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sexta-feira, 27 de junho de 2014

A lavagem na toponímia

MULHER A LAVAR A ROUPA. Fátima Estróia.
Marca: Fátima/Estróia/Estremoz manuscrita.
Dimensões (cm): Alt. 14,5; Larg. máx. 6,8; Prof. 12.
Peso (g): 433. Colecção particular.

Em termos de literatura oral, a lavagem está medianamente representada na toponímia. Os topónimos por nós identificados, foram assim hierarquizados:
FREGUESIAS
- LAVANDEIRA - Freguesia do concelho de Carrazeda de Ansiães.
LUGARES
Em todas as considerações de toponímia que se seguem, o topónimo inserido num parêntesis curvo é concelho e o que o antecede, é a freguesia:
- LAVAJO - Lugar da freguesia de : Castro Marim (Castro Marim), Salir (Loulé).
- LAVADOBES DE BAIXO - Lugar da freguesia da Senhora da Hora (Matosinhos).
- LAVADOR - Lugar da freguesia de : Canidelo (Vila Nova de Gaia), S. João Baptista (Castelo de Vide).
- LAVADORES - Lugar da freguesia de : Olival (Vila Nova de Gaia), Touguinha (Vila do Conde).
- LAVADORES DE CIMA - Lugar da freguesia da Senhora da Hora (Matosinhos).
- LAVADORINHOS - Lugar da freguesia de Olival (Vila Nova de Gaia).
- LAVADOURO - Lugar da freguesia de: Évora de Alcobaça (Alcobaça), Oiã (Oliveira do Bairro), Ossela (Oliveira de Azeméis), Paços de Gaiolo (Marco de Canaveses), S. Cristóvão de Nogueira (Cinfães), Vila de Rei (Vila de Rei).
- LAVANDEIRA - Lugar da freguesia de: Aboim das Chocas (Arcos de Valdevez). Alquerubim (Albergaria-a-Velha), Bastuço (Barcelos), Bente (Vila Nova de Famalicão), Fajões (Oliveira de Azeméis), Feira (Feira), Figueiras (Lousada), Figueiró dos Vinhos (Figueiró dos Vinhos), Grijó (Vila Nova de Gaia), Grilo (Baião), Longos Vales (Monção), Mangualde (Mangualde), Merufe (Monção), Oliveira do Bairro (Oliveira do Bairro), Quinchães (Fafe), Recardães (Águeda), Recesinhos (Penafiel), Refóios do Lima (Ponte de Lima), S. João de Ver (Feira), Santa Maria (Beira), Sosa (Vagos), Vila Boa do Bispo (Marco de Canaveses), Vila Chã (Vila do Conde), Vila Maior (Feira).
- LAVANDEIRAS - Lugar da freguesia de: Barcelinhos (Barcelos), Friestas (Valença), Eiriz (Paços de Ferreira).
- LAVATODOS - Lugar da freguesia de Lorvão (Penacova).

BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[2] – LEITE DE VASXCONCELLOS, J. Diccionario de Chorographia de Portugal. Livraria Portuguesa de Clavel & Cª, editor. Porto, 1884.
[3] – PEREIRA, Antonio Fernandes. Diccionario Geographico Abreviado de Portugal e suas Possessões Ultramarinas. Typographia de Sebastião José Pereira. Porto, 1852


quarta-feira, 26 de junho de 2013

SANTO ANTÓNIO NA TRADIÇÃO POPULAR ESTREMOCENSE (Conferência no Museu Municipal de Estremoz)


Fig. 1 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.


“Santo António na Tradição Popular Estremocense” foi o tema da conferência proferida pelo professor Hernâni Matos, no passado sábado, dia 22 de Junho, pelas 17 horas, no Museu Municipal de Estremoz. A dissertação, à qual assistiram mais de duas dezenas de pessoas, foi acompanhada de projecções multimédia (Fig. 2).
O orador começou por fazer uma súmula da vida de Santo António, afirmando seguidamente que o culto do Santo foi incentivado em Estremoz pelos religiosos da ordem de S. Francisco de Assis, sediados no Convento de S. Francisco (Fig. 3), desde os primórdios da sua construção no século XIII, em data imprecisa, balizada pelos reinados de D. Sancho II – D. Afonso III (1239-1255). Sublinhou também que a circunstância de o dia festivo de Santo António (13 de Junho) coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares. Daí que nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado, houvesse arraiais decorados com mastros e tronos de Santo António no Largo do Almeida, nas traseiras da Igreja de Santo André, no largo General Graça e no Pátio dos Solares, na noite de 12 para 13 de Junho. Houve também a tradição das Marchas Populares, as primeiras das quais tiveram lugar em Estremoz na noite de Santo António em 1948, numa organização da Banda Municipal, tendo as marchas desfilado desde o Pelourinho até à Esplanada Parque, onde se exibiram. Apresentaram-se a concurso quatro marchas: do Outeiro, da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, do Castelo e de Santa Catarina. Uma das marchas vencedoras foi a Marcha do Outeiro (Fig. 4), do tradicional bairro dos oleiros e bonequeiras, que tinha música de João Manaças e letra de Luís Rui (Fig. 5), pseudónimo literário de Joaquim Vermelho, posteriormente estudioso da nossa barrística popular.
Continuando, o conferencista concluiu que a popularidade do culto antoniano levou o povo a recriar pequenos altares nas suas casas e a ter o Santo exposto em oratórios. A procura de imagens estará na origem do aparecimento da figura de Santo António na barrística popular estremocense. Como fontes de inspiração possível apontou: - A imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz, situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758 (Fig. 6); - A Imagem seiscentista de Santo António em mármore branco existente no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz (Fig. 7).
Na sequência da sua exposição, o prelector deu conhecimento que no acervo do Museu Municipal de Estremoz existem imagens que vão desde o século XVIII até à actualidade e com dimensões e atributos variáveis, tendo passado em revista algumas dessas imagens, bem como outras pertencentes a colecções particulares (Fig. 8 a Fig. 17).
A finalizar a sua dissertação, o discursante concluiu ser vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António, debruçando-se ali sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares (encomendações e responsos) e cancioneiro popular alentejano, reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural. Já no fim, congratulou-se com a candidatura dos bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade.
A sessão terminou com um debate com a assistência.

Texto inicialmente publicado a 26 de junho de 2013

Fig. 2 - Um aspecto da assistência à conferência.

Fig. 3 - Convento de São Francisco em Estremoz, nos finais do séc. XIX.
Fotografia do Arquivo Hernâni Matos.
 
Fig. 4 - Marcha do Outeiro, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948. 
Fotografia cedida pela Biblioteca Municipal de Estremoz / Arquivo Fotográfico.

Fig. 5 – Letra da Marcha do Outeiro (1948),
da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário
de Joaquim Vermelho (1927-2002). 

Fig. 6 - Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz,
 situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas
Memórias Paroquiais de 1758. 

Fig. 7 - Santo António. Imagem seiscentista em mármore branco, existente
no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz. 

Fig. 8 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 9 - Santo António (séc. XIX). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 10 - Santo António (séc. XX). Mariano da Conceição.
Colecção Museu Rural de Estremoz .

Fig. 11 - Santo António (séc. XX). Sabina Santos.
Colecção Sabina Santos. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 12 - Santo António (séc. XX). José Moreira.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 13 - Santo António (séc. XX). Liberdade da Conceição.
Colecção Hernâni Matos. 

Fig. 14 - Santo António (séc. XX). Quirina Marmelo.
Colecção Irmãs Flores. 

Fig. 15 - Santo António (séc. XX-XXI). Luísa da Conceição.
Colecção Luísa da Conceição. 

Fig. 16 - Santo António (séc. XX-XXI). Irmãs Flores.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 17 - Santo António (séc. XXI). Ricardo Fonseca.
Colecção Hernâni Matos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Ruas de Estremoz - Os topónimos que temos


OS TOPÓNIMOS QUE TEMOS
No âmbito das freguesias de Santo André e de Santa Maria de Estremoz, os topónimos podem ser assim sistematizados: 
- AVENIDAS: 25 de Abril, 9 de Abril, Condessa da Cuba, de Santo António, Dr. Marques Crespo, Norton de Matos, Rainha Santa Isabel, Tomaz Alcaide; 
- ESTRADAS: da Estação do Ameixial, de São Domingos, do Caldeiro, Municipal 504, Municipal 508-2, Nacional 18, Nacional 4; 
- LARGOS: da Liberdade, da Praça de Touros, da República, das Portas de Évora, de Santa Catarina, de Santiago, de São José, do Espírito Santo, do Lavadouro, Dom Dinis, dos Combatentes da Grande Guerra, General Graça, Terreiro do Loureiro;  
- PRAÇAS: Luís de Camões;  
- PRACETAS: de Timor, Marechal António Spínola;  
- SERRADOS: da Martinheira, do Polido; 
- TAPADAS: do Assento, do Seruminheiro;  
- TERREIROS: do Barguilha; 
- TRANSVERSAIS: à Rua Frei Agostinho Santa Maria; 
- TRASEIRAS: da Rua Alexandre Herculano, da Rua do Outeiro, da Rua do Peixeiro, da Rua Frei Agostinho de Santa Maria;  
- TRAVESSAS: Brito Capelo, da Levada, da Rua 1º de Maio, da Rua de São Pedro, de São José, do Antigo Caminho da Glória, do Outeiro, do Panaças, do Pintassilgo;  
- URBANIZAÇÕES: de Mendeiros das Vinhas, do Campo da Feira, do Monte da Pistola, do Monte da Razão;  
- VILAS: Celeste, Maria da Boa Fé; 
- ZONAS: Industrial;  
- ROSSIOS: Marquês de Pombal;  
- RUAS: 1º de Dezembro, 1º de Maio, 20 de Janeiro, 31 de Janeiro, 5 de Outubro, Alexandre Herculano, Alves Redol, Américo Carapeto, António Sérgio, Batalha do Ameixial, Bento de Jesus Caraça, Brito Capelo, Capitão Mouzinho de Albuquerque, da Aboboreira, da Caldeira, da Campainha, da Cega, da Cruz Vermelha, da Estalagem, da Frandina, da Freirinha, da Guiné, da Ladeira, da Manutenção Militar, da Misericórdia, da Pena, da Restauração, da Sub-Estação, da Venezuela, das Almas, das Meiras, de Angola, de Diu, de Goa, de Macau, de Moçambique, de Santo André, de Santo Antonico, de Santo António, de São Brás, de São Domingos, de São Francisco Xavier, de São Miguel, de São Pedro, Direita, do Afã, do Alentejo, do Almeida, do Arco, do Arco de Santarém, do Arco Zagalo, do Lavadouro Municipal, do Marmelo, do Nine, do Outeiro, do Peixeiro, do Pintor, Dom Afonso III, dos Banhos, dos Carvoeiros, dos Fidalgos, dos Fundadores, dos Heróis da Índia, dos Malcozinhados, dos Olivais, dos Quartéis, Dr. Afonso Costa, Dr. Gomes de Resende Júnior, Dr. Paulo Lencastre, Florbela Espanca, Frei Agostinho de Santa Maria, General Humberto Delgado, Gonçalo Velho, João de Sousa Carvalho, João Silva Tavares, Joaquim Fortio, José Félix Ribeiro, José Maldonado Cortes, Liberdade da Conceição, Machado dos Santos, Magalhães de Lima, Muralhas de Santarém, Narciso Ribeiro, Nossa Senhora da Conceição, Nova do Castelo, Pablo de Neruda, Património dos Pobres, Pedro Afonso, Porta da Lage, Professor Egas Moniz, Projectada à Tomaz Alcaide, Rainha Santa Isabel, Sebastião da Gama, Senhora do Carmo, Tenente Braga Gonçalves, Timóteo da Silveira, Vasco da Gama, Victor Cordon; 
- BECOS: da Rua de São Pedro, do Bairro Operário;  
- CALÇADAS: da Frandina;  
- FONTES: do Imperador, Nova, Velha; 
- OUTROS TOPÓNIMOS: Azenha do Porto, Bilrões, Casa dos Cantoneiros, Casal de São José, Casas Novas, Ferrarias, Frandina, Mares de Cima, Mártires, Olival da Adega do Perdigão, Outeiro da Cabeça, Pocinho, Sub-Estação da EDP. 
Na parte rural da Freguesia de Santa Maria existem ainda topónimos com designação genérica de HORTAS (8), MONTES (104) e QUINTAS (25), com designações específicas consignadas pela tradição e que pelo seu elevado número, nos dispensamos de enumerar aqui, o que seria fastidioso.

CONTINUA

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Ruas de Estremoz - A Toponímia


A TOPONÍMIA
As ruas são espaços públicos multifuncionais. Por eles transitam fluxos de pessoas, veículos e animais. São espaços de passeio, de convívio, de cavaqueira, de aprendizagem, de trabalho, de negócio, de cultura, de prática desportiva, lúdicos, de prazer e, para os mais desafortunados, o único espaço de que dispõem para viver, comer e dormir.
De acordo com a Bíblia Sagrada, “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Génesis 1,1). Contudo, a rua é obra do Homem, surgiu com a formação de aglomerados urbanos e foi adquirindo, conforme as necessidades, várias roupagens que se entrelaçaram numa urdidura e numa trama, que constituem a malha topográfica da nossa urbe. Dela ressaltam entre outros, aglomerados de casas que são: alamedas, altos, arruamentos, azinhagas, avenidas, bairros, becos, calçadas, caminhos, campos, cantinhos, cantos, escadarias, escadas, escadinhas, estradas, jardins, ladeiras, largos, parques, praças, pracetas, rossios, rotundas, ruas, terreiros, transversais, traseiras, travessas, urbanizações, vielas e zonas.
Todos eles são espaços de partilha sociológica, pelo que é natural que nos preocupemos com a natureza do pavimento, o seu estado de conservação e limpeza, bem como com o escoamento adequado das águas pluviais ou a remoção dos resíduos urbanos.
O equilíbrio e a harmonia da vida citadina passa pela fluidez dos fluxos de pessoas e veículos, nem sempre facilitados, devido a estacionamento selvagem ou ocupação indevida da via pública por toda uma parafernália de objectos, estruturas e equipamentos, que na prática são obstáculos e que funcionam, como barreiras arquitectónicas para cegos, idosos e deficientes motores.
A rua e a gestão humana da mesma nos seus múltiplos aspectos não é assim de somenos importância. Por isso, a maior parte de nós preocupa-se com estas questões. Todavia, para além destas, há outras questões igualmente importantes. Tal como nós, as ruas têm que ter nome. É uma prática que se perde na memória dos tempos. E é interessante saber porque é que uma determinada rua tem um nome e não outro qualquer.
Estudar e conhecer a razão de ser dessas designações faz parte da “Toponímia”, encarada como o estudo histórico ou linguístico da origem dos nomes próprios dos lugares. Estes estão profundamente ligados aos valores culturais das populações, reflectindo os sentimentos e a personalidade das pessoas que aí habitam e ao perpetuarem factos, eventos, datas históricas, figuras de relevo, épocas, usos e costumes, acontecimentos locais, assumem-se como um dos aspectos mais relevantes da preservação da nossa identidade cultural, que não pode nem deve ser descaracterizado. Daí que a escolha, atribuição e alteração dos nomes dos lugares (topónimos) se deva rodear de cuidados muito específicos e pautar-se por critérios de rigor, coerência, isenção e seriedade, única forma de garantir que a memória das populações não seja irremediavelmente apagada.
A toponímia e com ela a numeração de edifícios constituem formas de identificação, orientação, comunicação e localização de imóveis urbanos e rústicos e de referenciação de localidades e sítios. Enquanto área de intervenção tradicional do poder local, é reveladora da forma como a Câmara Municipal encara o património cultural.
Em cada município, a competência da atribuição de nomes às ruas pertence à Câmara Municipal, com base num “Regulamento Municipal de Toponímia e de Numeração de Polícia”, aprovado em Assembleia Municipal.
Como surgem então os nomes das ruas?
A Assembleia Municipal e as Juntas de Freguesia poderão apresentar à Câmara, propostas de recomendação de determinados nomes. O mesmo poderá ser efectivado por associações de moradores, associações culturais e desportivas, grupos de cidadãos ou munícipes a título individual. Todavia, antes da decisão da Câmara Municipal, as propostas serão apreciadas pelo Comissão Municipal de Toponímia, cuja composição mínima, inclui entre nós, um eleito da Câmara Municipal, um representante da Junta de Freguesia da área geográfica da rua e um representante dos CTT.

CONTINUA

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O sentido da visão: Alcunhas Alentejanas e Toponímia

São belos os olhos de mulher, que na vastidão da charneca alentejana invocam a vastidão do mar e a sede de infinitos. Ilustração de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957) para o livro “Alentejo não tem sombra” de Eduardo Teófilo, Portugália Editora, 1954.

PREÂMBULO
No desenvolvimento do tema “O sentido da visão” ; efectuámos até á presente data edição dos posts:
Chegou agora a altura de editar o post:
- O sentido da visão: Alcunhas Alentejanas e Toponímia
Comecemos pelas:
ALCUNHAS ALENTEJANAS
No âmbito das alcunhas alentejanas, o sentido da visão está amplamente representado através de diversos termos e seus derivados, assim contabilizados: cego (1), luz (3), olho (32), vista (2) e zarolho (2):
- CEGO (A) – Alcunha outorgada a quem, ao andar, está sempre a encalhar com as coisas e parece que não vê (Montemor-o-Novo).
- LUZEIR0 – Na época em que surgiu o jornal local “Luzeiro”, o visado informava os colegas de tudo (Barrancos).
- LUZINHA (Barrancos).
- LUZIRAS – O receptor viveu num monte com este nome (Grândola).
- OLHA GALINHAS - O visado recebeu esta alcunha porque trabalhava para uma patroa que todos os dias o mandava "olhar as galinhas a ver se tinham ovos" (Portalegre).
- OLHICO - A visada adquiriu esta alcunha porque tinha um olho de vidro (Beja e Moura).
- OLHINHO AZUL - O receptor, quando era bebé, era posto ao colo da mãe, que dizia: "Ai meu olhinho azul! Ai meu olhinho azul!" (Aljustrel).
- OLHINHO DE BOGA - O alcunhado tem este nome porque tem os olhos saídos para fora (Arraiolos); designação atribuída a indivíduo que tem muita falta de vista (Mértola); designação atribuída a quem tem "olhos de peixe" (Campo Maior).
- OLHINHO DE CALIÇO (Moura).
- OLHINHO DE CESIRÃO (Portel).
- OLHINHO DE GAIO (Vidigueira).
- OLHINHO DE GALO (Campo Maior).
- OLHINHO DE PANO CRU - O visado ganhou esta denominação porque tem os olhos muito pequenos (Vidigueira).
- OLHINHO DE PREGADEIRA - Epíteto aplicado a um sujeito que tem um olho mais pequeno do que o outro (Santiago do Cacém).
- OLHINHO DE SOL (Castro Verde).
- OLHINHO DE VIDRO - O nomeado ficou com este cognome porque tem os olhos muito azuis (Redondo).
- OLHINHOS - Alcunha outorgada a um indivíduo que usa uns óculos muito graduados (Grândola); sobrenome atribuído a mulher que só usa blusas com bolinhas (Almodôvar); o visado tem os olhos muito grandes (Elvas, Redondo).
- OLHINHOS DE RATO – Cognome conferido a um sujeito que tem os olhos muito pequenos (Aljustrel).
- OLHO À GATA - Epíteto atribuído a um indivíduo que tem os olhos azuis (Serpa).
- OLHO AZUL - Designação conferida a um indivíduo que tem um olho azul e outro castanho (Aljustrel); o visado tem os olhos azuis (Castro Verde, Grândola, Moura e Portel).
- OLHO CEGO - O alcunhado adquiriu esta alcunha porque ficou com um olho inutilizado, quando caiu em cima de arame farpado (Nisa).
- OLHO DE BOGA - O visado recebeu esta alcunha porque acham que tem os olhos salientes (Aljustrel). OLHO DE BOI - O alcunhado tem os olhos grandes e a mulher foi-lhe infiel (Alcácer do Sal); sujeito que tem os olhos muito grandes (Ferreira do Alentejo, Montemor-o-Novo e Reguengos de Monsaraz).
- OLHO DE CHITA - Denominação outorgada a um indivíduo que tinha um olho azul e outro castanho (Castelo de Vide).
- OLHO DE LATA - O visado adquiriu esta denominação porque tem os olhos muito azuis (Moura).
- OLHO DE MEIO QUILO - Designação atribuída a um indivíduo que tinha os olhos tão grandes, que até assustavam as crianças (Moura).
- OLHO DE POLVO - Sobrenome outorgado a um homem que tem um olho todo branco (Sines).
- OLHO DE PORCO - (Alter do Chão).
- OLHO DE SOLA - Epíteto atribuído a um indivíduo que era sapateiro (Aljustrel).
- OLHO DE VIDRO - O nomeado ficou com esta alcunha porque tinha um olho artificial (Elvas e Évora).
- OLHO VIVO - Alcunha atribuída a um sujeito parecido com um personagem da série televisiva homónima (Aljustrel).
- OLHOS - Cognome atribuído a um sujeito que tem os olhos muito grandes (Beja).
- OLHOS DE BRUNHO - Alcunha conferida a um indivíduo que tinha os olhos muito grandes e muito abertos (Moura).
- OLHOS DE GATO - O visado recebeu esta denominação porque tem os olhos verdes (Santiago do Cacém).
- OLHOS DE RÃ – Designação atribuída a um indivíduo que tem os olhos pequenos (Aljustrel).
- OLHUDO - O visado tem os olhos muito grandes. (Aljustrel).
- VISTA CURTA – Designação atribuída a sujeito que é míope (Santiago de Cacém).
- VISTAS (Serpa).
- ZAROLHA – A alcunhada é cega de um olho (Ourique).
- ZAROLHO (A) – O visado é homem ou mulher que tem a vista torta (Évora, Grândola, Mértola, Odemira, Ourique, Santiago de Cacém, Avis e Campo Maior).
TOPONÍMIA
A nível da toponímia, o sentido da visão está avantajadamente representado através de múltiplos termos e seus derivados, os quais integram topónimos de cidades, freguesias, lugares, nascentes de água e bairros, com a seguinte distribuição:
- OLHO: cidades (1), freguesias (3), lugares (17), nascentes (2);
- VISTA: freguesias (1), lugares (208);
- LUZ: freguesias (5), aldeias (1), lugares (10);
- CEGO: bairros (1);
Observou-se um pico, extraordinariamente elevado, no âmbito do termo “BOAVISTA”, englobado em “VISTA” e inserido na classificação “LUGARES”.
Em todas as considerações de toponímia que se seguem, o topónimo inserido num parêntesis curvo é concelho e o que o antecede, é a freguesia. Os topónimos foram por nós, assim hierarquizados:
CIDADES
- OLHÃO — Cidade, sede de concelho, de comarca e de freguesia. Distrito de Faro.
FREGUESIAS
- BOAVISTA - Freguesia do concelho de Leiria.
- LUZ – Freguesia do concelho de Lagos.
- LUZ – Freguesia do concelho de Mourão.
- LUZ – Freguesia do concelho de Tavira.
- LUZINDE - Freguesia do concelho de Penalva do Castelo.
- LUZIO - Freguesia do concelho de Monção.
- OLHALVO - Freguesia do concelho de Alenquer.
- OLHO MARINHO – Freguesia do Concelho de Óbidos.
- OLHOS DE ÁGUA – Freguesia do concelho de Albufeira.
ALDEIAS
ALDEIA DA LUZ - Concelho de Mourão.
LUGARES
- BELA VISTA - Águas Belas (Ferreira do Zêzere), Ribeira de Pena (Ribeira de Pena), Este (Braga), S. Pedro da Cova (Gondomar).
- BOAVISTA - A dos Cunhados (Torres Vedras), Águas Belas (Ferreira do Zêzere), Ajude (Póvoa de Lanhoso), Aldreu (Barcelos), Alegrete (Portalegre), Almargem do Bispo (Sintra), Alterco (Monchique), Alvarenga (Arouca), Alvorninha (Caldas da Rainha), Ancede( Baião), Arcozelo (Ponte de Lima), Arcozelo (Vila Nova de Gaia), Aregos – S.Romão (Resende), Arouca (Arouca), Ataíde (Amarante), Avis (Avis), Banho e Carvalhos (Marco de Canaveses), Barbudo (Vila Verde), Barro (Resende), Barrosas - Santa Eulália (Lousada), Barrosas - Santo Estevão (Lousada), Beire (Paredes), Benedita (Alcobaça), Besteiros (Paredes), Bitarães (Paredes), Caíde de Rei (Lousada), Capelo (Amarante), Carvalhosa (Paços de Ferreira), Ceide – S. Paio (Vila Nova de Famalicão), Celeiros (Braga), Cercal (Santiago de Cacém), Constance (Marco de Canaveses), Couço (Coruche), Courel (Barcelos), Crato (Crato), Crespos (Braga), Cruz (Vila Nova de Famalicão), Cumieira (Penela), Esmeriz (Vila Nova de Famalicão), Esmoriz (Ovar), Espargo (Feira), Esperança (Arronches), Este – S. Mamede (Braga), Ferreiros (Braga), Ferreiros de Avões (Lamego), Figueira (Paços de Ferreira), Folhada (Marco de Canaveses), Formaria (Paredes de Coura), Fornelos (Barcelos), Fornos (Feira), Fortios (Portalegre), Fradelos (Vila Nova de Famalicão), Fraião (Braga), Frazão (Paços de Ferreira), Freamunde (Paços de Ferreira), Frezim (Amarante), Galveias (Ponte de Sor), Gandarela (Guimarães), Gémeos (Celorico de Basto), Geraz do Lima - Santa Leocadia (Viana do Castelo), Geraz do Lima - Santa Maria (Viana do Castelo), Gestacô (Baião), Góis (Góis), Gomes Aires (Almodôvar), Gonçalo (Guarda), Gondalães (Paredes), Gondar (Guimarães), Gondarém (Vila Nova de Cerveira), Gondomar (Guimarães), Grijó (Vila Nova de Gaia), Gualtar (Braga), Idães (Felgueiras), Insalde(Paredes de Coura), Jazente(Amarante), Lanhas (Vila Verde), Lavos (Figueira da Foz), Longos (Guimarães), Lordelo (Guimarães), Louredo (Vieira do Minho), Macieira da Lixa (Felgueiras), Maiorga (Alcobaça), Marinha Grande (Marinha Grande), Maureles (Marco de Canaveses), Mazedo (Monção), Medrões (Santa Marta de Penaguião), Melrea (Gondomar), Mesâo Frio (Guimarães), Milharado (Mafra), Mire de Tibães (Braga), Modelos (Paços de Ferreira), Mogege (Vila Nova de Famalicão), Mora (Mora), Negrelos – S. Mamede (Santo Tirso), Nespereira (Lousada), Nevogilde (Lousada), Nogueira (Lousada), Odeceixe (Algezur), Oleiros (Ponte da Barca), Oliveira – S. Mateus (Vila Nova de Famalicão), Oliveira - Santa Maria (Vila Nova de Famalicão), Oliveira (Amarante), Oliveira (Barcelos), Oliveira do Douro(Cinfães), Paços (Cabeceiras de Basto), Paços (Fafe), Paços da Ferreira (Paços da Ferreira), Pedreira (Felgueiras), Pedroso (Vila Nova de Gaia), Pencelo (Guimarães), Perosinho (Vila Nova de Gata), Pias (Lousada), Pico de Regalados (Vila Verde), Ponte (Guimarães), Portimão (Portimão), Queijada (Ponte de Lima), Quelfes (Olhão), Rebordões (Santo Tirso), Redinha (Pombal), Regadas (Fafe), Resende (Resende), Riba de Ave (Vila Nova de Famalicão), Ribeirão (Vila Nova de Famalicão), Rio de Moinhos (Borba), Rio de Mouro (Sintra), Rio Tinto (Gondomar), Roliça (Bombarral), Ronfe (Guimarães), Ruivãs (Vila Nova de Famalicão), S. Brás e S. Lourenço (Elvas), S. Cristóvão de Nogueira (Cinfães), S. Luís (Odemira), S. Torcato (Guimarães), Salreu (Estarreja), Sanche (Amarante), Sanguedo (Feira), Santa Catarina da Fonte do Bispo (Tavira), Santa Clara de Louredo (Beja), Santa Eulália (Arouca), Santa Margarida (Lousada), Santa Maria (Lagos), Santa Maria de Sardoura (Castelo de Paiva), Santa Maria do Castelo (Alcácer do Sal), Santa Marinha (Ribeira de Pena), Santiago da Guarda (Ansião), Santiago de Subarrifana (Penafiel), Sequeira (Braga), Sermonde (Vila Nova de Gaia), Sernande (Felgueiras), Serpins (Lousa), Serzedo (Vila Nova da Gaia), Silvares – S. Martinho (Fafe), Silvares (Lousada), Silveira (Torres Vedras), Soalhães (Marco de Canaveses), Sobrado (Castelo de Paiva), Solho – S. Jorge (Guimarães), Sousa (Felgueiras), Sousela (Lousada), Tabaçô (Arcos de Valdevez), Tarouquela (Cinfães), Telões (Amarante), Terroso (Póvoa de Varzim), Torno (Lousada), Valença (Valença), Valongo (Valongo), Várzea (Felgueiras), Varziela (Felgueiras), Vila Caiz (Amarante), Vila Chão do Marão (Amarante), Vila Cova da Lixa (Felgueiras), Vila Fria (Felguetras), Vila Maior (Feira), Vila Marim (Mesão Frio), Vizela – S. Jorge (Felgueiras), Vizela - Santo Adrião (Felgueiras).
- BOAVISTA DA ESTRADA - Arcozelo (Vila Nova de Gaia).
- BOAVISTA DE BAIXO — Aljubarrota - Prazeres (Alcobaça).
- BOAVISTA DE BAIXO — Igreja Nova (Mafra).
- BOA VISTA DE CIMA — Aljubarrota – Prazeres (Alcobaça).
- BOAVISTA DE CIMA — Castelões (Penafiel).
- BOAVISTA DE CIMA — Igreja Nova (Mafra).
- BOAVISTA DO MEIO — Aljubarrota – Prazeres (Alcobaça).
- LUZEIRO - Santo António doa Olivais (Coimbra).
- LUZELAS - Murzagão (Carrazeda de Ansiães).
- LUZELOS - Colmeal (de Castelo Rodrigo).
- LUZENCA - Real (Castelo de Paiva).
- LUZENÇAS - Luzio (Monção).
- LUZENDA DE ALÉM – Góis (Gós).
- LUZES - Ovar (Ovar).
- LUZIANES - Sabóia (Odemira), Santa Maria (Odemira).
- LUZINDININHO - Luzinde (Penalva do Castelo).
- LUZIO - Fornos (Castelo de Paiva), Bico (Paredes de Coura).
- OLHADELA - Limões (Ribeira de Pena).
- OLHAS - Ferreira do Alentejo (Ferreira do Alentejo).
- OLHEIRÃ - Almoster (Alvaiázere).
- OLHEIRO - Alferce (Monchique, Arnoso (Santa Eulália) (Vila Nova de Famalicão), Creixomil (Barcelos), Folgoso(Maia), Gandra (Ponte de Lima), Monchique (Monchique), Sines (Sines), Vilarelho (Caminha).
- OLHEIROS - Aljubarrota (S. Vicente) (Alcobaça), Brotas (Mora), Coruche (Coruche), Rendufe (Amares), Santo André (Santiago de Cacém), S. Pedro e Santiago (Torres Vedras), Vermoil (Pombal).
- OLHEIROS DA SERRA - Maçãs de D. Maria (Alvaiázere).
- OLHITOS - Mexilhoeira Grande (Portimão).
- OLHO - Cadima (Cantanhede), Serpins (Cantanhede). Rebordões (Santo Tirso).
- OLHO-BRANCO - Algezur (Algezur).
- OLHO-D'AGUA - Salreu (Estarreja), S. Clemente (Loulé).
- OLHO-DE-BOI - Cacilhas (Almada), S. Paulo de Frades (Coimbra), S. Vicente (Abrantes).
- OLHO-DE-MOURO - Vila Cova de Carros (Paredes).
- OLHO DE S. CAETANO - Cantanhede (Cantanhede.
- OLHO-MARINHO - Freguesia do concelho de Óbidos.
- OLHO-MABINHO - Arada (Ovar), Vila Nova de Poiares (Vila Nova de Poiares).
- OLHOS-DE-ÁGUA - Albufeira (Albufeira), N.ªS.ª da Anunciada (Setúbal), Pinhal ovo (Palmela), Quinta do Anjo (Palmela), S. Salvador da Aramenha (Marvão).
- OLHOS NEGROS – Monchique (Monchique).
- VISTA ALEGRE - Tabuado (Marco de Canaveses), Sobretâmega (Marco de Canaveses), Figueiró (Paços de Ferreira), Freamunde (Paços de Ferreira), Cete (Paredes), Alpendurada e Matos (Marco de Canaveses, Santa Eulália (Arouca), Fermentões (Guimarães), Oliveira - Santa Maria (Vila Nova de Famalicão), Ceide - S. Paio (Vila Nova de Famalicão), Nespereira (Cinfães), Ílhavo (Ílhavo), Rio de Moinhos (Penafiel), Santo António dos Olivais (Coimbra), Raiva (Castelo de Paiva), Real (Castelo de Paiva). Porventura o mais famoso lugar com a designação de VISTA ALEGRE, será o do concelho de Ílhavo, por ali ter sido fundada em 1824, a Fábrica da Vista Alegre, graças à iniciativa de José Ferreira Pinto Basto (1774-189), industrial, lavrador, político e fidalgo da Casa Real.
- VISTA AUSENTE - Fermentões (Guimarães).
- VISTORIA - Perosinho (Vila Nova de Gaia).
NASCENTES DE ÁGUA
- OLHOS-DE-ÁGUA – Nascente do rio Alviela, situada na freguesia de Louriceira, no concelho de Alcanena. É uma das nascentes mais importantes do nosso país, pois chega a debitar 17 mil litros por segundo. Desde 1880 até praticamente à actualidade, foi uma das principais fontes de abastecimento de água à cidade de Lisboa.
- OLHO D’ÁGUA – Nascente da freguesia de olho Marinho, concelho de Óbidos, com propriedades medicinais semelhantes às das Caldas da Rainha.
BAIRROS
- ARCO DO CEGO – Lisboa.
CONCLUSÃO
De novo, uma abordagem efectuada em termos de literatura oral, centrada num tema aparentemente estéril, revela uma enorme vastidão, reveladora da riqueza da língua portuguesa, que nenhum acordo ortográfico malquisto, conseguirá cercear.
BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[2] - RAMOS, Francisco Martins; SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

100 anos da Sapataria Joaquim Miguel


Joaquim António Chouriço (1906-1999), reputado sapateiro e comerciante de calçado
da praça de Estremoz. Uma referência cívica para todas as gerações. Fotografia de Angel
Ordíalez Cortesia de Adriano Chouriço, actual proprietário da Sapataria Joaquim Miguel.

Recebi um convite para visitar a exposição “100 anos da Sapataria Joaquim Miguel”, surgindo-me desde logo a ideia de produzir um texto sobre o evento. Não um texto de circunstância, mas um texto em que eu, andarilho das palavras, pudesse revelar duma maneira ou de outra, a minha afectividade com todo o percurso dos sapatos. É certo que o outro eu, mais comedido que eu próprio, me advertiu logo do risco:
- É pá, vê lá o par de botas em que te vais meter!
Se é certo que há um rifão que diz que “A ignorância é atrevida”, o que não é menos certo é que eu não desisto facilmente de uma ideia.
Arregaçadas as mangas e ligado o computador, ficaram, desde logo, afastadas à partida várias hipóteses de abordagem do assunto.
Nada de falar de fabrico de sapatos, de que não percebo patavina, pois ainda sou daqueles que por auto-estima ou se quiserem por vergonha, não se atrevem a falar daquilo que não percebem.
Afastada também a hipótese de falar de pés célebres, de pés chatos ou de moléstias dos pés, como o pé de atleta, os calos e os joanetes, pois já chega os que cada um tem, quanto mais falar dos que atormentam o próximo.
Como sou rato de biblioteca, numa das minhas incursões pelo “Cancioneiro Popular Português” do Dr. José Leite de Vasconcelos, recolhi algumas quadras populares reveladoras das diferentes imagens que o povo faz dos sapateiros.
Nalgumas localidades os sapateiros eram considerados um bom partido. Em Paredes de Coura uma moça dizia:

"Eu hei-de tomar amores:
Há-de ser c’um sapateiro,
P’ra me fazer uns sapatos
E não me levar dinheiro."

Também nas Alcáçovas havia quem pensasse o mesmo:

"Se tomar agora amores
Há de ser c’um sapateiro,
Que me faça umas chinelas
E não me leve dinheiro..."

Em Vila Verde de Ficalho, no concelho de Serpa, outra moça dizia mais ou menos o mesmo:

"Meu amor me disse
E eu achei-lhe graça:
- Eu sou sapateiro,
Não andes descalça."

Já em Penafiel, os sapateiros não eram tidos em grande conta:

"Oh que rua tão comprida
No meio tem um letreiro:
Mal empregada menina,
Vai casar c’um sapateiro!"

A imagem do sapateiro chega a ser denegrida nas Alcáçovas:

"Sapateiros e alfaiates
São uma súcia de ladrões:
Sapateiro furta a sola,
Alfaiate, os botões. "

Em Reguengos de Monsaraz, os sapateiros chegam a ser objecto de humor algo exagerado:

"Quatrocentos sapateiros
Se juntaram em campanha
Com martelos e turqueses
P’ra matarem uma aranha."

Em Marco de Canaveses, ao quer parece, os sapateiros eram encarados sob um ponto de vista mais prático:

"Senhor mestre sapateiro,
Senhor mestre remendão,
Bata-me bem essa sola,
Deite-me aqui um tacão!"

Em todos os tempos e em toda a parte, os sapateiros se queixaram, que a arte não dá. Assim, em Baião dizia um oficial:

"Sou um triste sapateiro
Toda a vida a dar a dar:
Quem nasceu para ser pobre
Não le vale trabalhar!"

Após esta digressão etnográfica pelos sapateiros no imaginário popular, decidi calçar as alpergatas da minha infância e fazer uma abordagem topográfica do assunto.
A Sapataria Joaquim Miguel está situada no Largo da Liberdade. Liberdade apeada pelo 28 de Maio e restituída pelo 25 de Abril. Lembras-te camarada Binadade, quando na véspera do primeiro 1º de Maio em liberdade, apareceste à sede do Círculo Cultural de Estremoz, com uma extensa lista de ruas cuja toponímia, tu defendias, devia ser reposta? Eu fui dos poucos que te ouviu, pois na época pensava-se e agia-se febrilmente e existiam outras prioridades. Mas, o que é certo é que o teu alvitre não caiu em saco roto e com a brevidade possível, lá foi o 28 de Maio restituído à Liberdade.
Até aos anos 50 morei na Rua da Misericórdia, a qual conjuntamente com a de Frei Nuno iam desaguar no Largo 28 de Maio. E digo desaguar, pois sendo ruas de acentuado declive, era esse o termo correcto em dias de fortes chuvadas. Eu morava a meio da rua, do lado direito de quem desce, numa casa que já não existe, mesmo nos altos do caleiro, que também era ferro-velho e montava o estraminé na feira, onde hoje é o Bairro da Cobata. Desta vizinhança e da amizade com o caleiro, cuja casa frequentava, terá surgido o meu gosto por antiguidades e velharias. Ao cimo da Rua da Misericórdia, do lado esquerdo de quem desce, moravam a D. Dionísia e a D. Enué Palma, mãe e filha, com umas mãos como não havia outras. Ainda hoje retenho na memória, embora de forma vaga, o fascínio que exerciam sobre mim os trabalhos que elas executavam, fossem registos ou trabalhos em papel recortado ou em escamas de peixe. Que pena que tenho de não possuir um único trabalho dessas senhoras...
Na Rua de Frei Nuno, onde hoje há uma Fábrica de Bolos, havia a Padaria do Traguedas onde eu aviava o pão para a casa de meus pais e levava bolos para o forno, nos dias de anos ou por ocasião de festas cíclicas.
Mais acima e do mesmo lado, ficava a barbearia do meu amigo Can Can, uma linguinha de prata com um par de óculos que mais pareciam os telescópios de Monte Palomar. Era um organizador exímio de excursões, que os frequentadores, todos gentes do povo, pagavam aos bochechos, pois os tempos eram difíceis. Estou convencido que quando nos encontrarmos lá em baixo, ainda me há de levar numa excursão a Portimão ou ao Portinho da Arrábida.
Mais abaixo, onde hoje está a Drogaria era a Oficina do Mestre Capeto, carpinteiro de carroças e trens. As horas que eu ficava a vê-lo trabalhar!
Do outro lado da rua, ao cimo, ficava a Pensão Marangas, mais tarde Pensão Jantareta. Que raio de nome havia de ter o dono da pensão! Até parecia que os hóspedes eram mal servidos, o que não era o caso, como decerto o atestaria o professor Grilo, um hóspede perpétuo.
No Largo 28 de Maio converge ainda a Travessa da Levada, onde havia a Retrosaria do Mamede e a Casa de Comidas – e também dormidas - do Geadas, que também vendia e distribuía lotaria.
No Largo 28 de Maio converge igualmente a Rua do Almeida. Aqui eram dignas de nota, a mercearia do Genaro, onde eu ia comprar rebuçados com cromos de jogadores de futebol, a Fábrica de Pirolitos do Massano que tinha uma secção de enchimento que era um espectáculo para a época e a Adega do Zé da Glória, já retiro castiço e afamado na época.
Uma vez que através das ruas circundantes já contextualizei topograficamente o Largo 28 de Maio, é altura de começar a falar no Largo 28 de Maio propriamente dito. Além da Retrosaria do Dias, havia a Drogaria da D. Virgínia, onde minha mãe me mandava ao petróleo, bem como a Adega do Sebastião Barrigudo onde tomei conhecimento do ritual diário que constitui um bêbado matar o bicho. Havia também a casa da Família Cortes, com cavalariça e trem, a Loja do Fernandes dos sacos, a Oficina de Reparação de Bicicletas do Conim, a Mercearia do Adriano Pimenta, a Taberna do velho Viana com a caixa da malandrice e a Tipografia Brados do Alentejo. E que fascinante que era para mim, ver o Parelho, de porta aberta, trabalhar com a ainda hoje existente Heidelberga, que num vaivém maquinal, estampava magicamente as letras no papel.
Havia então poucos automóveis e no Largo estacionavam, por vezes, carros de parelha pertencentes a casas de lavoura do concelho ou a simples camponeses, que tinham ido tratar alguma coisa por perto.
Dominando todo o Largo, dum lado e do outro, a Sapataria Joaquim Miguel. Dum lado, a secção de venda de calçado, dirigida por Joaquim António Chouriço, tendo ao lado a secção de venda de solas e cabedais, orientada pelo irmão, Leonel Chouriço. Precisamente nos baixos da casa da D. Silvina e no local onde existira a Mercearia de meu tio-avô, João António Carmelo, vulgo o Carmelinho - porque nascera nos dias pequenos - o qual no princípio deste século ali tinha torrefação e moagem pelos mais aperfeiçoados processos, comercializando o afamado “Café Roca do Príncipe”.
Do outro lado do Largo, ficava a secção de consertos, que fervilhava de vida. O mestre, os oficiais, os aprendizes, a ajuntadeira e, é claro, os fregueses. Era uma época em que se mandava ali fazer calçado por medida, bem como pôr meias solas, remendos, reforços, tacões novos e protectores ou carda na solas, a fim de que melhor resistissem ao desgaste. Ainda não tinha chegado o tempo das boutiques de calçado, das lojas de pronto a calçar e do hábito de deitar fora o calçado usado e menos vistoso. Ali ia, mandado por meus pais, levar calçado para pôr meias solas, gaspear ou pôr umas capinhas. Era a nossa sapataria e é, ainda, a minha sapataria. Muda-se de camisa, muda-se de mulher ou de marido, muda-se de partido, mas não se muda nem de clube nem de sapateiro.
Desde miúdo que conheço e admiro Joaquim António Chouriço, uma pessoa simples, um grande filósofo da vida, um referencial de civismo, uma fortaleza de qualidades humanas que todos reconhecem e que por isso apenas se sublinham aqui. Joaquim António Chouriço é um filho amado de Estremoz, de que a cidade justamente muito se orgulha. No centenário da sua firma, apetece-me dizer-lhe:
- Obrigado, senhor Joaquim António pela perseverança e pelo belo exemplo de firma e de vida, esta também quase centenária. Bem haja, por isso!
Chegado a este ponto do texto sobre os “100 anos da Sapataria Joaquim Miguel”, estou certo que alguns não gostaram e estarão a esta hora a invocar o ditado que diz: “Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?”. A esses responderei com outro ditado: “O sapateiro não julga mais que os sapatos”, para acrescentar de seguida, que os não sapateiros, nem calçado sabem julgar.

(Publicado inicialmente em 31 de Maio de 2010)

Leonel Augusto Chouriço (1914-1997), irmão de Joaquim António Chouriço e
igualmente uma referência cívica para todas as gerações. Fotografia de Angel
Ordíalez. Cortesia de Adriano Chouriço, actual proprietário da Sapataria Joaquim Miguel.

Estremoz - Largo da Liberdade nos finais do século XIX. Em frente, o edifício da
Sapataria Joaquim Miguel, fundada em 1897, cuja entrada era feita pelas portas que
se  vêem ao fundo, protegidas por toldos. Fotografia de autor desconhecido.
 Cortesia de Adriano Chouriço, actual proprietário.

Estremoz - Interior da Sapataria Joaquim Miguel nos finais do século XIX. Fotografia de
autor desconhecido. Cortesia de Adriano Chouriço, actual proprietário.