quarta-feira, 14 de março de 2012

O pastor no figurado de Estremoz


Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado (15,8 x 6,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.


O PASTOR NO FIGURADO DE ESTREMOZ
A vivência do pastor alentejano era extremamente rica e fruto da conjugação de dois factores muito importantes: a vida ao ar livre e a solidão da sua vida de nómada.
A vida ao ar livre permitiu-lhe adquirir o conhecimento das ervas comestíveis, aromáticas e medicinais, bem como a capacidade de previsão do tempo pela observação do céu, que o conduziria a adágios que se tornaram axiomas práticos a seguir.
Por sua vez, a solidão temperada pelo seu imaginário está na génese da arte pastoril que com navalha e legra, escavou, recortou, gravou ou bordou sobre madeira, chifre ou cortiça. Foi de resto, também a solidão, que o tornou num poeta popular, criando sobretudo décimas e quadras que registou no livro vivo da sua memória.
O pastor é, seguramente, o símbolo mais emblemático da etnografia alentejana. Daí não ser de admirar que tenha sido eleito como tema por pintores e ilustradores como: D. Carlos I de Bragança (1863-1908), Alfredo Moraes (1872-1971), Alberto de Souza (1880-1961), Dórdio Gomes (1890-1976), Jaime Martins Barata (1899-1970), Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957) e Azinhal Abelho (1911-1979).
A nível da azulejaria portuguesa, é de salientar também o realce conferido ao pastor alentejano nos painéis azulejares do séc. XX que decoram as estações da CP do Alentejo.
O pastor alentejano seria igualmente perpetuado no figurado de Estremoz do séc. XX, pelas mãos mágicas das bonequeiras que com as suas mãos, pincéis e tintas, transmutaram pedaços informes de barro em registos policromáticos da realidade social da sua época.
No figurado de Estremoz do séc. XX, os atributos do pastor são os seguintes: cajado ou gravato, tarro, chapéu à mazantina ou barrete, safões e pelico ou samarra de pele de borrego ou de ovelha, botas de cabedal atacoadas ou não, calças de ganga azul ou de saragoça ou burel castanho e lenço colorido atado ao pescoço. A camisa é a maioria das vezes clara, fechada em cima por um par de botões cor de latão.
Alguns desses atributos estão presentes no adagiário português:

- “Cajado e farnel, nunca pesaram ao pastor.”
- “O agasalho e a balsa não pesam ao pastor.”
- “Quem traz surrão, medrará ou não.”

Estão igualmente presentes no cancioneiro popular alentejano:

“Fui fazer uma viagem,
De Vendas Novas aos Pegões,
Para comprar umas peles,
Para fazer uns ceifões.” [2]

"Tod’a vida gardê gado,
E sempre fui ganadêro,
Uso cêfoes e cajado,
E pelico e caldêra.” [2]

“Toda a vida guardei gado,
Toda a vida fui pastor,
Deixei botins e cajado
Por via do meu amor.” [2]

“Neste tarro de cortiça
oferta do meu amor,
até o pão com chouriça
às vezes sabe melhor.” [3]

"Assente-se aqui, menina,
À sombra do meu chapéu,
O Alentejo não tem sombra,
Senão a que vem do céu."[1]

As imagens pastoris do figurado de Estremoz do séc. XX, podem agrupar-se nos seguintes tipos principais:

- Pastor.
- Pastor com ovelhas à frente.
- Pastor a tocar harmónio.
- Pastor a fazer as migas.
- Pastor a comer as migas.
- Maioral e ajuda a comer as migas.
- Pastor ofertante.

Por sua vez, estes tipos desdobram-se em variedades que sistematizámos assim:

- Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado.
- Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado, com 2 ovelhas à frente.
- Pastor de lenço ao pescoço, a tocar harmónio sentado.
- Pastor de lenço ao pescoço, a tocar harmónio em pé.
- Pastor de barrete, a fazer as migas sentado.
- Pastor de chapéu, a fazer as migas sentado.
- Pastor de barrete, a fazer as migas deitado.
- Pastor sentado a comer as migas dum tarro.
- Pastor sentado à sombra dum sobreiro, a comer migas dum tarro.
- Maioral e ajuda a comer as migas dum tarro.
- Pastor ofertante em pé, com cajado e ovelha ao ombro.
- Pastor ofertante em pé, com ovelha ao colo.
- Pastor ofertante em pé, com tarro e ovelha ao colo.
- Pastor ofertante em pé, com cajado, ovelha ao ombro e ovelha aos pés.
- Pastor ofertante em pé, com cesto com 1 pomba.
- Pastor ofertante em pé, com manta e cesto com 1 pomba.
- Pastor ofertante em pé, com manta e tarro e cesto com 2 pombas.
- Pastor ofertante em pé, com cesto com 3 pombas.
- Pastor ofertante de manta, ajoelhado, a rezar com o chapéu à frente.
- Pastor ofertante de manta, sem chapéu, ajoelhado, a rezar com borrego à frente.
Uma tal diversidade não é mais que um reflexo da vasta riqueza da nossa imaginária popular.

NOTA FINAL
Até à presente data foram publicados neste blogue, diversos textos centrados na figura do pastor alentejano, cuja leitura vivamente se recomenda:


 

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980.
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[3] – SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano – Poesia Popular. Livraria Portugal, Lisboa, 1959.


 Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado (16,3 x 7 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
 Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado (15,4 x 7, 9 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado (15,5 x 7,8 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Pastor com tarro.
Jorge da Conceição (2016).
Colecção particular.
Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado,
com 2 ovelhas à frente (17,5 x 5,7 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado,
com 2 ovelhas à frente (10,2 x 7 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu de Arte Popular, Lisboa.
Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado,
 com 2 ovelhas à frente (17,8 x 7,9 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor de manta ao ombro, com tarro e cajado,
com 2 ovelhas à frente (17,8 x 7,9 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.  
Pastor de lenço ao pescoço,
a tocar harmónio sentado (12,5 x 5,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

Pastor de lenço ao pescoço,
a tocar harmónio sentado (13,9 x 5,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor de barrete,
a fazer as migas sentado (12,2 x 7,8 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional e Etnologia, Lisboa. 
 Pastor de chapéu,
a fazer as migas sentado (13 x 5,5 x 14 cm).
José Moreira (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz. 
Pastor de barrete,
a fazer as migas deitado (5,5 x 3,5 x 10,5 cm).
Irmãs Flores (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz.
Pastor sentado a comer migas de um tarro (11 x 4,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor sentado à sombra dum sobreiro,
a comer migas (13 x 9,2 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor sentado à sombra dum sobreiro,
a comer migas de um tarro (10,8 x 10,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor sentado à sombra dum sobreiro,
a comer migas de um tarro (12,3 x 11,7 x 12 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu de Arte Popular, Lisboa. 
 Maioral e ajuda a comer (13 x 9 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor ofertante em pé,
com cajado e ovelha ao ombro (17,5 x 7,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Pastor ofertante em pé,
com cajado e ovelha ao ombro (16,5 x 7,5 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor ofertante em pé,
com cajado e ovelha ao ombro (16 x 6,8 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu de Arte Popular, Lisboa. 
Pastor ofertante em pé,
com ovelha ao colo (3,2 x 3,8 x 12 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz. 
Pastor ofertante em pé,
com ovelha ao colo (12,5 x 6,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
 Pastor ofertante em pé,
com tarro e ovelha ao colo (17,5 x 7,1 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Pastor ofertante em pé,
 com tarro e ovelha ao colo (17,5 x 7,1 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor ofertante em pé,
com tarro e ovelha ao colo ( 5,2 x 5,4 x 13,5 cm).
Sabina Santos (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz
 Pastor ofertante em pé, com cajado,
ovelha ao ombro e ovelha aos pés (19 x 7,3 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional e Etnologia, Lisboa.
Pastor ofertante em pé,
com cesto com 1 pomba ( 3,5 x 3,5 x 12 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz.
Pastor ofertante em pé,
com cesto com 1 pomba (17,8 x 6,5 cm).
Sabina Santos (séc. XX).
Museu de Arte Popular, Lisboa. 
Pastor ofertante em pé,
com manta e cesto com 1 pomba ( 4,5 x 4,5 x 13 cm).
José Moreira (séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz.
Pastor ofertante em pé, com manta e tarro
 e cesto com 2 pombas (3,5 x 4 x 14 cm).
José Lino de Sousa (Séc. XX).
Colecção Hernâni Matos, Estremoz. 
Pastor ofertante em pé,
com cesto com 3 pombas (17,8 x 6,5 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Pastor ofertante em pé,
com cesto com 3 pombas (20,3 x 8,3 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor ofertante de manta, ajoelhado,
a rezar com o chapéu à frente (8,5 x 5,3 cm).
Autor desconhecido (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 
Pastor ofertante ajoelhado, 
a rezar com o chapéu à frente (11,2 x 6 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
Pastor ofertante de manta, sem chapéu,
ajoelhado, a rezar com borrego à frente (11,5 x 6,9 cm).
Ana das Peles (séc. XX).
Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

2 comentários:

  1. Obrigado pela divulgação das nossas tradições

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pelo seu comentário.
      Divulgar as nossas tradições é um dos objectivos culturais deste blogue.
      Os meus cumprimentos.

      Eliminar