Romeiros na Avenida da Piedade, em Elvas, no ano de 2011. Fotografia recolhida em
HISTORIAL
A romaria do Senhor Jesus da Piedade de Elvas, organizada pela Confraria do Senhor Jesus da Piedade tem início no dia 20 de Setembro, principiando com a Procissão dos Pendões. Esta sai da Igreja de Nossa Senhora da Assunção e da Ermida de Nossa Senhora das Dores. No cortejo, com a duração de três horas e com destino ao Santuário do Senhor Jesus da Piedade, incorporam-se estandartes e pendões em representação das paróquias, irmandades e confrarias do concelho de Elvas, bem como da Câmara Municipal, dos Bombeiros Voluntários e doutras colectividades. Quando ali existiam unidades militares, também os seus estandartes integravam o cortejo. Este encerra com o pendão da Confraria do Senhor Jesus da Piedade. Acompanham o cortejo três bandas filarmónicas.
À chegada ao Parque do Piedade tem lugar uma sumptuosa sessão de fogo de artifício. No local decorre de 20 a 30 de Setembro, a tradicional Feira de São Mateus, com animação variada, que atrai romeiros de todo o Alto Alentejo e da raia espanhola. A romaria e a Feira de São Mateus terminam uma semana depois, com a Procissão de Retorno dos Pendões.
A romaria remonta ao Verão de 1736, quando o clérigo elvense Manuel Antunes se dirigia à "Horta dos Passarinhos", da qual era capelão e donde recebia rendimentos. Vinha das Portas da Esquina, montado numa pequena mula e caiu por duas vezes sucessivas, tendo ficado bastante ferido. Quase inconsciente, seguiu a pé, crendo ser capaz de chegar à Horta. Na sua caminhada chegou a um outeiro de pedras onde se erguia uma cruz mal feita e tosca, assinalando a morte do lavrador da Torre dos Arcos. Aí ajoelhado, jurou mandar consertá-la e celebrar uma missa naquele local, se conseguisse chegar à propriedade sem mais contrariedades e se não tivesse consequências funestas das quedas aparatosas que tinha sofrido. Findo o Verão, durante o qual reconquistou a saúde, cumpriu a promessa. Com a constatação do local, muitos daqueles que se encontravam em aflições, temendo pela sua saúde, recorreram ao "Senhor Jesus da Piedade", como lhe passaram a chamar desde então. Mais milagres ocorreram e mais promessas foram cumpridas, o que levou a erigir primeiro uma capela e depois uma igreja, na qual se encontram patentes milhares de ex-votos.
O São Mateus de Elvas era até meados do século passado uma das maiores romarias do Alto Alentejo. Durante meses poupava-se para se poder ir a Elvas, por volta de 21 de Setembro, dia de São Mateus. Era em churriões puxados por mulas que se ia às Festas. Era na altura em que os ganhões que mourejavam nas herdades, iam aquelas Festas gastar a maçaroca amealhada a custo. Lá diz uma quadra do rico cancioneiro popular alentejano:
Ó feira de S. Matheus,
Onde as ganharias vão
A gastarem o dinheiro
Da temporada do v’rão. (1)
Churrião junto ao Aqueduto – Elvas. Bilhete-postal ilustrado de meados do
séc. XX. Edição da Livraria e Papelaria Rego - Elvas.
Era uma romaria que durava dias, entre o ir e o voltar. E ali os romeiros estacionavam os churriões por zonas, conforme a zona de proveniência. Digam-me lá, se o alentejano é ou não é um tipo organizado?
Aspecto do Arraial da Feira de S. Mateus – Elvas. Bilhete-postal ilustrado do início do séc. XX.
Edição da Tabacaria Costa – Lisboa.
Nas Festas do São Mateus havia para além das cerimónias religiosas, feira e bailaricos populares, longamente aguardados durante o resto do ano:
Ó Senhor da Piedade
Que estaes na vossa egreja,
O povo desta cidade
Bem alegre vos festeja. (2)
O Senhor da Piedade
Vae a ter festas de luxo,
Vão a fazer um bazar
Lá no sítio do repuxo. (2)
Eu também já fui à festa
e fiz promessas a deus
de cá voltar outra vez
a dançar no São Mateus. (3)
Igreja do Senhor da Piedade – Elvas. Bilhete-postal ilustrado do início
do séc. XX. Edição da Tabacaria Costa – Lisboa.
Bailarico popular no decurso das festas do São Mateus – Elvas. Bilhete-postal ilustrado do
início do séc. XX. Edição da Tabacaria Costa – Lisboa.
O SÃO MATEUS E OS CICLOS AGRO-PASTORIS
Em meados do século passado, o dia de São Mateus, marcava o início das fainas agro-pastoris, dependentes do início da época das chuvas:
- Águas verdadeiras, por São Mateus as primeiras.
O São Mateus assinalava também o início da lavra dos campos:
- Pelo São Mateus munge as vacas e lavra com Deus.
- Por São Mateus, pega no arado e lavra com Deus.
- Por São Mateus, pega nos bois e lavra com Deus.
Com o chegada das primeiras chuvas e com as terras lavradas para as sementeiras, começavam a aparecer as formigas de asa que atraíam os papa-moscas, aves vulgarmente conhecidas por taralhões, que eram caçadas pelos passarinheiros, especialmente rapazes. A ida à romaria do São Mateus, exigia o abandono temporário da actividade cinegética:
- Pelo São Mateus deixa os taralhões.
O brilhantismo da romaria de São Mateus era incompatível com a chuva que prejudicaria as Festas e muito em especial a feira e os bailaricos. O sol, esse era benvindo, conforme refere o adagiário:
- Não peças a morte a Deus, nem a chuva por São Mateus.
- Pelo São Mateus não peças chuva a Deus.
- Pelo São Mateus não peças água nem morte a Deus.
- Sol pelo São Mateus, chuva até ao Menino Deus.
O São Mateus assinalava a época da vindima:
- Dia de São Mateus, vindimam os sisudos e semeiam os sandeus.
- Pelo São Mateus, vindimam os sisudos e varejam os sandeus.
O São Mateus marcava nas hortas, o início da enxertia das plantas:
- Em Dia de São Mateus, começam as enxertias.
Em termos da pastorícia, o aparecimento das primeiras águas pelo São Mateus, favorecia o crescimento de ervas que alimentarão as crias:
- Pelo São Mateus, conta as ovelhas que os cordeiros são teus.
Pelo contrário, a falta de chuva prejudicava a alimentação e o crescimento das crias:
- Em não chovendo por São Mateus, faz conta com as ovelhas, que os borregos não são teus.
BIBLIOGRAFIA
(1) - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1910.
(2) - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. I. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1909.
(3) -SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.
Publicado inicialmente a 20 de Setembro de 2012
Mais um belo trabalho do meu amigo como não podia deixar de ser! O texto infelizmente já não está muito de acordo com a realidade: Porquê? Porque as unidades militares que contribuíam para a festa com os seus estandartes e pendões hoje já no o farão porque creio que, Elvas já não tem forças militares se não estou enganado. Ali servi de 1954 a 1959 e sou testemunha de que tudo que consta da descrição, tenho ainda presente na memória. Mais um belo trabalho para dar a conhecer o que em aquela cidade se fez e continua a fazer para alegria das suas gentes e dos vizinhos espanhóis que muito contribuem com a sua presença dando ás festas um pouco da grandeza e de amizade entre os povos irmãos.
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