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sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Câmara Municipal de Estremoz propõe classificação da decoração apotropaica descoberta no Largo do Outeiro

 


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No princípio do mês de Outubro foi posta a descoberto na fachada duma casa do Largo do Outeiro, em Estremoz, a parte residual de uma decoração apotropaica primitiva, datada do séc. XVII, a qual, em data desconhecida do séc. XVIII, foi mutilada para permitir a abertura de uma janela no local onde antes existiu uma chaminé. A decoração apotropaica agora descoberta, é seguramente a mais antiga do Alentejo.
A interpretação da mesma pelo professor Hernâni Matos, levou-o a concluir estar-se em presença de uma representação simbólica de índole cristã, a qual visava invocar a protecção do Poder Divino de Deus para afastar espíritos perversos ou danosos e proteger aquela casa de todos os males. Uma tal interpretação permitiu a extrapolação da decoração apotropaica residual, numa perspectiva de reconstituição do aspecto que a mesma teria antes de ser mutilada, tendo sido criada a respectiva imagem gráfica.
A descoberta foi tema dos dois anteriores números do Jornal E’, apresentado e analisado pelo referido professor Hernâni Matos, colaborador deste Jornal.
Chegado o momento de passar a palavra às entidades públicas com responsabilidade na matéria, o E’ quis saber, junto da Câmara Municipal de Estremoz e da Direção Regional de Cultura do Alentejo qual a importância que dão a esta descoberta arqueológica, quais as medidas que pretendem tomar no sentido de conservar e salvaguardar aquele património cultural do séc. XVII, qual a divulgação para efeitos do turismo, nomeadamente do turismo religioso que entendem merecer.
Ao E’ o Presidente da Câmara Municipal de Estremoz fez saber que o município “está a trabalhar para que numa próxima reunião de Câmara se possa apresentar a classificação do edifício como de “imóvel de interesse municipal”, de acordo com a lei 107/2003, de 8 de setembro”. Segundo o autarca, “o objetivo será o de acrescentar uma proteção legal para preservação do esgrafito descoberto, dado que o mesmo já se encontra salvaguardado, pois o referido imóvel está enquadrado na Zona Especial de Proteção do recinto muralhado de Estremoz”, acrescentando que as demais questões colocadas “carecem de maior aprofundamento e análise”.

Publicado no nº 300 do jornal E, de 24 de Novembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Largo do Outeiro revela segredos ocultos


Extrapolação da decoração apotropaica residual da fachada da casa com os
números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz.

Decoração apotropaica residual da fachada da casa com os números 24 e 25
do Largo do Outeiro, em Estremoz.

Fachada da casa com os números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz, 
patenteando decoração apotropaica residual.

Fotografia e design gráfico
de Miguel Belfo

Da pintura à arqueologia
No princípio do mês de Outubro, o meu amigo Nuno Ramalho mandou pintar a fachada da casa dos seus pais, localizada nos números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz. Os pintores começaram por limpar a parede com jacto de água. Qual não foi o espanto, quanto aquele jacto revela a existência daquilo que configurava ser uma pintura anterior à existência da janela do 1º andar esquerdo e que terá sido sacrificada para rasgar aquela janela. Significa isto que primitivamente a casa só teria a janela do 1º andar direito, a qual seria mais pequena que actualmente, uma vez que as ombreiras foram acrescentadas na parte superior, para a janela ficar com a mesma altura da janela que então foi aberta no lado esquerdo da fachada.
Qualquer das janelas ostenta sobre as ombreiras, padieiras em alvenaria, características do séc. XVIII, ornamentadas com florões em estuque.
Comparando a tipologia da fachada com a das casas limítrofes, constata-se que falta ali uma chaminé, a qual terá sido sacrificada em benefício da abertura de uma janela, tendo a chaminé sido edificada noutra zona da casa. Trata-se de uma conclusão importante na medida em que a decoração da fachada posta agora a descoberto, era uma decoração da chaminé abatida.

O esmiuçar da “pintura”
A análise minuciosa da decoração conseguida com fotografias de pormenor de elevada resolução, revelou que a técnica usada na decoração da fachada foi uma técnica mista, a qual combinou o esgrafito com a pintura do mesmo com almagre, o qual também foi utilizado na pintura de zonas delimitadas por esgrafito. A maioria das zonas pintadas perdeu a coloração conferida pelo almagre e ostenta apenas a coloração devida à cor da argamassa usada no revestimento da chaminé. Apenas dois símbolos conhecidos por “9 pontos rodeados” que se encontram na parte inferior da decoração, exibem a cor do almagre.
O facto de a decoração ter sido efectuada numa chaminé, permite concluir estar-se em presença de uma decoração apotropaica, efectuada com símbolos apotropaicos, isto é, símbolos em relação aos quais existia a crença de possuírem poder para afastar espíritos perversos ou danosos, tais como as bruxas ou o mau olhado. É que existia a crença de que embora as portas e as janelas estivessem bem fechadas, os espíritos malignos poderiam entrar pela chaminé.
O facto de a parte inferior da decoração ser simétrica em relação ao eixo central e vertical, leva a admitir que a composição da decoração seria toda ela simétrica em relação a esse mesmo eixo. A grande incógnita parece ser a parte central da decoração. Todavia são visíveis 2 sectores semicirculares a castanho avermelhado e um outro incompleto, situado num plano superior aos outros dois. Este conjunto parece procurar representar um amontado de pedras, o qual poderá corresponder a uma representação do Calvário, ou seja, da colina onde Jesus foi crucificado. A parte desaparecida da representação incluiria assim na sua parte central, uma cruz latina disposta segundo a vertical. A cruz latina é o símbolo principal do cristianismo. Para os cristãos representa não só a crucificação, como evoca a ressurreição e a esperança de vida eterna.
Incluindo a parte desaparecida da decoração apotropaica, o conjunto incluiria 4 símbolos conhecidos por “nove pontos rodeados”, um no centro duma roda e oito distribuídos à volta da mesma. Cada símbolo “9 pontos rodeados” está inscrito noutra roda, a qual reforça o poder do símbolo. A roda é um símbolo de libertação do lugar e do estado espiritual que lhe está associado.
Vejamos qual o simbolismo dos “9 pontos rodeados”. Desses 9 pontos, 1 está no centro da roda central e os outros 8 distribuem-se regularmente ao longo dessa roda. Numa perspectiva cristã, o ponto central corresponde a 1 e representa Deus, o Único, o Princípio de tudo. Os outros 8 pontos correspondem ao oitavo dia, que sucede aos 6 da criação e ao sabat (dia sagrado e de descanso no judaísmo) e é o símbolo da ressurreição, da transfiguração, anúncio da vida eterna. Sintetizando: os “9 pontos rodeados” simbolizam a criação do mundo por Deus, tal como é referida no Genesis e como tal a crença no poder de Deus sobre todas as coisas. A existência de 4 conjuntos de “9 pontos rodeados”, dispostos na decoração apotropaica em quadrangulação em simetria, resulta de o número quatro se comportar na Bíblia Sagrada como aquele que apresenta a criação de Deus e a totalidade das coisas.
A decoração apotropaica incluiria ainda, aquilo que me parecem ser dois vasos com flores, dispostos de cada um dos lados da cruz latina. Como o simbolismo da decoração apotropaica agora descoberta é de natureza cristã, sou levado a admitir que o vaso com flores possa ser um vaso com açucenas brancas. O vaso é símbolo do princípio feminino e as açucenas simbolizam a pureza, a castidade, a feminilidade e a virgindade da Virgem Maria. Resumindo: o vaso com açucenas é uma representação simbólica da Virgem Maria e um atributo presente em representações da anunciação. A existência de dois vasos com açucenas, um de cada lado da cruz latina, é justificado porque a Virgem Maria como Mãe de Jesus, tem associado a ela o princípio feminino, ao qual era na antiguidade atribuído o número dois. Por outro lado, os dois corações em cada vaso simbolizam a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Sagrado Coração de Maria, inseparáveis um do outro. A primeira destas devoções é dedicada a Jesus humano, misericordioso e sempre pronto a perdoar. A segunda destas devoções, atende ao sofrimento da Virgem Maria aos pés da cruz de Jesus e ao facto de ela guardar todas as palavras de Jesus no seu Coração.
Na decoração apotropaica objecto do presente estudo, aparecem representados simbolicamente: DEUS (“9 pontos rodeados”), JESUS (Calvário com cruz latina) e a VIRGEM MARIA (Vaso com açucenas). Significa isto que no seu conjunto, a decoração apotropaica visava invocar a protecção do Poder Divino de Deus para afastar espíritos perversos ou danosos e proteger aquela casa de todos os males. De salientar que para os cristãos, Jesus e Deus é um só, além que que é ilimitado o poder de intercessão da Virgem Maria junto de Jesus.
A decoração apotropaica está datada com um número que me parece ser 1668, número inscrito numa figura delimitada por quatro chavetas dispostas entre 4 pontos, como se formassem um losango. A figura aqui referida está ainda delimitada por dois óvulos a cheio, dispostos segundo a vertical, aos quais se juntam dois círculos a cheio, inscritos em duas circunferências dispostas segundo a horizontal. Tudo aponta para que esta seja a mais antiga decoração apotropaica do Alentejo.

Extrapolação da decoração apotropaica residual
A decoração apotropaica agora posta a descoberto é uma jóia preciosa do nosso património cultural imaterial local do séc. XVII. Na verdade, ela testemunha a existência naquela época de uma crença popular no poder protector dos símbolos apotropaicos, que no seu conjunto atestam a fé no Poder Divino de Deus.
A importância da descoberta e a interpretação da mesma por mim efectuada, exigiam que a mesma fosse divulgada junto do público em geral. Para tal, havia que criar uma imagem gráfica que desse conta de como seria a decoração apotropaica inicial, antes de ter sido mutilada. Tal foi feito com recurso a uma extrapolação da decoração apotropaica residual, tendo em conta a minha interpretação. Essa extrapolação foi executada magistralmente pelo designer gráfico Miguel Belfo, meu companheiro de estrada nesta loucura mansa de “dar à luz” o jornal E, de 15 em 15 dias. Nessa extrapolação tiveram-se em conta os seguintes procedimentos:
1 - A parte residual da representação apotropaica primitiva está representada a castanho e a parte extrapolada está representada a azul;
2 - A partir das porções existentes da moldura rectangular na qual se insere a decoração, foram extrapoladas as partes em falta;
3 - A parte superior do Calvário foi extrapolada a partir da parte inferior, tendo em conta as representações habituais do mesmo;
4 - A cruz latina foi extrapolada a partir da visualização do símbolo do Calvário;
5 - Teve-se em conta que o Calvário com cruz latina definia um eixo de simetria na composição decorativa;
6 - Os “9 pontos rodeados” do canto superior esquerdo foram extrapolados a partir dos correspondentes do canto superior direito e do canto inferior esquerdo;
7 - O contorno lateral direito do vaso do lado esquerdo foi extrapolado a partir do contorno lateral esquerdo;
8 - A decoração (coração) do lado direito do vaso do lado direito, foi extrapolada a partir da decoração do lado esquerdo do mesmo vaso;
9 - No vaso do lado direito, a parte omissa das flores no lado esquerdo do vaso foi extrapolada a partir das flores no lado direito do mesmo vaso;
10 - O vaso de flores à esquerda da cruz latina foi extrapolado a partir do vaso situado à direita da mesma cruz;
11 - A data de 1668 foi extrapolada a partir da observação da data 16?8 patente na decoração, a partir de fotografia de elevada resolução obtida por Miguel Belfo;
12 - Foram eliminadas da imagem final extrapolada, todos os pormenores existentes e visíveis na decoração primitiva residual, tais como defeitos no reboco do fundo que se soltaram, bem como porções mais brancas do fundo, devidas a intervenções posteriores que por ali ocorreram. Ali chegaram a estar cravados um suporte em ferro de fios condutores da EDP, bem como um candeeiro de iluminação pública cravado na parede. Estes, após remoção, deram origem a rebocos que acabaram por ficar pintados numa coloração branca superficial mais nítida.
13 - Onde houve mais dificuldade na extrapolação foi nas flores do vaso direito, já que para além do traçado visível, há reboco em falta distribuído desorganizadamente. Optou-se então por fazer uma extrapolação conjunta do traçado e do reboco em falta.

Agradecimentos
A interpretação e divulgação do significado profundo da decoração apotropaica da casa do Largo do Outeiro, só foi possível graças a uma sequência de boas vontades:
1º) A descoberta da decoração pelos pintores que a comunicaram ao senhor Nuno Ramalho;
2º) A decisão deste último no sentido da pintura da fachada não cobrir a decoração então descoberta, seguida da decisão de me contactar, visando interpretar tudo aquilo;
3º) A disponibilidade mostrada pelo designer gráfico Miguel Belfo que tirou no local, fotografias de elevada qualidade e resolução e que posteriormente, seguindo indicações minhas, extrapolou a parte residual da decoração apotropaica primitiva, de modo a reconstitui-la com o aspecto que ela teria primitivamente;
4º) A benevolência revelada pela directora do jornal E, Ivone Carapeto, face a texto meus, por vezes mais compridos que a légua da Póvoa.

Tem a palavra o Município de Estremoz
A decoração apotropaica agora descoberta, é seguramente a mais antiga do Alentejo, pelo que pode constituir um pólo de atracção turística, desde que devidamente divulgada. É um papel que cabe ao Turismo Municipal.
Ficamos à espera.

 Texto publicado no jornal E nº 299, de 10 de Novembro de 2022

domingo, 30 de outubro de 2022

DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA NO LARGO DO OUTEIRO / Decoração apotropaica numa parede



Pormenor da fachada com o que resta da decoração apotropaica do séc. XVII.

Fachada  da casa com os números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz.


Caiar é preciso
No Alentejo existe a tradição ancestral de caiar as casas de branco, o que ocorre durante o Verão. Trata-se de uma tarefa outrora desempenhada essencialmente por mulheres, a quem competia a missão de fazer cumprir o rifão: “Dá-me brancura, dar-te-ei formusura”. O cancioneiro popular alentejano regista que “Nas terras do Alentejo / É tudo tão asseado... / As casas e o coração, / Sempre tudo anda lavado...”. A caiação duma casa podia merecer reparos, desde que não fosse integral: “000
A alvura das paredes é tradicionalmente considerada uma marca identitária do Alentejo, já que o branco maximiza a reflexão da luz solar, conferindo protecção contra a torrina do Sol no Verão.

Da pintura à arqueologia
Pelos mais diferentes motivos, a tradição já não é o que era. A caiação das paredes com recurso a cal branca tem sido substituída pela pintura com tintas de água. É quase regra nas cidades, onde a pintura de paredes exteriores é muitas vezes entregue a pintores profissionais.
Foi o que fez recentemente o meu prezado amigo Nuno Ramalho, face à necessidade de pintura da fachada da casa dos seus pais, sita nos números 24 e 25 do Largo do Outeiro, em Estremoz. A fachada encontrava-se com mau aspecto e em determinada zona, a cobertura da mesma encontrava-se mesmo empolada, pelo que antes da aplicação da tinta, os pintores tiverem necessidade de usar jacto de água, para remover as ampolas. De contrário, a pintura não ficaria uniforme.
Qual não foi o espanto, quanto o jacto de água, revela a existência daquilo que configurava ser uma pintura anterior à existência da janela do 1º andar esquerdo e que terá sido sacrificada para rasgar aquela janela. Significa isto que primitivamente a casa só teria a janela do 1º andar direito, a qual seria mais pequena que actualmente, uma vez que as ombreiras foram acrescentadas na parte superior, para a janela ficar com a mesma altura da janela que então foi rasgada no lado esquerdo da fachada.
Qualquer das janelas ostenta sobre as ombreiras, padieiras em alvenaria, características do séc. XVIII, ornamentadas com florões em estuque.
Comparando a tipologia da fachada com a das casas limítrofes, constata-se que falta ali uma chaminé, a qual terá sido sacrificada em benefício da abertura de uma janela, tendo a chaminé sido edificada noutra zona da casa. Trata-se de uma conclusão importante na medida em que a decoração da fachada posta agora a descoberto, era uma decoração da chaminé parcialmente desaparecida para dar lugar a uma nova janela.

O esmiuçar da “pintura”
A análise minuciosa daquilo que parecia ser uma pintura, mostrou que de facto não o era. Na verdade, a técnica usada na decoração da fachada revelou ter sido uma técnica mista, a qual combinou o baixo relevo com o preenchimento do mesmo com uma argamassa colorida com um aditivo castanho avermelhado que poderá ter sido pigmento de óxido de ferro ou tijolo em pó.
O facto de a decoração ter sido efectuada numa chaminé, permite concluir estar-se em presença de uma decoração apotropaica, efectuada com símbolos apotropaicos, isto é, símbolos em relação aos quais existia a crença de possuírem poder para afastar espíritos perversos ou danosos, tais como as bruxas ou o mau olhado. É que existia a crença de que embora as portas e as janelas estivessem bem fechadas, os espíritos malignos poderiam entrar pelas chaminés.
O facto de a parte inferior da decoração ser simétrica em relação ao eixo central e vertical, leva a admitir a forte probabilidade de a composição da decoração ser toda ela simétrica em relação a esse mesmo eixo. A grande incógnita parece ser a parte central da decoração. Todavia são visíveis 3 sectores semicirculares a castanho avermelhado, com um situado num plano superior aos outros dois. Este conjunto parece procurar representar um amontado de pedras, o qual poderá corresponder a uma representação do Calvário, ou seja, da colina onde Jesus terá sido crucificado. A parte desaparecida da representação incluiria assim na sua parte central, uma cruz latina disposta segundo a vertical. A cruz latina é o símbolo principal do cristianismo. Para os cristãos representa não só a crucificação, como evoca a ressurreição e a esperança de vida eterna.
Incluindo a parte desaparecida da decoração apotropaica, o conjunto incluiria 4 símbolos conhecidos por “nove pontos rodeados”, um no centro duma roda e oito distribuídos à volta da mesma. Cada símbolo “9 pontos rodeados” está inscrito noutra roda, a qual reforça o poder do símbolo. A roda é um símbolo de libertação do lugar e do estado espiritual que lhe está associado.
Vejamos qual o simbolismo dos “9 pontos rodeados”. Desses 9 pontos, 1 está no centro da roda central e os outros 8 distribuem-se regularmente ao longo dessa roda. Numa perspectiva cristã, o ponto central corresponde a 1 e representa Deus, o Único, o Princípio de tudo. Os outros 8 pontos correspondem ao oitavo dia, que sucede aos 6 da criação e ao sabat (dia sagrado e de descanso no judaísmo) e é o símbolo da ressurreição, da transfiguração, anúncio da vida eterna. Sintetizando: os “9 pontos rodeados” simbolizam a criação do mundo por Deus, tal como é referida no Genesis e como tal a crença no poder de Deus sobre todas as coisas. A existência de 4 conjuntos de “9 pontos rodeados”, dispostos na decoração atropopaica em quadrangulação em simetria, resulta de o número quatro se comportar na Bíblia Sagrada como aquele que representa a criação de Deus e a totalidade das coisas.
A decoração apotropaica incluiria ainda, aquilo que me parecem ser dois vasos com flores, dispostos de cada um dos lados da cruz latina. Como o simbolismo da decoração apotropaica agora descoberta é de natureza cristã, sou levado a admitir que o vaso com flores possa ser um vaso com açucenas brancas. O vaso é símbolo do princípio feminino e as açucenas simbolizam a pureza, a castidade, a feminilidade e a virgindade da Virgem Maria. Resumindo: o vaso com açucenas é uma representação simbólica da Virgem Maria. A existência de dois vasos com açucenas, um de cada lado da cruz latina, é justificado porque a Virgem Maria como Mãe de Jesus, tem associado a ela o princípio feminino, ao qual era na antiguidade atribuído o número dois.
Na decoração apotropaica objecto do presente estudo, aparecem representados simbolicamente: DEUS (“9 pontos rodeados”), JESUS (Cálvário com cruz latina) e a VIRGEM MARIA (Vaso com açucenas). Significa isto que no seu conjunto, a decoração apotropaica visa invocar a protecção do Poder Divino para afastar espíritos perversos ou danosos e proteger aquela casa de todos os males. De salientar que para os cristãos, Jesus e Deus é um só, além que que é ilimitado o poder de intercessão da Virgem Maria junto de Jesus.
A decoração apotropaica está datada com um número que me parece ser 1668, número inscrito numa figura delimitada por quatro chavetas dispostas entre 4 pontos, como se formassem um losango. Tanto quanto me é dado conhecer dos trabalhos de Luís Lobato de Faria (2), esta será a mais antiga decoração apotropaica do Alentejo.

Outeiro, quem te viu
A oficina da velha barrista Gertrudes Rosa Marques (1840-1975) situada no Outeiro, foi visitada em 1913 pelo etnógrafo D. Sebastião Pessanha (1892-1975), que lhe encomendou Bonecos de Estremoz para o Museu Etnológico Português e publicou textos sobre o seu trabalho. O mesmo viria a acontecer em 1916 com o etnólogo Luís Chaves (1888-1975).
Dada a singularidade e beleza do seu casario, o Largo do Outeiro, por muitos considerado uma rua, inspirou artistas plásticos locais que o perpetuaram nos seus trabalhos: Mestre Joaquim Prudêncio (1887-1970) em aguarela de 1936 e Roberto Alcaide (1903-1979) em guache de 1944.
Da Rua do Outeiro, rua de oleiros e bonequeiras, nos fala a “Marcha do Outeiro”, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948: “O outeiro iluminado / de rubras malvas bordado, / tanta graça Deus lhe pôs!) / que foi berço das primeiras / fantasias das oleiras / nos bonecos de Estremoz!”. A letra da marcha era da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário de Joaquim Vermelho (1927-2002), que se tornaria um destacado estudioso da barrística popular estremocense.
No 3º quartel do séc. XX, o Largo do Outeiro revelava ainda enorme beleza, muita dela proveniente da garridice dos alegretes floridos que ladeavam as casas, aos quais as mulheres dedicavam especial atenção, parecendo que competiam umas com as outras. O Largo estava cheio de vida e as crianças tinham o privilégio de brincar à vontade, porque a escadaria só permitia trânsito pedonal.

Outeiro, quem te vê
Segundo Nuno Ramalho, o Largo do Outeiro é constituído por 21 casas, a que correspondem 29 números de polícia. 2 dessas casas têm os telhados abatidos, o que corresponde a 4 números de polícia desabitados. Para além destes, há mais 11 números de polícia desabitados. A percentagem de números de polícia desabitados é assim superior a 50%, o que é revelador da falta de condições de habitabilidade das casas.
A limpeza da calçada do pátio frontal das casas, outrora assegurado pelos moradores, já conheceu melhores dias. Os alegretes outrora repletos de flores estão quase todos vazios e alguns foram mesmo indevidamente cimentados. O aspecto geral do Largo é um aspecto de abandono, que faz lembrar um moribundo à espera que o possam salvar.

Quem acode ao Outeiro?
A decoração apotropaica agora descoberta, que tudo leva a crer seja a mais antiga conhecida no Alentejo, pode-se tornar num pólo de atracção turística, desde que devidamente divulgada.
Que poderá o actual Executivo Municipal fazer pela recuperação do Largo do Outeiro e ruas limítrofes? É que a história da barrística popular estremocense passa por ali e os executivos municipais precedentes, esqueceram-se disso.

Este texto foi publicado no jornal E nº 298, de 27 de Outubro de 2022, numa versão provisória,
existente á hora do fecho da edição, na noite do dia 25. A versão aqui presente é posterior e
ainda não é a versão definitiva. 

BIBLIOGRAFIA
(1) - CHEVALIER; Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 6ª ed. José Olímpio. Rio de Janeiro, 1992.
(2) - LOBATO DE FARIA, Luís. Estudos - Luis Lobato de Faria. [Em linha]. Disponível em: https://alentejoinportugal.blogspot.com/2020/06/alentejo-apotropaico-i-parte.html . [Consultado em 21 de Outubro de 2022].

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Centro Histórico de Estremoz: Do autismo à militância ecológica

 


Fotografias de Rui Dias
Muralhas semi-limpas
“Vamos limpar as muralhas da zona histórica!” - assim se designava a acção promovida no passado dia 5 de Outubro pela União de Freguesias de Estremoz - Santa Maria e Santo André, a qual visava sensibilizar para as questões ambientais e contribuir para a limpeza do terreno junto às muralhas.
Face ao convite-apelo-desafio lançado, compareceram 15 valoroso(a)s guerreiro(a)s, os quais como refere o Hino da Intersindical, foram ali lutar com as armas que tinham nas suas próprias mãos e que eram, nem mais nem menos, as luvas protectoras fornecidas pela organização. Entre as dez horas e o meio-dia e meia, conseguiram limpar a zona junto às Portas de Évora, o que deu para encher por duas vezes um atrelado do Município e uma vez a carrinha de caixa aberta da União de Freguesias.
A jornada de trabalho permitiu apenas limpar metade das muralhas junto ao Centro Histórico, pelo que a organização vai oportunamente marcar uma nova data para a recolha do restante lixo.

Às armas! Às armas! Contra o lixo marchar, marchar!
Bem podiam ter sido estas as palavras de incitamento ao combate ecológico do passado de 5 de Outubro, já que os intervenientes na contenda revelaram extremoso pundonor, fruto decerto da sua elevada consciência ecológica, social e política. Entre eles figuravam os membros da Junta da União de Freguesias e o Vereador do Pelouro do Ambiente. Irmanados num mesmo propósito, entre eles existia um elo comum: pertenciam todos às esquerdas locais. Por outras palavras: a direita remeteu-se comodamente a penates. A rapaziada das laranjadas e os furta-cores, entrincheirados nas redes sociais, preferem a partir daí, mandar os seus bitaites doutorais sobre o assunto, pois sempre é mais cómodo perorar que dar o corpo ao manifesto.

Santiago!
Era o grito de guerra lançados pelos cristãos nas batalhas pela reconquista cristã da Península Ibérica. Santiago foi no passado dia 5 de Outubro, o bairro alvo da acção promovida pela União de Freguesias de Estremoz - Santa Maria e Santo André. Para tal, a acção foi antecedida de trabalho da mediadora cultural, houve distribuição de folhetos e o Presidente da União de Freguesias falou com moradores. Todavia, o bairro de Santiago fechou-se em copas, como se aquilo não tivesse nada a ver com eles.

Associações, associações, lixo à parte
As associações culturais e desportivas locais, que habitualmente solicitam apoios de índole diversa, também foram convidadas a associar-se à acção promovida pela União de Freguesias, mas o resultado foi moita-carrasco. Reciprocidade? O que é isso?
Por ali não se viram também escuteiros, ainda que o ideário escutista pressuponha a prática diária de uma boa acção e encare os escuteiros como os principais guardiões da natureza e do meio ambiente.
E as escolas não têm clubes vocacionados para a defesa do ambiente e para o exercício da cidadania? Pois têm.

E os papa-lanches?
Há fregueses que não faltam a uma iniciativa da Junta. Pudera, é que no fim há sempre um lanchezinho para dar ao dente e molhar o bico. Desta vez não foram. Pudera, desta vez a iniciativa era a seco.

Limpar o que está semi-sujo
Fico a guardar com expectativa os resultados e a natureza dos participantes na 2.ª etapa da acção “Vamos limpar as muralhas da zona histórica”. Depois “É preciso dar tempo ao tempo”, já que como nos diz a canção de Fausto, é sabido “que atrás dos tempos vêm tempos / e outros tempos hão-de vir”.

E depois?
O futuro o dirá. Das duas uma: ou a sensibilização do bairro de Santiago para as questões ambientais resulta e deixa de haver prevaricação ou, pelo contrário, há moradores que num total desrespeito pela vida em sociedade, continuam a prevaricar. Neste último caso, o Município de Estremoz terá inescapavelmente de agir. Para tal, dispõe de uma Divisão de Ambiente e Serviços Urbanos com missões perfeitamente definidas, legislação portuguesa actualizada sobre o assunto e fiscais para andar no terreno. Só se torna necessário olear a máquina, no caso de esta se encontrar perra. E depois é aplicar coimas, o que é da mais elementar justiça, de acordo com o princípio do poluidor pagador, conceito através do qual se imputa ao poluidor a responsabilidade de arcar com os custos resultantes da poluição. É uma atitude que terá de ser tomada de olhos vendados e sem pensar em votos.

Publicado no nº 297 do jornal E, em 13-10-2022







quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Estremoz e o 5 de Outubro

 

Proclamação da República Portuguesa. Litografia de autor desconhecido. 1910.

 

A  proclamação da República em Lisboa
O derrube da Monarquia a 5 de Outubro de 1910 foi fruto da acção doutrinária e política do Partido Republicano Português, criado em 1876 e cujo objectivo essencial foi desde o princípio, a substituição do regime.
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, há uma mudança de paradigma. Uma Monarquia com oito séculos é substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.
As instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda e as fórmulas de franquia postais.

A proclamação da República em Estremoz
Desde 1891-92, que existia o Centro Republicano de Estremoz, fundado por Júlio Augusto Martins (1866-1936) no 1º andar do edifício da antiga Misericórdia, situado no chamado Largo da Porta Nova. No rés-do chão funcionava a Sociedade Recreativa Popular Estremocense (Porta Nova), também fundada nessa época. A semelhança dos congéneres espalhados pelo país, o Centro Republicano de Estremoz desenvolvia actividades que incluíam não só a militância política e a formação ideológica, mas também a acção cultural e pedagógica.
Em Estremoz quem recebeu o telegrama do Ministro do Interior António José de Almeida anunciando a proclamação da República em Lisboa, foi o empresário João Francisco Carreço Simões (1893-1954) seu amigo pessoal e igualmente membro do Partido Republicano. Seria ele a proclamar a República no dia 6 de Outubro de uma sacada da Câmara Municipal de Estremoz, da qual viria a ser Vice-Presidente, durante a presidência de Júlio António Martins (1910-1911). Após a proclamação decorreu um cortejo pelas ruas da cidade, no decurso do qual foi entoada “A Portuguesa” e gritados “Viva a República!”

Antes do 25 de Abril
“Antes do 25 de Abril, comemorava-se o 5 de Outubro com uma romagem ao cemitério de Estremoz, que reunia velhos republicanos como o Cândido ferrador, o Saturnino Martins, o Abílio Maleitas e o Francisco Joaquim Baptista, mais conhecido por Chico das Metralhadoras. Iam com uma bandeira nacional à frente, já que não podiam levar outra e a bandeira nacional era e é, a bandeira da República. Nesse dia, o Chico das Metralhadoras tinha a bandeira da República hasteada numa janela da sua casa, sita na rua das freiras. Era a sua maneira de ilustrar a “Trova do vento que passa” de Manuel Alegre:

“Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.”

Houve muitos homens que contribuíram para a formação da minha personalidade e para além do meu pai, um dos mais importantes foi, sem dúvida, o Chico das Metralhadoras, permanentemente envolvido em angariação de fundos para a rotativa do jornal República e para os bombeiros locais e que, por mesquinhez de alguns e por memória curta de outros, foi injustamente esquecido.
No 5 de Outubro íamos almoçar uma bacalhauzada à do Xico das Metralhadoras. Eu, o meu pai e outros amigos para ali convidados: O Pelágio do notariado, o Francisco Ramos do Mendes Meira e Niza, o Fernando Gomes mecânico, o Vicente Rosado da Sagres, o Sargento Luís do Tabaquinho e Gonçalves e o Zé Luna da Câmara e do Estremoz.” (1)

O Centenário da República
Em 5 de Outubro de 2010, a Câmara Municipal de Estremoz, em parceria com entidades militares e civis, assinalou o Centenário da República, visando comemorar o evento e recuperar a memória e homenagear aqueles que de entre nós, participaram na sua Proclamação.
As comemorações tiveram início de manhã, com lançamento de foguetes, a que se seguiu o desfile das bandas filarmónicas do concelho. Seguidamente, teve lugar a Cerimónia Oficial em frente aos Paços do Concelho. Esta iniciou-se com o içar da Bandeira Nacional, seguindo-se a execução sucessiva dos Hino Nacional, da Cidade de Estremoz e Maria da Fonte pelas bandas filarmónicas do concelho. Terminada esta, tiveram lugar intervenções do Vice-Presidente da Câmara e do Presidente da Assembleia Municipal.
Seguiu-se o descerramento de uma placa na parede do edifício dos Paços do Concelho, em homenagem a João Francisco Carreço Simões, que ali proclamou a República em 6 de Outubro de 1910. As comemorações terminaram na parte da manhã com a inauguração sucessiva de duas exposições: "República - Letras e Cores, Ideias e Autores" no claustro do edifício dos Paços do Concelho e "A República para além de Lisboa 1908-1912" no antigo Centro Republicano. Da parte da tarde, teve lugar uma romagem ao cemitério de Estremoz, visando homenagear João Francisco Carreço Simões, cuja figura foi exaltada através da intervenção de um familiar.

5 de Outubro de 2022
“Vamos limpar as muralhas da zona histórica!” – Assim se designa a acção a promover no próximo dia 5 de Outubro pela União de Freguesias de Estremoz – Santa Maria e Santo André, com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz. De acordo com a Junta de Freguesia, a iniciativa tem um duplo objectivo: sensibilizar para as questões ambientais e contribuir para a limpeza do terreno junto às muralhas. De acordo com a entidade organizadora trata-se de uma oportunidade única para mudar comportamentos de cidadãos, que dispondo de contentores em número suficiente no local, deliberadamente despejam lixos doméstico naquela zona, o que dá uma má imagem da cidade.
Não é a primeira vez que uma actividade deste tipo é promovida no local, saldando-se por uma reincidência de incivilidade comportamental dos moradores da zona. Daí que não seja de admirar a existência de algumas atitudes de pessimismo face à eficácia da acção a promover pela Junta. Por outras palavras, há quem pense que a zona vai ficar limpa, mas depois vai voltar tudo ao mesmo. Há ainda quem teça outros comentários, que pelo seu teor e índole discriminatória, me recuso a veicular aqui.
Pela minha parte, aplaudo a iniciativa da Junta e faço votos para que seja bem-sucedida, o que não é um dado adquirido e que só o futuro confirmará. Além disso, permito-me produzir uma reflexão sobre o assunto.

Educar é preciso!
A zona onde a Junta de Freguesia vai desenvolver a iniciativa a que se propôs, corresponde ao Bairro de Santiago, o qual é desde sempre a zona mais pobre, desfavorecida e degradada da cidade, eufemisticamente conhecida por “ilha brava” nos anos 60 do séc. XX. A condição social do Bairro reflectiu-se sempre numa baixa escolaridade que o tornou parcialmente impermeável a conceitos de cidadania transmitidos através da instrução e educação escolar. É uma situação que ainda perdura e que urge ultrapassar, usando mediadores sociais que sejam aceites pela comunidade e que lhes façam sentir como eles são importantes na resolução de um problema que acaba por os afectar a eles próprios.
Sobre o descarte de lixos torna-se necessário fazer compreender que ele deve ser feito nos contentores ou ilhas ecológicas, para permitir a respectiva gestão através da reciclagem, compostagem, aterro sanitário ou incineração. É preciso também fazer compreender que o descarte inadequado dos lixos fora dos contentores ou ilhas ecológicas, tem impactos ambientais que se traduzem na contaminação do solo, da água e do ar, que podem estar na origem de doenças diversas e conduzir à degradação ambiental e ter reflexos no turismo, o que se traduz em custos sociais e económicos.
Seguidamente é preciso fazer compreender que na compra de artigos de consumo, se não pudermos comprar certos produtos a granel, há que optar por embalagens recicláveis, visando diminuir o consumo de recursos não renováveis, como petróleo e minerais, bem como o consumo de energia que a maioria das vezes não provém de energias renováveis.
Creio que tudo isto é necessário, porque a educação e a cultura são vectores de transformação da mente humana, que tornam as pessoas mais livres de preconceitos e condicionantes, tornando-as mais responsáveis e sociáveis.

(1) - MATOS, Hernâni. FRANCO-ATIRADOR, TEXTOS DE CIDADANIA DE UM ALENTEJANO DE ESTREMOZ. Edições Colibri. Lisboa, 2017.

Publicado no jornal E nº 296 de 29 de Setembro de 2022 

Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
aqui estão parados na Avenida de Santo António. Presentes entre outros, António
Vão (estafeta), Xarepe (Máquinas Oliva), Saturnino Martins (Casa Verde), António
Parelho (Brados do Alentejo), António Cândido (ferrador), Furtado da Loja, Francisco
Gonçalves (Farmácia Godinho), Artur Assunção (Farmácia Costa), Abel Violante
Augusto (moldurador) com a bandeira, Francisco Baptista (ferroviário), Machadinho
(enfermeiro),  Eduardo Movilha (carpinteiro) e Carmem Movilha (neta) – Cortesia de
Carmem Movilha.

Placa descerrada em 5 de Outubro de 2010 na parede do edifício dos
Paços do Concelho de Estremoz.

Cartaz anunciador da iniciativa da União das Freguesias de Estremoz
no dia 5 de Outubro de 2022.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Falem português, por favor

 



“Minha Pátria é a Língua Portuguesa´´
Fernando Pessoa

Colonização linguística
A função de uma língua é servir como um meio de comunicação claro e eficaz, o que exige que se fale e se escreva de forma clara, de modo a conseguir que as outras pessoas compreendam.
Acontece que em Portugal estamos a ser bombardeados com estrangeirismos e muito em especial por anglicismos, veiculados maioritariamente pelos meios de comunicação social e que dificultam ou bloqueiam a compreensão dos conteúdos.
Estamos perante uma agressiva operação de colonização linguística, tanto mais grave quanto mais desnecessária e descabida é, já que na esmagadora maioria das situações, existem termos ou expressões portuguesas, equivalentes aos anglicismos.
Uma tal operação de colonização não é de modo algum aceitável, nem mesmo em nome da globalização, apregoada por alguns como uma fatalidade irreversível. É que essa colonização promove a dicotomia da sociedade em dois estratos com poderes diferenciados, fruto das suas diferentes permeabilidades linguísticas aos anglicismos.
A preservação da nossa identidade cultural enquanto povo soberano, exige a defesa da língua portuguesa, o que entre outras coisas, passa pela denúncia e pelo combate à utilização abusiva e desnecessária desses anglicismos. É essa a missão que assumo no presente texto, com a profunda convicção de que “A língua de um povo é a sua alma”, tal como nos ensina o filósofo alemão Johann Fichte.

Anglicismos desnecessários
Longe de constituir um inventário exaustivo de anglicismos desnecessários, tarefa assaz ciclópica, dada a extensão do mesmo, a presente listagem corresponde apenas a anglicismos nos quais os meus olhos e ouvidos tropeçaram ultimamente: background (pano-de-fundo), backoffice (retaguarda), backup (cópia de segurança), best seller (o mais vendido), black friday (sexta-feira negra), booking (reserva), boss (chef), briefing (resumo), bug (falha informática), bullying (intimidação sistemática), by pass (variante), call girl (acompanhante), casting (pré-selecção), CEO (director executivo), checklist (lista de controlo), check-out (registo de saída), chek up (exame médico completo), chek-in (registo de entrada), coffee break (pausa para café), cool (fresco), data (dados), database (base de dados), delete (excluir), delivery (entrega a domicílio), DJ (animador musical), download (descarga de dados), e-mail (correio electrónico), entertainer (animador), expert (especialista), fake news (notícias falsas), fast-food (comida rápida), franchising (franquia), front (frente de batalha), full screen (tela cheia), happening (evento), hi-fi (alta fidelidade), hi-tech (alta tecnologia), home page (página principal), hosting (hospedagem), input (entrada), jet set (colunáveis), job (trabalho), keyboard (teclado de computador), keyword (palavra chave), know-how (saber-fazer), lay-off (período de inactividade), leading edge technology (tecnologia de ponta), lifestyle (estilo de vida), light (leve), link (ligação), lobby (ante-sala), log in (início da sessão), log out (fecho da sessão), look (aspecto), low cost (baixo preço), make-up (maquiagem), must (necessidade, obrigação), nickname (apelido), online (ligado á internet), open air (ar livre), open market (mercado aberto), output (saída), part-time (tempo parcial), performance (desempenho), performer (artista), pet (animal de estimação), playboy (libertino), player (jogador(a)), playoff (eliminatória), pocket book (livro de bolso), post (publicação), post it (nota adesiva), rating (avaliação), replay (repetir), resort (estância turística), rooming (alojamento conjunto), running (corrida), sale (liquidação), score (pontuação), screening (triagem), set (parte), show (espectáculo), site (sítio), stand by (espera), stock-off (escoamento de stock), streaming (transmissão), talk (conversa), team (equipe), team leader (capitão da equipe), top model (supermodelo), trash (lixo), truck (camião), update (actualização), upgrade (melhoria), upload (envio), vídeo mapping (projecção de vídeo), vintage (clássico), voucher (vale de desconto), website (sítio web), weekend (fim de semana), wireless (sem fio), workshop (oficina), zoom in (ampliar tamanho da tela), zoom out (reduzir tamanho da tela).

O assassínio da língua
No poema “LAMENTO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA”, o poeta Vasco Graça Moura confessa: “não és mais do que as outras, mas és nossa, / e crescemos em ti. nem se imagina / que alguma vez uma outra língua possa / pôr-te incolor, ou inodora, insossa, / ser remédio brutal, mera aspirina, / ou tirar-nos de vez de alguma fossa, / ou dar-nos vida nova e repentina. / mas é o teu país que te destroça, / o teu próprio país quer-te esquecer / e a sua condição te contamina / e no seu dia a dia te assassina.”.

E em Estremoz?
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “ESTREMOZ FUN RUNNING”, organizada pelo Município de Estremoz e pelas associações desportivas “Sobe e Desce Team” e “Rota D’Ossa”. A iniciativa visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Nos passados dias 7 e 8 de Agosto teve lugar no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, uma exposição de cerca de 80 camiões, que no final do último dia, desfilaram pelas ruas da cidade. O evento, designado por “ESTREMOZ TRUCK FESTIVAL”, foi uma organização conjunta da Câmara Municipal de Estremoz e da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Estremoz.
Entre 8 e 20 de Agosto teve lugar o “TORNEIO DE TÉNIS SÃO LOURENÇO OPEN 2022”, que decorreu no campo Polidesportivo de S. Lourenço de Mamporcão e S. Bento de Ana Loura. Tratou-se duma organização conjunta do Município de Estremoz e da Junta de freguesia local.
Apesar do respeito que me merecem tanto os organizadores como os participantes dos três eventos referidos, não posso deixar de considerar que na designação dos mesmos foram utilizados anglicismos desnecessários, já que as respectivas designações podiam ter sido atribuídas na nossa língua-pátria. Com uma tal desejável opção, os eventos teriam sido e muito bem designados por “CORRIDA ALEGRE DE ESTREMOZ”, “FESTIVAL DE CAMIÕES DE ESTREMOZ” e “TORNEIO ABERTO DE TÉNIS DE SÃO LOURENÇO”. Os eventos teriam sido exactamente os mesmos, igualmente dignos de público apreço, apenas com a importante diferença de não ter sido abastardada a língua portuguesa.

Súplica final
Por quê falar mal ou escrever mal, se é possível falar bem e escrever bem. Fazê-lo é “Vender gato por lebre”, como proclama um velho adágio, ao qual acrescento este outro: “Quem mal fala, sua língua suja.”. Daí que vos suplique:
- FALEM PORTUGUÊS, POR FAVOR.

Publicado no jornal E nº 295, de 15 de Setembro de 2022

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Município e ambiente - Uma no cravo, outra na ferradura

 

Pintura do projecto “O mar começa aqui” do Jardim de Infância de Santa Maria,
concretizado num sumidouro, junto à Praça de Táxis na Praça Luís de Camões,
em Estremoz. A memória descritiva do projecto, pode ser lida aqui .

Fotografias reproduzidas
com a devida vénia
do sítio do projecto

Sob o lema “Salvar os oceanos, proteger o futuro”, decorreu entre 27 de Junho e 1 de Julho passado, em Lisboa, a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia.
Entre muitas outras conclusões, o documento final da Conferência dos Oceanos reconhece a importância da contribuição das crianças e jovens no sentido do avanço de uma economia sustentável baseada nos oceanos, o que pressupõe uma educação de qualidade e da literacia dos oceanos. Vejamos o que já foi feito nesse sentido em Estremoz.

Projecto "O mar começa aqui"
No início do mês de Junho foram pintadas pelo Agrupamento de Escolas de Estremoz, sarjetas e sumidouros na cidade. A iniciativa integrou-se no projecto Eco-Escolas “O mar começa aqui”, o qual contou com a participação de: Escola da Mata, Escola do Caldeiro, Jardim de Infância de Santa Maria e Escola Básica Sebastião da Gama. Estas aceitaram o desafio nacional lançado pela Associação Bandeira Azul da Europa – ABAE. A acção visava alertar toda a gente para o facto de que tudo o que entra naqueles escoadouros, através dos cursos naturais de água, flui em direcção ao mar.
De salientar que os objectivos globais do referido projecto, incluem: - Compreender a necessidade de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade em geral e da qualidade da água doce e salgada em particular; - Educar para uma cidadania activa incitando os jovens a passar a mensagem de que “Tudo o que cai no chão, vai parar ao mar” a toda a comunidade educativa, - Estimular a criatividade dos alunos, através do desenvolvimento de competências em áreas como a expressão plástica; - Implementar estratégias de cooperação escolas-autarquias para a promoção da sustentabilidade. Esta pode ser definida como a capacidade de o ser humano interagir com o mundo, preservando o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras.

Estremoz Fun Running 2022
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “Estremoz Fun Running”, iniciativa que visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Ao longo do percurso existiam estações de cor (verde, azul, vermelho, amarelo), de passagem obrigatória, onde os participantes foram pulverizados com pó colorido, constituído por amido de milho e corante alimentar, inócuo, biodegradável e lavável. Para que o pó aderisse melhor à roupa, em certos pontos do percurso existiam nebulizadores de água.
Assisti à “Corrida Alegre de Estremoz” na Praça Luís de Camões e vi os participantes atravessarem a estação de cor situada no Pelourinho, local onde foram pulverizados e nebulizados. No final, a presença de um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Estremoz, permitiu que o piso fosse lavado á mangueirada, escorrendo a água colorida para dois sumidouros estrategicamente posicionados frente ao Pelourinho.

Sustentabilidade
Tanto o projecto "O mar começa aqui" como o evento “Corrida Alegre de Estremoz” contaram com o inestimável apoio do Município de Estremoz, para isso vocacionado, já que o primeiro é do âmbito educativo e o segundo dos domínios desportivo e lúdico.
Trata-se de eventos que não dispondo de públicos alvo inteiramente disjuntos, têm, todavia, alcances distintos. O projecto “O mar começa aqui” tem enorme alcance pedagógico. Como bem ensina o velho rifonário português, “É de pequenino que se torce o pepino”. Daí que o projecto procure educar as crianças para uma cidadania activa que induza na comunidade educativa, uma mudança de comportamentos que privilegiem a sustentabilidade.

E os miúdos?
Não sei se miúdos envolvidos no projecto "O mar começa aqui”, assistiram ou não à lavagem das estações de cor, uma vez terminada a "Corrida Alegre de Estremoz”. Em caso afirmativo, não sei também se alguns deles ficaram ou não confusos, ao ver água colorida escorrer para os sumidouros ou sargetas. Não sei também se terão ou não questionado o(a)s professor(a)s sobre aquilo que viram. Não sei também se o(a)s professor(a)s tiveram ou não dificuldade em fazê-los compreender que aquilo que estava a entrar nos sumidouros ou sargetas, não era prejudicial, porque não era contaminante. Admito que, dado o seu empenhamento pedagógico, o tenham conseguido fazer. Todavia, suponho que terá sido mais difícil explicar às crianças o desperdício de água usada, numa altura de seca que irá afectar a actividade agrícola nos próximos meses.
Quem sabe se o(a)s professor(a)s, aproveitando o ocorrido, não terão aproveitado para explicar o significado dos provérbios “Uma no cravo, outra na ferradura” e "Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz."

Pós-escrito
“A minha Pátria é a Língua Portuguesa´´. Assim o proclamou Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no “Livro do Desassossego”, afirmação que se tornou numa divisa seguida por figuras altaneiras da Cultura Portuguesa, como Manuel Alegre, Agustina Bessa Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vasco da Graça Moura, para só citar alguns.
Constitucionalmente, assiste-me o direito de me insurgir contra o abastardamento da língua portuguesa, seja qual for a sua origem. No caso presente, a utilização do anglicismo “Fun Running” é absolutamente desnecessária e estúpida, já que o conceito que lhe está subjacente é perfeitamente traduzível através da bem portuguesa designação “Corrida Alegre”.
Tal como Jesus expulsou os vendilhões do Templo, é imperioso expurgar a língua portuguesa de locuções anglicistas ou outras, estranhas à nossa matriz identitária. Quem não o fizer, está a apunhalar a Língua Portuguesa, pelo que terá de assumir as suas responsabilidades.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E n.º 293, de 7 de Julho de 2022

SEQUÊNCIA DE IMAGENS RELATIVAS ÀS DIFERENTES FASES DE EXECUÇÃO DO PROJECTO "O MAR COMEÇA AQUI" PELO JARDIM DE INFÂNCIA DE SANTA MARIA



 



quarta-feira, 22 de junho de 2022

Perguntar não ofende

 

Mário Nogueira, Secretário-geral da Federação Nacional de Professores.
Fotografia de Paulo Novais (Lusa).

Perguntar não ofende
O título em epígrafe encima uma sacramental pergunta inserida invariavelmente na página 14 do jornal E, mas cujo conteúdo vai variando de número para número. Na edição de 26 de Maio passado, a pergunta formulada era a seguinte: “Mário Nogueira, o sindicalista dos professores, algum dia deu ou vai dar aulas?”. Ao lê-la, concluí de imediato que a resposta à mesma constituía para mim um desafio inescapável, já que o visado é reconhecido como firme defensor dos direitos da classe sócio profissional que integrei durante 36 anos de carreira. Como corolário desse desafio, procurei elaborar uma resposta pautada pela objectividade e pelo rigor, que constituem apanágio meu.
Há muito que Mário Nogueira está na mira de alguns cronistas da nossa praça, cuja intenção configura ser denegrir o visado como pessoa e pôr em causa a sua legitimidade e eficácia enquanto dirigente sindical. Daí que seja conveniente destacar alguns dos marcos principais dessa cruzada.

Expresso
Assim, Henrique Raposo, licenciado em História e mestre em Ciência Política, na qualidade de cronista do “Expresso”, aí advoga em 18 de Junho de 2013: “Um professor dá aulas e Mário Nogueira não dá aulas há mais de 20 anos. Parece mentira, mas este senhor está num perpétuo horário zero há duas décadas. A sua "carreira" docente conta com 32 anos de serviço, mas, na verdade, o Glorioso Líder da Fenprof só deu aulas nos primeiros 10 anos de vida profissional. Os últimos 22 anos foram dedicados ao sindicalismo profissional. Não, Mário Nogueira não é professor, é sindicalista. O que me leva a uma pergunta óbvia: como é que alguém que não dá aulas há vinte anos pode representar com realismo as pessoas que dão aulas todos os dias?”

Polígrafo SIC
O “Polígrafo SIC”, de 7 de Maio de 2019, referindo-se a Mário Nogueira diz. “…é dele também a cara de uma informação partilhada milhares de vezes nas redes sociais, segundo a qual Nogueira não entra numa sala de aulas há mais de 20 anos – e que, apesar disso, obtém boas notas de avaliação do seu desempenho, baseadas em artigos de jornais e em conferências em que participa.” O mesmo “Poligrafo”, formulou então duas questões:
- “QUESTÃO N.º 1 - É verdade que Nogueira não dá aulas há mais de 20 anos?
O próprio “Polígrafo SIC” deu a resposta:
“Sim. Mário Nogueira é professor do 1.º ciclo do Ensino Básico desde o ano letivo de 1978/79, tendo-se especializado em Educação Especial. Ao Polígrafo, reconheceu que não dá uma aula “há vinte e tal anos”. Não consegue precisar o tempo exacto. “Estou ao abrigo da lei sindical, a tempo inteiro no sindicato” e “o meu salário é única e exclusivamente o salário de um professor, como se estivesse na minha escola. Não tenho nenhum subsídio nem nenhuma vantagem acrescida”, garante.”
- “QUESTÃO N.º 2 - Apesar de não dar aulas, Nogueira tem boas notas nas avaliações a que é sujeito? E é avaliado pelos artigos que publica e as conferências em que participa?”
Também aqui, o próprio “Polígrafo SIC” deu a resposta:
“Uma vez mais, a resposta é positiva. Por não leccionar, o sindicalista encontra-se no regime de “ponderação curricular”. Segundo o despacho normativo n.º 19/2012, são considerados para a classificação e avaliação final “as habilitações académicas e profissionais; a experiência profissional; a valorização curricular; o exercício de cargos dirigentes ou outros cargos ou funções de reconhecido interesse público ou relevante interesse social”. A cada um destes parâmetros é atribuída uma nota de 1 a 10, sendo feita a média ponderada.”
““As pessoas que não estão nas escolas a dar aulas não podem ser avaliadas a dar aulas – isso é válido para sindicalistas, autarcas, deputados, governantes, para toda a gente que é professora e não está a dar aulas”, explica o sindicalista, que detalha os elementos que podem ser utilizados para a sua avaliação: ações, formações e congressos em que participou ou que ajudou a realizar, durante o ano letivo; livros editados e artigos publicados em revistas e jornais, desde que relacionados com a temática da Educação.”
““A última avaliação que tive foi “bom”, que é uma avaliação normal”, refere o sindicalista, que atribui a insistência nesta questão à vitória dos professores na luta pela contabilização da totalidade do tempo de serviço congelado durante o período da Troika. “Quando os governos são derrotados, aqueles que dão rosto à luta contra eles são imediatamente apontados e postos em causa. Eles não perdoam àqueles que lhes fazem frente”, conclui o sindicalista.”
E o “Polígrafo SIC” conclui:
“Em resumo: confirmam-se as “acusações” que circulam sobre Mário Nogueira, mas é importante referir que as circunstâncias do líder da FENPROF são totalmente legais. Mário Nogueira não se encontra a infringir nenhuma norma legal.”

Resposta à pergunta do “E”
Chegados aqui, parece não restarem dúvidas de que Mário Nogueira leccionou e que actualmente não lecciona por ser dirigente sindical, não sendo previsível que volte a leccionar, dada a importância das funções que desempenha e para as quais tem sido sucessivamente reeleito pelos seus pares.

Moral da estória
É notório que há muito vem sendo orquestrada nalguma imprensa, uma campanha cuja finalidade é denegrir a imagem e desacreditar a actividade do visado, dirigente máximo do órgão de cúpula da mais forte federação de sindicatos de professores, por sinal empenhada numa batalha por melhores condições de vida e de carreira dos professores, assim como por melhores condições pedagógicas nas escolas.
A campanha contra Mário Nogueira visa em última análise desacreditar e enfraquecer o movimento sindical dos professores. Não é difícil adivinhar quem é o benificiário de tal orquestração.
Se há figuras públicas que possam ser desmerecedoras de respeito, dado o seu péssimo currículo e/ou cadastro, nem todas as figuras públicas estão nessas condições, pelo que não é legítimo medi-las todas pela mesma bitola, o que constituiria populismo primário.
Aconselho o leitor a ler a nota biográfica de Mário Nogueira, disponível no website do “Conselho Nacional de Educação”: https://www.cnedu.pt/pt/organizacao/conselheiros/127-mario-de-oliveira-nogueira .
Sugestão ao jornal E
Creio ser eticamente desejável que as perguntas formuladas na secção “Perguntar não ofende”, sofram uma triagem antes sua publicação, de modo a expurgá-las de pressupostos incorrectos. De contrário, induz-se o leitor em erro. É sabido que “No melhor pano cai a nódoa”. Há, pois, que tomar providências para que tal não aconteça. Lá diz o rifão “Mais vale prevenir que remediar”.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E nº292, de 23 de Junho de 2022