segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Figuras da faina agro-pastoril e inovação


Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Figuras da faina agro-pastoril da tradição
A recuperação da produção de Bonecos de Estremoz, extinta desde 1921, foi concretizada em 1935 e nos anos seguintes, graças à acção do escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), que para o efeito recorreu primeiro à velha barrista Ana das Peles (1869-1945) e depois ao mestre oleiro Mariano da Conceição (1903-1959).
Uma tal recuperação incluiu as figuras que retratam as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado e que podem ser agrupadas nos seguintes grupos:
PASTORÍCIA – Inclui: Pastor de tarro e manta, Pastor com um borrego ao ombro, Pastor com dois borregos, Pastor das migas, Pastor a comer, Maioral e ajuda a comer, Pastor do harmónio, Mulher dos carneiros, Mulher dos perus, Mulher das galinhas, Matança do porco e Mulher dos enchidos.
CICLO DO PÃO – Inclui: Ceifeira.
CICLO DO AZEITE – Inclui: Mulher da azeitona.
Todos estas figuras são “Bonecos da tradição”, possuem todas elas os seus próprios atributos e ainda são modeladas na actualidade por barristas seguidores da estética de Sá Lemos.

Figuras da faina agro-pastoril e inovação
Para além das figuras atrás referidas, existe um número considerável de outras, retratando igualmente as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado, as quais foram criadas por iniciativa dos barristas ou por sugestão de coleccionadores ou de estudiosos da barrística popular estremocense.
Fruto de um levantamento por mim efectuado, decerto correndo o risco de omissões, dada a complexidade do levantamento, identifiquei 81 dessas figuras, as quais por oposição às anteriores, são designadas por “Bonecos da inovação”. Tais figuras distribuem-se por 8 grandes áreas da actividade agro-pastoril, a saber:
- COLECTA: Caçador, Pescador.
- PASTORÍCIA: Pastor sentado a fazer uma colher, Pastor junto à fogueira, Pastor de tarro e alforge, a comer sentado, Pastor de barrete com alforge ao ombro, Pastor com alforge e cornas, Pastor de capote com cabeça descoberta, Pastor de capote com cão, Pastor de capote com tarro e manta, Pastor com tarro, Pastor de colete com tarro e manta sentado, Pastor deitado debaixo da árvore a tocar gaita de beiços, Pastor sentado debaixo da árvore com borregos, Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos, Pastor a fazer as migas de cabeça descoberta, Pastor de tarro e manta com corna e barril a comer, Pastor sentado a limpar o suor, Pastor na choça, Pastor a tirar água do poço, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Mantieiro, Roupeiro a caminho da rouparia, Homem a ordenhar vaca, Mulher a ordenhar vaca, Roupeiro na rouparia, Porqueiro, Matança do porco e mulheres dos enchidos, Mulher dos enchidos junto à chaminé, Vendedora de criação a caminho do Mercado.
- CICLO DO PÃO: Lavrador abastado, Ganhão a lavrar, Semeador, Mondadeira, Mondadeira a mondar, Mondadeira a comer, Mondadeira sentada a descansar, Ceifeiro, Ceifeiro com alforge e canudos, ceifeira com canudos, Ceifeira sentada, Aguadeira da ceifa, Coqueira, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro junto ao moinho, Moleiro a entregar sacos de farinha, Amassadeira, Forneira.
- CICLO DO AZEITE: Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Rancho do acabamento, Lagareiro.
- CICLO DO VINHO: Vindimadora a vindimar, Vindimadora, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Pisadores, Taberneiro,
- CICLO DA CORTIÇA: Tirador de cortiça, Empilhador, Carreiro transportando cortiça.
- NA HORTA: Hortelão a cavar, Carroça com hortelão a caminho do mercado.
- NO MONTE: Namoro junto ao poço, Mulher ao pé do poço, Mulher a transportar água à cabeça, Mulher ao poial dos cântaros, Aguadeiro rural, Mulher com taleigo e cesto de ovos, Fiandeira com cesto de ovos na cabeça, Cozinha dos ganhões, Família a comer, Serão rural à lareira, Mulher a bordar, Mulher a fazer meia, Bailarico rural.

O contributo da Irmãs Flores
A esmagadora maioria destes “Bonecos da inovação” (54 num total de 81) foram criados pelas barristas Irmãs Flores (1957,1958 - ), criação à qual não sou estranho e convém explicar porquê.
Colecciono Bonecosde Estremoz há mais de 40 anos, pelo que a minha insaciável curiosidade intelectual me levou à condição de investigador da Barrística Popular Estremocense. Trata-se de uma temática multidimensional, que me interessa nos seus múltiplos aspectos. Um deles é o registo etnográfico contido nas figuras que representam os personagens das fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX.
Em 2009 publiquei o livro “Bonecos da Gastronomia”, ilustrado com 16 imagens de Bonecos de Estremoz da temática homónima, por mim encomendados às Irmãs Flores, dos quais 11 eram “Bonecos da tradição” e 5 eram “Bonecos da inovação”. O livro foi reeditado em 2010, reproduzindo então 36 figuras da mesma temática, todas elas encomendadas às Irmãs Flores, das quais 16 eram “Bonecos da tradição” e 20 eram “Bonecos da inovação”.
Em 2011 lancei às Irmãs Flores o desafio de criarem Bonecos que integrassem uma colecção que designei por “Alentejo do Passado”, que registasse com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX, estruturada em 8 grandes áreas: Colecta, Pastorícia, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Ciclo da cortiça, Na horta, Na cidade. Esta colecção absorveu a colecção “Bonecos da Gastronomia” e com vista à sua concretização, foram criados 34 novos “Bonecos da inovação”. A colecção “Alentejo do Passado” integrou assim 54 “Bonecos da inovação”, todos eles criados pelas Irmãs Flores, muitas vezes recorrendo ao meu arquivo fotográfico e documental, o que permitiu conferir rigor à contextualização de cada figura.
A criação dos “Bonecos da inovação” de que venho falando, veio enriquecer (e de que maneira!), a barrística popular estremocense. Nalguns casos ocorreu mesmo uma mudança de paradigma, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa. Cito como exemplo, figuras como: Ganhão a lavrar, Lagareiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Transporte de uvas no tino e Carreteiro transportando cortiça. Na altura, tive a oportunidade de escrever: “As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de Bonecos de Estremoz, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional.”

Outros contributos
A seguir às Irmãs Flores, o barrista que mais inovou no número de figuras do âmbito agro-pastoril foi José Moreira (1926-1981) com um modo de representação igualmente popular como as Irmãs Flores, ainda que com um estilo bastante diferente. Segue-se o barrista Rui Barradas (1953- ) com um modo de representação mais erudito, seguido de Jorge da Conceição (1963- ), expoente máximo da representação erudita. 

Balanço Final
À semelhança do que se passou com as Imagens Devocionais e com os Presépios, creio ter ficado comprovado de uma forma clara, o papel desempenhado pela inovação como agente de enriquecimento e valorização do domínio das figuras da faina agro-pastoril.

Hernâni Matos 

Publicado inicialmente em 26 de Setembro de 2020


Namoro junto ao poço. Afonso Ginja.

Serão rural. Afonso Ginja.

Pastor de barrete com alforge ao ombro. Aclénia Pereira.

Pastor deitado debaixo da árvore a  tocar gaita de beiços. Aclénia Pereira.

Pastor sentado a limpar o suor. Aclénia Pereira.

Mulher a ordenhar vaca. Aclénia Pereira.

Ceifeiro. Duarte Catela.

Caçador. Irmãs Flores.

Pescador. Irmãs Flores.

Mantieiro. Irmãs Flores.

Tosquia de ovelhas. Irmãs Flores.

Roupeiro. Irmãs Flores.

Mondadeira a mondar. Irmãs Flores.

Mondadeira a comer. Irmãs Flores.

Ceifeiro a ceifar. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Moleiro junto ao moinho. Irmãs Flores.

Moleiro a entregar sacos de farinha. Irmãs Flores.

Amassadeira. Irmãs Flores.

Forneira. Irmãs Flores.

Família a comer. Irmãs Flores.

Vindimadeira. Irmãs Flores.

Transporte de uvas no tino. Irmãs Flores.

Pisadores. Irmãs Flores.

Taberneiro. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando cortiça. Irmãs Flores.

Pastor de tarro e manta com capote. Isabel Pires.

Pastor de capote com cão. Isabel Pires.

Lavrador abastado. Jorge da Conceição.

Pastor com tarro. Jorge da Conceição.

Pastor com alforge e cornas. Jorge da Conceição.

Mondadeira. Jorge da Conceição.

Ceifeiro e ceifeira com canudos. Jorge da Conceição.

Aguadeiro rural. Jorge da Conceição.

Mulher a transportar água à cabeça. Jorge da Conceição.

Pastor a tirar água do poço. José Moreira.

Pastor sentado debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Fiandeira com cesto de ovos na cabeça. José Moreira.

Mulher dos enchidos junto à chaminé. José Moreira.

Varejador. José Moreira.

Tirador de cortiça. José Moreira.

Camponesa de taleigo e cesto de ovos. Liberdade da Conceição.

Coqueira. Quirina Marmelo.

Cozinha dos ganhões. Quirina Marmelo.

Pastor de capote, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de colete com tarro e manta, sentado. Rui Barradas.

Pastor a fazer as migas, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de tarro e manta, com corna e barril, a comer. Rui Barradas.


Pastor junto à fogueira. Rui Barradas.

Mondadeira sentada. Rui Barradas.


Ceifeira sentada. Rui Barradas.

Mulher a fazer meia. Rui Barradas.

Mulher a bordar. Rui Barradas.

Matança do porco e mulheres dos enchidos. Ricardo Fonseca e Vasco Fonseca.

Porqueiro. Sabina da Conceição.

Semeador. Sabina da Conceição.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Sara Sapateiro e o aristocrata rural

 
Peralta (2020). Sara Sapateiro (1995-  ).

Apresentação
Sara Sapateiro (1995-  ) é discípula da barrista Isabel Catarrilhas Pires, com a qual começou a trabalhar em 2018. No ano seguinte frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.

Pescaria
Tenho por hábito frequentar a página do Facebook dos barristas de Estremoz, à procura de novas criações, visando arquivar imagens para memória futura. Dizem que sou eficaz na pesca à linha, já que “Cada cavadela, sua minhoca” e como “Anzol sem isca, peixe não belisca”, torna-se evidente que “Quem procura, sempre encontra”.
Daí que durante uma das minhas pescarias, tenha lançado o anzol na página do Facebook de Sara Sapateiro e logo pesquei de imediato a imagem de um Peralta, do qual gostei muito. A minha primeira reacção escrita foi esta estrofe de quatro versos pentasilábicos de rima alternada:
 
“Debaixo do céu
Não usa boné,
Mas belo chapéu
E Peralta é.”
 
Seguidamente, contactei a barrista na intenção de adquirir o Boneco. Todavia, não fui bem sucedido, já que a figura tinha resolvido mudar de ares e viajara para outras paragens. Sara Sapateiro aceitou então a encomenda de um Boneco semelhante. Quanto a mim, entendi por bem, modelar com palavras, um texto que traduzisse o que os meus olhos tinham visto. Daí a razão deste escrito.

Retrato de Peralta
Trata-se de uma figura antropomórfica masculina, trajando um fato elegante, mas destoante do par de botas e do chapéu aguadeiro, que lhe conferem um certo ar de ruralidade.
A imagem assenta numa base quadrangular com os vértices cortados em bisel. O fundo é verde-escuro, liso no topo e com pintas vermelhas e amarelas na orla.
Na modelação foi conferida volumetria a alguns componentes da figura: gola do casaco, botões do mesmo, lenço em torno do pescoço e fita do chapéu, os quais nalguns exemplares doutros barristas, aparecem simplesmente pintados.
O casaco é tipo paletó, com virados curvilíneos e sem bolsos.
O chapéu tem copa de formato cilíndrico e aba circular com orla totalmente virada para cima (chapéu aguadeiro, outrora usado pelos camponeses alentejanos e que retém a água quando chove, pelo que é necessário desabá-lo).
Veste aquilo que configura ser uma camisa branca sem colarinho ou uma camisola branca sem gola, parcialmente cobertos por um lenço que envolve o pescoço e cujas pontas se cruzam junto ao peito.
O fato é cor azul Oxford. Os 3 botões e os virados do casaco são cor azul aço. O chapéu e a respectiva fita são negros. O lenço é vermelho. As botas e o cabelo são castanhos, estes de tom escuro e aquelas de tonalidade clara.
De salientar, que a cor dominante na figura é uma cor fria: o azul. A combinação de cores do vestuário é monocromática e tem por base duas tonalidades de azul: azul Oxford e azul aço.
À frieza do vestuário contrapõe-se apenas o calor do vermelho do lenço, já que as restantes cores (preto, branco e castanho) são todas cores neutras. O cromatismo da figura é assim globalmente harmonioso.

Simbolismos implícitos
É importante decifrar e salientar as mensagens herméticas encerradas na figura.
Em primeiro lugar, o SIMBOLISMO DAS CORES:  - Azul, cor fria cujo significado principal é transmitir as ideias de tranquilidade, serenidade e harmonia. Na natureza, o azul simboliza a água e o céu. Para os monárquicos, o azul está associado à aristocracia; - Vermelho, cor quente que transmite as ideias de paixão, energia e excitação. Na natureza, simboliza o elemento fogo.
Em segundo lugar, o SIMBOLISMO DO CHAPÉU, que como é sabido tem uma função protectora, mas também contém em si elementos diferenciadores que revelam a identidade do seu portador. 

O Peralta e os outros
O estudo do adagiário português revela a diversidade de opiniões que existem acerca do bem vestir do Peralta.
Alguns vêem com bons olhos, o apuro no vestir: - “O mundo julga pelas aparências”; - “Veste um cepo e ele te parecerá um mancebo”; - “Veste-te bem e parecerás alguém“; - “No andar e no vestir serás julgado entre mil”; - “Uma boa aparência é carta de apresentação”.
Outros têm uma opinião negativa acerca do bem vestir: - “Ninguém sabe o que está por dentro da roupa alheia”; - “As aparências iludem”; - “Nem tudo é o que parece”; - “Nem tudo o que brilha é ouro”; -“O hábito elegante esconde às vezes um tratante”; - “Casa de fato, ninho de rato”.
Há mesmo quem formule um juízo bastante cáustico: - “Quando um mono se veste de seda, se mono era, mono se fica”; - “O pavão, quanto mais levanta a cauda, mais se lhe vê o rabo” - “Presunção e água benta, cada um toma a que quer”.

Epílogo
A barrista criou uma figura de Peralta recorrendo a uma modelação apurada e a uma decoração de forte simbolismo.
A figura tem um rosto bem delineado, com olhos, nariz, boca, queixo, orelhas e cabelo bem definidos, acompanhados de maçãs do rosto e lábios de ténue tonalidade rosa. A representação do rosto tem pendor fortemente naturalista, com o olhar representado por órbitas brancas delimitadas por duas pestanas negras e nas quais se inserem meninas do olho igualmente negras, encimadas por espessas sobrancelhas.
Estamos em presença de uma barrista da nova geração, com um estilo muito pessoal, através do qual afirma as suas próprias marcas identitárias. Destas, algumas são aqui reveladas e outras ficaram porventura por vislumbrar.
A barrista criou uma figura de Peralta, trajando um elegante fato azul, calçando botas e cobrindo a cabeça com um chapéu associado à ruralidade alentejana. O simbolismo ligado a tudo isto, leva-me a pensar que a barrista se propôs representar um aristocrata elegante pertencente ao mundo rural. Ela o confirmará ou não.
Pessoalmente, valorizo muito os barristas possuidores de marcas identitárias muito próprias e cujo estilo os distingue de outros barristas do passado ou do presente. A Arte Popular é isso mesmo, criatividade em movimento e não reprodução ou imitações do que outros fizeram ou fazem. Por isso, a barrista é merecedora da minha sacramental felicitação:
- Parabéns Sara!   
 
Sara Sapateiro (2019). Pintura da imagem de Nossa Senhora da Conceição.

sábado, 17 de outubro de 2020

J.R.: De Dallas para Estremoz


Peralta (2020). José Carlos Rodrigues (1970-  ).

Quem é quem
José Carlos Rodrigues (1970-  ) é um barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.
Não se tratou do seu primeiro contacto com o barro, visto que há mais de 20 anos pintou Bonecos para a barrista Fátima Estróia, da qual se considera discípulo. Aprendeu a vê-la modelar e em finais de Novembro de 2019, começou a modelar sob a sua orientação e nunca mais parou.

Uma encomenda
Há algum tempo atrás contactei o barrista, para lhe encomendar a figura de um Peralta para a minha colecção. Como “Tudo leva o seu tempo”, quando eu não estava à espera, recebi um telefonema dele a comunicar-me que já tinha aquela figura pronta para me entregar. Encontrámo-nos no Café e quando o Peralta ficou à vista, disse-lhe que gostava muito, que era diferente de tudo o que tinha e que iria escrever sobre ele. Agradeci-lhe, é claro, por ter correspondido à minha solicitação.
Já em casa, a minha primeira reacção escrita foi esta estrofe de quatro versos pentasilábicos de rima alternada:

“Grande chapelão
Comenta a malta,
Deste matulão
Que é Peralta.”

Depois, foi debruçar-me mais profundamente sobre o Boneco, para dele poder escrever com mais propriedade.

Descrição
Estamos em presença de uma figura antropomórfica masculina, trajando um fato e um chapéu ostentosos, contrastantes com um par de sapatos bastante discretos.
A imagem assenta numa base quadrangular com os vértices cortados em bisel, tem topo verde-seco e orla de cor Bordeaux.
No decurso da modelação, o barrista optou por conferir volumetria a alguns componentes da composição. Daí que a gola do casaco, os botões do mesmo, o lenço em torno do pescoço, o lenço que sai do bolso superior do casaco, a camisa e a fita do chapéu tivessem sido modelados em barro.
O casaco é tipo paletó, sem virados e bolsos frontais: os inferiores de chapa e o superior embutido. Atrás o casaco apresenta ao centro e na parte inferior, uma abertura com orla.
O chapéu tem copa de formato cilíndrico e aba circular virada lateralmente para cima, configurando um chapéu à cowboy (cowhat) usado pelos vaqueiros nos EUA.
A camisa tem colarinho algo levantado e punhos que saem das mangas do casaco. Junto ao pescoço um lenço cujas pontas se cruzam junto ao peito.
O fato, os botões do casaco e a orla do chapéu são de cor Bordeaux. A orla do casaco, assim como o chapéu, são cor verde-seco. A camisa é branca. Os lenços são laranja. Os sapatos são pretos. O cabelo é castanho.

Ónus simbólico
A figura é farta em mensagens que convém descobrir e destacar.
Em primeiro lugar, o SIMBOLISMO DAS CORES: - Bordeaux, cor quente  que confere um ar de requinte e  transmite a ideia de riqueza; - Verde-seco, uma variedade de verde, cor fria que, entre outras coisas está associada à vitalidade e à riqueza; - Laranja, cor quente que evoca as ideias de prazer, entusiasmo e dinamismo. O Bordeaux, um tipo de vermelho, predomina claramente no vestuário em relação ao verde seco. Por outras palavras, o barrista potencia fortemente o vermelho e deixa o verde, quase sem expressão. Será que tal desproporção é o reflexo do sentir da sua alma benfiquista e uma forte necessidade de afirmação em relação a tudo que é leonino?
Em segundo lugar, o SIMBOLISMO DO CHAPÉU, que para além da sua função protectora, é um elemento de moda carregado de valores estéticos e diferenciadores, que expressam a identidade do seu portador. O chapéu é mesmo um símbolo de distinção social. O adagiário português satiriza esse simbolismo, sentenciando: “Chapéu largo, camisa dura, de urso faz figura”.

Epílogo
O barrista interpretou a figura do Peralta com uma estética muito pessoal, recorrendo a uma modelação de grande perfeição formal, que rematou com uma decoração de elevada carga simbólica.
A figura tem um rosto bem projectado, com olhos, nariz, boca, queixo e orelhas bem definidas, o mesmo se passando com o cabelo, a que há que acrescentar maçãs do rosto de ténue tonalidade rosa e uma representação do olhar característica da escola em que o barrista se insere (Sabina Santos através de Fátima Estróia): as sobrancelhas e as pestanas são paralelas, algo afastadas das meninas dos olhos. Todos estes aspectos parecem ser marcas identitárias do barrista.
O barrista criou uma figura de Peralta, vestida de uma forma elegante e extravagante, como de resto é apanágio de todos Peraltas, com a particularidade de usar um chapéu texano. O simbolismo intrínseco da figura leva-me a encarar esta como representando um elegante, rico e dinâmico texano e penso de imediato no personagem J.R. Ewing da telenovela Dallas (1978-1991). Esta retrata a vida de uma rica família do Texas, os Ewings, donos da companhia petrolífera Ewing Oil e do rancho de gado Southfork. J.R. era um implacável magnata do petróleo, ambicioso, egocêntrico, manipulador e amoral, permanentemente envolvido em esquemas e negócios escuros, visando saquear a riqueza dos seus adversários.
Felicito vivamente José Carlos Rodrigues pelo Peralta criado. Decerto que ele me desculpará se pelo seu espírito nunca se passou o filme aqui projectado. Ele brotou espontaneamente no meu pensamento, pelo que não havia nada a fazer, senão projectá-lo aqui. Como nos diz Carlos Oliveira pela voz de Manuel Freire: 

“Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre”
 
José Carlos Rodrigues pintando o Peralta.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Vera Magalhães no Reino de Liliput

 
 
Ganchos de meia: Senhora de pézinhos (2,5 cm) e Peralta (2 cm).
Vera Magalhães (1966-  ).

Minorcas
Uma das questões e porventura das mais simples que se põem ao investigador de barrística de Estremoz é o conhecimento das dimensões dos exemplares estudados, o qual é variável e depende de múltiplos factores. Efectuado o levantamento dessas dimensões nos diversos tipos de Bonecos, põe-se seguidamente a questão de as balizar, o que corresponde a identificar o maior e o menor Boneco conhecidos.
No que respeita ao maior, temos que nos reportar a um Presépio de grandes dimensões, manufacturado por Sabina Santos e que esteve patente ao público, na quadra natalícia, à entrada da Igreja dos Congregados nos anos 60-70 do séc. XX. Este presépio integra o acervo do Museu Municipal de Estremoz e por ordem decrescente de altura, as dimensões das figuras em cm são as seguintes: S. José (58,5), Nossa Senhora (52,2) Reis Magos a cavalo (47), Reis Magos de pé (40), Pastor ofertante de pé (38,5), Berço do Menino Jesus (28), Pastor ajoelhado (24,5), Pastor ofertante ajoelhado (23), Vaca (17), Burro (16,5). Face a estes números somos levados a conclui que o maior Boneco de Estremoz até hoje conhecido é a figura de S. José (58,5 cm), pertencente ao referido Presépio.
No que concerne ao menor, há que começar por dizer que os Bonecos de Estremoz mais pequenos conhecidos até hoje, são os ganchos de meia, correntemente modelados com tamanhos que variam entre os 4 e os 5 cm. Isto era assim até há bem pouco tempo. Todavia, recentemente, Vera Magalhães modelou dois ganchos de meia com dimensões extraordinariamente pequenas: Uma Senhora de pezinhos com 2,5 cm e um peralta com 2 cm. Trata-se de ganchos de meia de uma outra dimensão: a dimensão de Liliput.

Liliputianos porquê?
Lilliput é uma ilha imaginária supostamente situada no Oceano Índico onde terá dado à costa e recuperado os sentidos, Lemuel Gulliver, cirurgião de um navio naufragado, personagem principal do romance “As viagens de Gulliver” de Jonathan Swift (1667-1745).
Gulliver fica surpreendido com a estatura da população local, a qual não ultrapassa os 15 cm. Por sua vez, os liliputianos, consideram-no um gigante.
Tomando como referência a altura média do homem português que é de 1,75 m, os liliputianos eram cerca de 6 vezes mais pequenos que Gulliver.
O termo "liliputiano" foi assimilado pelos dicionaristas a nível planetário e integra o léxico português actual como adjectivo aplicável a algo “Que tem dimensões muito reduzidas”.

Caganifâncias graciosas
Sem sombra de dúvida que os ganchos de meia de Vera Magalhães são verdadeiramente liliputianos, fruto da excelente coordenação motora fina da barrista, que lhe permite modelar com precisão e delicadeza.
Lá diz o adágio “Tudo o que é pequeno tem graça” e “Em terra pequena tudo se sabe”. Daí eu me ter assumido como arauto da excelência destas caganifâncias, parcas em minudências, mas graciosas, tanto na modelação como na cromática.
A partir de agora os ganchos de meia de Vera Magalhães, adquiriram o estatuto de vedetas e entraram por direito próprio no Livro de Registos da Memória Colectiva. O mérito, esse é da barrista.
Parabéns, Vera Magalhães!
 

Agradecimento - Quero agradecer a Isabel Água dos Serviços Educativos do Museu Municipal de Estremoz, ter-me facultado os dados dimensionais, relativos ao Presépio referido no texto. Bem haja!

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A Dama dos Girassóis de Vera Magalhães


Dama dos Girassóis. Vera Magalhães (1966-  ).

Em jeito de apresentação
Vera Magalhães (1966-   ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.

O seu a seu dono
A Dama das Camélias”, é um romance do escritor francês Alexandre Dumas Filho, publicado pela primeira vez em 1848. “A Dama dos Girassois” é um Boneco de Estremoz criado pela barrista Vera Magalhães em 2020.

A Dama de Vera Magalhães
A Dama traja um distinto vestido comprido, a demarcar os contornos de um corpo a que corresponde uma silhueta graciosa.
O vestido revela confecção em tecido estampado com padrão de girassóis em campo verde seco. É fechado em cima por uma gola branca e larga, fechada por um botão amarelo no centro e orlado de castanho, cor que também é a dos punhos do vestido e da banda ajustada à cintura e atada atrás, em jeito de laço com duas airosas pontas pendentes.
A cabeça encontra-se adornada por um elegante chapéu castanho, que pompeia à frente três plumas de cor verde seco matizada de castanho, os quais sublinham o garbo do chapéu. O cabelo é castanho puxado para trás e enrolado em forma de carrapito. De cada lado do rosto, aquilo que aparenta serem pendentes de ouro, reforçam a requinte e a distinção ligadas à figura.
Os sapatos negros, de bico, rematam na base, a distinção do modelo.

O simbolismo das cores
- Verde, cor fria que é a cor da natureza viva, sobretudo a cor da Primavera que é a estação da fertilidade. Está associada à frescura, ao crescimento, à juventude, à renovação, à plenitude, à alegria, à esperança, à liberdade, à saúde, à vitalidade, à estabilidade, à tranquilidade, ao equilíbrio, à harmonia, à ponderação, à coerência e à riqueza. É uma cor litúrgica usada nos Ofícios e Missas do Tempo Comum, pois ao simbolizar a cor das plantas e árvores, prenuncia a esperança da vida eterna.
- Amarelo, cor quente que está associada ao Sol, à luz, à claridade, ao brilho, ao calor, ao Verão, à temperatura morna. É uma cor que desperta, transmite energia, traz leveza, descontracção, vitalidade, optimismo, felicidade, alegria, juventude, recreação e prosperidade. É uma cor inspiradora e que desperta a criatividade, estimulando as actividades mentais e o raciocínio.
- Castanho, que por ser uma cor neutra sugere estabilidade, calma, conforto, maturidade e responsabilidade. Além disso é a cor da terra e da madeira e por isso está associada à natureza, aos produtos naturais, ao estilo de vida saudável, à simplicidade, à conservação, à qualidade e à seriedade. Finalmente e por ser a cor da terra, está associada à fertilidade e à feminilidade.
Branco, que é uma cor neutra e pura associada à infância, à pureza, à inocência, ao bem, à espiritualidade, à harmonia, à simplicidade, à tranquilidade, à calma, à paz, à juventude, à virtude, à virgindade, à limpeza, à frescura, à luminosidade, à dignidade, à elegância. É uma cor que harmoniza com todas as outras.

O girassol e o seu simbolismo
O girassol é uma planta imponente e de porte majestoso, cujas flores arredondadas e radiadas constam de um disco floral castanho e de pétalas amarelo-douradas, que aparentam ser o Sol. Daí que em inglês seja designada por “sunflower”. Entre nós é designada por “girassol”, já que goza duma propriedade conhecida por “heliotropismo” e que consiste no movimento da planta em relação ao Sol. Ao amanhecer os girassóis têm as flores viradas para oriente. Ao longo do dia, seguem o Sol no seu movimento aparente de oriente para ocidente e à noite estão voltados para oriente.
O girassol não é uma flor anónima, já que marca presença na Poesia Portuguesa. Do girassol nos fala Fernando Pessoa (1888-1935), no poema “PASSA UMA NUVEM PELO SOL": “Passa uma nuvem pelo sol / Passa uma pena por quem vê. / A alma é como um girassol: / Vira-se ao que não está ao pé. // Passou a nuvem; o sol volta. / A alegria girassolou. / Pendão latente de revolta, / Que hora maligna te enrolou?”. Do girassol nos fala também Maria Alberta Menéres (1930-  ), no poema “O GIRASSOL”; “Girassol, Girassol, / Põe as pestanas ao sol! // O Girassol parece um olho aberto / Amarelo a olhar para tudo. // Passa uma perdiz e diz: / – Girassol, Girassol, / Põe as pestanas ao sol! // Passa uma abelha e diz: / – Girassol, Girassol,/ Põe as pestanas ao sol! //Passa a tarde e anoitece… / Girassol, Girassol, / Fecha as pestanas ao sol! // E o Girassol adormece…”
O girassol é um símbolo de felicidade, já que a sua cor amarela transmite energia, juventude e vitalidade, à semelhança do Sol. O girassol é também um símbolo de instabilidade, em virtude  da sua mobilidade em relação ao Sol. Por outro lado, de acordo com a mitologia grega simboliza a adoração a Hélio, o Deus grego do Sol, visto que o seu disco floral se assemelha a uma cabeça que virada sempre para o Sol, parece prestar-lhe culto. Finalmente, como o Sol é uma das formas de representar Cristo, que para os cristãos trouxe a esperança da salvação, o girassol partilha também do seu significado e é um símbolo pascal.

Epílogo
Vera Magalhães modelou a sua Dama com grande rigor formal e com uma estética muito própria, que incluiu uma decoração cromaticamente harmoniosa e de elevado valor simbólico. O rosto e o olhar da figura parecem constituir marcas identitárias da barrista.
No seu todo, a Dama de Vera Magalhães é uma figura na qual está patente a simplicidade e a espiritualidade, aliadas à distinção e à alegria, da qual irradia imensa frescura e luminosidade. Creio que por isso tudo, a barrista é merecedora que lhe demos todos os nossos parabéns:
- Parabéns Vera!

Vera Magalhães (2020). Modelação da imagem de Nossa Senhora da Conceição.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O Peralta sou eu


Peralta. Joana Oliveira (1978-   ).

Uma pedrada no charco
Colecciono Bonecos de Estremoz há mais de quatro décadas e como é sabido sou um coleccionador da velha escola. Significa isso que tenho vindo a reunir exemplares desde o séc. XVIII até aos dias de hoje, de todos os barristas conhecidos e desconhecidos, o que me permite conhecer as marcas identitárias e os estilos de cada um, bem como aqueles que no modo de produção ao modo de Estremoz, foram mais conservadores e os que foram mais inovadores. Estou pois à vontade para falar do assunto e nele “navego como peixe na água”.
Foi em 2020 que tive o prazer de conhecer o trabalho da barrista Joana Oliveira e confesso-vos que foi “amor à primeira vista”. Concluí de imediato estar em presença de uma barrista de primeira linha, disposta a “dar pedradas no charco”, pelo que me tornei de imediato seu admirador e necessariamente cliente, já que sou coleccionador. A amizade e a defesa acérrima do seu trabalho, surgiram depois e continuam para o que der e vier.

Uma encomenda
Em devido tempo e pela segunda vez, contactei a barrista de quem queria possuir figuras que já tinha doutros criadores. “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, pelo que só em finais de Setembro, a encomenda me seria entregue por fiel portador.   
A encomenda vinha acompanhada de uma carta, da qual cito um excerto:
“Caro Hernâni:
Espero que estas peças o encantem bem, e cheguem até si inteiras e ao seu gosto.
Como tenho mau feitio e, tem que ser admitido, dificuldade em fazer o que me pedem, quando me pediu o Peralta e eu o comecei a modelar, digamos que o barro falou comigo e as minhas mãos comandaram. Quando fui a ver, o dito Peralta já tinha bigode e era um rapaz todo janota que enfim poderia ser o Hernâni, caso se fizesse uma versão “Peralta” do amigo Hernâni”. (…).

Aviso de recepção
Conferida a encomenda e lida a carta, expedi de imediato, via correio electrónico, o seguinte aviso de recepção:
“Joana:
A encomenda chegou nas melhores condições. E aconteceu um facto inesperado que nunca me passaria pela cabeça. A lotação era superior ao previsto e vinha um passageiro a mais. Brevemente, vou ter que falar dele, assim como das senhoras que o acompanhavam. Mas, para já, aqui fica a primeira impressão, em jeito de quadra popular:

“É um peralta.
Está a matar.
Nada lhe falta
para destoar.”

E assim terminei o aviso de recepção.
A estrofe de quatro versos pentasilábicos de rima alternada, com que encerrei a missiva, foi a primeira de um conjunto mais vasto que integra um poema dedicado a todos os Peraltas que tenho. Oportunamente será feita a apresentação pública dos mesmos, envergando vaidosos as estrofes que lhes compus.

Peralta à vista
Trata-se de um Peralta elegantemente vestido com traje de cerimónia.
Do conjunto sobressai um casaco preto, tipo paletó com lapelas em cetim da mesma cor (smoking), bem como um par de calças às listras pretas e cor de cinza, com bainhas.
Sob o casaco uma camisa branca, decerto com a frente trabalhada e cujo colarinho ostenta um vistoso laço (papilon) de seda preta. A camisa está supostamente cingida à cintura por uma faixa de seda preta que não é visualizável.
Nos pés, os clássicos sapatos pretos, de verniz, encimados por polainas brancas de veludo, que protegem a parte inferior das pernas.
O cabelo e bigode são de cor cinza, reveladora da patina do tempo. Os olhos grandes e profundos dão conta do muito que já viu e do muito que ainda anseia ver. Por isso tem os olhos bem abertos.
O chapéu às três pancadas dá-lhe um ar de “bon vivant”, que ainda está pronto para as curvas.
A postura das mãos indicia que se está a preparar para iniciar uma pirueta. A figura lembra-me de imediato o actor, cantor e bailarino Fred Astaire na canção “Andando Com Estilo” (Puttin´on The Ritz -1930).
 
E se fosse verdade?
Bom, se fosse verdade, o meu bigode teria de ter um penteado diferente, como disse em 2011 em texto dirigido a uma amiga:
O meu bigode é um bigode com as pontas reviradas para baixo. Você já me imaginou com o bigode revirado para cima, com ar de monárquico órfão à espera que El-Rei D. Sebastião regresse numa manhã de nevoeiro? (Que me perdoem os meus amigos monárquicos, que os tenho, por tecer considerações sobre os seus reais bigodes). Mas eu, que sou realmente republicano, só posso usar um bigode com as pontas reviradas para baixo.”
Para além disso nada de apontamentos a sugerir que estou pronto para as curvas, já que as únicas que me são permitidas são as curvas da caligrafia.
Finalmente nada de insinuações que danço sapateado à maneira do Fred Astair. Creio ser mais credível sugerir que pertenço à tribo dos pés de chumbo.

Agradecimentos
Quero agradecer à barrista o ar simpático que conferiu ao meu rosto, que na prática é uma carantonha capaz de assustar um feroz touro Miura.
Quero agradecer-lhe também a linda roupa com que presenteou o meu representante e que me daria muito jeito, para me vestir à Peralta de vez em quando.
Quero agradecer-lhe finalmente toda a frescura e simpatia irradiantes que soube imprimir à representação de uma pessoa idosa, fruto da sua visão transformadora do mundo e da vida, em sintonia com a sua alma de criadora, transmitida ao barro pela dupla magia das sua mãos e da paleta de cores usadas.
Obrigado Joana por mais esta “pedrada no charco” e por partilhar connosco tesouros como este, que ficam a honrar a barrística de Estremoz.

Publicado inicialmente em 9 de Outubro de 2020

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Os ganchinhos da Madalena


Peralta e Senhora de pezinhos.

Os Bonecos de Estremoz não são só figuras vistosas e alegóricas, como ”O Amor é cego” e a “Primavera”, nem só imagens devocionais como o “Santo António” e o “Milagre das Rosas”. São também isso, mas são muito mais.
São Bonecos de outras tipologias e funcionalidades, contextualizados em termos de passado e/ou de presente.
Alguns têm dimensões minúsculas como o caso dos “Ganchos de meia”, cujo tamanho ronda os 5 cm. Por isso fazem arregalar a vista, que simultaneamente se encanta com a sua visualização. Mas também despertam ternura, já que como diz o Povo, “Tudo o que é pequeno tem graça”.
Hoje chegou a vez de vos mostrar os “Ganchinhos da Madalena”, que bem perto de nós, na Freguesia de Arcos, modela com amor os Bonecos que tanto amamos e que nos fazem sonhar. São parte de uma encomenda que lhe fiz e que aqui mostro com orgulho semelhante ao da Barrista que os modelou e decorou a partir duma massa informe de barro, com a mestria das suas mãos e a sensibilidade da sua alma, que cria Poesia que nos faz sentir bem.
Parabéns Madalena pela beleza e graça dos Bonequinhos que criou. E sabe o que lhe digo? Fico à espera do resto da encomenda.

Nota biográfica
Madalena Bilro (1959-  ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.
Anteriormente já tivera formação na Academia Sénior de Estremoz, orientada por Isabel Água, do Museu Municipal de Estremoz.
Neste momento já tem “Carta de Artesão” e aguarda a todo o momento a sua Certificação como Produtora de Bonecos de Estremoz.


Nossa Senhora e Freira de Malta.

Padre e Sacristão.

Sargento.