segunda-feira, 29 de setembro de 2025

As primeiras memórias da olaria


Aguadeiro (2016). Ricardo Fonseca (1986 - ).

Aguadeiro. José Moreira (1926-1991).

Excerto da comunicação por mim proferida
no decurso do colóquio "RECENTRAR / Memória, Barro e Saber-fazer", 
que entre 20 e 21 de Setembro teve lugar no Castelo de Évora Monte,
 integrado no Encontro Nacional de Olaria.

As minhas primeiras memórias acerca da olaria de Estremoz são registos etnográficos e remontam aos tempos da minha infância. Têm a ver com o consumo de água em casa de meus pais. A água era guardada em cântaros de barro, o que constituía prática corrente em todas as casas da urbe até à inauguração da rede pública de abastecimento de água, em 26 de Maio de 1952.

Até então, a água era distribuída por aguadeiros que a acarretavam em cântaros de folha de Flandres ou de barro, transportados em cangalhas assentes no dorso de burros ou em divisórias de carroças para o transporte de água.  Recolhida nas fontes, assim ia parar à casa dos fregueses. À chegada, à porta da rua, a água era transvasada do cântaro que a transportara para um cântaro de barro do freguês.

Os aguadeiros eram figuras do quotidiano diário da época que ficaram perpetuadas na barrística de Estremoz.

Mulher das castanhas. Oficinas de Estremoz dos finais do
séc. XIX. Ex-colecção Emídio Viana.

Mulher das castanhas (1938). Ana das Peles (1869-1945).
 Ex-colecção Azinhal Abelho. 

Outras memórias igualmente da minha infância têm a ver com a venda de castanhas à porta das tabernas. Aí, mulheres sentadas em cadeiras, assavam castanhas em assadores de barro, aquecidos por fogareiros a carvão, igualmente de barro.

Tal como os aguadeiros também as mulheres das castanhas, como figuras do quotidiano diário da época, ficaram perpetuadas na barrística de Estremoz.

Qualquer das memórias desperta em mim outras memórias. Assim, a memória dos aguadeiros carrega consigo a memória da frescura e do sabor inigualável da água contida em recipiente de barro. Por outro lado, a memória das mulheres das castanhas transporta consigo o odor e o sabor das castanhas assadas. É caso para dizer que as memórias são como as cerejas, vêm umas atrás das outras.

Hernâni Matos

domingo, 28 de setembro de 2025

O guardador de memórias

 

Mestre Mário Lagartinho (1935-2016), decano da olaria e o último oleiro de
Estremoz. Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz / BMETZ –
Colecção Joaquim Vermelho.


Excerto da comunicação por mim proferida
no decurso do colóquio "RECENTRAR / Memória, Barro e Saber-fazer", 
que entre 20 e 21 de Setembro teve lugar no Castelo de Évora Monte,
 integrado no Encontro Nacional de Olaria.

Tenho o coleccionismo na massa do sangue. Sou geneticamente um coleccionador e cumulativamente um contador de estórias, não só de estórias reais, mas também das estórias que as coisas me contam sobre os segredos que a sua existência encerra.

Ao longo da minha vida de coleccionador reuni mais de 200 objectos oláricos de diferentes tipologias, morfologias, funcionalidades e tamanhos, os quais têm entre si um elo comum: foram produzidos pelas extintas olarias de Estremoz. São, pois, memórias do passado. Ao reunir um acervo pessoal dessas peças, tornei-me, eu próprio, um guardador de memórias.

Estas memórias guardadas, conjuntamente com muitas outras memórias, integram a chamada memória colectiva, a qual nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.

É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.

Como guardador de memórias, assumo-me como fiel guardião da nossa ancestral matriz identitária, incumbido duma nobre missão: a de transmitir às novas gerações, a importância e a riqueza da pluralidade do passado e das tradições do nosso povo, para que elas tenham consciência de que urge resistir a uma globalização castrante, que assimptoticamente procurará reduzir à chapa zero, as nossas identidades culturais, a nível local, regional e nacional.

Hernâni Matos

terça-feira, 23 de setembro de 2025

A ADOE no rescaldo do 1º Encontro Nacional de Olaria em Évora Monte

 



No passado dia 21 de Setembro tive o privilégio de participar no Castelo de Évora Monte no Colóquio “RECENTRAR - Memória, Barro e Saber-fazer“, integrado no Encontro Nacional de Olaria, que ali teve lugar.

A minha participação foi fruto do honroso convite que me foi formulado pela Senhora Doutora Mathilda Dias Coutinho, coordenadora do projecto de investigação 2LEGACY, no sentido de participar no Colóquio na qualidade de coleccionador e investigador da olaria de Estremoz, convite a que naturalmente acedi e que muito me congratulou.

A minha comunicação subordinada à epígrafe O guardador de memórias e acompanhada de projecção em PowerPoint, teve o seguinte epílogo:

O legado da antiga tradição oleira de Estremoz constitui indiscutivelmente Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal. O legado é caracterizado pela excelência dos exemplares oláricos que o integram, o que é revelador da exigência que constitui a sua recuperação e preservação, visando a salvaguarda da identidade cultural estremocense.

Nessa missão está envolvida a ADOE, cujos associados têm recebido formação continuada, ministrada por Mestre Xico Tarefa, visando o seu aperfeiçoamento técnico e artístico. Tal só foi possível com o apoio indispensável e insubstituível do Município de Estremoz e do CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património.


Se me permitem endereço aqui uma saudação muito especial à Inês Crujo, Presidente da ADOE – Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz, que é a timoneira encarregada de “levar o barco a bom porto”. Parafraseando “O Mostrengo”, da “Mensagem” de Fernando Pessoa, é caso para dizer: “Ali ao leme é mais do que ela. É um povo que quer a olaria que é sua”.


Por fim e os últimos são os primeiros, uma saudação também muito especial para Mestre Xico Tarefa, "decano" da olaria de Redondo, reconhecido pelo seu vigoroso contributo para a preservação da arte oleira, o qual tenho o privilégio de conhecer desde o I Encontro Regional de Olaria do Alto Alentejo, realizado em Vila Viçosa, em 1980, há 45 anos atrás. Tem sido ele que com a sua mestria de saber fazer”, empenho e dedicação que são o seu timbre, tem dado formação aos Adoeiros, desculpem-me o neologismo, para que estes sejam bem-sucedidos na nobre missão a que se propuseram: "Revitalizar a produção oleira tradicional de Estremoz. Bem hajam por isso.

Hernâni Matos

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Colóquio “RECENTRAR: Memória, Barro e Saber-fazer “- Encontro Nacional de Olaria

 


Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 17  de Setembro de 2025.

Nos dias 20 e 21 de setembro, o Castelo de Évora Monte recebe o colóquio "Recentrar: Memória, Barro e Saber-fazer", integrado no programa do Encontro Nacional de Olaria.

O colóquio constitui um espaço de reflexão e debate em torno da memória, do barro e das práticas tradicionais da olaria, reunindo investigadores de diversas instituições portuguesas, convidados de entidades ligadas ao património cultural e ao artesanato, bem como artesãos e colecionadores.

O encontro tem como objetivo aprofundar o diálogo entre o conhecimento académico e o saber-fazer tradicional, valorizando o património material e imaterial da cerâmica e contribuindo para a sua preservação e transmissão às gerações futuras.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Exposição "O Legado do barro de Estremoz"



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 18  de Setembro de 2025.

No próximo dia 19 de setembro, às 15:00 horas, será inaugurada, na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal Prof. Joaquim Vermelho, a exposição "O Legado do Barro de Estremoz".

A Exposição resulta do projeto de investigação 2LEGACY, dedicado à valorização do uso de barro endógeno — obtido a partir de argilas locais — na produção cerâmica tradicional. Com uma abordagem transdisciplinar, o projeto cruza história, antropologia, ciências exatas e artes, dando visibilidade à importância cultural e patrimonial deste saber-fazer.

A exposição reúne peças históricas de diferentes épocas e obras de olaria resultantes da recuperação do barro endógeno e das práticas tradicionais de Estremoz, realizadas em workshops e residências artísticas. O percurso expositivo acompanha todas as fases do projeto, destacando os processos de recolha, preparação e utilização do barro. Esta exposição é uma oportunidade para conhecer o património associado à olaria e barro de Estremoz.

O projeto de investigação, financiado pelo laboratório colaborativo IN2PAST, intitula-se Explorando o papel das matérias-primas na cerâmica tradicional portuguesa para resgatar o legado de Lepierre para o futuro: 2LEGACY (EXPL/In2Past/2024/15). Foi liderado pelo Laboratório HERCULES (UÉ/IN2PAST), em colaboração com o CRIA (NOVA FCSH/IN2PAST), o Lab2PT (UMinho/IN2PAST), a VICARTE (FCT-UNL/FBAUL), o CENIMAT (FCT-UNL) e a Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz (ADOE).

Contou com a parceria de instituições de referência como o Município de Estremoz, Sèvres – Manufacture et Musée Nationaux, a Fundação Alentejo, o Centro Ciência Viva de Estremoz, Museu da Olaria de Barcelos e a CEARTE.

Venha visitar!

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Colóquio "RECENTRAR / Memória, Barro e Saber-fazer" - Évora Monte, 20 e 21 de Setembro


No âmbito do ENCONTRO NACIONAL DE OLARIA que decorrerá no Castelo de Évora Monte entre 20 e 21 de Setembro, terá lugar o colóquio "RECENTRAR / Memória, Barro e Saber-fazer", que decorrerá naqueles dias, com intervenientes e horário indicados no cartaz do Colóquio, disponível aqui:




quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Museu do Neo-Realismo homenageia o estremocense Rogério Ribeiro



Sessão de homenagem a Rogério Ribeiro
No próximo dia 20 de Setembro, pelas 16 horas, decorrerá no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, uma sessão de homenagem ao pintor Rogério Ribeiro (1930-2008), no âmbito da exposição FAZER CRESCER A VIDA – ROGÉRIO RIBEIRO E O NEO-REALISMO, patente nos pisos 1 e 2 do Museu, e que se centra na fase neo-realista do artista.
A sessão conta com as presenças de Ana Isabel Ribeiro, filha de Rogério Ribeiro, José Luís Porfírio, museólogo e crítico de arte, António Mota Redol, em representação da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo e David Santos, director do Museu do Neo-Realismo. A entrada é livre.

Notas biográficas
Rogério Ribeiro nasceu em Estremoz em 1930, mas cerca de uma década depois já se encontra em Lisboa. Aí ingressa primeiro na Escola de Artes Decorativas António Arroio e depois na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde conclui a licenciatura em Pintura.
Nos anos 50, frequenta o atelier de Júlio Pomar, onde conhece Alice Jorge, Vasco Pereira da Conceição, Maria Barreira e Lima de Freitas. Tem depois o seu atelier com Cipriano Dourado.
Expõe pela primeira vez numa exposição colectiva na V Exposição Geral de Artes Plásticas (1950), sendo presença constante até à última dessas exposições (1956). A sua vasta obra desenvolve-se em diversas modalidades artísticas: pintura, gravura, ilustração, tapeçaria e azulejaria.
Em 1953 participa no Ciclo do arroz. Em 1956 foi um dos membros fundadores da Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, de cujo catálogo fez parte e na qual desenvolveu intensa actividade.
A sua carreira de professor inicia-se na Escola de Artes Decorativas António Arroio (1961), prossegue na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (anos 70) e mais tarde no Ar.Co (anos 80).
São de 1964 os primeiros trabalhos no âmbito do Design de Equipamento. Autor de cartões de tapeçaria, começou a colaborar com a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre em 1961.Desenvolveu intenso labor no âmbito da azulejaria e teve uma actividade intensa como ilustrador.
Dirigiu, desde 1988, a Galeria Municipal de Arte de Almada e a partir de 1993 foi Director da Casa da Cerca — Centro de Arte Contemporânea, em Almada.
Expôs colectivamente desde 1950 e individualmente desde 1954. Está representado em diversas colecções particulares, instituições privadas e museus, tanto em Portugal como no estrangeiro.

Rogério Ribeiro e Estremoz
Rogério Ribeiro vive em Estremoz a sua primeira infância. Os pais fixam-se em Lisboa em 1940, mas ao longo da sua vida, mantém laços estreitos com Estremoz, não só através de familiares aqui residentes, como de amigos como Aníbal Falcato Alves, Jacinto Varela, Armando Carmelo, Francisco Falcato, Joaquim Vermelho e outros. Nos anos 80 do séc. XX chega a utilizar como atelier, o edifício da antiga cadeia, cedido pelo Município.
Rogério Ribeiro foi co-autor do projecto da extinta Galeria de Desenho do Museu Municipal de Estremoz, conjuntamente com Armando Alves, Joaquim Vermelho, José Aurélio e outros, concretizado em 1983, tendo dado um valioso contributo para a recolha de obras de arte por doação de artistas plásticos, as quais integram actualmente as valiosas reservas do Museu Municipal de Estremoz – Professor Joaquim Vermelho.
Estremoz foi palco de três exposições do pintor: - “Rogério Ribeiro / Pintura, desenho e ilustração” (1981), na Biblioteca Municipal; – “Rogério Ribeiro / “Mudam-se os tempos, ficam as vontades” (2005), no Museu Municipal; – “Evocação e memória. Pintura e desenho de Rogério Ribeiro” (2013), na Galeria Municipal D. Dinis.
Em 2006, o Município de Estremoz, presidido por José Alberto Fateixa, outorgou ao artista plástico e a título póstumo, a Medalha de Mérito Municipal - Grau Ouro.
Em 2013, o Município de Estremoz, presidido por Luís Mourinha, perpetuou o nome do pintor na toponímia local, passando a partir daí a existir o topónimo Rua Mestre Rogério Ribeiro.

Todos a Vila Franca!
Rogério Ribeiro é uma figura cimeira das artes plásticas portuguesas com projecção internacional e filho ilustre de Estremoz, cuja vida e obra nos deve encher de orgulho. Daí que eu sugira o envolvimento naquela homenagem, dos estremocenses em geral e do Executivo Municipal de Estremoz em particular. Rogério Ribeiro merece isso e muito mais.


Rogério Ribeiro (1930-2008) na Fábrica Viúva Lamego. Fotografia de Rosa Reis.

Rogério Ribeiro à direita, de camisa branca, no seu atelier em finais dos anos 50, 
acompanhado da esquerda para a direita pelos seus amigos Aníbal Falcato Alves, 
Jacinto Varela e Francisco Alves. Painel fotográfico patente na exposição.