quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Temporada Tauromáquica de 1886 (Setembro a Dezembro)

 

Temporada Tauromáquica de 1886

(Meses de Setembro a Dezembro)

Luís Brito da Luz 

1

2

3

4

5


      Iniciou-se o mês de Setembro com uma corrida noctuma, que esteve quase cheia, em Lisboa, no Campo de Sant'Anna, a qual estava agendada para o mês de Agosto no dia 26 e foi primeiramente transferida para o dia 2 em virtude do espada Guerrita e seus bandarilheiros irem tourear a Cáceres podendo estar em Lisboa nesse dia. Acabou esta corrida por ser antecipada para o dia 1 em consequência do espada e sua quadrilha irem tourear a Aranjuez no sábado dia quatro. Sendo considerado por muitos entendedores o melhor bandarilheiro á altura, foi propositadamente o empresário António da Costa Guerra a Cáceres para fechar contrato com esta primeira figura. O curro escolhido e apartado de muito era pertença de D. Marcos de Noronha (Vagos). Guerrita, rapaz elegante bem-parecido , mostrou que os elogios nos jornais espanhóis eram mais que justos , sendo extraordinário no trabalho de capa e muleta que demostrou no décimo touro que lhe coube picar a sós, tendo-o enfeitado primeiro com alguns pares de bandarilhas postas com toda a perícia, mostrando ser um artista consumado nos passes de muleta e de capote. A maneira elegante como se colocava na frente do touro e o garbo como tirou quatro passes de peito valeram-lhe a maior das ovações que ultimamente tinha havido naquela praça. O sétimo touro também lhe pertenceu quebrando a espinha quando saltava á trincheira falsa sendo arrastado para dentro quase morto. O cavaleiro José Bento de Araújo picou bem, embora por vezes fosse um pouco precipitado. O outro cavaleiro Manuel Mourisca Júnior picou o primeiro touro da lide com bastante mestria não sendo tão feliz no touro que lhe coube na segunda parte. Torerito, Manene e Molina bandarilheiros da quadrilha de Guerrita trabalharam com bas­ tante distinção. Roberto Peixinho e Minuto bandarilharam bem e com correcção. Chamada de atenção para o divertimento dos chapéus na praça, demonstração de agrado que devia ser refreada pois era altamente cansativa para os artistas e maçadora para os espectadores por dar lugar a um intervalo imenso. A direcção da corrida esteve muito longe de ser boa porque o inteligente, andando a reboque da voz do público, muitas vezes não percebeu os touros mandando-os recolher quando os artistas os estavam a aproveitar no trabalho de capote.

       Dia 5 no Campo de Sant'Anna teve lugar a festa artística, benefício do banda­ rilheiro João Calabaça, toureiro arrojado e diligente, e de Joaquim Gaiato. Treze touros, todos puros, da afamada raça de gado bravo de A. Luiz da Veiga e, á altura, pertencentes a Manuel da Silva Victorino , os quais cumpriram. O cavaleiro José Bento de Araújo foi arrojado como sempre. O distinto cavaleiro amador D. Luiz do Rego picou um touro mantendo os seus créditos. Dos bandarilheiros portugueses só Peixinho esteve muito bem e a par de El Minuto. O novel toureiro Silvestre Calabaça, filho do beneficiado , lidou um touro mostrando disposição para o tou­ reio. O beneficiado fez uma brilhantíssima figura mantendo os seus créditos de bom artista. No geral, foi uma boa corrida.

Em Montemor-o-Novo , por ocasião da grande feira anual, nos dias 5 e 6 pelas quatro horas da tarde estavam anunciadas duas corridas de dez touros cada uma, das acreditadas manadas dos herdeiros do Conde de Atalaia. Tomaram parte os cavaleiros amadores D. António de Portugal e Castro, Joaquim Fiuza Guião e Aires Saturnino assim como o insigne espada espanhol Vicente Mendes, El Pescadero e os bandarilheiros João do Rio Sancho, J. Maria da Costa, J. dos Santos, A. Gonçalves e A. Xavier Delgado. Na segunda corrida, tomou parte Filipe Aragon, El Minuto. Finalmente um grupo de homens de forcado, dos campos de Montemor, fizeram lindas e valentes pegas.

Voltando ao Campo de Sant'Anna, agora no dia 9, aconteceu uma corrida nocturna, que devia ter sido realizada a vinte e nove do mês de Agosto, de treze bons touros, oito deles para e pertencentes a Paulino da Cunha e Silva, descendentes da afamada raça de gado bravo de Rafael José da Cunha e os restantes, para cavalo, de extraordinária bravura pertencentes a Emílio Infante da Câmara, Carlos Marques, Jacinto Freire e Roberto & Irmão que os ofereceram, alguns célebres pela sua ferocidade como o Foguete, o Desertor e o Carvoeiro. Os cavaleiros foram António Maria Monteiro que diligenciou agradar e José Bento de Araújo que lidou um dos touros a pé, bandarilhando e trasteando á muleta, tal como tinha executado no dia vinte e dois de Agosto em Vila Franca, trajando o elegante costume andaluz. Terminou a fazer uma excelente pega de costas por se ver perseguido pelo touro, sendo muito ovacionado. Dos bandarilheiros portugueses Calabaça e José da Costa obtiveram aplausos assim como os espanhóis Pescadero e Minuto. Houve uma lide a ferros de palmo por Minuto e Calabaça. A praça estava iluminada com três mil luzes, cujo ensaio de iluminação ocorreu dia sete.

No domingo dia 12 de Setembro, estava anunciado um torneio tauromáquico promovido por uma comissão de aficionados em beneficio de uma família desvalida na praça de touros do Campo de Sant'Anna em Lisboa. Os touros em número de treze, todos puros, eram pertencentes a D. Marcos da Silva Noronha (Vagos), iguais aos que foram corridos na última nocturna do dia um de Setembro. Reapareceu o afamado J. M. Casimiro Monteiro que estava muito afastado desta primeira arena. Também a afamada e notável matadora de touros, que tinha obtido calorosos aplausos nas praças de Sevilha, Cádis e Jerez, considerada em toda a Espanha a non plus ultra da arte e do arrojo, a sra. D. Carmen Lucena, La Garbancesa e sua quadrilha (dois bandarilheiros) marcaram presença no cartaz. Anunciados estavam também os nossos melhores bandarilheiros.

Projectava o deputado Jaime da Costa Pinto dar na praça de Almada uma tourada cuja receita seria em favor das obras da igreja desta vila convidando para o efeito o cavaleiro José Bento de Araújo a participar no evento.

Na vila da Moita do Ribatejo, por ocasião das festas em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, tiveram lugar duas corridas nos dias 13 e 14. Os vinte e dois touros puros apresentados eram pertença de dois lavradores de Benavente que, pela primeira vez alugaram para esta praça, sendo doze para a primeira corrida de João Vicente de Almeida e os outros dez para a corrida do dia catorze de João Sabino Fernandes. Tomaram parte nestas corridas o cavaleiro José Maria Casimiro Monteiro e os bandarilheiros Robertos, João Calabaça, José Maria da Costa e Augusto Monteiro. O gado entrou na praça depois da chegada do comboio da manhã. Os bilhetes estiveram á venda na loja do sr. José Maria da Purificação Gaspar, na vila da Moita. Os preços dos comboios de ida e volta (Lisboa-Setúbal) tinham preços reduzidos no valor de trezentos réis.

Organizada pelo antigo aficionado, nesta altura empresário, António da Costa Guerra, teve lugar no dia 19 em Lisboa, na praça do Campo de Sant'Anna uma corrida de doze touros bravos e de boa estampa comprados a D. Caetano de Bragança (Lafões), alguns dos quais muito saltadores que prejudicaram bastante o trabalho dos artistas. Os cavaleiros da corrida foram Manuel Mourisca Júnior e José Bento de Araújo que toureou com o costumado arranjo, mostrando o primeiro ser o cavaleiro correcto que se conhecia aproveitando os touros que lhe couberam e sabendo vencer o seu soberbo cavalo de combate que pretendia negar-se, e que diligenciou em grandes upas deitar fora da sela o cavaleiro. O distinto matador Punteret bandarilhou com arte o sétimo touro acabando por passa-lo de muleta com tanto garbo e destreza que obteve uma ovação. El Minuto e Calabaça foram muito aplaudidos. Pescadero esteve infeliz, não fazendo nada com as bandarilhas , apanhando um grande boléu por ter sido colhido em cheio no quinto touro. Estavam anunciados também Vicente Roberto e Roberto da Fonseca assim como seu sobrinho João Roberto, os quais não tivemos notícias da sua actuação. A praça apresentou a grandiosa decoração que tinha na corrida por amadores que se verificou por ocasião do casamento de Suas Altezas Reais o Príncipe D. Carlos e a Rainha D. Amélia.

Também no dia 19 estava anunciada para a praça de touros de Torres Novas uma corrida de dez vacas bravas pertencentes a Viúva Sirgado & Filhos. Noticiados estavam também o cavaleiro amador Victor Carlos Martins acompanhado por um simpático grupo de conhecidos artistas. A corrida compunha-se por dois chistosos intervalos pelo Pae Paulino & Companhia.

Para as tardes de 21 e 22 de Setembro, durante as festas do Senhor da Piedade, em Elvas preparavam-se duas corridas de touros tendo sido a praça tomada de arrendamento pelo sr. Lobão Rasquilha.

Para dia 26 anunciou-se para o Cartaxo uma corrida de touros pertencentes aos lavradores e criadores Irmãos Robertos com o cavaleiro José Bento de Araújo, e os bandarilheiros Vicente Roberto, Roberto da Fonseca, João Roberto, José dos Santos e António Augusto. Os camarotes estiveram à venda no estabelecimento do sr. Joaquim Mendonça.

Também no mesmo dia em Almada teve lugar uma corrida com doze touros de José Maria dos Santos para os cavaleiros D. António de Portugal que foi substituído por Alfredo Tinoco, Joaquim Fiuza Guião e José Gabriel Holbeche Júnior que penso ser a corrida projectada pelo deputado Jaime da Costa Pinto anunciada no periódico a 12 de Setembro. Os touros não se prestaram ao torneio tendo farpeado Tinoco o primeiro e o sétimo touro da corrida, este último a ferros curtos, tendo-os aproveitado bem. A Guião coube-lhe o terceiro e o nono procurando-os com muito sangue frio metendo alguns ferros com arte. Gabriel Holbeche farpeou bem o quinto e foi muito feliz no décimo primeiro. Todos os três cavaleiros foram ovacionados e brindados com pastilhas, ramos de flores e coroas com fitas de seda. Quanto aos bandarilheiros trabalharam bem João Calabaça e Sancho que  bandarilharam o segundo da tarde. O quarto coube a José da Costa e João Laureano e o sexto outra vez a João Calabaça agora a par com Augusto Monteiro. Sancho, Costa e Silvestre bandarilham o oitavo e João Laureano e Neves o décimo. Fecharam João Calabaça, Sancho e Silvestre o décimo segundo. O festejado Sol e da Sobreda tocou muito bem alguns trechos de música e a filarmónica Incrível Almadense executou muito bem ao intervalo uma peça de música muito aplaudida. Corrida que gerou muita celeuma empregando os progressistas de Almada todos os meios lícitos e ilícitos para que esta festa de caridade não de realizasse. Após esgotadas todas as desculpas desde a pouca solidez da praça até à pouca competência dos cavaleiros, lembraram-se de empalmar a música que estava comprometida a tocar durante o evento. Para intentá-lo vieram a Lisboa pedir um vapor que ficasse à disposição destes almadenses progressistas para irem esperar El-Rei. A ideia era desviar a música da corrida obrigando a banda a ir tocar a bordo, gorando-se as expectativas com a recusa da filarmónica Almadense. Não foram enviados polícias para a praça e exigiram do administrador que o regedor substituto presidisse à corrida. O Dr. Juzarte, administrador do concelho, para obedecer às exigências dos mandões teve de sujeitar-se ao triste papel de ver a corrida da trincheira. E para não haver dúvidas de que toda a guerra partiu destes falsos progressistas, pois os verdadeiros estavam indignados, de conveniência e com o consentimento das autoridades mandaram distribuir um manifesto insensato contra o deputado Costa Pinto.

Igualmente a 26 estava uma corrida de touros anunciada para Setúbal em beneficio dos corpos da Associação Setubalense das Classes Laboriosas e da Associação dos Bombeiros Voluntários da cidade. O gado foi cedido por José Maria dos Santos a quem tanto a cidade deve. Foi cavaleiro Manuel Mourisca e bandarilheiros Minuto, Pescadero, Calabaça entre outros.

A nocturna no Campo de Sant'Anna que estava anunciada para 23 de Setembro foi transferida, por causa do mau tempo, para dia 2 de Outubro com doze touros do lavrador D. Marcos da Silva de Noronha (Vagos) iguais aos que tanto entusiasmo causaram na nocturna de um de Setembro. O campino Joaquim Estalagem, conhecido em todo o Ribatejo e criado deste notável lavrador, farpeou um touro a cavalo. Os cavaleiros foram António Monteiro e José Bento que foi substituído por Mourisca. Bandarilharam Roberto, João Roberto, João Calabaça e os espanhóis Pescadero Minuto e Silverio.

Nos dias 3 e 4 em Vila Franca, por ocasião da grande feira anual, anunciaram-se duas corridas de touros.

A 5 de Outubro anuncia-se pela última vez na praça de touros em Belém, as touradas burlescas aos domingos, segundas, quintas e sábados.

A 17 de Outubro teve lugar em Setúbal uma corrida de touros em beneficio do conhecido bandarilheiro Ajú. Esta corrida deveria ter sido realizada no dia 10, mas o curro de touros puros, apartados a capricho para esta corrida, pertencentes ao lavrador J. Costa Freire, apesar de vir acompanhado de bastantes criados, tresmalhou-se na condução, impedindo a corrida de se realizar naquele dia. Foi uma boa tourada apesar de se conseguirem trazer à praça sete touros. João Pedro realizou um salto à vara e uma sorte de gaiola magníficos, dois touros foram farpeados a cavalo e trabalharam muito bem os bandarilheiros dos quais tomou parte Minuto. Houve intervalo de pretos (toureiros africanos) e anunciaram-se fantoches diabólicos e outros atractivos. No sexto touro teve uma chamada entusiástica o lavrador, inteiramente justa , com os touros fugidos doze dias não seria fácil encontra-los mais bravos.

A última corrida da época no Campo de Sant'Anna aconteceu a 24 de Outubro com doze touros corpulentos e bravos de Carlos Marques para o cavaleiro Manuel Mourisca e os melhores bandarilheiros portugueses , tais como Roberto, Peixinho entre outros. Também actuou o espanhol Minuto, que se despediu nessa tarde partindo depois para Montevideu assim como o insigne espada Rafael Guerra (Guerrita) e seus destros bandarilheiros Juan Molina e Manuel Roiz (El Manene), artistas de apreço, os quais actuaram pela primeira vez na noctuma do dia um de Setembro. dois touros falharam, um para o cavaleiro e outro para a lide a pé. O primeiro cavaleiro tauromáquico português, à altura, esteve correcto com um touro mau e o seu cavalo russo a intimidar-se com ele, negando-se à lide. Pena foi a ignorância de alguns espectadores, castigados severamente pelo público com uma apupada que não perceberam que outro qualquer cavaleiro nas mesmas condições não fazia sequer metade do que Mourisca fez. Guerrita esteve primoroso com o capote e com a muleta alcançando uma grande ovação. Lamentando os espadas espanhóis de executarem o trabalho dos bandarilheiros , sabendo apenas quando aqui chegavam que tinham de bandarilhar e em condições muito piores que em Espanha, obrigados a fazer um trabalho forçado, desvantajoso para o artista e para o público, pedia-se que trabalhassem mais de capote e muleta e não fossem obrigados a bandarilhar. Roberto da Fonseca esteve esplêndido, Minuto, Peixinho e Rafael distinguiram-se. José da Costa colocou muito bem dois pares de ferros. Uma salva ao empresário Guerra que sobrepôs a qualquer interesse mesquinho o interesse da arte. Boa tourada com casa bem composta.

A última notícia da época dizia respeito a uma corrida em Almada, marcada para o dia 19 de Dezembro e promovida por uma comissão de ilustres almadenses, corrida essa que não chegou a realizar-se em virtude do gado se ter tresmalhado , chegando um dos touros a descer até Cacilhas. O animal próximo da cortina do cais investiu com um catraeiro, o qual lhe furtou o corpo, indo o bicho parar à água, tendo sido posteriormente laçado a muito custo e atado a uma carroça.

 

Agradecimentos

  O autor agradece a minúcia e o detalhe manifestado na pronta ajuda de João Baptista  Malta, seu primo e muito próximo , interessado e apaixonado aficionado tauromáquico.

 

BIBLIOGRAFIA

 Monografias

ALMEIDA, Jayme Duarte de - Enciclopédia Tauromáquica ilustrada. - Lisboa: Editorial Estampa, 1962.

ALMEIDA, Jayme Duarte de - História da Tauromaquia técnica e evolução artística do toureio. - Lisboa Artis Lda, 1951-1953. - 2 vol.

Publicações em série

DIARIO ILLUSTRADO / Fund. Pedro Correia da Silva. - Lisboa Impr. de Souza Neves, 1872-1911 - Publicação diária referente aos n.os 4 556, 1 de Janeiro até 4 917, 31 de Dezembro de 1886.


Sem comentários:

Enviar um comentário