sexta-feira, 15 de agosto de 2025

SANTO ANTÓNIO NA TRADIÇÃO POPULAR ESTREMOCENSE (Conferência no Museu Municipal de Estremoz)


Fig. 1 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.


“Santo António na Tradição Popular Estremocense” foi o tema da conferência proferida pelo professor Hernâni Matos, no passado sábado, dia 22 de Junho, pelas 17 horas, no Museu Municipal de Estremoz. A dissertação, à qual assistiram mais de duas dezenas de pessoas, foi acompanhada de projecções multimédia (Fig. 2).
O orador começou por fazer uma súmula da vida de Santo António, afirmando seguidamente que o culto do Santo foi incentivado em Estremoz pelos religiosos da ordem de S. Francisco de Assis, sediados no Convento de S. Francisco (Fig. 3), desde os primórdios da sua construção no século XIII, em data imprecisa, balizada pelos reinados de D. Sancho II – D. Afonso III (1239-1255). Sublinhou também que a circunstância de o dia festivo de Santo António (13 de Junho) coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares. Daí que nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado, houvesse arraiais decorados com mastros e tronos de Santo António no Largo do Almeida, nas traseiras da Igreja de Santo André, no largo General Graça e no Pátio dos Solares, na noite de 12 para 13 de Junho. Houve também a tradição das Marchas Populares, as primeiras das quais tiveram lugar em Estremoz na noite de Santo António em 1948, numa organização da Banda Municipal, tendo as marchas desfilado desde o Pelourinho até à Esplanada Parque, onde se exibiram. Apresentaram-se a concurso quatro marchas: do Outeiro, da Escola Industrial e Comercial de Estremoz, do Castelo e de Santa Catarina. Uma das marchas vencedoras foi a Marcha do Outeiro (Fig. 4), do tradicional bairro dos oleiros e bonequeiras, que tinha música de João Manaças e letra de Luís Rui (Fig. 5), pseudónimo literário de Joaquim Vermelho, posteriormente estudioso da nossa barrística popular.
Continuando, o conferencista concluiu que a popularidade do culto antoniano levou o povo a recriar pequenos altares nas suas casas e a ter o Santo exposto em oratórios. A procura de imagens estará na origem do aparecimento da figura de Santo António na barrística popular estremocense. Como fontes de inspiração possível apontou: - A imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz, situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758 (Fig. 6); - A Imagem seiscentista de Santo António em mármore branco existente no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz (Fig. 7).
Na sequência da sua exposição, o prelector deu conhecimento que no acervo do Museu Municipal de Estremoz existem imagens que vão desde o século XVIII até à actualidade e com dimensões e atributos variáveis, tendo passado em revista algumas dessas imagens, bem como outras pertencentes a colecções particulares (Fig. 8 a Fig. 17).
A finalizar a sua dissertação, o discursante concluiu ser vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António, debruçando-se ali sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares (encomendações e responsos) e cancioneiro popular alentejano, reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural. Já no fim, congratulou-se com a candidatura dos bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade.
A sessão terminou com um debate com a assistência.

Texto inicialmente publicado a 26 de junho de 2013

Fig. 2 - Um aspecto da assistência à conferência.

Fig. 3 - Convento de São Francisco em Estremoz, nos finais do séc. XIX.
Fotografia do Arquivo Hernâni Matos.
 
Fig. 4 - Marcha do Outeiro, vencedora do concurso de Marchas Populares de Estremoz, em 1948. 
Fotografia cedida pela Biblioteca Municipal de Estremoz / Arquivo Fotográfico.

Fig. 5 – Letra da Marcha do Outeiro (1948),
da autoria de Luís Rui, pseudónimo literário
de Joaquim Vermelho (1927-2002). 

Fig. 6 - Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em Estremoz,
 situado no lado esquerdo da Capela Maior e referenciada nas
Memórias Paroquiais de 1758. 

Fig. 7 - Santo António. Imagem seiscentista em mármore branco, existente
no nicho da parte superior das Portas de Santo António, em Estremoz. 

Fig. 8 - Santo António (séc. XVIII). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 9 - Santo António (séc. XIX). Oficinas de Estremoz.
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 10 - Santo António (séc. XX). Mariano da Conceição.
Colecção Museu Rural de Estremoz .

Fig. 11 - Santo António (séc. XX). Sabina Santos.
Colecção Sabina Santos. Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 12 - Santo António (séc. XX). José Moreira.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 13 - Santo António (séc. XX). Liberdade da Conceição.
Colecção Hernâni Matos. 

Fig. 14 - Santo António (séc. XX). Quirina Marmelo.
Colecção Irmãs Flores. 

Fig. 15 - Santo António (séc. XX-XXI). Luísa da Conceição.
Colecção Luísa da Conceição. 

Fig. 16 - Santo António (séc. XX-XXI). Irmãs Flores.
Colecção Museu Municipal de Estremoz. 

Fig. 17 - Santo António (séc. XXI). Ricardo Fonseca.
Colecção Hernâni Matos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Arte pastoril alentejana


Colher (Dimensões: 31 x 8,5 cm; Peso: 82 g)Executada em 1974 em pau de bucho,
levou 35 horas a ser confeccionada e custou na época, 350$00, o que corresponde
hoje a 53,6 €. Colecção particular.

Tão certo como o Alentejo não ter sombra, senão a que vem do céu, é que sem sombra de dúvida, a arte pastoril alentejana é uma das mais ricas e expressivas manifestações de arte popular portuguesa.
Com uma simples navalha, ora se escava a madeira em baixo ou alto-relevo, ora se borda artística filigrana que nos faz lembrar o ouro minhoto. O motivo é fruto do imaginário do artista popular e tem sempre um significado expresso na pauta, muitas vezes de madeira, mas também de cortiça e de chifre, tal como um virtuoso violinista que com o seu preciso arco, faz vibrar as tensas cordas do seu violino. A sinfonia é a mesma. A peça executada tem sempre uma função para a qual foi concebida e executada: a de poder ser utilizada ou como forma de expressar a paixão nutrida pela mulher amada ou o respeito e consideração pelo patrão que dá trabalho. São certezas ancestrais que remontam à memória dos tempos. São estados de alma e convicções profundas que registam magistralmente naquilo que a terra dá, os traços indeléveis da identidade cultural alentejana.

Publicado inicialmente em 8 de Maio de 2015

Garfo (dimensões: (24 x 3,5 cm; Peso: 26 g).  Executado em 1973 em pau de
bucho. Em 1985 era vendido por 2000$00, o que corresponde hoje a 112,5 €.
Colecção particular.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Poetas em defesa da olaria de Estremoz - 03


António Sardinha (1887-1925)
Político, historiador e poeta, natural de Monforte – OBRA POÉTICA:  - Quando as
Nascentes Despertam (1821); - Tronco Reverdecido (1910); - Epopeia da Planície
(1915); - Na Corte da Saudade (1922) - Chuva da Tarde (1923); - Era uma Vez um
Menino (1926); - O Roubo da Europa (1931); - Pequena Casa Lusitana (1937).

O elogio do púcaro

Tu és a minha companha,
eu tenho-te á cabeceira
ó pucarinho de barro,
enfeite da cantareira.

Amigo certo e sabido,
matas a sede e o calor.
Tu vales mais do que pesas,
não se te paga o valor!

Meu bocadinho de barro,
chiando como um cortiço,
tu dás-te com toda a gente,
não te deshonras por isso!

Prantas a agua fresquinha,
sem ti não passa ninguem.
Mimo de reis e de bispos,
não custas mais que um vintem!

Assim, singelo e sem pompa,
ganhaste fama a Estremoz.
Ah, desgraçado daquele
que nunca a bôca te pôs!

És a cubiça das velhas,
contigo se enche um mercado.
Então a vista que metes,
quando tu és empedrado?!

Quero casar-me. Já tenho
dois pucarinhos pequenos.
Pois, p'ra principio de arranjo,
outros começam com menos!

- Amor, se fôres á feira
traz-me uma prenda galante.
Não tragas nada do ourives,
- um pucarinho é bastante!

Vae alta a febre, vae alta,
- p'ra que é que os médicos são?
Ó pucarinho de barro,
acode a esse febrão!

Eu nunca vi neste mundo,
que é gastador e que é louco,
coisa que tanto valesse,
mas que custasse tão pouco!

Assim, singelo e sem pompa,
tu déste fama a Estremoz!
- Ah, desgraçado daquele
 que nunca á bôca te pôs!
Hernâni Matos
Publicado em 5 de Março de 2017

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Poetas em defesa da olaria de Estremoz - 07


Maria de Santa Isabel (1910-1992).
 Pseudónimo literário de Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos
Alcaide, poetisa estremocense. OBRA POÉTICA: - Flor de Esteva (1948); - Solidão Maior
(1957); - Terra Ardente (1961); - Fronteira de Bruma (1997); - Poesia Inédita (A editar).

Pucarinhos de barro

Pucarinhos de barro, quem me dera
Sentir, na minha boca, essa frescura
Da vossa água perfumada e pura,
Que me traz o sabor da primavera!

Quanta boca ansiosa vos procura,
Num símbolo de crença e de quiméra
Simples imagem viva, bem sincera,
Dum mundo de ilusões e de ternura!

Meus santos pucarinhos, milagrosos,
Cumprindo as gratas obras do Senhor,
Dando a beber aos lábios sequiosos

Minha boca vos beija com fervor,
Como se, noutros tempos luminosos,
Beijasse ainda o meu primeiro amor!

Publicado pela 1ª vez em 8 de Abril de 2017

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Bonecos de Estremoz: Duarte Catela


Duarte Catela (1988-  ). Fotografia de 2018 da autoria de Joana Serrano.
Arquivo fotográfico do autor. 

Duarte Miguel Menezes Catela nasceu a 4 de Fevereiro de 1988, nas traseiras da Rua Alexandre Herculano, n.º 33 em Estremoz. Filho legítimo de Luís Miguel Ramalho Catela, de 22 anos e de Helena Maria Lopes Bravo Menezes Catela, de 22 anos. É bisneto dos barristas António Lino de Sousa (1918-1982) e Quirina Alice Marmelo (1922-2009). Frequentou a Escola Secundária Rainha Santa Isabel, em Estremoz, na qual concluiu em 2006, o 12º do Agrupamento 1 – Curso de Carácter Geral. Tem o curso de Hotelaria da Escola Profissional de Hotelaria e Turismo de Lisboa, concluído em 2009.  Começou a trabalhar na Pousada de Sagres e passou a sub-chefe de cozinha nas Pousadas de Portugal, permanecendo nessa condição na Pousada de Queluz. Actualmente é chefe de cozinha na Pousada de Palmela e no Restaurante Cozinha Velha (Palácio Nacional de Queluz). O seu interesse pelos Bonecos de Estremoz remonta à juventude quando, à guarda da bisavó, a observava na modelação e pintura dos Bonecos, acabando por seguir o seu padrão de execução, ao mesmo tempo que utiliza os moldes das faces que dela herdou. Cozinheiro de profissão, procura conciliar a actividade profissional com a arte bonequeira que herdou da família. Modela os Bonecos na sua residência em Lisboa e estes depois de secos, são transportados para Estremoz onde são cozidos na mufla eléctrica que pertenceu à sua bisavó Quirina Marmelo e se encontra na antiga oficina-loja na Rua Arco de Santarém, nº 4, onde moram os seus avós. Em Estremoz, a sua mãe Helena Catela, colabora na pintura dos Bonecos. A venda dos seus Bonecos é feita no Museu Municipal de Estremoz, na Mercearia Figo no Rossio Marquês de Pombal n.º 73 em Estremoz e directamente a clientes que lhe fazem encomendas. Em Estremoz tem participado na FIAPE, já expôs individualmente e tem participado em exposições colectivas, bem como em feiras onde não estando presente, está representado no stand da Câmara Municipal de Estremoz.

Publicado inicialemente em 17 de Março de 2020


Presépio de 3 figuras.

 Nossa Senhora da Conceição.

 Nossa Senhora dos Mártires.

 Matança do porco - 1.

Matança do porco - 2.
  
Pastor de tarro e manta.
  
 Homem do harmónio.

 Pastor debaixo da árvore.

 Ceifeiro.

Cozinha dos ganhões.
  
 Mondadeira.

 Mulher das castanhas.

 Senhora ao toucador.

 Primavera de arco.

Amor é cego.

domingo, 10 de agosto de 2025

A ânsia de toda a beleza do mundo



O cancioneiro popular encarregou-se de "arranjar um par de botas" aos sapateiros, que geralmente nele são mal vistos. Talvez porque haja repentistas que são autênticas "linguinhas de prata":

“Sapateiros e alfaiates
São uma súcia de ladrões:
Sapateiro furta a sola,
Alfaiate, os botões.” [1]

Já a nível da arte pastoril, parece existir maior apreço pelos sapateiros, uma vez que na solidão eremítica da charneca alentejana, o rabadão que já fora zagal e já andara descalço, sabia o que era andar a pé limpo por sobre a terra escaldante, as rochas angulosas ou a vegetação parente do saramago.
Quem anda a pé limpo, tem um pé blindado, que só encontra parente próximo nas mãos do cortiçeiro envolvido em tórrida e recente despela.
Quantos não foram os camponeses alentejanos que usaram calçado pela primeira vez, quando foram à tropa?
Por isso, o camponês alentejano era capaz de exaltar e mitificar coisas aparentemente comezinhas, como o calçado.
É o caso deste sapato (9, 5 x 2 x 3 cm), talhado e bordado em madeira, por quem se identificou com a obra e resolveu deixar na sola, a sua marca de criador: JMV.
Comprado no Mercado das Velharias em Estremoz, mercado de memórias, onde eu faço parte da “mobília”, na qualidade de comprador.
Não é um sapato frívolo de quem anda envolvido em danças de salão. É um sapato sóbrio e austero, nascido da alma de quem conhece a dureza do que é andar a pé limpo num solo que corta como lancetas. Mas é um sapato bordado, porque o camponês, servo da gleba, tinha na sua alma, a ânsia de toda a beleza do mundo.

[1] – ALCÁÇOVAS – Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume I. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1975.

Publicado em 6 de Setembro de 2010

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Jorge da Conceição e a bailadeira de arco



Bailadeira de arco. Jorge da Conceição (1963-   ).

Dentre as várias bailadeiras de arco criadas por Jorge da Conceição, houve uma que despertou a minha particular atenção, não só pela modelação perfeita como é timbre do barrista, como pelo seu rico cromatismo, do qual transparece e irradia forte carga simbólica.
Em termos de modelação, seja-me permitido parafrasear a linguagem dos jogadores de póquer, que quando não têm jogo, clamam:
- Passo!
Eu também passo, já que não tenho palavras para traduzir, o quanto gosto da modelação. Todavia, sempre sou levado a dizer que para além do mais rigoroso respeito pela modelação ao modo de Estremoz, ocorre aqui uma mudança de paradigma. A demanda de perfeição pelo barrista, faz guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.
Em termos estéticos e para além da modelação fortemente naturalista, ressalta sobre um ponto de vista cromático, uma pentacromia harmoniosa, sabiamente escolhida com recurso a uma cor fria (verde – 2 tonalidades), duas cores quentes (zarcão – 2 tonalidades; amarelo – 2 tonalidades) e duas cores neutras (branco e castanho).
As cores quentes e o branco simbolizam a luminosidade da estação. O desabrochar e o reverdecer da natureza estão traduzidos pelo verde do vestido e da base da figura, bem como pelo verde das flores do arco e das folhas do buquê. A ligação da Primavera à natureza e à terra, é assegurada pelo castanho da orla da base da figura.
A finalizar, observo que a criação do barrista revela duas inovações. Uma delas é a introdução de pormenores morfológicos na modelação das flores do arco. A segunda é a utilização da simetria por alternância, na disposição dessas mesmas flores, a qual reforça a harmonia de conjunto.
Em suma: o barrista é credor da nossa admiração, pelo que lhe endereço os meus parabéns por este trabalho. E é claro, um grande abraço. Pois, claro!

Publicado em 8 de Agosto de 2021