terça-feira, 1 de abril de 2025

Rua de Santo André em Estremoz vai ter cara lavada

 


Estremoz, 1 de Abril de 2025

Foi tornado público que o Município de Estremoz deliberou recentemente regularizar a intransitável calçada da Rua de Santo André, bem como combater o estacionamento selvagem ali patente.

Trata-se de um gesto de elevada compreensão pelas dificuldades sentidas pelo trânsito pedonal naquela artéria citadina.

Trata-se igualmente de um gesto magnânimo relativamente aos peões que por ali se vêem forçados a transitar, não só moradores como também clientes dos estabelecimentos comerciais instalados naquela via urbana.

Pessoalmente, congratulo-me com o alcance social das providências tomadas pelo Município.

Bem hajam!

Hernâni Matos

(Morador há 52 anos na Rua de Santo André,
onde até ao presente era frequente ouvi-lo vociferar:
- ONDE É QUE JÁ SE VIU UMA RUA ASSIM!)

domingo, 16 de março de 2025

Espiga Pinto, presente!


Espiga Pinto (1940-2014), no início dos anos 60 do séc. XX.


Espiga Pinto, presente!
(No 85º aniversário do seu nascimento)

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A Obra de Espiga Pinto na sua fase dos anos 60 do século 20, interpreta duma forma magistral as mais variadas cenas da vida agro-pastoril do Alentejo de antanho. Por isso, os seus trabalhos são um reflexo da identidade cultural alentejana. Daí a emoção estética e regionalista que a sua obra desperta.

Os sobrenomes “Espiga” e “Pinto”, atribuídos na pia baptismal, terão sido, porventura, o prenúncio de que a sua obra de artista plástico, iria abordar o “agro” (Espiga) e o “pastoril” (Pinto).

Espiga Pinto (1940-2014), natural de Vila Viçosa, pintor da 3ª Geração Modernista e da fase tardia do Neo-realismo, foi professor na Escola Industrial e Comercial de Estremoz (1960-1965), era eu adolescente e já admirava a sua Obra. Muitos anos mais tarde e já neste século, tive o privilégio de falar com ele algumas vezes em Estremoz. Uma das suas preocupações na época era a dificuldade que estava a sentir com a Câmara Municipal de Vila Viçosa, no sentido de esta lhe assegurar um edifício que pudesse funcionar como espaço exposicional, o qual permitisse alojar o seu legado, de modo que o público pudesse usufruir do conhecimento da sua Vida e da sua Obra.

Neste momento, parece que o actual executivo municipal de Vila Viçosa está interessado em concretizar a intenção do artista. Vejamos o que o futuro nos reserva.

A importância da obra de Espiga Pinto é consensual entre “quem percebe da poda” e justifica plenamente o empenhamento da comunidade no sentido de que o desejo do artista se torne realidade.

A exposição “Espiga Pinto – Memórias do Alentejo”, promovida pela Galeria Howard’s Folly e o Legado de Espiga Pinto, no espaço daquela Galeria, por ocasião da celebração do 85º aniversário do nascimento do artista, decerto que irá aumentar e reforçar as hostes dos admiradores da sua Vida e da sua Obra, o que constituirá um justificado motivo de júbilo para o universo dos seus admiradores, entre os quais humildemente me posiciono.

Estremoz, 16 de Março de 2025

sábado, 15 de março de 2025

Tocador de ronca

 

Tocador de ronca. Modelação de Carlos Alves. 
Pintura de Cristina Malaquias.

No Alentejo de outrora, grupos de homens agasalhados do frio, percorriam as ruas dos povoados em compasso lento e solene, entoando cantares de Natal ou das Janeiras. Paravam aqui e ali, para dedicar os seus cantos aos moradores de determinadas casas. Os cantares eram acompanhados pelo som, grave e fundo, das roncas percutidas por tocadores. A ronca é um instrumento musical tradicional do Alentejo, pertencente à classe dos membranofones de fricção. Ainda pode ser encontrado na zona raiana (região de Portalegre, Elvas, Terrugem e Campo Maior).

Hernâni Matos

sexta-feira, 14 de março de 2025

Exposição "Memórias do Alentejo" de José Manuel Espiga Pinto na Galeria Howard's Folly

 



Transcrito com a devida vénia de
do jornal E, nº 352,
de 14 de Março de 2025

A Galeria Howard’s Folly, em Estremoz, e o Legado de Espiga Pinto vão apresentar, no espaço daquela galeria, a exposição “Memórias do Alentejo”, por ocasião da celebração do 85º aniversário do artista plástico José Manuel Espiga Pinto (1940-2014).

A mostra, que inclui pintura, desenho e escultura, vai estar patente ao público entre 16 de março e 27 de abril e conta com o apoio institucional da BIALE, Bienal Internacional do Alentejo 2025.

As peças expostas, criadas na década de 60, aquando do regresso de Espiga ao Alentejo, refletem a excelência do seu período neorrealista e a infância do artista em Vila Viçosa.

A mostra integra peças em diversos suportes, desde a pintura, trabalhos sobre papel, desenho em tinta-da-china sobre cortiça escultura em bronze. A imagem representa a vida típica do Alentejo histórico, com composições que incluem o cavalo, o touro, a roda, a carroça, a apanha da azeitona, os agricultores, a camponesa e as festas locais.

“Roda”, de 1965, é a obra que sobressai pelo seu valor icónico, com tons laranja evocando a luz do amanhecer sobre a carroça no labor matinal nos campos e representando o símbolo de continuidade da vida. As peças escolhidas, nos vários suportes, continuam a complementar e a ecoar a roda ao longo da exposição.

A roda é um dos principais elementos recorrentes da iconografia de Espiga Pinto, presente em todas as suas fases subsequentes. A exposição centra-se nestes primeiros trabalhos da década de 1960, a “Série do Alentejo”, proporcionando uma narrativa de caráter histórico inspirada no profundo afeto do artista pela sua cultura.

Nascido em Vila Viçosa, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, Espiga Pinto estudou escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, tendo sido distinguido com importantes prémios e distinções ao longo da vida pela sua contribuição multidisciplinar para as artes.

Foi membro da Academia Nacional de Belas Artes. As memórias e a ligação à vida rural no Alentejo influenciariam toda a sua obra. Espiga afirmou que foi na sua chegada a Estremoz, tinha então cerca de 20 anos, que assumiu como “sentido cósmico” para a sua vida “cantar o Alentejo”, explorando as principais formas figurativas e temas recorrentes, que mais tarde se tornariam a base para o simbolismo cósmico, patentes ao longo de uma extensa carreira de mais de 60 anos.

A arte de Espiga está amplamente estabelecida dentro e fora de Portugal, contando mais de 80 exposições individuais, com uma multiplicidade de obras em locais públicos e trabalhos presentes em prestigiadas coleções. Obras de Espiga foram recentemente incluídas em importantes exposições coletivas: Jaime Isidoro e Vila Nova de Gaia; 50 anos após os 1ºs Encontros Internacionais de Arte (2024), NEO-REALISMO – Memórias Guardadas do Acervo de Hernâni Matos (2024), Uma Terna (e Política) Contemplação do que Vive, obras da coleção Norlinda e José Lima (2023), 60º Aniversário da Cooperativa Árvore (2023) e Contra a Abstração, Obras da Coleção da Caixa Geral de Depósitos (2019).

Em 2020, Penelope Curtis, então Diretora na Fundação Calouste Gulbenkian, selecionou mais de 50 importantes obras, ampliando o já significativo conjunto de obras de Espiga na coleção do CAM – Centro De Arte Moderna Gulbenkian, incluindo peças associadas à temática da presente exposição.

O legado de Espiga Pinto preserva a obra e o acervo biográfico deste extraordinário artista, estando em curso uma extensa investigação com vista à elaboração de um catálogo raisonné. Esta exposição tem a curadoria de Amie Conway e Alex Cousens, profissionais independentes com um longo trajeto nas artes, baseados em Londres, Reino Unido, trabalhando diretamente com os dois herdeiros, Aurora e Leonardo Espiga Pinto, filha e filho, respetivamente. As obras são provenientes da coleção que o próprio artista cuidadosamente construiu, com agradecimentos pelo empréstimo de outras obras por parte de importantes coleções particulares.

Além do apoio institucional da BIALE 2025, esta exposição tem ainda o apoio da The Sovereign Art Foundation, do Grupo de Hotéis Marmóris, da Galeria Alvarez, da Galeria Aqui d’El Arte – CECHAP, da T.ARTe Collage.pt.

“A galeria do The Folly recebe normalmente artistas contemporâneos locais, mas estamos muito satisfeitos por, desta vez, recebermos um verdadeiro ícone da cena artística local que, infelizmente, já não está entre nós. Ter um artista desta estatura a expor na nossa galeria durante a BIALE do Alentejo é, na nossa opinião, muito propício” refere Howard Bilton, proprietário da Howard’s Folly e presidente da The Sovereign Art Foundation.

Aurora e  Leonardo Espiga Pinto, filhos do artista asseguram que “o regresso de Espiga Pinto ao seu Alentejo, e a Estremoz, tem um enorme significado. Esta é a primeira exposição de desenho, pintura e escultura de Espiga Pinto desde o seu falecimento. Além disso, a sua célebre “Série do Alentejo” (década de 1960) não era mostrada ao público há 15 anos. E, finalmente, a exposição tem lugar em Estremoz, lugar onde o nosso pai viveu e criou estas mesmas peças, na sua casa-atelier”.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Tocadora de adufe

 

Tocadora de adufe do rancho do acabamento da azeitona.
Modelação de Carlos Alves. Pintura de Cristina Malaquias.

No Alentejo de antanho, no termo de Estremoz, terminada a safra da azeitona, o rancho da apanha dirigia-se ao monte do lavrador a agradecer a concessão do trabalho sazonal então terminado.
Com um avental confeccionava-se um pendão que era transportado até ao monte e traduzia simbolicamente a intenção festiva do grupo. Uma vez chegado ao monte, o rancho era mimoseado pelo lavrador com comes e bebes. Retribuíam cantando modas acompanhadas da percussão de adufes, membrafones característicos não só da Beira Baixa, como do Alentejo e de Trás-os-Montes, os quais eram percutidos por mulheres.

segunda-feira, 3 de março de 2025

17 – As Primaveras


Primavera com Arco. Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção Júlio Reis Pereira. Museu Municipal de Estremoz.


A Primavera é a estação do ano que sucede ao Inverno e antecede o Verão. Marca a renovação da natureza, sendo especialmente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres.
Na pintura, a Primavera é o tema central de obras de grandes mestres. A natureza é representada verdejante e florida. Por vezes são retratados trabalhos agrícolas ou de jardinagem, característicos do início da estação. As cenas são em geral iluminadas, reflectindo a claridade própria da época. Por vezes, a estação é tratada alegoricamente com recurso a uma ou mais figuras femininas enquadradas por flores, em ramos ou grinaldas.
Na vidraria francesa são conhecidas duas figuras do séc. XVIII, fabrico de Nevers, conhecidas por “Alegorias da Primavera”. São figuras masculinas, trajando à antiga e empunhando arcos com flores.
No figurado de Estremoz existem peças cuja origem remonta ao séc. XIX e das quais a designação consagrada pelo uso é a de “Primaveras”. Trata-se de uma designação genérica que abrange as chamadas “Primaveras de Arco”, as “Primaveras de Plumas” e as “Bailadeiras”. É ponto assente que tais especímenes são alegorias à estação do ano do mesmo nome. Todavia são mais do que isso, como procurarei justificar.
Desde tempos remotos que existem rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Tais ritos vieram a ser assimilados pela Igreja Católica que começou a comemorar o Entrudo ou Carnaval como preparação para a Quaresma.
Referindo-se ao Entrudo de antigamente diz Xavier da Cunha na revista OCCIDENTE, de 15 de Fevereiro de 1879: “Hoje de todos esses brinquedos, que passaram, restam apenas as decantadas danças de cavallões e marmanjos vestidos de pastorinhas a bailarem entre os costumados arquinhos de flores ao som do classico apito – elemento essencial da ordem no programma de toda aquella brincadeira”.
Também na capa da revista “PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA”, nº 6, de 18 de Fevereiro de 1903, Raphael Bordalo Pinheiro retrata vários mascarados num salão particular. À esquerda duas figuras supostamente de homens mascarados de figuras femininas, empunham um arco com flores.
Face ao exposto, julgo não ser despropositado concluir que no figurado de Estremoz, as “Primaveras”, para além de constituírem uma alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza.

Hernâni Matos
Publicado pela 1º vez em 19 de Janeiro de 2015

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O reencontro de dois caminhantes

 

Mestre Xico Tarefa e Hernâni Matos, dois caminhantes que se reencontram na sede
da ADOE.  De que estarão a falar? De olaria, pois claro!


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É sabido que não há caminho, como nos ensina o poeta sevilhano António Machado: “Caminhante, são teus rastos / o caminho, e nada mais; /caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar.” (…).

Cada um de nós segue o seu próprio caminho, o que não impede que alguns caminhos se cruzem. Foi assim que o meu caminho e o de Mestre Xico Tarefa se cruzaram em 1980 no Terreiro do Paço Ducal de Vila Viçosa. Tal ocorreu no decurso do I Encontro de Olaria Regional do Alto Alentejo, que ali teve lugar entre 4 e 15 de Junho desse ano.

Andámos ambos por ali e integrávamos a Comissão Organizadora do Encontro. Eu em representação da Casa da Cultura de Estremoz e ele em representação do Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça. As nossas preocupações de então centravam-se na necessidade de salvaguarda da matriz identitária das olarias de cada Centro Oleiro do Alto Alentejo e na tomada de medidas que impedissem a descontinuidade de produção das olarias.

O Mestre Xico Tarefa era um operacional no terreno, que não parava quieto, andava sempre para aqui e para ali, a tratar de uma coisa ou outra. Entre as múltiplas tarefas de que foi encarregue esteve a produção de um prato comemorativo do Encontro, a ser oferecido aos participantes. Daí eu estar na posse de um exemplar que tive a honra de receber na época, o qual está na génese da minha condição de coleccionador de louça de barro vidrado de Redondo. O trabalho de roda é de Mestre Xico Tarefa e a pintura e o esgrafitado são da autoria de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).

Ao receber de bom grado o prato comemorativo do Encontro, herdei uma pesada responsabilidade e brotou em mim o fascínio pela cerâmica redondense, que nunca mais parou e cuja chama se mantem bem viva. Aquele prato tem para mim especial significado. Foi o primeiro exemplar da minha colecção de cerâmica redondense. Por mais raro e mais valioso que seja outro espécime adquirido ou que venha a adquirir, aquele ocupará sempre um lugar muito privilegiado no meu coração. É que foi o primeiro da minha colecção, saído das mãos de Mestre Xico Tarefa e de Mestre Álvaro Chalana e que ficou a selar o cruzamento do meu caminho com o primeiro destes mestres.

Decorridos 45 anos sobre o primeiro cruzamento dos nossos caminhos, voltámos a cruzar-nos. Desta feita, o terreiro é outro. Trata-se da ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz. Ele como formador, na qualidade de Mestre Oleiro. Eu, como consultor had hoc, na qualidade de coleccionador e investigador da barrística popular de Estremoz.

De então para cá, o Mestre Xico Tarefa tem desenvolvido uma carreira notável como Mestre Oleiro e como formador das novas gerações, o que muito me regozija e enche de orgulho como seu amigo e admirador em que entretanto me tornei.

A sua obra fala por si e é um exemplo paradigmático para os mais novos. Encerra em si própria, o respeito pela ancestralidade da olaria popular alentejana, temperado pela criatividade inovadora que lhe brota da alma e que com fidelidade se transmite às mãos mágicas que são as suas.

Obrigado Mestre pela beleza criada para usufruto e deleite de espírito de todos aqueles que apreciam o seu trabalho.

Bem-haja, Mestre Xico!


Publicado no jornal E nº 350, de 14 de Fevereiro de 2025