ROSA DE GUADALUPE (1955) – Litografia de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957).
Uma das formas possíveis de percepção do mundo é a visão, cujos órgãos sensoriais são os olhos. Façamos uma abordagem deste sentido, recorrendo ao cancioneiro popular alentejano:
A função dos olhos é ver:
"Os olhos que vivos são,
O seu alimento é ver.
Dos olhos nasce a feição,
Da feição, o bem querer." [1]
O olhar diz muito:
"O nosso olhar é espelho
Do que sente o coração.
A boca pode mentir,
O nosso olhar é que não." [1]
Os olhos atraem-nos e prendem-nos:
"Os teus olhos me prenderam
Um dia ao sair da missa.
Que prisão tão rigorosa
Sem cadeia nem justiça." [1]
O piscar de olho é declaração de amor:
"Este domingo que vem
Já não é como o passado,
Que me piscaste o olho
À cancellinha do adro." [2]
O olhar reflecte o amor:
"Ó Manel, tu vais á monda?
Eu cá também vou mondar;
diz-me lá: gostas de mim?
Eu bem vejo o teu olhar…"[3]
Os olhos são avaliados pela cor:
"Os olhos azuis são falsos,
Os pretos são lisongeiros,
Os olhos acastanhados
São leais e verdadeiros." [1]
Os olhos podem chorar de tristeza:
"Os meus olhos com chorar
fizeram covas no chão,
coisa que os teus não fizeram,
não fizeram, nem farão." [3]
Nos olhos se reflecte o sono:
"O sonno me deu nos olhos,
Batucou, entrou p’ra dentro
Elle me disse baixinho.
Vamos á cama, que é tempo." [2]
A certa altura os olhos reflectem falta de vista:
"Os olhos da minha cara
Como eram já não são.
Fazem a mesma diferença
Que o Inverno faz do Verão." [1]
Os olhos podem ser alvo de brejeirice:
"Já não sei que faço aos olhos,
Que geitinho lhes sei dár,
Que as mulheres m’os cobiçam,
Homens querem-m’os tirar." [2]
Os olhos podem igualmente ser motivo de sarcasmo:
"Os olhos da minha sogra,
São duas sardinhas fritas.
Quando olho para ela.
‘Té me revolvem nas tripas." [1]
BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980.
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. III. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1909.
[3] - SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.
Olá Professor Hernâni:
ResponderEliminarRealmente os olhos são o espelho da alma...podemos fingir que está tudo bem,mas os olhos não fingem...eles mostram toda a verdade dos nossos sentimentos...
E ainda bem...que assim se passa...pois se olharmos demoradamente para os olhos de uma pessoa,fácilmente compreendemos a sua sensibilidade... a sua ternura a sua gratidão.Mas também eles revelam quando existe indifrença...rancor.
O seu trabalho ajuda-nos a reflectir sobre isso e a apreciar melhor toda a limpidez que nos é transmitida pelo olhar...
Obrigada.