domingo, 5 de maio de 2024

Poesia portuguesa - 180




Carta
Luís Veiga Leitão (1915-1987)

Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.

– Meu amor estou bem –

Quanto te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.

– Meu amor estou bem –

Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.

– Meu amor estou bem –

Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:

– Meu amor estou bem –


Luís Veiga Leitão (1915-1987)

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