terça-feira, 2 de julho de 2013

A importância de se chamar Carmelo


Dois Carmelos coleccionadores. Fotografia de Hugo Guerreiro,
obtida no Museu Municipal de Estremoz no dia 27 de Junho de 2013.


                                                          Ao meu Amigo Carmelo Aires:

Este cliché mostra dois visitantes do Museu Municipal de Estremoz numa pose para a posteridade, após uma visita guiada pelo Director, Hugo Guerreiro.
Para além de semelhanças óbvias como cabelo grisalho, óculos e caneta pronta a usar, parece que nada mais une os dois personagens. Nada de mais ilusório. Partilham múltiplas emoções: o culto da tradição, o fascínio da ruralidade, o gosto pela arte pastoril e pelas cerâmicas populares de Estremoz e de Redondo, que constituem dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana. A eles aliam assumidamente o prazer pela gastronomia e pelos vinhos alentejanos que saboreiam gostosamente nos rituais báquicos que frequentam.
São dois “Carmelos”, da árvore de costados dos “Carmelos”, conhecida pelo menos desde o início do séc. XVIII, mas estamos em crer que mais antiga.
São parentes afastados, o da esquerda é de Estremoz e o da direita é de Redondo.
Para além de partilharem o apelido “Carmelo” partilham ainda o nome “António”.
O da esquerda chama-se Hernâni António Carmelo de Matos e o da direita José António Carmelo Aires.
É de supor que as emoções que partilham e que os tornou amigos, tenham a ver com os genes de costados dos Carmelos. É caso para falar na importância de se chamar Carmelo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quem semeia ventos…


Uma tempestade com o naufrágio de um navio (1770).
Claude Joseph Vernet (1714-1789).
Óleo sobre tela (114 cm x 163 cm).
Alte Pinakothek, Munich.

A Cidadania exige que cada um de nós dê a cara e se assuma de corpo inteiro, não se escudando com almofadas protectoras de conveniência dúbia.
Eu sou daqueles que dá sempre a cara. Está-me na massa do sangue e assumo sempre as consequências daquilo que escrevo, blindado pela verdade inabalável dos factos.
Não sou como aqueles miúdos que deitam a língua de fora aos crescidos e depois com medo, vão-se esconder debaixo das saias da mãe. E o que é mais grave ainda é que teimam em querer esconder o sol com a peneira.
Não basta à mulher de César ser séria. É preciso parecê-lo. Em política, o que parece é. Quem semeia ventos, colhe tempestades.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Verão no adagiário português


Verão (Data desconhecida). Enrico Fanfani (1824 - 1885). Óleo sobre tela
(82,5 × 63 cm). Letchworth Museum and Art Gallery, Inglaterra.

É diversificado, ainda que não muito vasto o adagiário português, onde é utilizada explicitamente a palavra Verão:
- A água com que no Verão se há-de regar, em Abril há-de ficar.
- A água que no Verão há-de regar de Abril e Maio há-de ficar.
- A burra de vilão, mula é no Verão.
- A formiga faz as suas provisões no Verão, ajunta no tempo de ceifa o seu alimento.
- A Inverno chuvoso, Verão abundoso.
- A vaca do vilão se de Inverno dá bom leite, melhor dá de Verão.
- Ande por onde andar o Verão, chega sempre pelo S. João.
- Ande por onde andar o Verão, há-de vir no S. João.
- Bácoro fiado, bom Inverno e mau Verão.
- Calcanhar de homem, cu de mulher e nariz de cão só aquecem no Verão.
- Em o Verão por calma, e no Inverno por frio, não lhe falte achaque de vinho.
- Em Verão cada um lava seu pano.
- Inverno chuvoso, Verão abundante.
- Nem no Inverno sem capa, nem no Verão sem cabaça.
- No Inverno forneira e no Verão taverneira.
- No Verão acabam as ceias e começam os serões.
- No Verão ardem os montes e secam as fontes.
- No Verão o sol dá paixão.
- O menino e o bezerrinho, no Verão hão frio.
- O Verão colhe e o Inverno come.
- Orelha de homem, nariz de mulher e focinho de cão, nunca viram o Verão.
- Outubro suão, negaças de Verão.
- Pão de hoje, carne de ontem, vinho de outro Verão, fazem um homem são.
- Quando o vento vem do mar, na noite de S. João, não há Verão.
- Quem no Verão colhe, no Inverno come.
- Sol nascente desfigurado, no Inverno, frio, no Verão, molhado.
- Vento suão molha no Inverno, seca no Verão.
- Verão fresco, Inverno chuvoso, estio perigoso.
Adágios existem, que apesar de utilizarem explicitamente a palavra Verão, não dizem respeito a esta época do ano:
- Março marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão.
- Março marçagão, de manhã Inverno, de tarde Verão.
- Março marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão.
- Março marçagão, pela manhã rosto de cão, à tarde Verão.
- Março marçagão, tarde de Verão.
- Março marçagão, manhãs de Inverno e tardes de Verão.
- Março marçagão, pela manhã rosto de cão e a tarde de bom Verão.
- Março marçagão, de manhã cara de carvão, à tarde sol de Verão.
- Março, marçagão, manhãs de Inverno e tardes de Verão.
- Primeiro dia de Janeiro: primeiro dia de Verão.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 26 de Junho de 2013

SANTO ANTÓNIO NA TRADIÇÃO POPULAR ESTREMOCENSE (Conferência no Museu Municipal de Estremoz)


Fig. 1 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.


“Santo António na Tradição Popular Estremocense” foi o tema da conferência proferida pelo professor Hernâni Matos, no passado sábado, dia 22 de Junho, pelas 17 horas, no Museu Municipal de Estremoz. A dissertação, à qual assistiram mais de duas dezenas de pessoas, foi acompanhada de projecções multimédia (Fig. 2).
O orador começou por fazer uma súmula da vida de Santo António, afirmando seguidamente que o culto do Santo foi incentivado em Estremoz pelos religiosos da ordem de S. Francisco de Assis, sediados no Convento de S. Francisco (Fig. 3), desde os primórdios da sua construção no século XIII, em data imprecisa, balizada pelos reinados de D. Sancho II – D. Afonso III (1239-1255). Sublinhou também que a circunstância de o dia festivo de Santo António (13 de Junho) coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares. Daí que nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado, houvesse arraiais decorados com mastros e tronos de Santo António no Largo do Almeida, nas traseiras da Igreja de Santo André, no largo General Graça e no Pátio dos Solares, na noite de 12 para 13 de Junho. Houve também a tradição das Marchas Populares, as primeiras das quais tiveram lugar em Estremoz na noite de Santo António em 1948, numa organização da Banda Municipal, tendo as marchas desfilado desde o Pelourinho até à Esplanada Parque, onde se exibiram. Apresentaram-se a concurso quatro marchas: do Outeiro, da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, do Castelo e de Santa Catarina. Uma das marchas vencedoras foi a Marcha do Outeiro (Fig. 4), do tradicional bairro dos oleiros e bonequeiras, que tinha música de João Manaças e letra de Luís Rui (Fig. 5), pseudónimo literário de Joaquim Vermelho, posteriormente estudioso da nossa barrística popular.
Continuando, o conferencista concluiu que a popularidade do culto antoniano levou o povo a recriar pequenos altares nas suas casas e a ter o Santo exposto em oratórios. A procura de imagens estará na origem do aparecimento da figura de Santo António na barrística popular estremocense. Como fontes de inspiração possível apontou: - A imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz, situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758 (Fig. 6); - A Imagem seiscentista de Santo António em mármore branco existente no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz (Fig. 7).
Na sequência da sua exposição, o prelector deu conhecimento que no acervo do Museu Municipal de Estremoz existem imagens que vão desde o século XVIII até à actualidade e com dimensões e atributos variáveis, tendo passado em revista algumas dessas imagens, bem como outras pertencentes a colecções particulares (Fig. 8 a Fig. 17).
A finalizar a sua dissertação, o discursante concluiu ser vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António, debruçando-se ali sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares (encomendações e responsos) e cancioneiro popular alentejano, reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural. Já no fim, congratulou-se com a candidatura dos bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade.
A sessão terminou com um debate com a assistência.

Texto inicialmente publicado a 26 de junho de 2013

Fig. 2 - Um aspecto da assistência à conferência.

Fig. 3 - Convento de São Francisco em Estremoz, nos finais do séc. XIX.
Fotografia do Arquivo Hernâni Matos.
 
Fig. 4 - Marcha do Outeiro, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948. 
Fotografia cedida pela Biblioteca Municipal de Estremoz / Arquivo Fotográfico.

Fig. 5 – Letra da Marcha do Outeiro (1948),
da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário
de Joaquim Vermelho (1927-2002). 

Fig. 6 - Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz,
 situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas
Memórias Paroquiais de 1758. 

Fig. 7 - Santo António. Imagem seiscentista em mármore branco, existente
no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz. 

Fig. 8 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 9 - Santo António (séc. XIX). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 10 - Santo António (séc. XX). Mariano da Conceição.
Colecção Museu Rural de Estremoz .

Fig. 11 - Santo António (séc. XX). Sabina Santos.
Colecção Sabina Santos. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 12 - Santo António (séc. XX). José Moreira.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 13 - Santo António (séc. XX). Liberdade da Conceição.
Colecção Hernâni Matos. 

Fig. 14 - Santo António (séc. XX). Quirina Marmelo.
Colecção Irmãs Flores. 

Fig. 15 - Santo António (séc. XX-XXI). Luísa da Conceição.
Colecção Luísa da Conceição. 

Fig. 16 - Santo António (séc. XX-XXI). Irmãs Flores.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 17 - Santo António (séc. XXI). Ricardo Fonseca.
Colecção Hernâni Matos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Cabração


CABRAS SÃO, SENHOR….. – Painel de azulejos da autoria do pintor, ceramista, ilustrador e
caricaturista, Jorge Colaço (1864-1942). Torre do Castelo de Ponte de Lima.

A 24 de Junho de 1128 trava-se a Batalha de São Mamede entre Dom Afonso Henriques (c. 1109-1185) e as tropas dos barões portucalenses e as tropas do conde galego Fernão Peres de Trava (c.1100-1155), amante de sua mãe, Dona Teresa de Leão (1080-1130), condessa de Portugal, que se tentava apoderar do governo do Condado Portucalense. Com a derrota destes últimos, Dom Afonso Henriques assume o governo do Condado.
Na sequência da Batalha eram frequentes as escaramuças entre os partidários do futuro rei de Portugal e os de D. Teresa. Certo dia, Dom Afonso Henriques e os seus cavaleiros saciavam a sede no chamado "Rêgo do Azar" quando são atacados, sofrendo graves danos. Após este episódio e quando caçavam ursos e javalis nas montanhas, pararam para degustar o jantar que lhes levara o Capelão das Freiras do Mosteiro de Vitorino das Donas com um grupo de moços carregados de pesados cestos. Estavam em pleno banquete, quando ao longe avistam poeira, ao mesmo tempo que ouvem grande barulho. Alguns cavaleiros partem então em reconhecimento a fim de desvendar o que se passava. Pouco tempo depois regressavam rindo, exclamando para o rei: “Cabras são, Senhor…”. Com o decorrer do tempo, o povo corrompeu o dito e aquela zona ocupada sobretudo por cabras e pastores, passou a ser designada por “Cabração”, que hoje é uma freguesia do concelho de Ponte de Lima.

Publicado inicialmente em 24 de Junho de 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Santo António na Tradição Popular Estremocense



Santo António na Tradição Popular Estremocense é o o tema da conferência a proferir por mim, amanhã, sábado, dia 22 de Junho, pelas 17 horas, no Museu Municipal de Estremoz. Abordarei tópicos como:
- Hagiografia;
- A incentivação do culto de Santo António pelos religiosos da Ordem de S. Francisco de Assis;
- Os arraiais de Santo António, os tronos e as marchas populares em Estremoz;
- Presença na barrística popular estremocense;
- A tradição oral.
Acompanharei a Conferência com projecções multimédia.
É bom ter amigos a ouvir o que temos para dizer.
Conto com a vossa estimulante presença.
 Até amanhã!

terça-feira, 11 de junho de 2013

Fome de Amor


Camponesa alentejana. Roberto Nobre, (1903-1969). Ilustração da capa
do magazine "Civilização", número 17, de Novembro de 1929.

Eu gostaria de poder amar o que amo, sem a censura e os grilhões instalados em cabeças que não sabem o que é amar. Esse será, porventura, o sentimento mais negativo que me dilacera o peito e esfacela o pensamento. Até quando?