quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A importância das medidas padrão medievais

Padrão das medidas de Vara e Meia Vara, gravadas verticalmente na ombreira
direita da Porta da Vila das muralhas de Monsaraz, na face voltada ao interior.

Na sequência dos artigos anteriores “DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA / Padrão Medieval de côvado identificado em Estremoz” (B.A. nº 848) e “Ainda o padrão medieval de côvado / Confirmada a descoberta” (B.A. nº 850), entendi ser conveniente esclarecer a importância das medidas padrão medievais.
Após a fundação da nacionalidade e com a consolidação do Estado surgiu a necessidade de uniformização dos padrões de medida, por se considerar que a mesma unidade de medida não devia ter valores diferentes em pontos distintos do país. Assim o impunha a identidade do território como Estado e as trocas comerciais entre as diversas regiões.
Era privilégio real o estabelecimento e regulamentação dos padrões de medida, os quais eram definidos na carta de foral que o rei atribuía a cada concelho. 
As medidas padrão medievais tinham uma função reguladora, normalizadora e moralizadora. Por um lado asseguravam a defesa do consumidor. Por outro lado, tinham uma finalidade fiscal, sendo utilizadas na aplicação de tributos reais, de impostos devidos à entrada nas povoações de produtos agrícolas, de impostos incidentes na propriedade, tendo em conta a sua área e de direitos de importação incidentes no comércio internacional. As medidas padrão eram assim instrumentos de poder e de vassalagem.
NOTA FINAL – Por lapso, no artigo “Ainda o padrão medieval de côvado / Confirmada a descoberta” (B.A. nº 850), não apareceu a legenda da figura. Era a seguinte: “ Padrão medieval de Vara e Meia Vara na Porta do Sol das muralhas do Redondo”.



segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

18 - Pastor das migas

Pastor das migas.
Sabina Santos (1921-2005).
Colecção particular.

Marca de identidade de autor. Legenda “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“,
inscrita numa coroa circular de 2,3 cm e 1,4 cm de diâmetro, com a palavra
“PORTUGAL”, ao centro. Dupla impressão da marca estampada. 

Uma das peças mais emblemáticas do figurado de Estremoz é o pastor das migas, uma vez que reúne em si, múltiplos traços de identidade cultural alentejana: - O TRAJE: pelico de pele de borrego ou de ovelha, calça de saragoça ou burel, botas de cabedal, camisa fechada em cima por um par de botões cor de latão e chapéu aguadeiro; - A ARTE POPULAR: tarro de cortiça que permite guardar e transportar alimentos que se conservam a uma temperatura próxima da atingida na sua confecção, decorridas algumas horas sobre terem saído do lume; - A GASTRONOMIA: migas cozinhadas com pão duro e que integram o rico património gastronómico alentejano, todo ele feito de sabores e de saberes determinados pelas condicionantes regionais e pelos contextos sociológicos de vida; - A FLORA: Sobreiro ou azinheira que serve de encosto e dá sombra, integrando o montado de sobro ou de azinho, ecossistema onde engordam varas de porcos pretos de raça alentejana e pastam rebanhos de ovinos e de caprinos. 
Na base, a figura ostenta uma marca de identidade de autor, estampada com a legenda “OLARIA ALFACINHA / ESTREMOZ“, inscrita numa coroa circular de 2,3 cm e 1,4 cm de diâmetro, com a palavra “PORTUGAL”, ao centro. Trata-se de uma marca já identificada no texto “Medalhas de barro de Estremoz”, publicado por mim no blogue “Do Tempo da Outra Senhora”, em 12 de Novembro de 2012. O timbre aparece também em cantarinhas e pucarinhos enfeitados, que eram produzidos na roda na Olaria Alfacinha e decorados por Maria José Cartaxo.
A peça que é objecto da presente crónica integrava um conjunto de figuras por mim adquiridas a uma antiga empregada da Loja de Artigos Regionais da Olaria Alfacinha, situada no Largo da República, nº 30, em Estremoz. Os exemplares daquela colecção tinham como elo comum, o serem todos eles confeccionados por Sabina Santos, de quem a funcionária era admiradora.
Creio estar em presença de um boneco cuja temporalidade remonta ao início da actividade de Sabina, após a morte prematura de seu irmão Mariano da Conceição, em 1959. Em abono desta tese, o facto de a decoração do rosto ser semelhante à de Mariano, cujas criações serviram de modelo a Sabina. Exceptua-se o cabelo, o qual na peça homóloga de Mariano tem um corte mais vincadamente masculino, com suíças. De resto, possuo da barrista dois exemplares da mesma figura, com marcas distintas da referida e que revelam maior aperfeiçoamento técnico e libertação da influência de Mariano.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Circular é preciso

Fig. 1

A rua onde cada um de nós mora é um microcosmo, onde diariamente se desenrolam acontecimentos que a tornam diferente das outras. No meu caso, moro na rua de Santo André e dela vos passo a falar.
Ao fundo da rua, do lado direito, há um sinal de estacionamento proibido, já que a partir dali a rua é mais estreita (Fig. 1). Mas qual quê? Estaciona-se até à esquina, criando dificuldades a quem quer sair da rua, já que circular é preciso…
Do lado esquerdo da rua há estacionamento indevido em cima do passeio, desde o princípio da rua até para além do meio (Fig. 1), o que além de criar dificuldades aos peões, tranca automóveis que estão devidamente estacionados e que se vêem impossibilitados de sair. Por isso, de vez em quando, há concertos de buzina que são um regalo de ouvido. É que circular é preciso
Ainda do lado esquerdo da rua existem quatro contentores de lixo e um vidrão que lá vai cumprindo a sua missão (Fig. 2). Os contentores é que não. Basta olhar para o seu conteúdo, para concluir que o comércio da rua não recicla, tanto papel como plástico. E isto quando há dois ecopontos próximos. É que circular é preciso…
Quanto à calçada da rua, está bastante irregular, já que sob ela existem esgotos de laje que remontam ao princípio do século passado. Com o trânsito de veículos pesados, as lajes cedem e chegam a rebentar com alguma frequência canos de água, que também os há por ali. Isso faz com que ocorram cortes de água e se tenha que remover a calçada, a fim de resolver temporariamente o problema, o qual só será solúvel com a instalação de uma nova rede de saneamento básico. Por vezes, a reposição da calçada não é imediata (Fig. 3), o que cria dificuldades aos peões, que já tinham as covas da calçada para se preocuparem. A calçada necessita de uma regularização urgente, porque circular é preciso
Por fim, ao fundo da rua, do lado esquerdo, em plena curva e frente a uma montra de sapataria, há quem ali estacione com frequência (Fig. 4), tirando a visibilidade a quem quer virar para a rua 5 de Outubro e que por isso está sujeito a colidir com um veiculo que daí venha. É que circular é preciso
Do exposto, conclui-se que uma rua é um observatório sociológico de comportamentos sociais e anti-sociais, bem como um palco onde alguns dos actores nem sempre desempenham papéis agradáveis. Daí que a proximidade da polícia e dos serviços municipais seja desejável. Apareçam por aqui e dêem uma “mãozinha”. Os moradores agradecem. É que circular é preciso…


Fig. 2
 Fig. 3
 Fig. 4

domingo, 25 de janeiro de 2015

Syriza - Venceu a esperança



Venceu a esperança.
Syriza convenceu e venceu.
É um aviso para o resto da Europa.
Também nós temos de virar uma página na nossa História.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Ainda o padrão medieval de côvado

Padrão da medida de Côvado gravada verticalmente no segundo colunelo à
Direita da porta de entrada da primitiva Casa da Câmara de Estremoz.

Confirmada a descoberta
Entre 28 e 30 de Dezembro passado, houve troca de emails entre mim e o Professou Doutor Mário Jorge Barroca do Instituto de Arqueologia, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Aquele Professor certificou a veracidade da descoberta por mim divulgada em artigo publicado no nº 848-3ª série (25-12-2014) do jornal “Brados do Alentejo”, sob a epígrafe:DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA / Padrão Medieval de côvado identificado em Estremoz . Disse-me o Docente Universitário que já o tinha identificado e iria adicioná-lo a uma actualização do seu “Inventário das Medidas Medievais Portuguesas”. Referiu ainda que o meu texto, pelo qual me felicitou, iria ser citado naquele Inventário como a primeira publicação que se referiu a esta descoberta.
Remoção da massa vedante do padrão
No artigo anterior sugeri ao Município que fosse removida a argamassa que ainda oculta parcialmente o padrão medieval de côvado. Chamo agora a atenção para o facto de o pedreiro que o fizer, o dever fazer com todo o cuidado, de modo a só remover a massa vedante do sulco, sem o danificar. Por outro lado e é uma observação nova que agora faço, esta argamassa que é de dois tipos, deveria ser recolhida, visando a sua análise pelo Laboratório Hércules da Universidade de Évora. Na verdade, os investigadores que estão a efectuar o estudo material e técnico dos Bonecos de Estremoz, através do estudo das argamassas poderiam balizar a data em que o padrão de côvado foi oculto, anteriormente à fotografia do “SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico”, divulgada no meu artigo anterior e obtida em 1968 no decurso de obras de restauro e onde a ocultação está patente.
A importância da descoberta
Penso que a descoberta é da máxima importância, pelo que após o padrão medieval de côvado ser desobstruído de toda a argamassa e revelado na sua totalidade, deveria ser alvo de divulgação mediática por parte do Município, a qual a meu ver deveria ser de âmbito nacional.
A partir de agora, Estremoz figurará por direito próprio, na rota das medidas-padrão medievais portuguesas. No Alentejo e para além de Estremoz, foram há muito identificadas medidas-padrão nas seguintes localidades e lugares: CASTELO DE VIDE - Porta do Castelo (Vara); MONFORTE – Igreja da Madalena (Meia Braça e Meia Vara); ALANDROAL – Porta do Castelo (Vara); REDONDO – Porta do Sol das Muralhas do Redondo (Vara e Meia Vara); MONSARAZ – Porta da Vila das Muralhas de Monsaraz (Vara e Meia Vara).  
Datação provável da ocultação do padrão
As medidas medievais de comprimento (palmo, côvado, meio côvado, vara, meia vara e braça) foram utilizadas em Portugal até ao séc. XIX. O metro, que ainda hoje é usado como unidade de comprimento, faz parte do Sistema Métrico Decimal, que foi adoptado em Portugal por decreto de D. Maria II (1819-1853), de 13 de Dezembro de 1852, o qual estipulava um prazo de dez anos para a sua entrada em vigor. Daí que em 20 de Junho de 1859 tenha sido assinado por D. Pedro V (1837-1861), o decreto pelo qual passa a vigorar o metro como unidade de comprimento a partir da data de 1 de Janeiro de 1860, sendo a partir desta data abolidas e consideradas ilegais todas as medidas medievais de comprimento. A partir desta data a medida-padrão de côvado era desnecessária para a aferição de côvados usados no comércio. Passara a ser apenas um sulco no mármore dum colunelo da primitiva Casa da Câmara. Provavelmente terá sido nesta época que o padrão medieval de côvado terá sido preenchido com argamassa. De resto, no início do séc. XVIII, a Casa da Câmara já havia sido transferida para a Rua Nova da Praça (hoje rua 5 de Outubro), frente à demolida Igreja de Santo André. Na Praça (actual Largo Luís de Camões), realizava-se todos os sábados, um mercado.
No séc. XVIII, Estremoz já não tinha a feira franqueada criada em 1463 por D. Afonso V. Tinha duas feiras francas com a duração de três dias: - A Feira de Santiago com início a 25 de Julho e que tinha lugar no Grande Rossio (actual Rossio Marquês de Pombal); - A Feira de Santo André com início a 30 de Novembro e que decorria no Rossio de São Brás (presentemente Largo D. José I).
Não será despropositado admitir que possam ter existido e que ainda não foram descobertos, padrões medievais de medidas de comprimento, na Praça, no Grande Rossio ou no Rossio de São Brás. É um assunto que carece de investigação.




Padrão da medida de Vara gravada verticalmente na ombreira direita de uma
Porta do Castelo de cabeço de Vide, na face voltada ao exterior.
 Padrões das medidas de Meia Braça e Meia Vara gravadas verticalmente em
coluna do alpendre da Igreja da Madalena, em Monforte.
Padrão da medida de Vara gravada verticalmente na ombreira direita da
Porta do Castelo do Alandroal, na face voltada ao exterior.
 Padrão das medidas de Vara e Meia Vara gravadas verticalmente na ombreira
direita da Porta do Sol das muralhas do Redondo, na face voltada ao exterior.
Padrão das medidas de Vara e Meia Vara gravadas verticalmente na ombreira
direita da Porta da Vila das muralhas de Monsaraz, na face voltada ao interior.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

17 – As Primaveras

Primavera com Arco.
Oficinas de Estremoz (séc. XIX).
Colecção Júlio Reis Pereira.
Museu Municipal de Estremoz.

A Primavera é a estação do ano que sucede ao Inverno e antecede o Verão. Marca a renovação da natureza, sendo especialmente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres.
Na pintura, a Primavera é o tema central de obras de grandes mestres. A natureza é representada verdejante e florida. Por vezes são retratados trabalhos agrícolas ou de jardinagem, característicos do início da estação. As cenas são em geral iluminadas, reflectindo a claridade própria da época. Por vezes, a estação é tratada alegoricamente com recurso a uma ou mais figuras femininas enquadradas por flores, em ramos ou grinaldas.
Na vidraria francesa são conhecidas duas figuras do séc. XVIII, fabrico de Nevers, conhecidas por “Alegorias da Primavera”. São figuras masculinas, trajando à antiga e empunhando arcos com flores.
No figurado de Estremoz existem peças cuja origem remonta ao séc. XIX e das quais a designação consagrada pelo uso é a de “Primaveras”. Trata-se de uma designação genérica que abrange as chamadas “Primaveras de Arco”, as “Primaveras de Plumas” e as “Bailadeiras”. É ponto assente que tais especímenes são alegorias à estação do ano do mesmo nome. Todavia são mais do que isso, como procurarei justificar.
Desde tempos remotos que existem rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza. Tais ritos vieram a ser assimilados pela Igreja Católica que começou a comemorar o Entrudo ou Carnaval como preparação para a Quaresma.
Referindo-se ao Entrudo de antigamente diz Xavier da Cunha na revista OCCIDENTE, de 15 de Fevereiro de 1879: “Hoje de todos esses brinquedos, que passaram, restam apenas as decantadas danças de cavallões e marmanjos vestidos de pastorinhas a bailarem entre os costumados arquinhos de flores ao som do classico apito – elemento essencial da ordem no programma de toda aquella brincadeira”.
Também na capa da revista “PARODIA – COMEDIA PORTUGUEZA”, nº 6, de 18 de Fevereiro de 1903, Raphael Bordalo Pinheiro retrata vários mascarados num salão particular. À esquerda duas figuras supostamente de homens mascarados de figuras femininas, empunham um arco com flores.
Face ao exposto, julgo não ser despropositado concluir que no figurado de Estremoz, as “Primaveras”, para além de constituírem uma alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Uma cigarreira real?




Um artefacto votivo
Sou um velho frequentador da Feira das Velharias, em Estremoz. Tal condição não impede, todavia, que por vezes, me sinta maravilhado face à descoberta de uma peça que me fascina o olhar, extasia a alma e cativa o espírito. Dai que não me reste outra solução, que não seja adquiri-la para a estudar, falar com ela e descobrir o que ela tem para me dizer. Foi o que aconteceu com a bela cigarreira em madeira, recentemente obtida, cuja imagem reproduzo e que sem mais delongas passo a descrever.
Trata-se de uma cigarreira com a forma de um sólido regular oco, constituído por duas partes: o recipiente e a tampa que nele encaixa, qualquer deles de secção elíptica, com eixo maior de 6,3 cm e eixo menor de 2,8 cm. A altura da cigarreira é de 9,8 cm e o seu peso de 76 g. O fundo do recipiente e o topo da tampa são lisos.
É uma extraordinária peça de arte pastoril alentejana, em madeira, finamente lavrada em qualquer das faces. Uma delas está decorada com motivos vegetalistas e ostenta ao centro a coroa real, encimada por quatro trevos de quatro folhas. Tradicionalmente, o trevo de quatro folhas é considerado um poderoso amuleto. Incluir na decoração de um objecto, um trevo de quatro folhas, é formular ao seu proprietário, votos de prosperidade, saúde e fortuna. Há quem considere ainda que cada folha do trevo tem um significado próprio: Esperança, Fé, Amor, Sorte, bem como o número de folhas (4) - representa um ciclo completo, como as 4 Estações, as 4 fases da Lua ou os 4 elementos da Natureza: Ar, Fogo, Terra e Água, conforme a “Teoria dos 4 Elementos” de Aristóteles (384-322 a.C.).
Na outra face observa-se uma dupla cercadura, na qual estão inseridas de cima para baixo, as inscrições ALB (na tampa), 1875 (no recipiente), seguindo-se ainda neste, um sulco quadrangular, onde eventualmente poderá ter existido um embutido. Mais abaixo está aberto um malmequer.
A inscrição ALB corresponderá às iniciais do nome do proprietário e 1875 será o ano de manufactura da cigarreira. Quanto ao malmequer, simboliza em termos florais, o ouro, a prata e o dinheiro, pelo que reforça os votos de fortuna manifestados ao possuidor da cigarreira.

Um rei fumador
Em 1875 ocupava o trono português, Sua Majestade Real El-Rei D. Luís I, O Popular, filho segundo de D. Maria II (1819-1853), A Educadora e de D. Fernando II (1816-1885), O Rei-Artista. Primorosamente educado, D. Luís I tinha temperamento de literato e de artista. O seu reinado notabilizou-se materialmente pelo progresso, socialmente pela paz e pelos sentimentos de convivência, politicamente pelo respeito pelas liberdades públicas, intelectualmente por uma geração notável (Adolfo Coelho, Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Manuel Arriaga, Teófilo Braga, etc.).
D. Luís I, que era fumador, diz em carta de 1862 dirigida a sua esposa a Rainha Dona Maria Pia de Sabóia (1847-1911), A Mãe dos Pobres:
Quando se esteve no mar, quando se viu a morte à frente dos olhos, quando se julga que nunca mais veremos os nossos, o cigarro faz as vezes de amigo e de companheiro, fazendo voar os pensamentos tristes, da mesma maneira que o fumo se agita ao vento. Eu viajei bastante servindo na marinha, da qual encontrarás em mim o carácter bastante desenvolvido. Mas se o marinheiro gosta de fazer viagens, quem ele mais ama é quem o conduz à felicidade. Fui marinheiro e no fundo da minha alma continuo a sê-lo e aprendi que a seguir à tempestade vem o bom tempo, a seguir às infelicidades, a felicidade. A minha única felicidade és tu.
Por essa época, Eça de Queirós (1845-1900), que apelidava D. Luís I, de O Bom, proclamava:
Pensar e fumar são duas operações idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento.
Por sua vez, Cesário Verde (1855-1876), que viria a morrer tuberculoso, inicia o poema “Contrariedades”, confessando:

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; 
Nem posso tolerar os livros mais bizarros. 
Incrível! Já fumei três maços de cigarros 
Consecutivamente.



Também António Nobre (1867-1900), igualmente vítima da tuberculose pulmonar, se refere ao acto de fumar, no poema “O meu cachimbo”, onde na segunda quadra se interroga:

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae. 

O tabaco na literatura oral
O adagiário português reprova o uso do tabaco seja sob que forma for:

- Isto é birra: quem toma tabaco, espirra.
- Quem sabe tomar tabaco não suja os dedos.
- Tabaco e aguardentes, transformam os sãos em doentes.
- Vinho, mulheres e tabaco, põem o homem fraco.

O cancioneiro popular alentejano é, contudo, mais benevolente:

O regalo do ganhão
É comer em prato cheio,
Beber vinho, se lho dão,
Fumar do tabaco alheio. (1)

Epílogo
A terminar, não quero deixar de sublinhar que apesar de não estarmos em presença de uma cigarreira real, estamos perante uma cigarreira digna de um rei, dada a riqueza e a beleza dos seus finos lavores.

BIBLIOGRAFIA
(1) - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1910. 
Publicado inicialmente em 16 de Janeiro de 2015