi viva, Quirina participou primeiro na Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz e na FIAPE depois, bem como na Feira de São Mateus, em Elvas. Participou ainda em exposições individuais e colectivas, promovidas pelo Museu Municipal de Estremoz. Viria a falecer no dia 23 de Setembro de 2009, com 87 anos de idade. Morava então na Rua Alexandre Herculano, nº 100, em Estremoz (4), (2).

BIBLIOGRAFIA
(1) - António Lino de Sousa - Assento de Óbito nº 87 de 1982, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(2) - QUIRINA ALICE MARMELO – Agradecimento in Brados do Alentejo nº 721, 01/10/2009. Estremoz, 2009 (pág. 2).
(3) - Quirina Alice Marmelo - Assento de Casamento nº 18 de 1973, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(4) - Quirina Alice Marmelo - Assento de Óbito nº 181 de 2009, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(5) - Quirina Alice Marmelo - Processo Individual de funcionária nº 748.
(6) - Quirina Alice Marmelo - Registo de Nascimento nº 81 de 1922, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
Presépio de 3 figuras.

Presépio de 3 figuras.

Pastor ofertante com um borrego ao colo.

Nossa Senhora da Conceição.

São João Baptista com flores.

Ceifeira.

Mulher da azeitona.

Mondadeira.

Pastor de tarro e manta.

Pastor de tarro e manta.

Pastor a dormir debaixo da árvore.

Pastor do harmónio.

Porqueiro.

Mulher dos enchidos.

Coqueira.

Amazona dos ovos.

Amazona dos ovos.

Leiteiro.

Leiteiro.

Peralta.

Amor é cego.

Amor é cego.

Banda.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: António Lino de Sousa


Fig. 1 – Operação de desenfornar na Olaria Alfacinha nos anos 50 do séc. XX.
Ao centro António Lino de Sousa (1918-1982) com cerca de 40 anos. À sua
esquerda Caetano da Conceição e à sua direita Jerónimo da Conceição.
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo fotográfico do autor. 

Nasceu a 4 de Junho de 1918 numa casa da rua do Poço Novo, na freguesia da Anunciação, concelho de Redondo. Filho legítimo de José Arnaldo de Sousa Meneses, de 24 anos, oleiro, natural da freguesia da Conceição, concelho de Vila Viçosa e de Isabel Maria Lopes, de 19 anos, doméstica, natural da freguesia da Anunciação, concelho de Redondo (3).
Aos 12 anos entrou como aprendiz na Olaria Alfacinha, onde chegou a rodista. Era popularmente conhecido por duas alcunhas “Mouco” e “Redondeiro”.
A 3 de Março de 1973, com 54 anos de idade, casou catolicamente com Quirina Alice Marmelo, de 51 anos, cozinheira, natural da freguesia de São Lourenço, concelho de Estremoz. O casamento ficou sujeito ao regime imperativo de separação de bens, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 1920 do Código Civil. A celebração do matrimónio decorreu na Igreja Matriz de Santa Maria de Estremoz e foi presidida pelo Padre Júlio Luís Esteves, pároco da freguesia (4).
Foi na Olaria Alfacinha (Fig. 1) que, com Mestre Mariano da Conceição, aprendeu a manufactura de Bonecos de Estremoz, visando reforçar o seu magro salário. A isso se dedicava nos dias de folga, no que era acompanhado por Quirina, que além de manufacturar os seus próprios Bonecos, pintava os de ambos, visto que ao marido não lhe agradava pintar. O barro utilizado por António Lino era por ele recolhido nos Barreiros e preparado para modelar. A cozedura dos Bonecos era feita num forno a lenha que construíra no quintal da sua residência.
Por motivos de saúde, António Lino teve em 1976 de deixar a Olaria Alfacinha, dedicando-se então em exclusivo à confecção de Bonecos na sua oficina-loja na Rua Arco de Santarém, nº 4, onde igualmente comercializava louça do Redondo e de São Pedro do Corval. Outro local de venda dos seus Bonecos era o Museu Municipal de Estremoz, próximo da sua casa. Nunca frequentou feiras.
Uma coisa chama desde logo a atenção nas suas figuras: as dimensões diminutas das suas bases.
António Lino viria a falecer no dia 5 de Junho de 1982, com 64 anos de idade, vítima de insuficiência cardíaca – edema agudo do pulmão. Morava na Rua Arco de Santarém, nº 4 (2), (1).

BIBLIOGRAFIA
(1) - AGRADECIMENTO - António Lino de Sousa in Brados do Alentejo nº 67, 25/06/1982. Estremoz, 1982 (pág. 2).
(2) - António Lino de Sousa - Assento de Óbito nº 87 de 1982, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(3) - António Lino de Sousa - Registo de Nascimento nº 185 de 1918, da Conservatória do Registo Civil do Redondo.
(4) - António Lino de Sousa - Assento de Casamento nº 18 de 1973, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.

Hernâni Matos

Mulher da azeitona.

Pastor com um borrego ao ombro.


Pastor ofertante das pombas.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Os Militares


Lanceiro. Sabina da Conceição.

No conjunto dos “Bonecos da Tradição” existem figuras que têm a ver com a realidade local, nas quais se insere um sub-conjunto de imagens que são os militares: Lanceiro (Fig. 1), Lanceiro com bandeira (Fig. 2), Sargento (Fig. 3) e Sargento no Jardim (Fig. 4).
Estremoz foi desde sempre uma praça militar com alguma importância estratégica, daí que a comunidade local se tenha habituado a conviver com a instituição militar e alguns dos seus membros estejam representados nos “Bonecos da Tradição”. Desde 5 de Abril de 1875 que o Regimento de Cavalaria n.º 3 se encontra definitivamente instalado em Estremoz. O RC3 é herdeiro das tradições e património do Regimento dos Dragões de Olivença e do Regimento de Lanceiros n.º 1.

 Lanceiro com bandeira. Ana das Peles.

Sargento. Isabel Carona.

Sargento no jardim. Mariano da Conceição.