domingo, 24 de agosto de 2025

Berço com bébé, assobio de Maria Luísa da Conceição

 


Fig. 1 - Maria Luísa da Conceição. Berço com bébé (Fig. de assobio).


Preâmbulo
A figura de assobio que é objecto do presente escrito (Fig.1) foi adquirida por mim há cerca de 20 anos à barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015), no decurso de uma visita à sua oficina.
Trata-se de um exemplar invulgar e de produção restrita que foi criado a pedido de uma cliente para ser oferecida como lembrança duma festa de baptizado aos convidados. Terão sobrado alguns assobios e daí eu ter o privilégio de possuir um na minha colecção, à semelhança do que se passa com Jorge da Conceição, filho da barrista.

Descrição
Base achatada, de secção elíptica, pintada de branco, com o tubo de sopro numa das extremidades, na cor natural do barro. Na base (Fig. 2), as marcas: carimbo “ESTREMOZ” (2 cm x 0,8 cm), seguido da marca manuscrita “M. Luísa”.
O motivo central do assobio assente na base descrita é um berço de bébé, de fundo cor de rosa e supostamente para menina, dada a convenção tradicional de cores: cor de rosa (menina), azul (menino). A parte lateral do berço apresenta superfície ondulada, sem decoração alguma. A coberta do berço e o toldo encontram-se decoradas com o que configuram ser flores de corola branca e pétalas azuis. O topo da parte frontal do berço ostenta um laço decorativo em branco. A extremidade da coberta do berço virada para o interior do mesmo encontra-se oculta pela dobra de um lençol branco, junto ao qual assomam as mãozinhas do bébé e a cabecinha assente na almofada, também cor de rosa.

Epílogo
O berço com bébé é uma das mais invulgares criações que constituem o legado da barrista Maria Luísa da Conceição. Daí eu me congratular por ser um dos raros possuidores desta notável figura de assobio.

Hernâni Matos

Fig. 2 - Na base, as marcas: carimbo “ESTREMOZ” (2 cm x 0,8 cm), seguido da marca
manuscrita “M. Luísa”.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

79 voltas ao Sol

 

O passageiro terrestre com Fátima, sua mulher e Catarina, sua filha.

Escravo involuntário da atracção gravitacional, viajo pelo cosmos como passageiro terrestre. A minha velocidade translacional em relação ao Sol é de 30 Km/s ou seja 10.000 vezes mais lenta que a luz do Sol que nos ilumina. Não sou dado a grandes velocidades. Vão perceber porquê.

No passado dia 19 de Agosto concluí o meu 79º passeio solar. Convenhamos que começa a ser monótono, repetitivo e mesmo cansativo. Com a agravante de ter plena consciência de que como passageiro terrestre a duração do meu passeio ser finita, ainda que indeterminada.

O meu corpo em desagregação lenta mas inexorável como todos os outros, é regido pelas leis da Física Quântica. Daí que quando a minha viagem chegar ao fim, cumprir-se-á uma espécie de lei de Lavoisier generalizada, já que “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. A minha estrutura orgânica decompor-se-á numa miríade de átomos de elementos constitutivos da Tabela Periódica, com especial predominância de átomos de oxigénio, carbono, hidrogénio, azoto, cálcio, fósforo, potássio, enxofre, sódio, cloro e magnésio. Libertos do meu corpo irão desempenhar novos papéis, novas funções, novas missões, sabe-se lá quais. A minha decomposição orgânica será também acompanhada da libertação de energia que mantinha coesa a minha estrutura orgânica. Também ela irá desempenhar novos papéis, novas funções, novas missões.

O fim da viagem cósmica é um acto de libertação das amarras gravitacionais da matéria e do espaço-tempo-energia.  A partir daqui há um universo de crenças que não quero ferir por respeito às crenças que constituem um direito individual de cada um. Para além disso esta conversa já vai longa.

Como passageiros terrestres desta viagem cósmica em que nos vemos envolvidos, cumprimos rituais tribais cuja origem se perdem nos alvores do tempo. Uma delas é assinalar anualmente cada volta ao Sol em convívio e comunhão de espírito com a Família e amigos.

No dia em que completei a mais recente volta ao Sol, optei por me cingir à companhia da célula familiar e lá fui com a Fátima, minha mulher e a Catarina, minha filha, rumo à Mercearia Gadanha, prestigiado restaurante estremocense, que figura no Guia Michelin e onde fomos principescamente atendidos. Abstenho-me de revelar a ementa, mas asseguro-vos que o ritual tribal de comemorar mais uma volta completa ao Sol, foi deveras gratificante e reconfortante.

 Hernâni Matos


Imagem recolhida com a devida vénia no website da Gadanha Mercearia, em Estremoz.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Assobios devocionais

 

Fig. 1 - Maria Luísa da Conceição. Presépio de assobio.
Colecção particular.


O presépio de assobio
A produção dos barristas de Estremoz é diversificada e distribui-se pelas diferentes tipologias de Bonecos de Estremoz. Todavia é condicionada pela procura manifestada pelos clientes e mesmo pela época do ano. Daí que a aproximação do Natal aumente a procura e a produção de presépios. É significativo o número de coleccionadores de presépios, o que leva os barristas locais a diversificar a produção, na perspectiva de os seus clientes poderem adquirir novos exemplares para as suas colecções. Foi assim que a barrista Maria Luísa da Conceição (1934-2015), criou como me revelou, um tipo muito simples de presépio, representando a Natividade de Jesus (Fig. 1). A composição consta de uma Sagrada Família assente na base de uma figura de assobio conhecida por galo no arco. O conjunto continua a ser uma figura de assobio, que a barrista designou por presépio de assobio. Enquanto figura de assobio, integra uma nova categoria, que muito legitimamente pode ser designada por assobios devocionais. O exemplar gizado por Maria Luísa da Conceição, além de ostentar as suas marcas identitárias enquanto barrista de Estremoz, foi produzido tendo em conta a técnica de produção e a estética do Boneco de Estremoz.
Inês da Conceição (1985 - ), neta de Maria Luísa da Conceição e filha de Jorge da Conceição (1963- ), com as suas próprias marcas identitárias e igualmente no mais estrito respeito pela técnica de produção e estética do Boneco de Estremoz, criou um novo e ainda mais simples presépio de assobio (Fig. 2). Nele, a composição resume-se à representação da Natividade de Jesus assente na base do assobio. Naturalmente que a figura continua a ser um assobio devocional.

Santo António
À semelhança do que se passa com os presépios também a figura de Santo António é muito procurada junto dos barristas de Estremoz, os quais vão diversificando as representações, a fim de corresponder ao interesse manifestado pelos coleccionadores. Foi assim que Inês da Conceição criou uma figura de assobio (Fig. 3) na qual Santo António envergando o hábito franciscano ostenta os atributos que lhe estão associados: uma açucena branca na mão direita e o Menino Jesus sentado sobre o livro de Doutor da Igreja no braço esquerdo.
Também o barrista Carlos Alberto Alves (1958- ) criou uma figura de assobio (Fig. 4). na qual Santo António envergando o hábito franciscano, configura estar a pregar, segurando na mão esquerda o livro de Doutor da Igreja, ao mesmo tempo que gesticula com a mão direita. Sentado a seus pés, o Menino Jesus Salvador do Mundo sustenta o globo terrestre. Estamos em presença de um novo assobio devocional, desta feita com as marcas identitárias muito próprias do barrista, mas salvaguardando sempre a técnica de produção e a estética do Boneco de Estremoz.

Nossa Senhora
Outra figura muito procurada junto dos barristas de Estremoz é a imagem de Nossa Senhora pelo que não admira que a barrista Ana Catarina Grilo (1974- ) tenha criado um assobio devocional (Fig. 5) em que Nossa Senhora com um ar de enorme candura enverga um vestido de cor azul celeste, pejado de flores e tem a cabeça coberta por um lenço branco que lhe cai sobre os ombros.

Epílogo
Creio que com o tempo, a galeria de assobios devocionais possa vir a ser ampliada. Todavia, os exemplares conhecidos de momento, independentemente dos barristas que os produziram, cingem-se ao Presépio, a Santo António e a Nossa Senhora.


Fig. 2 - Inês da Conceição. Presépio de Assobio.
Colecção Hernãni Matos.

Fig. 3 - Inês da Conceição. Santo António (Figura de assobio).
Colecção Hernâni Matos,

Fig. 4 - Carlos Alberto Alves. Santo António (Figura de assobio).
Colecção Hernãni Matos.

Fig. 5 - Ana Catarina Grilo. Nossa Senhora (Figura de assobio).
Colecção Hernãni Matos.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Hernâni, meu velho amigo - António Simões


António Simões (1934- )

Poeta, professor, pedagogo e tradutor beringelense. Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra. Colaborador da imprensa regional: Brados do Alentejo (Estremoz) e Rodapé (Beja). Publicou poesia na imprensa nacional: Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Jornal de Letras, O Século. Publicou igualmente na imprensa regional: Revista Convívio (Coimbra). Obras: Soneto de água e outros (Poesia, 1994), A Festa das letras (Poesia, 1995), Minha mãe amassa o pão (Poesia, 2001), Antologia de Poesia Anglo-Americana (Bilingue, 2002), Amor é um Fogo que Arde sem se Ver e outros sonetos (Poesia, 2004). Traduziu para a Campo das Letras, a partir do Inglês, livros de Andy Warhol: Anjos, Anjos, Anjos e Amor, Amor, Amor e as histórias para crianças: Noite de Natal, É duro ter 5 anos e Babushka. Tem diversas traduções na antologia de poemas Os Dias do Amor, publicada em Janeiro de 2009 pela editora Ministério dos Livros.


Hernâni. meu velho amigo (*)
António Simões (1934- )



Hernâni, meu velho amigo
E grande coleccionista –
Quer o novo, quer antigo,
Vai comprar onde ele exista!


Assim que tu abalaste,
Pus-me a pensar no assunto.
Pensei pouco ou pensei muito,
Foi com muita ou pouca arte? –
Deixemos isso de parte,
Enquanto a rimar prossigo.
Eis a quadra, mais não digo,
Outros dirão, que não eu –
Minha mente a concebeu,
Hernâni, meu velho amigo.

A quadra já está feita,
E pra que não se esqueça,
Vai de e-mail, mais depressa.
‘spero que chegue direita.
Inspiração desta feita
Não se esquivou ao artista –
Não há ninguém que resista
Ao seu sagrado fulgor,
Hernâni que és professor
E grande coleccionista.

Neste frio mês de Janeiro,
Com vento e chuva feroz,
Às vezes ficamos sós
A pensar junto ao braseiro.
A gente pensa primeiro
No mundo cheio de p’rigo
Em que irmão é inimigo –
E tu segues porfiando,
Hernâni coleccionando,
Quer o novo, quem antigo.

Enquanto eu meditava,
Quem é coleccionador
Vai tratando com amor
Da peça coleccionada,
Antes ade a ter arrumada
Nalgum sítio bem à vista.
E pra que nunca desista
D’ampliar a colecção,
Objecto de estimação
Vai comprar onde ele exista.

António Simões (1934- )

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(*) – A propósito da quadra que me foi pedir para um mote integrado na evocação de Tomás Alçalcaide Alcaide (2011?).

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Todo o mundo é composto de mudança

 

Galo no poleiro. Jorge da Conceição.


Prólogo
O barrista é um contador de estórias em barro. Lá diz o rifão que “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Por vezes, o ponto acrescentado gera uma nova qualidade e ocorre uma mudança de paradigma. Vejamos dois casos em que tal ocorreu.

Jorge da Conceição e o galo no poleiro
Uma figura tradicional de assobio zoomórfico em barro vermelho de Estremoz é o chamado galo no poleiro, o qual com configuração e decoração variável, tem sido produzido pelos barristas locais no decurso do tempo.
Na representação do galo no poleiro de Jorge da Conceição, ocorreu uma mudança de paradigma. O poleiro assumiu a configuração das costas de uma cadeira com a decoração dos tradicionais móveis pintados alentejanos. Com esta inovação, a matriz identitária da figura de assobio de Estremoz sai reforçada, pois a decoração é como que uma proclamação certificadora de que estamos em presença de uma figura de assobio alentejana. De Estremoz, pois claro!

Inês da Conceição e as figuras zoomórficas no mocho
Inês da Conceição, filha de Jorge da Conceição, tem produzido figuras zoomórficas de assobio, de base ovóide, semelhante à dos assobios zoomórficos de seu pai. A modelação ainda que expressiva é agora mais simplificada. O tubo de sopro, de cor verde bandeira, é igualmente adoçado na embocadura.
As bases apresentam um fundo verde bandeira tal como as bases dos assobios de seu pai. Encontram-se igualmente pintalgadas com pintas brancas, amarelas, laranja e zarcão, de forma igualmente regular, pouco espaçadas e mesmo parcialmente sobrepostas. Todavia, as pintas são agora mais miudinhas.
As figuras estão sempre viradas para o lado do tubo de sopro, numa posição centrada com a base ovóide. Todavia, as figuras não assentam directamente na base ovóide, mas num mocho cujos pés é que assentam nessa base.
O mocho é uma peça de mobiliário tradicional alentejano pintado que corresponde a um assento de 4 pés e sem costas, com a particularidade de o assento ser em buinho e os pés se encontrarem decorados com a pintura tradicional alentejana.
A introdução do mocho na composição da figura de assobio, potencia a sua matriz identitária de figura de assobio alentejana de Estremoz. Ocorreu aqui também uma mudança de paradigma, à semelhança do que se passara com o galo no poleiro de Jorge da Conceição. É caso para dizer “Filha de peixe sabe nadar” ou então “Tal pai, tal filha”.

Epílogo
À laia de remate seja-me permitido citar Camões:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

Galo no mocho. Inês da Conceição.


Cão no mocho. Inês da Conceição.

Gato no mocho. Inês da Conceição.

sábado, 16 de agosto de 2025

Quando as bilhas de Estremoz se passeavam por Sintra e frequentavam as praias da região

 

Fig. 1

O Mercado das Velharias em Estremoz continua a ser uma fonte inesgotável de agradáveis surpresas. Desta vez foi a descoberta de um objecto olárico feito à roda, mais propriamente uma bilha de barro vermelho (Fig. 1), com morfologia corrente e desprovida de decoração. O aspecto superficial não a torna atractiva, já que ostenta inevitáveis marcas de desgaste pelo tempo. O interesse em mim despertado resultou de duas particularidades por mim observadas.
A primeira, a qual salta à vista, é a existência na parte superior do bojo, do lado oposto à asa, de uma inscrição em alto relevo, orlada por um rectângulo e com os seguintes dizeres distribuídos por 3 linhas “AGUA DE MESA / FONTE DAS DAMAS / CAPUCHOS” (Fig. 2 e Fig. 3).
A segunda, situada acima daquela inscrição, é a marca de fabrico da Olaria Alfacinha, já por mim descrita anteriormente [i] : MARCA TIPO 2 - Marca “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, aposta por carimbo, inscrita numa coroa circular de 2,3 cm e 1,4 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. As inscrições “OLARIA ALFACINHA” e “ESTREMOZ” encontram-se separadas por duas cruzes trevoladas (Fig. 4 e Fig. 5).
Segundo consegui apurar, a “Fonte das Damas” situava-se junto ao “Convento dos Capuchos”, na freguesia de Colares, pertencente ao concelho de Sintra. No 1º quartel do séc. XX a água da Fonte das Damas era comercializada, transportada por burros em bilhas de barro e vendida na Vila de Sintra e nas praias da região. As bilhas, é claro, eram bilhas de Estremoz que com a ajuda de burros se davam ao luxo de passear por Sintra e frequentar as praias da região. Olha que chique!


Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5

sábado, 2 de agosto de 2025

Dia de Sortes

 

Dia de Sortes. Modelação de Carlos Alberto Alves. Pintura de Cristina Malaquias.
Colecção Hernâni Matos

O Serviço Militar Obrigatório
Nos anos 60 do século passado, Portugal esteve envolvido numa guerra colonial contra os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Em Angola desde 1961, na Guiné-Bissau desde 1963 e em Moçambique desde 1964.
Estava em vigor o Serviço Militar Obrigatório, cujo principal objectivo, de acordo com a legislação em vigor, era a defesa da Pátria.

A ida às Inspecções
Aos 18/19 anos os jovens eram convocados para as “Inspecções”. Tratava-se da inspecção militar, que consistia em provas físicas e médicas, visando determinar se os mancebos estavam ou não aptos para serem incorporados no Serviço Militar Obrigatório.
Em Estremoz, as inspecções decorriam no 1º andar do Convento de São João de Deus, onde hoje funciona a Messe de Sargentos e que na época albergava o Hospital Militar.
Identificada à chegada, a rapaziada era mandada “descascar” numa sala e formar em “fila indiana” tal como tinha vindo a este mundo, até ser inspeccionada por uma Junta Médica a funcionar numa sala vizinha. Ali ficavam a saber se tinham sido apurados, ficado livres ou adiados por mais um ano na incorporação militar.

Uma Junta Médica zelosa
Em plena guerra colonial e com falta de carne para canhão, eram dominantes os apurados e raros os livres. Todavia foi este o meu caso, visto que há pouco mais dum ano, vítima dum acidente de viação, vira parte de uma perna amputada ser substituída por uma rudimentar prótese ortopédica. Apesar de tudo, não fiquei livre por simples inspecção visual, já que os senhores “inspectores” me mandaram tirar a prótese ortopédica para eu provar que tinha falta de perna e não havia “marosca” nenhuma para enganar a Junta Médica.

O ingresso na tropa
Os apurados nas inspecções eram incorporados no ano em que cumpriam o 20.º aniversário. Contudo, o período de incorporação podia alargar-se até aos 34 anos se os convocados, vivessem no estrangeiro, estivessem a estudar ou se tivessem um irmão a cumprir serviço no momento da incorporação
No tempo da guerra colonial (1961/1974) o tempo de "tropa" podia chegar a quatro anos ou mais.

Dia de Sortes
O “Dia das Inspecções” era na gíria popular conhecido por “Dia de Sortes”, designação devida ao facto de ser nesse dia que cada mancebo inspeccionado ficava a saber qual a “sorte” que lhe tinha cabido na inspecção militar: apurado, livre ou adiado. A cada sorte estava associada simbolicamente uma fita colorida, de acordo com a seguinte convenção: APURADO=VERDE, LIVRE=VERMELHO, ADIADO=BRANCO.
À saída das inspecções cada jovem identificava-se com a “sorte” que lhe tinha cabido. Para tal exibia a correspondente fita colorida, pregada no peito, no boné ou no chapéu. À sua espera um tocador de harmónio contratado que os acompanhava pelas ruas da cidade, enquanto cada um deles tocava a sua própria pandeireta. Era um modo simples e tradicional de partilhar com a comunidade, o conhecimento da “sorte” que lhe tinha cabido. Era de certo modo, um ritual de puberdade que se extinguiu tal como o Serviço Militar Obrigatório. Era um rito que incluía uma almoçarada bem comida e bem regada que prosseguia pela tarde fora, até o mais ajuizado do grupo, dar ordem de destroçar.