A apresentar mensagens correspondentes à consulta Mariano da Conceição ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Mariano da Conceição ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Bonecos de Estremoz: Mariano da Conceição (1.ª parte)


Fig. 1 - Mariano da Conceição na sua oficina em pose para o fotógrafo Rogério de
Carvalho (1915-1988).  À sua direita, o Presépio de trono ou altar projectado por
Sá  Lemos e por ele executado. Este vistoso presépio não esteve presente na
Exposição do Mundo Português em 1940, pelo que terá sido criado posteriormente,
mas em data anterior a Dezembro de 1947, já que nesta data, a fotografia aqui
apresentada aparece a ilustrar a capa da revista “Mensário das Casas do Povo”,
nº 18. Arquivo fotográfico do autor.


LER AINDA


Filho ilegítimo de Narciso Augusto da Conceição
No dia 24 de Setembro de 1912, na repartição do Registo Civil do concelho de Estremoz, sita no Rossio Marquês de Pombal da vila de Estremoz, perante António Luís da Cruz, ajudante de oficial do Registo Civil, no impedimento deste por motivo de saúde, compareceu Narciso Augusto da Conceição, solteiro, industrial, de 41 anos, natural da freguesia de Santo Antão de Évora e residente na freguesia de Santa Maria de Estremoz. Declarou que, no dia 26 de Janeiro de 1903, às 20 horas, nasceu na (nome da rua ilegível no Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz), freguesia de Santa Maria de Estremoz, um indivíduo de sexo masculino, que as testemunhas disseram ser filho ilegítimo do declarante, que agora o reconhece como seu filho para todos os efeitos legais. Pelas testemunhas foi dito que o rejeitando se iria chamar Mariano Augusto da Conceição. Foram testemunhas José Joaquim Correia, seleiro, solteiro, maior e Joaquim Hilário Cardoso Amante, casado, sapateiro, ambos residentes na vila de Estremoz (8).
Mariano era filho de oleiro pelo que viria a ser oleiro. Todavia, como iremos ver, não ficaria por aqui. Iria muito mais longe.
Casamento
A 8 de Novembro de 1931, Mariano Augusto da Conceição, de 28 anos, oleiro (Fig. 1, Fig. 5 e Fig. 6), natural da freguesia de Santa Maria de Estremoz e residente na Calçada da Frandina, nº 15 da mesma localidade, casou na Repartição do Registo Civil de Estremoz com Liberdade da Conceição Banha, de 18 anos, doméstica, filha legítima de José Ricardo Banha, corticeiro natural da mesma freguesia e de Agripina da Conceição Banha, doméstica, natural da freguesia de São Bartolomeu, em Vila Viçosa (11).
Mestre da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves
A 3 de Dezembro de 1930, na secretaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves de Estremoz, perante o Director Luís Fernandes de Carvalho e Reis, tomou posse como Mestre provisório da oficina de olaria, Mariano Augusto da Conceição, nomeado por alvará desse dia, que afirmou por sua honra que cumpriria fielmente as funções do seu cargo, entrando logo no exercício das suas funções (5).
De 25 a 27 de Março de 1931 faz concurso de provas (Fig. 2 a Fig. 7) para Mestre da oficina de olaria e é classificado com 15,6 valores, conforme consta do seu registo biográfico. A 29 de Abril de 1931 passa à condição de contratado (10). A 23 de Março de 1936, na secretaria da Escola, perante o Director José Maria de Sá Lemos, tomou posse como Mestre efectivo da oficina de olaria, nomeado por portaria de 22 de Fevereiro, publicada no Diário do Governo, n°65 - 2ª série, de 19 de Março de 1936. 0 empossado afirmou por sua honra que cumpriria fielmente as funções do seu cargo, entrando logo no exercício das suas funções (5).
A morte do pai de Mariano da Conceição
O pai de Mariano, Narciso Augusto da Conceição, suicidou-se por enforcamento na Olaria Alfacinha, a 10 de Junho de 1933, com a idade de 61 anos (14).
Com a morte do pai, Mariano da Conceição, o primogénito (eram 5 irmãos: Mariano, Jerónimo, Diocleciano, Caetano e Sabina) passou a dirigir a olaria que entretanto se tinha transformado em sociedade na qual participavam todos os irmãos. Mariano trabalhava como oleiro na oficina e simultaneamente dava aulas na Escola (13).
Depois da morte da matriarca Leonor das Neves Conceição em 1946 e de seu filho Jerónimo Augusto da Conceição, alguns anos depois, a mulher de Jerónimo e Mariano Augusto da Conceição, vendem a sua quota na Olaria Alfacinha aos irmãos. Mariano deixa então de trabalhar na Olaria, a qual passa a ser dirigida por seu irmão Caetano.
Mais tarde, em 11 de Abril de 1958, os irmãos Caetano Augusto da Conceição, Diocleciano Augusto da Conceição e Sabina Augusta da Conceição Santos, constituem a firma Leonor das Neves da Conceição Herdeiros. A família detém e trabalha na olaria até 1987, ano em que é vendida a Rui Barradas e sua mulher, Cristina. Em 1995 a Olaria Alfacinha encerra definitivamente.
De filho ilegítimo a filho legítimo
Por auto público de 14 de Junho de 1933, nos autos de inventário orfanológico, por óbito de Narciso Augusto da Conceição, que correu seus termos na Comarca de Estremoz, com sentença de 23 do mesmo ano, que transitou em julgado, Mariano Augusto da Conceição foi declarado filho legítimo de Narciso Augusto da Conceição e de sua mulher Leonor das Neves da Conceição, exposta. Ficaram arquivados uma certidão e um documento autêntico de consentimento do perfilhado.
Este averbamento, datado de 10 de Janeiro de 1957 e subscrito pelo Conservador, cuja assinatura é ilegível, integra o Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz, relativo a Mariano Augusto da Conceição (8).
Mariano da Conceição oleiro e bonequeiro
O escultor José Maria Sá Lemos, director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, com a colaboração de ti’ Ana das Peles, uma barrista de idade já avançada. Impunha-se que houvesse continuadores. Daí que tenha lançado um repto a Mariano da Conceição, que o aceitou de bom grado e teve êxito, passando a ter uma tripla actividade: Oleiro na Olaria Alfacinha, Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves e bonequeiro.
A Exposição do Mundo Português
António Ferro (1895-1956), Secretário-Geral da Comissão Executiva da Exposição do Mundo Português era próximo de José Maria de Sá Lemos e esteve em Estremoz, onde convidou Mestre Mariano da Conceição a participar na Exposição. Este não o pôde fazer, devido às actividades lectivas na Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Quem ali esteve presente durante todo o período da mesma, foi a sua mulher, Liberdade Banha da Conceição (1913-1990) (Fig. 8), que ali pintava os Bonecos por ele confeccionados em Estremoz e que depois eram transportados para Lisboa.
O êxito de vendas na Exposição do Mundo Português fez com que Mariano da Conceição a partir de 1942-43 se dedicasse à confecção [1] de Bonecos de Estremoz em oficina própria, actividade que acumulava com o seu magistério de Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves. A sua oficina funcionou sucessivamente na Rua das Meiras nº1, na Rua da Frandina e na Rua Pedro Afonso nº 6 (13).
Mariano que não tinha forno próprio, cozia os seus Bonecos no forno de lenha da Olaria Alfacinha, a qual tinha dirigido. De resto, o barro utilizado por Mariano era preparado na Olaria e transportado numa carrinha pelo seu irmão Caetano, que levava os Bonecos para cozer arrumados em gaiolas de barro e os entregava a Mariano, depois de cozidos (13).
Em Estremoz, os Bonecos eram comercializados nos seguintes locais: Loja de Artigos Regionais da Olaria Alfacinha (Largo da República, 30), Papelaria Ruivo (Largo da República, 24), Lojas de Artesanato de Rafael dos Santos Grades (Rua Victor Cordon, 27 e 30) e Papelaria A Tabaqueira de Alves & Simões, Lda. (Rossio Marquês Pombal 11 e 12 [2] (13).
Mariano da Conceição visto pelos outros
A 23 de Junho de 1951 reuniu o Conselho Escolar da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, sob a presidência do Director, Irondino de Aguillar, o qual, antes de se entrar na ordem do dia, quis dirigir algumas palavras a todos os presentes. “Lembrou-lhes que longe vai o tempo em que o professor entendia que a vida de professor se cumpre toda dentro das quatro paredes e dos cinquenta e cinco minutos de uma aula. 0 professor de hoje tem de não esquecer-se nunca de que é professor, de que é seu dever contribuir para o prestígio da sua classe e da sua escola e de que é seu dever maior que todos meditar na responsabilidade que tomou ao escolher tal profissão. Convidou os presentes a fazerem exame de consciência, que ele, Director, limitar-se-ia a fazer pública justiça ao Mestre de Olaria, Senhor Mariano Augusto da Conceição, que pelo seu zelo, pela sua honestidade no cumprimento do dever, confirmou largamente o que dele era de esperar pelo seu comportamento nos anos anteriores”(1).
O pintor Armando Alves (1935- ) foi aluno de Mariano da Conceição nos anos lectivos de 1949-1950 e 1950-1951. Na sua condição de ex-aluno, prestou-me, em 2012, o seguinte depoimento escrito (3): “Foi na década de quarenta do século passado que conheci o Mestre Mariano Alfacinha. Era eu por essa altura aluno na Escola Industrial e Comercial de Estremoz e o Mestre Mariano, professor de Olaria nessa escola.
Frequentar as suas aulas não era para a maioria de nós, alunos, apenas uma obrigação, antes pelo contrário, era um prazer. Para mim era mesmo uma espécie de necessidade, pois não só frequentava as aulas, como muitíssimas vezes aparecia para ajudar o Mestre Mariano nas tarefas mais fáceis – fazer bases, fazer pernas, fazer (nas pequenas formas de barro cozido), as cabeças dos bonecos. Com ele aprendi muitos dos segredos do barro e aprendi também a fazer os Bonecos de Estremoz.
O Mestre Mariano fazia invariavelmente os seus bonecos em grupos de seis, isto é: seis pastores, seis amazonas, seis cavaleiros, etc., E isto não era por acaso pois os bonecos são feitos por partes – as bases, as pernas, os troncos, os braços e as cabeças. À medida que se iam fazendo cada uma destas partes, (começando sempre pelas bases), o barro ia ganhando a dureza necessária para receber a colagem das pernas e dos troncos até à conclusão do boneco. A colagem das partes era feita com a lambugem, (lama do barro) e uns pequenos risquinhos que se faziam nas partes a colar, tendo sempre o cuidado de não deixar bolhas de ar, o que poderia causar dissabores na cozedura... O calor das mãos e um certo vento que de vez enquanto soprava e rachava o barro, eram também elementos a ter em conta.
Para tudo isto me chamava a atenção o Mestre Mariano com aquela presença muito forte e ao mesmo tempo muito doce que o caracterizavam.
Tive a sorte de ter privado com este Homem a quem agradeço o muito que me ensinou e a quem Estremoz continua a dever tudo o que ele fez pela nossa terra.”
Por sua vez, Leonor da Conceição Santos (1943-2014), filha de Sabina Santos, sobrinha de Mariano e Professora de Educação Especial aposentada, prestou-me, igualmente em 2012, o seguinte depoimento escrito (6): “Tenho uma ideia vaga do meu tio Mariano que era o mais velho e lembro-me de um homem muito alto, claro que eu também era muito pequena… Sabia que ele era professor na Escola Industrial e que a minha mãe tinha sido lá aluna. Lembro-me também, talvez com os meus 10 anos, e vivendo já na rua do Reguengo, de ter ido frequentar a Escola Comercial e Industrial, onde hoje é a Pousada. Via por lá o tio Mariano, que era professor de Olaria, e quando o via ia dar-lhe um beijo, e ele perguntava com aquele vozeirão:” Então como vai a Escola?” Eu fugia à resposta porque, na realidade, a escola ia muito mal. Gostava da disciplina de desenho e…pouco mais. Fui aluna da D. Joana, que era uma artista naquilo para que eu nunca tive jeito: bordados, tapetes e afins. Só frequentei o ano preparatório e depois, com grande sacrifício os meus pais mandaram-me para o Colégio do Mota, (a que chamavam o colégio dos ricos – não era uma verdade absoluta, mas isso são outras histórias…) onde realmente me senti ambientada. Era uma miúda pequena e um tanto frágil e aquela Escola Industrial fazia-me medo. Passei a ver o tio Mariano quando ia à Olaria e ele estava a fazer peças enormes, à roda, pois só uma pessoa alta, pujante e habilidosa como ele, conseguia “puxar” o barro na roda de oleiro para fazer essas peças (ânforas e outras). Também o visitava, em casa dele e tenho ideia, mas a minha prima Maria Luísa poderá confirmar, que ele tinha uma sala cheia de pássaros das mais diversas raças. Sempre achei interessante. Ele era caçador, e dos bons, matava perdizes, faisões e outra passarada e ao mesmo tempo gostava de aves canoras e sustentava-as. Será que a memória me está a atraiçoar? Penso que não.
Também estive muitas vezes, ao lado dele a vê-lo fazer os Bonecos de Estremoz. A tia Liberdade, sua mulher, que gostava muito de mim, arranjava-me um lanche e eu ficava sentada, numa daquelas cadeiras baixinhas, a ver o meu tio a trabalhar. Naquela altura fazia-me impressão como é que ele que tinha umas mãos enormes e uns dedos cheios também conseguia trabalhar minuciosamente cada figurinha e fazer as cabecinhas dos bonecos. Era isso que eu admirava nele: ora fazia coisas minúsculas, ora puxava, na roda ânforas gigantescas. Extraordinário!...”
A morte prematura de Mariano da Conceição
O Boletim da Escola Industrial e Comercial de Estremoz de 29 de Setembro de 1959 (17), sob a epígrafe “Um estúpido acidente atirou para a morte o Sr. Mestre Mariano”, relata o que se passou: “O caso deu-se no passado domingo, em pleno Rossio, quando da chegada dos cavaleiros que disputavam o raid hípico de Estremoz.
A anteceder os dois primeiros cavaleiros, que surgiram a par, a galope desenfreado, vinham um jeep e uma moto, mas tão devagar que, num instante, os cavalos estavam sobre eles. 0s cavaleiros gritavam, os veículos não tomavam velocidade e não houve outra solução senão guinar cada cavaleiro para seu lado.
Foi nesta altura que à frente de um dos cavalos surgiu o Sr. Mestre Mariano da Conceição, muito para lá da meta. O choque foi inevitável e o Sr. Mariano rolou pelo chão.
Imediatamente levado ao hospital, cheio de sangue, ali foi observado, recolhendo depois a um dos quartos particulares em estado de coma, com suposta fractura craniana e uma clavícula e várias costelas partidas. Quem diria que naquele luminoso domingo um estúpido acidente atiraria para o hospital o nosso Mestre Mariano?
Na madrugada de terça-feira 45, o Sr. Mestre Mariano expirou (9), por não ter podido resistir à gravidade dos ferimentos, tendo a Escola perdido assim, estupidamente, um dos seus agentes de ensino mais dedicados e a quem ela muito ficou a dever.
No funeral incorporaram-se muitos antigos e actuais alunos e todo o pessoal da Escola em exercício.” (7), (12), (17).
Reacções à morte de Mariano da Conceição
No dia 30 de Setembro de 1959, pelas 15 horas reuniu no gabinete do Director da EICE, o Conselho Escolar presidido pelo Director Rogério Peres Claro com a presença de todos os membros efectivos, Mestres Joana Simões e Eduardo Silva. No último ponto da ordem de trabalhos, por falecimento de Mestre Mariano da Conceição, deliberou o Conselho convidar o Mestre provisório José Alexandre Rosa para sua substituição. Antes de encerrar a sessão, o Director propôs com o fim de ser exarado em acta, um voto de pesar pelo falecimento do Mestre efectivo da Escola, Mariano Augusto da Conceição (2).
Sobre Mestre Mariano da Conceição recolhi um depoimento (15) daquele que era director à data da sua morte, Rogério Peres Claro (1921-2015), redigido a 11 de Novembro de 2012, aos 91 anos de idade: “Conheci o Sr. Mariano da Conceição como Mestre de Trabalhos Manuais na Escola Comercial de Estremoz, entre 1951 e 1961, período da minha presença lá como Director. Era conhecido como especialmente hábil na confecção de bonecos de barro com características locais, como aliás os outros membros da sua família. Trabalhava em oficina montada no pátio de entrada do castelo, onde trabalhava também o Sr. Joaquim Prudêncio Oliveira, hábil Mestre no trabalhar do mármore da região, para o qual formou muitos artistas. A maioria dos brasões que sustém a fonte luminosa que embeleza Setúbal frente ao mercado da Avenida Luísa Todi, foram trabalho seu e dos seus alunos.
Mestre Mariano ficou lembrado não apenas pelos seus bonecos, mas infelizmente também por ter falecido ao coice de um dos cavalos que em corrida festiva atravessavam o Rossio e que presenciei. Ficou o dito de que “só ao coice o Mestre Mariano poderia ser abatido”, tão forte que ele era “
No já referido depoimento escrito (6) de Leonor da Conceição Santos sobre o tio Mariano, datado de 2012, referindo-se à sua morte diz: “O Tio Mariano foi um artista e um grande Mestre de olaria. A sua arte poderia ter-se prolongado para enriquecimento da cultura e do artesanato estremocense … mas infelizmente um acontecimento inesperado ceifou-lhe a vida aos cinquenta e poucos anos. Podemos dizer que ele estava no sítio errado, à hora errada… Um cavalo que fazia parte do raid hípico que terminava no Rossio Marquês de Pombal, espantou-se e, ou por pouca sorte, ou por ineficácia do cavaleiro, atingiu o meu tio que assistia ao evento entre muitas pessoas, ferindo-o de morte. Ainda foi para o antigo hospital, mas viria a falecer pouco tempo depois.
Foi pena Tio Mariano. Ainda guardo essa memória, como se fosse hoje. Eu tinha 16 anos. Estremoz perdeu tragicamente um Alfacinha.
Recordo-o e recordá-lo-ei sempre. Foi com ele que a arte bonequeira renasceu. Todos lhe devemos isso.”
Mariano da Conceição morreu, mas os Bonecos não
O Mestre partiu mas legou-nos os seus Bonecos. A recuperação da manufactura dos Bonecos de Estremoz não podia ficar por aqui. Surgiram continuadores e a primeira foi a sua irmã, Sabina da Conceição Santos.

BIBLIOGRAFIA
(1) - Acta da sessão de 23 de Junho de 1951 in Livro de Actas do Conselho Escolar da Escola industrial e Comercial de Estremoz (1948-1951) (acta nº 12).
(2) - Acta da sessão de 30 de Setembro de 1959 in Livro de Actas nº 2 do Conselho Escolar da Escola industrial e Comercial de Estremoz (1959-1981) (acta nº 1).
(3) - ALVES, Armando José Ruivo. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Porto, 2012. sp.
(4) - Auto de posse conferido a Mariano Augusto da Conceição no cargo de mestre provisório da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves. Estremoz, 3 de Dezembro de 1930 in Livro de Posses 1930-59 (folha 1v).
(5) - Auto de posse conferido a Mariano Augusto da Conceição no cargo de mestre efectivo da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves. Estremoz, 23 de Março de 1936 in Livro de Posses 1930-59 (folha 7v).
(6) - CONCEIÇÃO SANTOS, Maria Leonor da. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Ribamar, 2012. sp.
(7) - Falecimento (Mariano da Conceição) in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 2).
(8) – Mariano Augusto da Conceição - Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(9) – Mariano Augusto da Conceição - Assento de Óbito nº 193 de 1959 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(10) - Mariano Augusto da Conceição – Processo Individual de professor nº 707, no Arquivo da Escola Industrial António Augusto Gonçalves e sucessoras.
(11) - Mariano Augusto da Conceição - Registo de Casamento nº 68 de 1931 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(12) - Mariano Augusto da Conceição in O Eco de Estremoz nº 2951, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 3).
(13) – MATOS, Hernâni. Entrevista a Maria Luísa da Conceição. Estremoz, 7 de Fevereiro de 2013. Arquivo de Hernâni Matos.
(14) – Narciso Augusto da Conceição – Registo de Óbito nº 71 e 1933 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(15) - PERES CLARO, Rogério. Depoimento sobre Mariano Augusto da Conceição. Setúbal, 2012. sp.
(16) - Terminou o I RAID HIPICO ALENTEJANO in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959. (pág. 3).
(17) - Um estúpido acidente atirou para a morte o sr. mestre Mariano in Boletim da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, 29/09/1959. Estremoz, 1959 (pág. 1).

Publicado pela 1ª vez em 13 de Setembro de 2019
Editado no meu livro BONECOS DE ESTREMOZ

Fig. 2 - Desenho duma forma cerâmica. Prova de Concurso de Mariano Augusto da
Conceição para Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto
Gonçalves, realizada a 25 de Março de 1931. Fotografia de autor desconhecido.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 3 - Cópia dum motivo floral. Prova de Concurso de Mariano Augusto da
Conceição para Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António
Augusto Gonçalves, realizada a 26 de Março de 1931. Fotografia de autor
desconhecido. Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 4 - Decoração. Prova de Concurso de Mariano Augusto da Conceição para
Mestre da oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves,
realizada a 27 de Março de 1931. Fotografia de autor desconhecido.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 5 - Mariano Augusto da Conceição a modelar a peça projectada na oficina de
olaria da Escola Industrial de António Augusto  Gonçalves. Arquivo fotográfico do autor.

 Fig. 6 - Mariano Augusto da Conceição a desenfornar uma das peças projectadas
 na oficina de olaria da Escola Industrial de António Augusto Gonçalves.
Arquivo fotográfico do autor.

Fig. 7 - As peças projectadas e executadas por Mariano Augusto da Conceição
já cozidas. Arquivo fotográfico do autor.

  Fig. 8 - Liberdade da Conceição, mulher de Mariano da Conceição a pintar
Bonecos de Estremoz na Exposição do Mundo Português. Fotografia do
documentário “A Grande Exposição do Mundo Português” (1940),
de António Lopes Ribeiro.


Fig. 9 - Carimbos usados sucessivamente por Mariano da Conceição para marcar os
seus bonecos: MADE IN PORTUGAL (3,4 cm x 0,3 cm), ESTREMOZ / PORTUGAL
(2 cm x 0,8 cm), ESTREMOZ (2 cm x 0,8 cm). Arquivo fotográfico do autor.



[1] Mariano modelava os bonecos que eram pintados por sua mulher, Liberdade da Conceição. Mariano só pintava em último caso, sempre que havia uma encomenda grande de Bonecos. Todavia, era ele que aplicava sempre o verniz, visto a sua mulher ser uma pessoa bastante doente (13).
[2] De salientar que só a partir do momento em que se estabeleceu como bonequeiro por conta própria é que Mariano passou a auferir proventos dessa actividade. Anteriormente só fazia Bonecos na Escola, os quais conjuntamente com os Bonecos manufacturados pelos alunos, eram comercializados e as receitas resultantes da sua venda destinavam-se a custear as despesas de funcionamento da própria Escola (13).

domingo, 2 de junho de 2013

Os bonecos de Estremoz na Exposição do Mundo Português


Fig. 1 - Homem do harmónio (Boneco de Estremoz
de Mariano da Conceição. Museu Rural de Estremoz.
Fotografia de Luís Mariano Guimarães).

AS COMEMORAÇÕES DOS CENTENÁRIOS DA FUNDAÇÃO E DA RESTAURAÇÃO DA NACIONALIDADE
A 2 de Junho de 1940, teve lugar em Lisboa, a abertura oficial das Comemorações dos Centenários da Fundação e da Restauração da Nacionalidade, anunciada pelo presidente da Comissão Executiva dos Centenários, Júlio Dantas.
As Comemorações tiveram âmbito nacional, mas o seu maior esplendor foi a Exposição do Mundo Português.

A EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS
A "Exposição do Mundo Português" (Fig. 2), que se realizou de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940, foi um evento realizado em Lisboa durante o regime do Estado Novo. Com o propósito de comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640), constituiu-se na maior de seu género realizada no país até à data. Para a época foi uma grandiosa obra só comparável, com as devidas proporções, com a "Exposição Universal de Lisboa" de 1998.Incluía pavilhões temáticos relacionados com a História de Portugal, suas actividades económicas, cultura, regiões e territórios ultramarinos. Incluía ainda um pavilhão do Brasil.

Fig. 2.

O evento levou a uma completa renovação urbana da zona ocidental de Lisboa. A sua praça central deu origem à Praça do Império, uma das maiores da Europa. A maioria das edificações da exposição foi demolida ao seu término, restando apenas algumas como o actual Museu de Arte Popular e o Monumento aos Descobrimentos (reconstrução com base no original de madeira).
Situada entre a margem direita do rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos, ocupava cerca de 560 mil metros quadrados e recebeu cerca de três milhões de visitantes, constituindo o mais importante facto cultural do Estado Novo.

OS BONECOS DE ESTREMOZ NA EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS
António Ferro, Director do Secretariado Nacional de Propaganda, estrutura que controlava todas as formas de comunicação do país, era o Secretário-Geral da Comissão Executiva, presidida por Júlio Dantas.
António Ferro era próximo de José Maria de Sá Lemos (1) e esteve em Estremoz, onde convidou Mestre Mariano da Conceição (1903-1959) a participar na Exposição. Este não o pôde fazer, pela sua condição de funcionário público, Mestre Olaria da Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Os bonecos (Fig. 1) eram feitos em Estremoz por Mestre Mariano (Fig. 3) e transportados para Lisboa, onde na Exposição eram pintados por sua esposa, Liberdade Banha da Conceição, que ali esteve presente durante todo o período da mesma. Há provas documentais da presença dos bonecos de Estremoz na Exposição.

Fig. 3 - Mestre Mariano da Conceição a trabalhar na sua oficina. Fotografia de Rogério
de Carvalho (1915-1988). Arquivo de Hernâni Matos.

 Comecemos pelo “MUNDO PORTUGUÊS/IMAGENS DE UMA EXPOSIÇÃO HISTÓRICA/1940”. Trata-se de um álbum evocativo da “Exposição do Mundo Português”, editado pelo Secretariado Nacional de Informação, em 1956. Foi dedicado “Aos filhos dos que viram a Exposição do Mundo Português – Para que também a vejam”. Através dele se sabe que os bonecos de Estremoz marcaram presença no “Pavilhão da Vida Popular “, na “Sala de Artes e Ofícios”, onde estiveram presentes numa bancada exposicional e numa vitrina expositora (Fig. 4 e Fig. 5).

Fig. 4. 

Fig. 5.

O filme "A Grande Exposição do Mundo Português (1940)", de António Lopes Ribeiro, com a duração de 59 min 52 s, mostra entre os 44 min 25 s e 44 min 39 s, 14 preciosos segundos de filme, onde se vê Liberdade da Conceição, vestida de camponesa, a pintar bonecos de Estremoz (Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8).

Fig. 6. 

Fig. 7. 

Fig. 8.

Na Exposição do Mundo Português marcaram forte presença os bonecos de Estremoz, afeiçoados pelas mãos sábias e mágicas de Mestre Mariano da Conceição e decorados pelas mãos pacientes e laboriosas de sua terna esposa, Liberdade da Conceição, que lhes comunicava, não só as cores garridas, como a luz própria e muito característica das claridades do Sul.
Os bonecos de Estremoz, de Mariano da Conceição, foram na Exposição do Mundo Português, o ex-líbris de excelência da nossa bem amada cidade branca. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que nesta terra que nos pariu e é nossa, existem criadores populares de elevado gabarito, com grande qualidade de desempenho, que estão bem e se recomendam.
A mensagem transmitiu-se através do feedback de visitantes, originários dos mais distintos locais, não só de Norte a Sul do país, como também das Ilhas e mesmo das Sete Partidas do Mundo.
Os bonecos de Estremoz de Mariano da Conceição, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente, grande notoriedade pública. Foram eles que desalojaram a nossa Arte Popular do estatuto comezinho em que se encontrava acantonada e lhe conferiram dimensão humana à escala planetária.
Mestre Mariano da Conceição é um ícone da cidade de Estremoz que o gerou e que dele muito justamente se orgulha. Exactamente como Tomaz Alcaide, meu parente do costado dos Carmelos, tenor lírico de projecção internacional, que com o vigor cristalino da sua apreciada voz, levou igualmente o nome da nossa urbe, por esse mundo fora, sempre que como artista de excepção, pisava os palcos dos grandes e famosos teatros líricos. Tanto Tomaz Alcaide como Mariano da Conceição foram actores que desempenharam e bem, o seu papel no palco da vida. Por isso, a comunidade estremocense lhes está grata e os admira. Todavia, para além do reconhecimento, há uma homenagem que tarda em relação a Mariano da Conceição.
Com a Exposição do Mundo Português houve uma mudança de paradigma na produção de bonecos de Estremoz. Mariano da Conceição resolveu dar uma inflexão à sua actividade bonequeira. Até aí Mestre Mariano só confeccionava bonecos na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, os quais conjuntamente com exemplares executados pelos seus alunos, assim como peças de olaria eram vendidos, funcionando o produto da venda como fonte de receita para a Escola. Os alunos recebiam por isso salário, conforme notícia do jornal “Brados do Alentejo” nº 239 (25 de Agosto de 1935). A partir da Exposição do Mundo Português, que se saldou num êxito para Mestre Mariano, ele passa também a fazer bonecos na sua casa, os quais são comercializados em Estremoz, em diversos locais: Loja de Artigos Regionais da Olaria Alfacinha (Largo da República, 30), Papelaria Ruivo (Largo da República, 24), Loja de Artesanato de Rafael dos Santos Grades (Rua Victor Cordon, 27 e 30), Papelaria A Tabaqueira de Alves & Simões, Lda (Rossio Marquês Pombal 11 e 12).
Com o seu exemplo, Mestre Mariano demonstrou que a produção de bonecos de Estremoz era uma actividade viável e abriu caminho para aqueles que se lhe seguiram, após a sua morte prematura em 1959.

PARA QUANDO UMA HOMENAGEM A MESTRE MARIANO DA CONCEIÇÃO?
Mestre Mariano da Conceição cuja Memória permanece viva na comunidade, era um homem do povo, do clã dos Alfacinhas, com mãos mágicas para modelar o barro desta terra de Além Tejo do termo de Estremoz. Exactamente o mesmo barro que de acordo com o Génesis, Deus terá modelado o primeiro homem. Em Mariano pensou o poeta António Simões, compadre de Maria Luísa da Conceição, filha de Mariano, quando a meu pedido criou em 1983 a quadra que diz:

Barro incerto do presente,
Vai moldar-te a mão do povo
Vai dar-te forma diferente,
Para que sejas barro novo.

Mestre Mariano é um ícone desta terra transtagana, ao qual a comunidade muito deve e cujo reconhecimento público tarda, porque alguns pensam que se deve cumprir o adágio “Ninguém é rei na sua terra”, o que não é minimamente aceitável.
No Canto I dos Lusíadas, diz Luís Vaz de Camões:

(…)
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
(…)

É o que se passou com Mestre Mariano da Conceição, que ganhou fama que lhe sobreviveu e será lembrado pelas gerações futuras.
Falta agora o nosso Município homenagear Mestre Mariano postumamente, através da atribuição duma medalha de grau adequado, o que aqui se sugere, bem como a atribuição do seu nome a uma rua da cidade. Em 19 de Setembro de 1997, na qualidade de deputado municipal, fiz uma proposta de recomendação à Câmara nesse sentido, a qual foi aprovada. Como sou uma pessoa paciente, ainda estou à espera da resposta.
Estou crente que a Câmara Municipal de Estremoz não ficará indiferente a estas sugestões, que reúnem condições para serem consensuais. A Memória de Mestre Mariano da Conceição e o seu legado merecem isso.
Assim seja!


(1) -  José Maria de Sá Lemos (1892-1971), escultor, discípulo de Mestre António Teixeira Lopes (1866-1942) foi Director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves, entre 21 de Abril de 1932 e 30 de Setembro de 1945.

Excertos do livro em preparação:
"MESTRE MARIANO DA CONCEIÇÃO (O Alfacinha)"
(Texto publicado inicialmente em 2 de Junho de 2013)

domingo, 23 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Liberdade da Conceição


 Fig. 1 - Liberdade da Conceição (1913-1990), mulher de Mariano da Conceição
(1903-1959) a pintar bonecos de Estremoz na Exposição do Mundo Português.
Fotografia do documentário "A Grande Exposição do Mundo Português" (1940),
de António Lopes Ribeiro.

Nasceu às 3 horas de 11 de Agosto de 1913 na freguesia de Santo André, em Estremoz. Filha legítima de José Ricardo Banha, de 33 anos, corticeiro natural da mesma freguesia e de Agripina da Conceição Banha, de 36 anos, doméstica, natural da freguesia de São Bartolomeu, em Vila Viçosa (2).
A 8 de Novembro de 1931, morando na Rua de São Pedro, nº 40, em Estremoz, com 18 anos de idade e na condição de doméstica, casou na Repartição do Registo Civil de Estremoz com Mariano Augusto da Conceição, de 28 anos, oleiro, natural da freguesia de Santa Maria, em Estremoz e residente na Calçada da Frandina, nº 15 da mesma localidade, filho ilegítimo de Narciso Augusto da Conceição, industrial, natural da freguesia de Santo Antão, em Évora. O casamento foi celebrado no regime de comunhão de bens e a noiva adoptou o apelido Conceição do marido (4).
Quando Mariano da Conceição se tornou bonequeiro, Liberdade passou a pintar os Bonecos manufacturados pelo marido. Esteve presente na "Exposição do Mundo Português", que decorreu em Lisboa, de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940.
O filme "A Exposição do Mundo Português (9), de António Lopes Ribeiro (1908-1995), com a duração de 59 min 52 s, mostra entre os 44 min 25 s e 44 min 39 s, 14 preciosos segundos de filme, onde se vê Liberdade da Conceição (1913-1990), vestida de camponesa, a pintar bonecos de Estremoz (Fig. 1).
Em vida do marido, Liberdade limitava-se a pintar. Todavia, as coisas iriam mudar. Com a idade de 56 anos, Mariano seria atingido por um coice de cavalo no final do I Raid Hípico Alentejano que terminou a 27 de Setembro de 1959 no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Vítima de uma fractura da base do crânio, Mariano viria a falecer no dia 29 de Setembro, na sua casa, situada na Rua Pedro Afonso, nº 6, em Estremoz (6), (1), (8), (10), (11).
“A necessidade é mestra de engenhos” sentencia o rifão. Foi assim que, por motivos de natureza económica, Liberdade (Fig. 2) se iniciou em 1962 na modelação de Bonecos, que vira seu marido confeccionar. Continuou a residir na Rua Pedro Afonso, nº 6, onde todavia só ia dormir. Passava o dia na casa da filha, Maria Luísa da Conceição, na Rua Brito Capelo, nº 33, onde na cozinha manufacturava e pintava os seus Bonecos, porque a mesma tinha espaço suficiente para ter a sua mesa de trabalho e porque era ela que cozinhava, sendo assim mais fácil conciliar as duas actividades.
A confecção e pintura dos Bonecos eram feitas na cozinha, uma vez que o nº35 situado no rés-do-chão da moradia, era oficina de Sabina Santos, sua cunhada, que se iniciara na actividade dois anos antes e em ligação à Olaria Alfacinha, o que não veio a acontecer com Liberdade. A sua filha Maria Luísa colaborava com a mãe na pintura dos Bonecos, só se tendo iniciado na modelação em 1981.
Inicialmente, Liberdade cozia os Bonecos na Olaria Alfacinha por deferência dos cunhados, na linha de continuidade do que acontecera com Mariano que também não tinha forno próprio. À medida que ia fazendo os Bonecos e estes secavam, eram metidos em “gaiolas”, recipientes cilíndricos de barro grosso nos quais iam a cozer no forno de lenha da Olaria Alfacinha, para onde eram transportados. Só a partir de 1981, quando Maria Luísa da Conceição começou a confeccionar os seus próprios Bonecos é que esta e o filho Jorge da Conceição construíram um forno a lenha no quintal, o qual passou também a ser usado por Liberdade. Só depois da aposentação de Sabina Santos, em 1988, e depois de Maria Luísa ter ocupado a oficina do nº 35, é que foi abandonado o forno de lenha e comprada uma mufla eléctrica.
A nível de feiras, Liberdade participou na Feira Internacional de Artesanato do Estoril, na Feira da Agricultura em Santarém e posteriormente na Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz.
Os Bonecos de Liberdade além de serem vendidos nas feiras, eram comercializados em Estremoz, na sua residência e nas Lojas de Artesanato de Rafael dos Santos Grades, situadas na Rua Victor Cordon, n.ºs 27 e 30, em Estremoz. De resto, havia lojas de Évora e de Lisboa que lhe adquiriam regularmente Bonecos.
Liberdade viria a falecer no dia 22 de Agosto de 1990, com 77 anos de idade (3). Foi um rude golpe na barrística popular estremocense e a cultura popular local ficou mais pobre. Liberdade partiu, mas deixou-nos os seus Bonecos, bem como a sua filha, Maria Luísa da Conceição e seu neto, Jorge da Conceição para darem continuidade à arte bonequeira.

BIBLIOGRAFIA
1 - Falecimento (Mariano da Conceição) in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 2).
2 - Liberdade da Conceição Banha - Assento de Nascimento nº 446 de 1913, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
3 - Liberdade da Conceição Banha - Assento de Óbito Informatizado nº 372 de 2016, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
4 - Liberdade da Conceição Banha - Registo de Casamento nº 68 de 1931 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
5 - Mariano Augusto da Conceição - Assento de Nascimento nº 305 de 1912 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
6 - Mariano Augusto da Conceição - Assento de Óbito nº 193 de 1959 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
7 - Mariano Augusto da Conceição - Registo de Casamento nº 68 de 1931 da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
8 - Mariano Augusto da Conceição in O Eco de Estremoz nº 2951, 04/10/1959. Estremoz, 1959 (pág. 3).
9 - RIBEIRO, António Lopes. A Exposição do Mundo Português. Lisboa, 1940.
10 - Terminou o I RAID HIPICO ALENTEJANO in Brados do Alentejo nº 1475, 04/10/1959. Estremoz, 1959. (pág. 3).
11 - Um estúpido acidente atirou para a morte o sr. mestre Mariano in Boletim da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, 29/09/1959. Estremoz, 1959 (pág. 1).
Hernâni Matos

Fig. 2 - Liberdade da Conceição (1913-1990). Fotografia do Arquivo Fotográfico
Municipal de Estremoz / BMETZ – Colecção Joaquim Vermelho.

domingo, 9 de junho de 2019

Bonecos de Estremoz: Preta florista


Preta florista. Ana das Peles (1859-1945).


Figura antropomórfica feminina, seminua [1], cor de chocolate, de pé, com as mãos segurando uma canastra com flores, à altura da cintura. A canastra [2] é amarela e apresenta lateralmente linhas incisas e inclinadas que se cruzam para parecer que a canastra foi entretecida com verga [3]. A canastra comporta flores policromáticas e folhas verdes.
Na cabeça, o cabelo curto é negro e picado para imitar carapinha.
A cabeça está envolvida superiormente por um turbante de forma cilíndrica, cor de zarcão e com linhas incisas na horizontal [4]. O turbante está decorado na parte lateral esquerda com um laço amarelo, do qual pende a ponta do turbante que cai até ao peito da figura. As linhas incisas do turbante, apresentaram uma pintura amarela, praticamente toda sumida [5].
Os olhos são dois círculos negros em fundo circular branco [6]. O nariz é uma saliência larga e a boca está pintada de vermelho.
Das orelhas pendem duas argolas amarelas de formato oval, representando brincos. O pescoço é de formato cilíndrico e está envolto por um lenço cor de zarcão [7] com as pontas pendentes e unidas na parte frontal superior do tronco.
Os braços são cilindriformes, arqueados para dentro e na sua extremidade, as mãos apresentam linhas incisas representando os dedos. Cada um dos ombros está ornamentado com três flores policromáticas, de forma cónica.
As pernas são cilindriformes e nas suas extremidades os pés apresentam linhas incisas, configurando os dedos [8].
A figura veste uma saia curta e rodada, cor de zarcão, ornamentada próximo do fundo com uma barra amarela, de aspecto cordiforme [9]. Na cintura, um fita amarela [10] que termina num laço de pontas pendentes na parte posterior.
A figura assenta numa base circular de cor verde, com círculos entalhados e da mesma cor, junto à orla [11].





[1] A figura está seminua porque usa apenas saia e tem o tronco a descoberto. A representação é comum aos demais barristas estudados, exceptuando-se José Moreira, cujo modelo enverga um vestido.
[2] Nos Bonecos de Ana das Peles, de Liberdade da Conceição e de Maria Luísa da Conceição, a canastra não apresenta pegas, como acontece nos restantes barristas estudados.
[3] Ana das Peles imita o entretecimento da verga na canastra recorrendo a incisões. Maria Luísa da Conceição fá-lo recorrendo a linhas inclinadas cor de laranja, as quais se cruzam. Os restantes barristas estudados não simulam o entretecimento da verga. Apenas a canastra de Liberdade da Conceição está decorada no bordo superior com traços alternadamente azuis e cor de zarcão.
[4] O turbante da imagem de José Moreira, ao contrário dos demais, é de cor amarela com uma faixa cor de zarcão e não apresenta linhas incisas na horizontal.
[5] O mesmo acontece nas linhas do turbante do exemplar de Mariano da Conceição. Já nas figuras de Sabina da Conceição e das Irmãs Flores, a pintura amarela das linhas incisas do turbante é bem visível. Por sua vez, nas imagens de Liberdade da Conceição e de Maria Luísa da Conceição, as linhas incisas do turbante foram pintadas a vermelho.
[6] O mesmo se passa em todos os exemplares estudados, à excepção do de Maria Luísa da Conceição, no qual os olhos são dois círculos negros em fundo elíptico branco.
[7] É o que acontece nas restantes figuras estudadas, à excepção da de Mariano da Conceição, em que o lenço é amarelo com pintas cor de zarcão, assim como na das Irmãs Flores, na qual o lenço apresenta uma faixa amarela e outra cor de zarcão, no sentido longitudinal.
[8] Ana das Peles e Mariano da Conceição não configuraram as unhas, o que não acontece nos restantes barristas estudados. Nestes, as unhas podem aparecer com diferentes cores: creme (José Moreira), castanho (Sabina da Conceição), cor de zarcão (Liberdade da Conceição e Maria Luísa da Conceição) e cinzento claro (Irmãs Flores).
[9] O artefacto de José Moreira, ao contrário dos restantes, não apresenta junto do fundo, uma barra amarela de aspecto cordiforme. Apresenta sim, duas barras lisas, uma cor de zarcão na orla do vestido e outra azul-escuro, mais para cima.
[10] No espécimen de José Moreira, a fita é cor de zarcão.
[11] Os círculos são da mesma cor verde da base. Exceptua-se o exemplar de José Moreira, no qual os círculos foram alternadamente pintados de branco e cor de zarcão. Exceptua-se ainda o artefacto de Liberdade da Conceição, no qual os círculos foram preenchidos a azul- escuro.

Preta florista. Mariano da Conceição (1903-1959).

Preta florista. Sabina da Conceição (1921-2005).

Preta florista. Liberdade da Conceição (1913-1990).


Preta florista. José Moreira (1926-1991).


Preta florista. Irmãs Flores (1957, 1958-)


Preta florista. Maria Luísa da Conceição (1934-2015).