terça-feira, 29 de março de 2022

A vida eterna das cousas


Bacia com ilustração de desconhecido, da autoria de oleiro desconhecido, em data
desconhecido. Algures na Vila de Redondo.


Descrição de uma bacia
Bacia circular, de grandes dimensões, rodada, de covo acentuado, de bordo liso, esponjado a verde, sem interrupções.
Engobe amarelo palha.
Covo da bacia ornamentado por duas cercaduras, esgrafitadas e pintadas em ocre castanho, uma no topo e outra no fundo da caldeira, qualquer delas constituída pela repetição do símbolo gráfico da vírgula, ao longo de toda a extensão horizontal do covo. As vírgulas encontram-se dispostas segundo um alinhamento paralelo à abertura da bacia, com a componente pontual assente numa circunferência imaginária e a parte curvilínea apontada para o fundo da bacia e orientada no sentido horário.
Fundo com decoração esgrafitada e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, com contornos a ocre castanho.
Ilustração constituída por figura antropomórfica masculina, com ar sorridente e cabelo verde ondulado, com risca ao meio. O homem enverga um casaco amarelo tipo paletó, com virados verdes e uma camisa castanha, enfeitada com uma gravata às riscas verdes e castanhas, inclinadas do lado esquerdo para o lado direito da figura.

As marcas do tempo
Estamos em presença de uma bacia esbeiçada, estalada, com falhas no engobe e no vidrado, o qual se encontra picado e manchado no fundo. Trata-se de um exemplar com claras marcas de uso e de acidentes no decurso da sua utilização.
Esta bacia encerra em si, os segredos da sua estória de vida: tanto pode ter sido utilizada num lavatório para lavar rostos e mãos, como pode ter sido usada como recipiente para conter matérias-primas culinárias ou o resultado final de requintadas artes de Pantagruel, que encheram as medidas a alguém, que é o mesmo que dizer lhe fizeram arregalar a vista, criar água na boca, estimular o palato e confortar o estômago. Não sabemos.
Espécimes deste jaez, são como as árvores: morrem de pé. Na verdade, de acordo com a lei de Lavoisier, “Na Natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Por isso, esta bacia cuja funcionalidade era o serviço caseiro diário, ao ser abatida ao seu uso inicial, transformou-se num objecto decorativo, cuja exposição numa parede, valoriza e qualifica a casa onde se encontra.
Para além de nos contar a sua estória de vida, a bacia fala-nos ainda e muito sobre a magia das mãos do mesteiral que lhe conferiu forma, luz e cor. Nesse sentido, ela é também um monumental registo identitário.

Monumento ao oleiro desconhecido
A bacia cuja decoração ilustra alguém desconhecido, ilustre ou não e que patenteia em si um monumental registo identitário, revela-se por fim como um monumento ao oleiro desconhecido. Quem foi ele? Quando é que amassou e coloriu o barro para erigir assim um monumento à sua própria Memória? Não sabemos. Apenas sabemos que foi um mesteiral de antanho, de “Redondo, terra de oleiros e cardadores” que lhe deu vida, a qual para nosso conforto espiritual, a lei de Lavoisier assegura ser eterna.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Bonecos de Redondo?

 


Fig. 1 - Bonecos de Redondo?

Em 2010 comprei a um vendedor local no Mercado das Velharias em Estremoz, um boneco habitualmente designado por DANÇARINO (Fig. 2) e que se enquadra na categoria das marionetas ou fantoches. Trate-se de um exemplar de arte pastoril alentejana, bem antigo e de autor desconhecido, sobre o qual escrevi então o texto O DANÇARINO
onde expliquei como é que o mesmo era manipulado, recorrendo a um varão que era introduzido na abertura do peito.
Há duas semanas e no mesmo local, comprei a um vendedor de fora, 2 bonecos que se enquadram na categoria anterior, ainda que não apresentem o orifício atrás referido. Todavia, apresentam como que um gancho implantado na cabeça, o qual decerto servirá para a sua manipulação. Só diferem dos Bonecos de Santo Amaro, dos Bonecos de São Bento do Cortiço e dos Bonecos de Santo Aleixo, porque estes apresentam uma argola implantada na cabeça, sendo a partir daí, manipulados com um cabo.
Segundo o vendedor, estes bonecos foram por eles comprados há já algum tempo, a um artesão de Redondo, entretanto falecido e cujo nome desconhece.
Pergunto ao leitor:
- Conhecem algum artesão de Redondo que possa ter produzido estas marionetas?
- Sabem como é que elas eram manipuladas?
- Será legítimo chamar-lhe Bonecos de Redondo?
Todas as respostas serão bem-vindas e por elas vos estou antecipadamente grato.

Fig. 2 - Bailarino.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Adriano Martelo e a influência de ti Rita Mestre

 

Fig. 1

Coisas que me acontecem

Colecciono “Cerâmica de Redondo” há mais de 40 anos e a publicação do livro homónimo da autoria do meu estimado amigo, Dr. Carmelo Aires (1), em Julho do ano transacto, foi o rastilho que fez deflagrar o barril de pólvora que há em mim. Sabem porquê? A obra daquele coleccionador/investigador revelou-se uma fonte preciosa de ensinamentos, que me têm aberto os olhos para ver com olhos de ver, a cerâmica daquela “Terra de oleiros e cardadores”, a qual povoa parte da minha casa. De então para cá, dei à luz uma série de textos, que rondam a vintena, nos quais me debruço sobre a cerâmica de Redondo, em termos de tipologia, morfologia, funcionalidade, tecnologia de fabrico, decoração e suas temáticas, cromatismo, História e Etnografia. De certo, que é uma ousadia fazê-lo, mas outra coisa não poderia fazer, já que sou um incorrigível contador de estórias. Estas têm sido publicadas no meu blogue “Do Tempo da Outra Senhora” e na minha página do Facebook, onde tenho amigos e seguidores, os quais têm a gentiliza de ler o que me vem à cabeça. Um deles, o Eng. Mário Tavares, contactou-me dizendo que tinha uns pratos (Fig. 1 a Fig. 6) que comprara em Redondo há uns largos anos e dos quais gostava muito. Facultou-me também as respectivas imagens, que acabaram por constituir o ingrediente indispensável para confeccionar este escrito. Bem-haja por isso.

Descrição dos pratos
Trata-se de pratos circulares, rodados, de covo pouco acentuado, de médias dimensões, de aba lisa, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, sobre fundo creme. Toda a pintura tem contornos a ocre castanho.
A decoração das abas tem por base a repetição de um motivo decorativo ao longo de uma circunferência imaginária situada sobre a aba. Há dois tipos de motivos: geométricos variados, mais ou menos complexos (predominantes) e fitomórficos (mais raros).
Se uma aba é decorada por um determinado motivo geométrico, este repete-se ao longo da extensão de toda a aba, encadeando-se nos seus congéneres e ficando a cadeia encerrada (Fig. 1 a Fig. 4 e Fig. 6).
Se uma aba é decorada por um determinado motivo fitomórfico, este repete-se ao longo da extensão de toda a aba, mas afastado dos seus congéneres (Fig. 5).
A decoração da aba é completada por dois filetes em ocre castanho, um junto ao bordo e o outro junto à caldeira.
Os temas utilizados na decoração do fundo do prato são: um ramo de flores (Fig. 1), um ramo de flores num cesto (Fig. 2), passarinhos pousados em ramos de árvores (Fig. 3 e Fig. 4), uma casa (Fig. 5) e ave a pescar peixes do rio (Fig. 6).
Na parte inferior da caldeira e junto ao filete, ostenta a marca manuscrita “Martelo” [i]. No tardoz, após a aplicação do engobe foi esgrafitada a marca “REDONDO PORTUGAL / A Martelo 25-5-86”, distribuída por duas linhas.

Comentários
Sem sombra de dúvida, que tanto a decoração das abas, como os temas do fundo, de cunho verdadeiramente “naif”, foram inspirados em ti Rita Mestre (1891-1974), mas não há risco de confusão entre a produção de um e do outro, já que a perfeição dos desenhos é maior em Ti Rita, que de resto utiliza a tricromia verde-amarelo-ocre castanho em tons mais fortes que Adriano Martelo. Para além disso, este último pinta filetes nos extremos da aba, o que não acontece com ti Rita.
Mais tarde, Adriano Martelo vem a abandonar a tricromia verde-amarelo-ocre castanho e procura outros caminhos na decoração, tanto temáticos como cromáticos. É desse período, um prato pertencente à colecção do autor (Fig. 7) e cuja decoração assenta numa quadricromia, que relativamente à tricromia precedente, apresenta um amarelo ainda mais forte que o usado por ti Rita, ao qual foi ainda acrescentada uma tonalidade de azul claro.

Ponto final
Este texto, tudo o que está à vista, bem como o que está por detrás, são uma demonstração cabal de que é possível utilizar as redes sociais de uma forma positiva, o que me apraz registar aqui.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CARMELO AIRES, António. Cerâmica de Redondo – Um Outro Olhar. Câmara Municipal de Redondo. Redondo, 1921.
(2) - CATKERO. Adriano Martelo, o fundador da Casa Martelo. [Em linha]. Disponível em http://catekero.blogspot.com/2008/08/adriano-martelo-o-fundador-da-casa.html [Consultado em 21 de Março de 2022].


[i] Segundo o Dr. Carmelo Aires (1), Adriano Martelo (1916-2002) era em 1959, aferidor da Câmara Municipal de Redondo, altura em que arrendou a antiga oficina de José Hermínio Zorrinho, contratou como mestres oleiros, os irmãos Cabeça e, como decoradora, Ti Isabel Branco, tornando-se ele próprio decorador.
De acordo com o CATEKERO - Blog do Centro de Artes Tradicionais / Antigo Museu do Artesanato - Celeiro Comum (2) , em 1982, quando se reformou da profissão de aferidor, passou a dedicar-se exclusivamente à decoração de peças oláricas de Redondo, as quais eram adquiridas à Olaria do Poço Velho e depois de decoradas eram por si comercializadas.
Adriano Martelo foi o primeiro a marcar as peças por si decoradas, no que viria a ser seguido pelos oleiros da Vila.

Hernâni Matos

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5

Fig. 6

Fig. 7

domingo, 20 de março de 2022

É tão linda a Primavera…


Prato covo, de grandes dimensões, de aba larga, ligeiramente côncava. Decoração
esgrafitada a ocre castanho e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho,
sobre fundo amarelo palha. Olaria e decorador desconhecidos. 1ª metade do séc. XX.

Sábado é dia de Mercado
Sábado é o dia em que Estremoz mostra que é uma grande cidade, maior que todas as outras do país. Sábado é o dia em que Estremoz desperta para receber os forasteiros de braços abertos, para depois os apertar num demorado e fraternal abraço. Sábado é o dia em que Estremoz mostra que é maior que si própria. Sábado é o dia em que um movimento desusado faz convergir os forasteiros para a sala de visitas do Rossio. Sábado é para os nativos, a pressa de se levantar da cama e confluir também para o Rossio. É que o Rossio alberga o Mercado de Sábado, um farol que ilumina a cidade, um íman que nos magnetiza a todos, que acelera os nossos corações e torna mais rápidos os nossos passos, para podermos comprar o que por ali há de melhor e nas melhores condições.
Sábado é um balão de oxigénio na economia citadina, que alcança nesse dia uma outra dimensão.

O sábado mantem-nos vivos
Há pessoas que como eu, não saberiam viver sem o sábado. É como se o sábado nos mantivesse vivos. No meu caso, recolector enérgico de testemunhos identitários de tempos idos, quase que não durmo na véspera do grande dia. Sou como um caçador que vai à caça. Por ali deambulo pé ante pé, à coca de memórias materiais que me povoam a mente e aquecem a alma. Vou de manhã cedo e por ali fico a pé firme, até a barriga dar horas. Eu e os vendedores somos duas faces da mesma moeda, que se conhecem e respeitam nos negócios. Por ali tenho amizades, algumas das quais perduram há quase quarenta anos. Mas também surge quem não me conheça e seja tentado a meter o pé na argola, pedindo preços que não têm pés nem cabeça, que me fazem ficar de pé atrás e aos quais tenho que bater o pé. Nos negócios não se pode meter os pés pelas mãos e eu que não gosto de meter o pé em ramo verde, procuro também não perder o pé, dispondo-me a pagar determinados preços do pé para a mão. E é sempre assim.

Um prenúncio de Primavera
Este sábado, dia 19 de Março de 1922, esteve um dia agradável e luminoso, que nos compensou dos dias precedentes, nos quais poeiras vindas do norte de África nos ensombraram os dias. Foi um bom prenúncio da Primavera que de acordo com o calendário começa a 20 de Março e no decurso da qual brotam e florescem plantas. É tão linda a Primavera…e volta sempre! De acordo com o cancioneiro popular: “Primavera, linda flor, / Como ela não há iguais: / Primavera volta sempre, / Mocidade não vem mais!”

Um prato que é um jardim
O prenúncio de Primavera seria enfatizado pela caça a um prato antigo de louça de Redondo, o qual eu sabia que ia por ali aparecer, embora não soubesse bem o que era, mas que passou por três mãos, antes de chegar às minhas. Todavia, eu que sou cão pisteiro, com faro apurado para testemunhos identitários de tempos idos, dali não arredei pé, até dar com ele e ser eu o fim da cadeia de uma sucessão de compras e vendas no espaço de poucos minutos. Fui mais além do que previa, sem todavia perder o pé.
Trata-se de um prato covo, de grandes dimensões, de aba larga, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada a ocre castanho e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, sobre fundo amarelo palha.
A aba encontra-se decorada com sucessivos pedúnculos num total de nove, com geometria sinusoidal achatada, ladeados de folhas verdes e que culminam em botões a ocre castanho, orientados no sentido anti-horário.
O fundo está ornamentado com um cachepot amarelo com asas verde e castanho, o qual alberga três pedúnculos encurvados, ladeados de folhas verdes e encimados por flores de corola castanho ocre, pétalas amarelas e sépalas verdes. No cachepot, a palavra "AMOR", esgrafitada a ocre castanho na direcção vertical e o topo das letras dirigido para Leste. 
O covo do prato acha-se enfeitado por sucessivos pedúnculos num total de cinco, com geometria sinusoidal achatada, ladeados de folhas verdes e que culminam em flores de corola castanho ocre, pétalas amarelas e sépalas verdes, orientados no sentido anti-horário.
Diga-me lá o leitor, se o prato é ou não é um jardim?
É tão linda a Primavera…

sábado, 19 de março de 2022

Varre, varre, vassourinha

 


Um prato de truz
Recentemente comprei um prato no Mercado das Velharias de Estremoz, prato esse que me encheu as medidas. Sabem porquê? Porque quando o vi, me apercebi que ele tinha muito para me contar. É o que passo a explicar.

Estudo do prato
É um prato raso, de médias dimensões, de aba larga, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, sobre fundo creme.
Aba decorada com sucessivos arcos pintados de castanho, com a concavidade dirigida para a parte superior da aba. Nas concavidades assentam porções daquilo que configuram ser girassóis, em verde, amarelo e ocre castanho. Dos pontos de encontro dos arcos partem aquilo que conformam ser porções de folhas, igualmente naquelas três cores.
O fundo está decorado com uma vassoura em ocre castanho, centrada e na posição vertical.
A vassoura encontra-se encimada pela inscrição “ARPI / MONT-O-NOVO / 14-4-97, distribuída por 3 linhas. Por debaixo da vassoura a inscrição “LIMPEZA”. Qualquer das inscrições é em ocre castanho.
Gravado no tardoz, a marca manuscrita “XT REDONDO”, que me revela ser o prato uma criação de Mestre Xico Tarefa (1951 - ).
Colado no tardoz, um autocolante aqui reproduzido, que me revelou o conteúdo parcial da inscrição superior: ASSOCIAÇÃO DE REFORMADOS, PENSIONISTAS E IDOSOS DE MONTEMOR-O-NOVO. A consulta do sítio daquela associação, revelou-me que a mesma foi fundada em Abril de 1979, pelo que a data que integra a inscrição superior, é a data do 18º aniversário daquela Associação.
Restava investigar o porquê da vassoura a decorar o fundo do prato, encimando a inscrição “LIMPEZA”. Para o efeito, contactei aquela associação via email, tendo recebido do seu Presidente de Direcção, José Vicente Grulha, o seguinte esclarecimento, o qual muito agradeço: “Em 1997 foram mandados fazer cerca de 60 pratos para oferecer ao pessoal do trabalho voluntário, cada um deles com o desenho da tarefa que executavam. Entre os quais foram mandados fazer cerca de 15 pratos com o desenho da vassoura, para oferecer às pessoas que faziam a “'Limpeza” das instalações.”

Simbolismo da vassoura
O motivo central de decoração do prato é a vassoura, pelo que creio ser do maior interesse passar aqui em revista, alguns dos simbolismos que lhe estão associados.
A VASSOURA É UM SÍMBOLO DO PODER SAGRADO: Nos templos e santuários de outrora, a varredura era um serviço de culto, através do qual eram eliminados do chão, todos os elementos provenientes do exterior e que vieram conspurcá-lo. Uma tal tarefa só podia ser desempenhada por mãos puras.
A VASSOURA É UM INSTRUMENTO DE MALEFÍCIO: Invertendo-se o papel protector da vassoura, esta transforma-se num instrumento de malefício, símbolo das forças que a vassoura devia ter vencido, mas que se apoderaram dela e pelas quais ela se deixa conduzir. É montadas em cabos de vassoura, que as bruxas se dirigem para o Sabath, reunião de todos aqueles que praticam bruxaria.

Literatura de Tradição Oral
Será interessante destacar aqui a presença da vassoura nos múltiplos domínios da literatura de tradição oral: superstições, provérbios, gíria popular, alcunhas alentejanas, adivinhas, lengalengas e cancioneiro. É o que passo de imediato a fazer:
- SUPERSTIÇÕES: Varrer os pés de uma pessoa faz com ela nunca se case. Varrer a casa ao meio-dia e deitar cisco fora é muito mau, porque se deita fora a fortuna. É mau ter em casa uma vassoura voltada para cima, porque é sinal de bulhas. Colocar uma vassoura ao contrário atrás da porta faz com que uma visita chata vá embora.
- PROVÉRBIOS: A eira grande é que tem que varrer. Quem se esconde pelos cantos é vassoura. Vassoura de casa varre a toda a hora; vassoura de fora, varre e vai-se embora. Vassoura nova sempre varre bem.
- GÍRIA POPULAR: - VARRER A FEIRA (Armar uma grande desordem), - VARRER A TESTADA (Afastar de si toda a culpa), - VARRER DA MEMÓRIA (Esquecer-se completamente), - VARRER DO MAPA (Destruir sem deixar vestígios).
- ALCUNHAS ALENTEJANAS: - VASSOURA DOS PENICOS – A visada tem este nome porque é muito vaidosa (Redondo); - VASSOURINHA – A receptora adquiriu esta alcunha do seu avô, por em criança ser muito irrequieta (Arraiolos); - VASSOURINHA ELÉCTRICA – Epíteto atribuído a mulher muito dinâmica (Portel).
- ADIVINHAS: Destaco duas, cuja solução é “vassoura”. Primeira: “O que é que corre pela casa toda e depois dorme num canto?” Segunda: Uma senhora delicada, / Com a saia rodadinha, / Ao dançar numa casa / Deixa-a muito asseadinha.”
- LENGALENGAS: É bem conhecida a lengalenga intitulada “VASSOURINHA”: "Varre, varre, vassourinha / Varre bem esta casinha / Se varreres bem / Dou-te um vintém / Se varreres mal / Dou-te um rei .” [i]
- CANCIONEIRO: Do cancioneiro poveiro, destaco uma quadra que refere a igualdade perante a morte: “Ai! a morte quando vem, / Com a vassoura, varre a eito;/ Varre pobre, varre rico, / A ninguém guarda respeito.” 
Do Cancioneiro da Serra de Arga, destaco uma quadra de cunho religioso: “Igreja de Arga de Baixo, / Hei-de mandar-te varrer / Com uma vassoura de prata, / Que de ouro não pode ser.” Separo ainda uma de índole brejeira: “O meu amor de brioso / Foi à romaria a Coura; / Lá não havia giestas, / Fizeram dele vassoura.”
É muito popular a “BALADA DAS 7 SAIAS” que integra o reportório da banda de rock portuguesa “Trovante”. Nela há uma estrofe que proclama: “Sete bruxas se encontraram / No monte das sete olaias / Sete vassouras montaram / Menina das sete saias.”

Um prato de se lhe tirar o chapéu
Que dizer do prato que foi objecto do presente texto? Em primeiro lugar, a perfeição na modelação e na decoração, que são timbre de Mestre Xico Tarefa.
Em segundo lugar, que é um prato falante, ilustrado, datado, com marca de oleiro, comemorativo de uma efeméride e oferecido como reconhecimento ao mérito do voluntariado. Por outras palavras: é um prato de se lhe tirar o chapéu.

BIBLIOGRAFIA
CHEVALIER; Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 6ª ed. José Olímpio. Rio de Janeiro, 1992.
CONSIGLIERI PEDROSO. “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
COUTINHO, Artur. Cancioneiro da Serra d'Arga.4ª ed. Artur Coutinho. Viana do Castelo, 2007.
MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O livro dos provérbios portugueses. 1ª ed. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. 2º ed. Editorial Notícias. Lisboa, 2000.
RAMOS, Francisco Martins & SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
SANTOS GRAÇA, A. O Poveiro – Usos, Costumes, Tradições, Lendas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 2005.



[i]  “Rei” da moeda da altura.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Ilustrações de Margarida Maldonado em Exposição



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 16 de Março de 2022.

"As Velhas" é o nome da exposição de ilustrações de Margarida Maldonado que irá ser inaugurada, dia 19 de março, pelas 15:00 horas, na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz.
Margarida Maldonado é de Estremoz, pintora autodidata, Educadora de Infância já reformada e autora e ilustradora de vários livros de história e poesia, sobre esta exposição diz-nos:
“Os ricos viajam no espaço, o covid por toda a parte. Em Glasgow decide-se o futuro da humanidade, por cá cai o governo. Os Partidos degladiam-se nas respetivas Sedes; multidões nas ruas pelo clima. Sobe o preço da água, da luz, da gasolina. Não há médico de família para todos, o dinheiro não chega para os medicamentos. As velhas só querem estar! Tranquilamente e cheias de gratidão pelo sol quente do dia, pelo brilho da lua para espreitar à noite. A luz e o silêncio, o céu azul e as flores bravias, os frutos e os pássaros. O cheiro e as cores dos campos , os animais e as couves da horta. Dão os bons dias à vizinhança os novos agricultores recém chegados. Nada lhes consegue roubar a felicidade de viver no espaço rural. Sorriem, desatam os nós dos dedos e crescem-lhes rendas brancas contra as saias pretas.” (Margarida Maldonado)
A mostra vai estar patente até dia 19 de junho de 2022 e é composta por cerca de cinco dezenas de ilustrações que representam mulheres, às quais carinhosamente chama as Velhas, que vivem tranquilamente no interior do Alentejo completamente alheias aos problemas que se passam no Mundo e trabalhos que ilustram os tranquilos campos e Vilas no Alentejo.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Adriano Martelo e as aves pousadas em ramo de cerejeira


Prato raso, de médias dimensões, com superfície interna de cor creme, de aba larga,
ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em monocromia de
tons de azul cobalto sobre fundo creme. Aba decorada com o motivo “três pés de cereja”,
que ali aparece quatro vezes. No fundo e ao centro, uma ave indeterminada, pousada
num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. Adriano Martelo (1916-2002)

Radiografia de um prato
A avi-fauna é gulosa por cerejas e a decoração dos pratos de Adriano Martelo (1916-2002) dá conta disso. Para tal recorre a ilustrações, em que a figura central é constituída por uma ou mais aves pousadas num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. A decoração das abas dos pratos e o cromatismo global de toda a decoração, são muito variáveis. Tais factos são atestados por pratos da minha colecção e por pratos pertencentes a colecções alheias. O cromatismo baseia-se em geral numa tricromia e a decoração das abas ostenta correntemente decorações florais ou geométricas. No caso presente, a composição central integra uma ave indeterminada, pousada num ramo de cerejeira e com pés de cereja presos no bico. A decoração da aba utiliza a lei da repetição, sendo o motivo repetido, um conjunto com três pés de cereja, que ali figura em quatro posições, que pretendem ser equidistantes entre si. O cromatismo da figura resume-se a uma monocromia em tons de azul cobalto sobre engobe creme, esgrafitado antes da pintura a azul.

A pintura a azul cobalto
De salientar que a decoração a azul cobalto é característica dos azulejos portugueses do séc. XVII, bem como dos chamados pratos de “aranhões” desse período, confeccionados em faiança em Portugal, a imitar os pratos de porcelana chinesa que então chegavam em abundância à Europa.
Foi Adriano Martelo quem introduziu na cerâmica redondense a decoração tipo “aranhões”, tendo sido incompreendido e muito contestado pela sua iniciativa pioneira. Através dela, o decorador revogava a “norma” vigente de os pratos patentearem uma decoração de cunho popular, assente numa tricromia verde – amarelo – ocre castanho. Todavia, acabou por ser seguido por outros decoradores da vila de Redondo. Os pratos de ”aranhões” desta vila, imitam os pratos de faiança portuguesa de “aranhões” do séc. XVIII e remotamente os pratos de porcelana chinesa desse período.

Simbologia
Na cultura japonesa tradicional, a cerejeira foi associada ao samurai cuja vida era tão efémera quanto a da flor que se desprendia da árvore. Já o fruto estava associado à sensualidade dos lábios de mulher, pelo que ao ser mordido era como se estivesse a sangrar. A associação de cerejas aos lábios de mulher é igualmente perfilhada por António Pinto Basto numa estrofe do fado “Dia de Espiga”: “Maria, são teus olhos azeitonas! / Cachopa, são teus lábios qual cereja! / E os teus seios, cachos d'uvas que abandonas / À vindima desta boca que os deseja!”.
Este texto já vai longo, pelo que o seu terminar será “a cereja em cima do bolo”, já que "As palavras são como as cerejas: vão umas atrás das outras".