segunda-feira, 4 de junho de 2012

Walowski, fotógrafo de Estremoz


C.J. Walowski foi um dos primeiros fotógrafos a registar imagens de Estremoz. A pesquisa na imprensa periódica levou-nos a descobrir o anúncio cuja imagem reproduzimos e que foi publicado no semanário “O ESTREMOCENSE”, dirigido por Rodam Tavares, desde o nº 152 (7 de Fevereiro de 1891), até ao nº 167 (30 de Maio de 1891), o que permite datar no ano de 1891, fotografias que se diziam ser de finais do século XIX – princípios do séc. XX.
No nº 164 (2 de Maio de 1891), de “O ESTREMOCENSE” é dito que “O distinto photographo J. Walowski, que aqui se demora só até 10 do corrente mez, tirou já muitas vistas de diversos pontos de Estremoz e d’alguns monumentos notáveis desta vila;”. Enumera de seguida as vistas e diz que “São ao todo 21 vistas que formarão um formoso álbum…”.
Julgamos interessante perceber o contexto nacional e internacional em que trabalhou Walowski, para o que passamos em revista algumas das principais efemérides da época:
- 5 de Janeiro - José Elias Garcia é afastado do Directório no Congresso do Partido Republicano.
- 10 de Janeiro - João de Azevedo Coutinho regressa de África, sendo vitoriado por estudantes radicais republicanos, que procuram encontrar, sem êxito, um caudilho militar que levasse a uma viragem política.
- 31 de Janeiro – Tem lugar no Porto, a primeira grande tentativa republicana de derrube da Monarquia.
- 20 de Março – O Parlamento aprova um empréstimo de 36.000 contos, concedido ao Estado por financeiros portugueses, franceses e alemães em troca do monopólio do tabaco.
- 12 de Abril - Manifesto dos exilados republicanos com insultos ao rei, subscrito entre outros por Sampaio Bruno.
- 14 de Abril - O Parlamento aprova Regulamentação sobre as condições de emprego, a duração da jornada de trabalho, o repouso semanal e a higiene e segurança nos estabelecimentos industriais que empregavam menores e mulheres.
- 8 de Maio - É celebrado um novo tratado entre Portugal e a Inglaterra, que substituirá o acordo assinado em 20 de Agosto de 1890 e que é considerado mais gravoso do que este.
- 15 de Maio – O papa Leão XIII publica a sua encíclica “Rerum Novarum”, na qual expõe a doutrina social da Igreja, sublinhando que o capital só se pode legitimar ao serviço das necessidades da comunidade. Afirma também que o estado deve intervir no sentido de proteger os grupos sociais menos favorecidos e incita vigorosamente os operários no sentido de se organizarem em associações profissionais. Com esta encíclica, a Igreja conseguiu a sua inserção no mundo operário.
- 21 de Maio - João Crisóstomo consegue formar Governo, após ter apresentado a D. Carlos I a demissão do seu Governo, face ao agravamento da crise financeira.
- 21 de Junho – Morre Elias Garcia (1830-1891), político, jornalista, professor, coronel de engenharia e grão mestre da Maçonaria, que desempenhou um papel capital na divulgação e luta pelos ideais liberais e republicanos.
- 11 de Setembro – Suicídio de Antero de Quental (1842-1891), publicista politico, filosofo e poeta.
A desvalorização da nossa moeda, leva na época à triplicação do valor da libra, agravando o deficit orçamental. O governo tem dificuldades em honrar os compromissos da dívida pública e em socorrer bancos, companhias ferroviárias e coloniais que se encontravam à beira da falência. A situação financeira degrada-se com a baixa de exportações dos produtos agrícolas e a elevação dos compromissos externos do Estado e das empresas privadas, bem como o crescimento das importações. O público reage activamente, correndo em massa aos depósitos bancários e à conversão das notas. O Banco de Portugal fica sem reservas e os outros Bancos acabam por suspender os pagamentos, o que levou o Governo a impor o curso forçado das notas, que no de decurso do ano haviam desvalorizado em mais de 10%.
Walowski trabalha em Estremoz no ano de 1891, quando as instituições monárquicas já estão abaladas e os republicanos procuram uma mudança de paradigma a nível de governo da Nação e da Chefia do Estado, o que só conseguirão a 5 de Outubro de 1910. E porque a ditadura do mercado e do capital tende a esmagar os mais fracos e desfavorecidos, a doutrina de Roma volta ao tempo das catacumbas e chama a si a defesa dos mesmos. Tal como faz hoje. Talvez porque o problema ameaça ser eterno quando não se corta o mal pela raíz.


Estremoz - Igreja de Santo André.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor.
Estremoz - Avenida do Rocio.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor. 
Estremoz - Convento dos Congregados.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
Arquivo do autor. 
Estremoz - Misericórdia e Convento das Maltesas.
Fotografia de C.J. Walowski (1891).
 Arquivo do autor.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O professor


O professor (2012). Irmãs Flores e Ricardo Fonseca. Colecção particular.


O PROFESSOR - Figura masculina, bem encabelada e de bigode. De pé, segurando na mão esquerda uma cantarinha de Estremoz, enquanto a direita parece acompanhar a conversação. Veste fato cinzento -escuro, com casaco de jaquetão. Usa camisa branca e gravata às listas brancas, vermelhas e azuis. Os sapatos são pretos. A figura assenta sobre base quadrangular de fundo verde - escuro. Os cantos da base estão cortados em bisel. Dimensões (cm): altura: 24; base: 6,8 x 6,8.
Boneco da autoria das irmãs Flores e de Ricardo Fonseca, seu sobrinho, confeccionado segundo a técnica tradicional dos bonecos de Estremoz.
Trata-se duma peça que foi oferecida ao autor num almoço-convívio de amigos, realizado no passado dia 6 de Maio, no restaurante Cadeia Quinhentista, em Estremoz e em que participaram entre outros: Hugo Guerreiro (director de Museu), Joaquim Rolo (artesão da madeira, chifre e cortiça), Irmãs Flores e Ricardo Fonseca (artesãos do barro), Guilhermina Maldonado (arte conventual), António Moreira (artesão do ferro), José Cartaxo (fotógrafo), Mateus Maçaneiro (poeta), Augusto Fitas e Francisca Matos (professores). O almoço tratou-se de um testemunho de amizade com o autor, como reflexo de actividades conjuntas que têm sido desenvolvidas, bem como de cumplicidades que têm partilhado.

O PROFESSOR

Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recolecta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento.
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.
A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.
Perfilha há muito a ideia de que é necessário estabelecer pontes de entendimento entre as pessoas, já que a partilha cúmplice de ideias e valores comuns, viabiliza a edificação conjunta de arquitecturas, facto que induzirá e consolidará laços de união entre os intervenientes.
Uma das muitas coisas que partilha com os outros é a escrita, instrumento de libertação do Homem. Filho de alfaiate, aprendeu a alinhavar palavras, que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. Esse o sentido da sua intervenção cultural e cívica. É isso que gosta de fazer. O seu posto é aí. Por isso, não se quer reformar da vida.
Houve um poeta que leu na sua juventude e que falava de alguém com pena de morrer na cama, embrulhado em pus e algodão em rama. Pela sua parte, ainda que seja difícil a escolha da morte, gostaria de morrer em combate, isto é fazendo aquilo que gosta de fazer: a defesa, preservação e fomento da cultura popular. Por isso, não se pode reformar. Como combatente não se pode render, ou seja, tal como diz no seu blogue “Um homem nunca se rede, mesmo de fato e gravata”.
Escritor, jornalista e blogger intervém em domínios como a História Postal, a História Popular de Estremoz, a Etnografia e a Cultura Popular Alentejana, publicando textos, apresentando comunicações e montando exposições temáticas e iconográficas. Furiosamente independente, incisivo e cáustico quanto baste, mas sempre preciso. Procura levar tudo às últimas consequências e como franco-atirador do pensamento e da acção, busca fazer o varrimento da transversalidade dos saberes. Depois disso, a síntese dialéctica é um ovo de Colombo nascido no cu da galinha da sua cabeça.

Texto publicado inicialmente em 22 de Maio de 2012   

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Gíria popular do nada


(…) E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar... 
Florbela Espanca (1894 - 1930)

Na sequência da nossa pesquisa em cerca de duas dezenas de fontes bibliográficas distintas, sete delas citadas na bibliografia, reunimos a presente colectânea de “dizeres” sobre o “nada”, o que é revelador da criatividade da gíria popular:

- Antes de mais nada = Em primeiro lugar [5]
- Daqui a nada = Daqui a brevíssimo tempo [1]
- Dar em nada = Não ter grandes resultados [2]
- Dar em nada = Referência a empreendimento que fracassa [5]
- De nada = Insignificante [2]
- De nada = Não tem de quê [5]
- Deixar um bocado a nada (Minho) = Deixar uma área de terreno sem cultivo, para recreio do gado, que aí se alimenta de vegetação selvagem [7]
- Há nada = Há momentos atrás [5]
- Nada = Não [1]
- Nada = Pouca quantidade [2]
- Nada = Pouco tempo [6]
- Nada d’ iscas = Nada disso [3]
- Nada de = Não é permitido [5]
- Nada de costas e nada de peito = Referência a uma mulher excessivamente magra e sem seios [8]
- Nada de nada = Absolutamente nada [5]
- Nada de novo = Sem novidades [2]
- Nada disso = De forma alguma [2] 
- Nada feito! = Rejeito! = Discordo! [5] 
- Nada mais, nada menos que = Expressão qualificativa que antecede a descrição de algo de inesperado, surpreendente ou espantoso [5]
- Nada mal = Bastante bem [5] 
- Nada na manga = Jogo liso, sem falcatruas [3]
- Nada, é peixe = Réplica zangada a quem dá como resposta a palavra “nada” [4]
- Nadinha = Pouco tempo [6]
- Não dar nada por alguém = Referência a quem não se atribui qualquer consideração ou valor [5]
- Não dar por nada = Não se aperceber [5]
- Não digo nada! = Exclamação que precede o relato de factos invulgares [5] 
- Não dizer nada = Não despertar qualquer interesse, recordação ou comentário [5]
- Não faltava mais nada = Exclamação usada perante algo que ultrapassa os limites da paciência, da compreensão ou da resistência de uma pessoa [5] 
- Não ficar a dever nada a = Ser equivalente a [5]
- Não ficar nada atrás de = Ser equiparável a [5]
- Não olhar a nada = Não se preocupar [5]
- Não pescar nada de = Não perceber de [5]
- Não prestar para nada = Não ter qualquer utilidade, préstimo ou mérito [5]
- Não ter nada a ver com = Ser estranho a [5]
- Não ter nada de = Não ter nenhuma característica de [5]
- Não ter nada de seu = Ser bastante pobre [5]
- Partir do nada = Começar a vida muito pobre [5]
- Pequenos nadas = Pormenores que passam despercebidos [5] 
- Por nada = De graça [1] 
- Por nada = Sem razão [1]
- Por um nada = Por pequena diferença [5] 
- Ter em nada = Não atribuir qualquer consideração, valor ou importância [5]
- Tirar alguém do nada = Ajudar uma pessoa a sair da miséria, ignorância ou obscuridade [5]
- Tirar do nada = Criar [5] 
- Um tudo nada = Muito pouco [5] 
- Vir do nada = Ter origem humilde [5]
- Viver do nada = Comer pouco [5]

BIBLIOGRAFIA

[1] - BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino (10 vol.). Coimbra, 1712-1728.
[2] - HOUAISS, António e al. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa  (6 vol.). Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.
[3] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[4] – NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. Editorial Notícias, Lisboa, 1998.
[5] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[6] – SOUSA. Luís de. Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções. Edição do autor. Funchal, 1950.
[7] - TAVARES DA SILVA, D. A. Esboço Dum Vocabulário Agrícola Rgional. Separata dos Anais do Instituto Superior de Agronomia, Vol. XI. Lisboa, 1942. 

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 17 de Maio de 2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Adagiário do nada

Retrato de Fernando Pessoa (1954).
Almada Negreiros (1893-1970).
Óleo sobre tela (201 x 201 cm).
Museu da Cidade, Lisboa.

A palavra “nada”, do latim [res] nata, significa “coisa nascida”. Como pronome indefinido designa “coisa nenhuma”. Como substantivo masculino denomina “O que não existe; o não-ser”. Por extensão indica “Pouca coisa”. Como advérbio é sinónimo “de modo nenhum”.
O problema do “nada” foi abordado a nível filosófico. Assim, ao definir o nada como a inexistência de qualquer coisa, do próprio existir, o idealista Immanuel Kant (1724-1804), concluiu a existência do “nada” como um "pseudo-problema". Já o existencialista Jean-Paul Sartre (1905-1980) tratou o “nada” em oposição ao “ser”, que corresponde à existência de algo.
A nível poético, são de citar referências sobejamente conhecidas:
- "Nada vem do nada”: Titus Lucretius Carus (98 aC – 55 aC ) in “De Rerum Natura”;
- "Do nada, nada vem; e ao nada, nada pode reverter": Aulus Persius Flaccus (34 - 62) in “Sátiras”;
- "Deus fez tudo de nada. Mas o nada aparece": Paul Valery (1871- 1945) in “Pensamentos Maus e Outros”;
- “Há metafísica bastante em não pensar em nada”: Alberto Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa in "O Guardador de Rebanhos - Poema V".
A nível matemático, o conceito de “nada” é equivalente ao de "conjunto vazio", conjunto sem elementos, que nessa qualidade é um elemento do conjunto dos subconjuntos de qualquer conjunto.
A nível físico, torna-se necessário distinguir três contextos: o “vácuo”, o “vazio” e o “nada”. O “vácuo” é um espaço não preenchido por matéria, mas onde existem campos e radiações. O “vazio” é um espaço sem matéria, nem campos, nem radiações. O “nada” corresponde à inexistência de espaço, no qual não existe nem matéria, nem campo, nem radiações, nem sequer leis físicas para obedecer, tais como leis da conservação, leis da evolução temporal e lei do aumento da entropia.
A nível etnológico, começámos por efectuar uma pesquisa e estudo, incidindo no adagiário português da temática “nada”. O estudo, que não foi fácil, permitiu-nos sistematizar os adágios recolhidos em múltiplos grupos, que encontraram designação no infinito do verbo associado ao “nada” que incluem no seu descritivo. Foram eles:
- ABORRECER: “Nada é aborrecido quando é feito com boa vontade“
- ACABAR: “Nada acabar é nada fazer“
- AFRONTAR: “Nada nos afronta tanto como o fruto proibido“
- APROFUNDAR: “Nada se aprofunda para os lados“
- BASTAR: “Quem nada lhe basta nada tem“
- COMPARAR: “Antes pouco que nada“
- CONTABILIZAR: “Nada de contas com presentes, nem de dívidas com ausentes“; “O pouco conta-se e o nada é nada“
- CRIAR: “Quem nada cria nada tem“
- CURAR: “Nada cura como o tempo“
- DAR: “Do pouco dá-se. Do nada não se dá“; “Nada dá quem não dá honra no que dá“
- DESEJAR: “A quem nada deseje, nada falta“
- DESPREZAR: “Nunca desprezes o nada, do nada nasceu o Universo“
- DIZER: “Antes nada dizer que fazer nada“; “Nada se diz com mentira que não se venha a pagar com verdade“; “Vale mais nada dizer, que dizer nada“
- DUVIDAR: “Nada duvida quem nada sabe“
- EMPREENDER: “Quem nada empreende, nada executa“
- ENFURECER: “Nada enfurece tanto o homem como a verdade“
- ESCAPAR: “Nada escapa aos homens senão o vinho que as mulheres bebem“
- ESPERAR: “Nada se esperou que se alcance sem muito custo“
- EXISTIR: “Nada há que não possa ser“
- FAZER: “Do nada, nada se faz“; “Nada fazer é fazer mal“; “Nada se faz neste mundo que não se descubra“; “Nada se faz que Deus não queira“; “Nada se faz que se não saiba“; “Nada se faz sem tempo“; “Por nada, ninguém faz“; “Quem nada faz já (há) muito dorme“; “Quem nada faz, já muito dorme“
- HERDAR: “Nada? Foi o que o meu avô me deixou“
- IMPOR RESPEITO: “Nada impõe tanto respeito ao tolo como o silêncio; nada o anima como o responder-lhe“
- NASCER: “Do nada, nasceu o Universo“
- OBTER: “Nada se obtém sem esforço, tudo se pode conseguir com ele“
- PARECE: “Nada se parece tanto com um tolo bem vestido como qualquer mau livro bem encadernado“
- PEDIR: “Quem nada pede nada tem“; “Quem nada pede, nada tem“
- PERDOAR: “Perdoai tudo a todos e a vós nada"
- PERMANECER: “Nada permanece neste mundo e só das boas obras temos certo o prémio“
- POSICIONAR: “Nada como a posição social do indivíduo“
- PRESTIGIAR: “Nada [há] como a escola para prestigiar ou para desacreditar um nome“
- PROMETER: “Quem nada promete, nada deve“
- SABER: “Quem nada sabe, de nada duvida“
- SABOREAR: “Nada sabe tanto, como o fruto proibido“
- SECAR: “Nada seca mais depressa que as lágrimas“
- SEGUIR: “Nada como um dia depois do outro“
- SER: “Casa de terra, cavalo de erva, amigo de palavra, tudo é nada“
- SER BOM: “Nada é bom para os olhos“
- SER ELOQUENTE: “Nada há mais eloquente do que uma bolsa bem quente“
- SER ENCOBERTO: “Nada há tão encoberto que se não venha a saber“; “Nada há tão encoberto que tarde ou cedo não seja descoberto“
- SER ETERNO: “Nada é eterno nem mesmo os nossos problemas“
- SER FÁCIL: “Nada é mais fácil (do) que mentir e mais difícil (do) que mentir bem“; “Nada é mais fácil de fazer do que aconselhar e repreender“
- SER FATIGANTE: “Nada há tão fatigante como a viva-cidade sem espírito“
- SER INDIFERENTE: “Nada há tão indiferente como o tempo“
- SER SECRETO: “Nada há secreto que não seja descoberto“
- SER SEGURO: “Nada é seguro“
- SUPLANTAR: “Nada suplanta uma consciência tranquila“
- TEMER: “Nada teme quem não teme a morte“
- TER: “Nada tem quem desdenha do que tem“; “Nada tem quem nada lhe basta“;“Nada tem quem não se contenta com o que tem“; “Nada tem um ar mais nobre do que a moderação“; “Quem nada tem, nada é“; “Quem nada tem, nada teme“; “Quem nada tem, Deus o mantém“; “Quem nada tem, é generoso como ninguém“; “Quem nada tem, nada teme“; “Quem tem uma mãe tem tudo, quem não tem mãe, não tem nada“
- TER CERTEZA: “Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte“
- VALER: “Mais vale pouco que nada“; “Nada vale o senhorio (a senhoria) sem companheiro ou amigo“; “Nada vale quando a fortuna azar“

domingo, 13 de maio de 2012

António Moreira – Artes do Fogo


“Artes do Fogo” - Assim se chama a Exposição integrada por ferros de lareira tradicionais, criados pelo artesão António Moreira, os quais estarão patentes ao público, entre 12 de Maio e 24 de Julho, na Sala de Exposições do Centro Cultural Dr. Marques Crespo, na Rua João de Sousa Carvalho, em Estremoz. A Exposição é uma organização da Associação Filatélica Alentejana e conta com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz.

António Moreira, artesão do ferro, natural de Estremoz, com créditos firmados na nobre arte do ferro, é presença habitual em feiras, mostras e salões de artesanato por esse país fora. Surpreende-nos sempre com aquilo que consegue dizer com o ferro. Desta feita, em mais uma exposição individual, convida-nos a uma viagem no tempo, através duma incursão ao passado. Para o efeito, recriou artefactos com geometrias diversas, mas todos ancestrais e com um elo comum, o serem usados na confecção de grelhados: espetos, suporte de espetos, picadores do lume, pás, gatos de lareira e trasfogueiros. Trata-se de objectos que assim podemos descrever:
ESPETO - Utensílio em ferro no qual se enfia carne ou mesmo animais inteiros ou peixe, para serem assados;
SUPORTE DE ESPETOS - Apetrecho em ferro destinado a sustentar espetos por cima da lareira;
PICADOR DO LUME - Artefacto em ferro com que se pica a lenha a arder, para atiçar o fogo;
PÁ - Utensílio em ferro destinado a tirar brasas ou cinza da lareira;
GATO DE LAREIRA - Peça de ferro com a forma de animal, que  tem como função servir de apoio à lenha enquanto arde e sustentar o espeto enquanto se assa a carne sobre as brasas, para o que se vai rodando o espeto nos buracos do travessão. Depois de assada a carne, o espeto apoia-se nos entalhes para a carne não arrefecer. Característico da cozinha tradicional alentejana;
TRASFOGUEIRO - Artefacto com a função básica de servir de apoio à lenha enquanto arde. Serve também de suporte de malgas e da gramalheira que suspende o caldeiro sobre o lume. Característico da cozinha tradicional transmontana.
Trata-se de objectos que sendo belos, são igualmente decorativos, sem deixarem de cumprir a sua velha funcionalidade.
A exposição integra 19 trabalhos de António Moreira, alguns de grandes dimensões. Trata-se sem sombra de dúvida dum valioso contributo para o revigoramento da arte popular alentejana, tão indispensável ao reforço da nossa identidade cultural regional.
A matéria-prima usada é o ferro sob a forma de barras, vergas e verguinhas. No seu labor e para além da forja e da bigorna, paradigmáticas no trabalho do ferro forjado, o artesão utiliza ferramentas de corte (punção de mão e corta-frio), ferramentas para bater o ferro (martelos, marretas e malhos), bem como ferramentas para segurar a obra (tenaz, alicatão, presa e preguiça). Com estas ferramentas e com as operações de forjar, encalcar, puxar, curvar, cortar, furar e caldear, o artesão transmuta magistralmente o ferro primitivo. O artefacto que lhe sai da alma e as suas mãos vão afeiçoando, vai crescendo e tomando forma até que o artífice, exigente no seu mister, sente que aquele artefacto é como um filho nascido nas suas mãos, que no acto de surgir, grita: Pai, nasci! É um ritual que se repete ciclicamente, ao ritmo das ferramentas e ao som infernal do malho. Tarefa dura para homens de rija têmpera, descendentes do deus Vulcano, crestados pelo calor da forja e endurecidos pela violência dum quase permanente martelar: truca-truca, truca-truca, truca-truca e o malho lá vai afeiçoando o artefacto. O ferro é teimoso, mas o artífice ainda o é mais. Astuto, amolece-o com o auxílio do fogo. O ferro fica submisso e o artista faz dele o que quer.
Duro é o trabalho de forjar o ferro, o que todavia não embota a sensibilidade artística do mesteiral, que para além de formas e volumes, é capaz de criar movimento. Quem é que ousa dizer que ele não é capaz de traduzir no ferro, o esvoaçar duma borboleta? Quem? Ninguém, pois o artífice é capaz de fazer isso e muito mais ou seja: tudo aquilo que a sua alma ditar às suas mãos, ao ritmo malhado do truca-truca, truca-truca, truca-truca.
 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Arte Pastoril - Memórias de um Coleccionador



Cartaz anunciador da Exposição

Catálogo da Exposição


ARTE PASTORIL – MEMÓRIAS DE UM COLECCIONADOR
Assim se chama a Exposição integrada por peças do meu acervo, as quais estarão patentes ao público na Galeria Municipal D. Dinis em Estremoz, entre 6 de Maio e 9 de Junho. A Exposição é uma organização da Câmara Municipal de Estremoz, do Museu Municipal Prof. Joaquim Vermelho e da Associação Filatélica Alentejana.

RAZÕES DUMA EXPOSIÇÃO
O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-me a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procuro aprender e partilhar saberes. A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as minhas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-me a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida, tal como é feito no catálogo desta Exposição. Interessa-me também o contacto, o convívio e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação. Tudo isto constitui um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural alentejana.

A ARTE PASTORIL COMO REFLEXO DA SOLIDÃO
Para além da vida ao ar livre, o dia-a-dia do pastor tinha uma particularidade evidente que era a permanente e incomensurável solidão. Lá diz o rifão: “Quem não tem que fazer, faz colheres”. Por isso, o pastor alentejano ocupava o tempo que lhe sobrava da guarda do rebanho, em confeccionar artefactos conhecidos genericamente por “arte pastoril”, presentes nesta exposição e aos quais estão indissociavelmente ligadas determinadas características:
1º - OS MATERIAIS: A arte pastoril era confeccionada com aquilo que era corrente na região: cortiça, corno, cana, bunho e madeira. Esta última podia ser de azinheira, buxo, carvalho, castanho, cerejeira, cipreste, esteva, figueira, laranjeira, nespereira, nogueira, oliveira, piorno, sabugo, sobro, vimeiro.
2º - A QUALIDADE DOS MATERIAIS: No caso da cortiça era preferida aquela que tinha menos poro, a fim de sobressair a decoração. Também com a mesma finalidade o corno devia ter uma superfície, o mais homogénea possível. No caso da madeira, o pastor escolhia um pau de qualidade, sem nós nem veios que viessem a fender depois da obra acabada.
3º - OS UTENSÍLIOS: Como principal instrumento de trabalho, servia-se da navalha ou da faca, mas utilizava também, por vezes, o ponteiro ou o lápis e a legra que transportava sempre consigo. Com o ponteiro ou o lápis era esboçada a geometria geral do artefacto, sendo o corte da madeira efectuado com a navalha ou a faca, ao passo que o côvado dos objectos, especialmente o das colheres, era escavado com a legra, utensílio constituído por uma navalha de barba, dobrada em gancho numa das extremidades.
4º - A FUNCIONALIDADE: Os objectos destinavam-se a desempenhar uma determinada função: uso doméstico, uso no trabalho, instrumento musical, brinquedo, prenda para a conversada, para a prometida, para o patrão ou para a patroa. Raras vezes o artefacto tinha função meramente decorativa ou de realce da habilidade e capacidade criativa do seu obreiro.
5º - A ERGONOMIA: É sabido que “A necessidade é mestra de engenho.” Daí que o pastor tivesse empiricamente adquirido competências que se traduziram na capacidade de conceber artefactos que fossem ergonómicos, isto é com qualidade de adaptação ao seu utilizador e à tarefa que ele tinha de realizar. Por outras palavras: os objectos deviam ser práticos de usar e facilitar o desempenho da função para que foram criados. Daí que tivessem de ser usáveis com eficácia, eficiência e satisfação. Com eficácia, porque distintos utilizadores eram capazes de se servir deles com bons resultados. Com eficiência, já que a sua utilização exigia pouco tempo e esforço físico. Com satisfação, tendo em conta a facilidade de utilização com parcos recursos de tempo e de esforço físico.
 6º - A DECORAÇÃO: Depois de por corte do respectivo material ter sido conseguida a forma geral do artefacto, este estava apto a ser decorado. Para tal e também com o auxílio do ponteiro ou do lápis, esboçava o desenho a executar, gravado ou escavado. Os motivos eram os mais diversos: vegetais (ramagens, folhas, flores), zoomórficos (mamíferos, aves, peixes), geométricos (triângulo, quadrado, círculo, rosetas, arabescos, cordas, zig zags), astrais (sol, lua, estrelas), simbólicos (coração, cruz, figa, signo saimão), imagens religiosas, etc. O traçado perfeito, rigoroso e absolutamente simétrico de rosetas, de estrelas e do signo saimão, não dispensava o uso do compasso.
Dentre os trabalhos executados podem citar-se os seguintes:
- De madeira: cáguedas, colheres, chavões, canudos para soprar o lume, ganchos de fazer meia, foicinheiras, etc.
- De cortiça: tarros, coxos, saleiros, caixas de costura, tropeços, etc.
- De corno: cornas azeiteiras, cornas azeitoneiras, polvorinhos, copos, caixas, colheres, etc.
- De cana: dedeiras, gaiolas para grilos, reque – reques, apitos, etc.
É de realçar a evolução da morfologia de alguns artefactos, que apesar de desempenharem genericamente funções idênticas, se foram diversificando e individualizando nos seus pormenores. São exemplos paradigmáticos, as colheres, as cáguedas e as cornas. A título de exemplo e no caso das colheres, eram determinantes: a capacidade da concha, a inclinação desta em relação ao cabo e o tamanho deste. A concha não podia ser minorca, tinha que possuir uma volumetria adequada, já que às vezes o seu utilizador a tinha de introduzir num barranhão colectivo donde comia ao desafio com outros camaradas. Também o ângulo entre a concha e o cabo devia assegurar um transporte do conteúdo até á boca do utilizador, sem o risco de entornar. Quanto ao cabo, este devia ser facilmente adaptável à mão do utilizador e no que concerne ao seu tamanho, decerto que a colher que o pastor ou o ganhão transportava consigo na fita do chapéu, o tinha menor que uma colher que fosse utensílio permanente da cozinha.
A colher conhecida por “colher de porqueiro” adquiriu uma tampa articulada, que aberta se transformava em prolongamento do cabo e quando fechada, reforçava a segurança do transporte na fita do chapéu. Já a colher conhecida por “colher provadora” era constituída por duas conchas ligadas através duma haste com um rego longitudinal e com um cabo perpendicular à haste, por onde era pegada por quem a utilizava. A concepção e utilização de uma colher com esta tipologia, remonta à época em que havia o receio de contágio por tuberculose. Deste modo, quem cozinhava a comida dos ganhões, recolhia a comida a provar com uma das conchas e inclinando a colher, fazia-a escorrer através do rego para a outra concha, donde era levada à boca para provar. A concha que era levada à boca nunca entrava em contacto com a comida no recipiente onde esta estava a ser confeccionada. Assim se procurava evitar o contágio e com ele mortes subsequentes.
A riqueza da nossa arte pastoril levou o etnólogo Virgílio Correia a afirmar em 1916 que "A Província do Alentejo é a lareira onde arde mais vivo, mais claro e mais alto, o fogo tradicional da arte popular portuguesa.”
Também o escritor João Falcato disse em 1953, que “Não sabe uma letra o pastor destas terras, em erudição nunca ouviu falar, e é poesia pura a linguagem da sua alma, e é poesia pura o que sai das suas mãos. E além de tudo mais uma qualidade tem a sua poesia. Não precisa dos livros para se imortalizar. Um raminho de buxo, um nada de cortiça, e, da inspiração fugidia, ficou alguma coisa nas nossas mãos. Perdão! nas mãos da sua conversada que cada Domingo as estende para receber a colher rendada com que se promete casamento ou o tarro com que se deseja abastança, e se acha ao fim e ao cabo como um poema em que se fala de amor.”

Hernâni Matos (Texto)
Luís Pereira (Fotografias)
Jorge Mourinha (Trabalho de imagem) 
Publicado inicialmente em 7 de Maio de 2012

CORNA AZEITONEIRA
Recipiente destinado a transportar azeitonas ou outro conduto, manufacturado a partir da parte central do corno, por ser a mais larga. Dimensões (cm): altura com tampa: 14,5; diâmetro superior: 6,8; diâmetro inferior: 6. Primorosamente lavrada com cenas de caça, tema da máxima universalidade e abrangência. Omnipresente, Cristo crucificado. Fundo de cortiça aplicado sob pressão. Abertura vedada por uma tampa igualmente de cortiça, tendo gravada uma rosácea hexalobada. No corno e inserida num círculo, a marca JR (Joaquim Rolo). Último quartel do séc. XX.


COLHERES COMUNS
Em madeira, de pequenas dimensões, por vezes transportadas por pastores e ganhões na fita do chapéu. Normalmente aquelas que tinham uma decoração mais requintada, eram destinadas a oferecer à conversada, à prometida, ao patrão ou à patroa. Da esquerda para a direita:
- Cabo com decoração floral e cordiforme. Comprimento (cm): 15;
- Cabo com decoração floral no topo e geométrica na base. Comprimento (cm): 17;
- Cabo com harmoniosa simetria axial povoada por motivos geométricos e vegetalistas, finamente bordados e realçados a cor. Comprimento (cm): 16.
Qualquer delas da primeira metade do séc. XX.

 CHAVÕES OU PINTADEIRAS
Marcadores em madeira, usados para marcar o pão ou decorar bolos, confeccionados muitas vezes em fornos colectivos. Independentemente da sua complexidade, cada um deles foi executado a partir de um único pedaço de madeira. Da direita para a esquerda:
- Chavão simples com a forma de pirâmide octogonal, ligada por um cilindro a uma argola. Face do carimbo decorada por uma rosácea hexalobada, inserida em dois círculos pontinhados, concêntricos. Dimensões (cm): comprimento: 11; diâmetro do carimbo: 4. Primeira metade do séc. XX.
- Chavão duplo constituído por dois troncos de cone que, alargando-se, partem em direcções opostas de um prisma hexagonal. Faces do carimbo decoradas por rosáceas hexalobadas diferentes, inseridas em dois círculos concêntricos, um simples e o outro pontinhado. Dimensões (cm): comprimento: 11; diâmetro dos carimbos: 2,5. Primeira metade do séc. XX.
- Chavão simples com a forma de tronco de cone, ligado por um cilindro a uma argola, por sua vez ligada a um elo. Face do carimbo decorada por uma rosácea hexalobada, inserida num cordão circular. Tronco de cone decorado com motivos geométricos e cilindro esculpido com triângulos em madeira. No tronco d e cone está inscrita a data: 24.5.1951. Dimensões (cm): comprimento com argola e elo: 10; diâmetro do carimbo: 4;
- Chavão duplo constituído por dois chavões simples com a forma de tronco de cone com argola, ligadas a outra argola. Faces dos carimbos decoradas, orladas por cordões circulares nos quais se inserem, num uma rosácea octolobada e no outro uma rosácea também octolobada, mas na qual corações alternam com lágrimas. Dimensões (cm): comprimento total: 15,5; diâmetro dos carimbos: 5. Primeira metade do séc. XX.

PENTE
Em madeira.Com 12 dentes que emergem da parte superior quadrangular com suspensão de recorte pentagonal irregular. Topo quadrangular com entalhes geométricos, simétricos, distintos nas duas faces.
Dimensões (cm): comprimento: 18; largura: 7; espessura: 0,6. Primeira metade do séc. XX.

FORCA DE FAZER CORDÃO
Artefacto em madeira, usado na tecnologia têxtil. Constituído por três conjuntos de elementos talhados na mesma peça plana: as hastes e o cabo constituído por duas secções, uma com forma elíptica e outra com forma circular. Dimensões da forca (cm): 5,2 x 0,5 x 15,8. Dimensões das diversas secções (cm): secção circular: 2,3; secção elíptica: 7,5; hastes: 6. As hastes, dispostas paralelamente, são utilizadas para fazer o entrançado do cordão que é enrolado à volta do cabo à medida que é feito. Para evitar a sua acumulação, o cabo apresenta um orifício ao centro da secção elíptica, através do qual o cordão já feito é retirado da forca. Fina e profusamente decorada com motivos florais e geométricos distintos em ambas as faces, com bordado com simetria axial em relação ao eixo vertical da forca. Primeira metade do séc. XX.  

CABAÇA DE COLO DIREITO COM PEGA E TAMPA
Recipiente para líquidos. Cabaça e madeira. Dimensões (cm): altura com tampa: 29; diâmetro do bojo: 16. Trabalho feito à navalha, com a superfície da peça pintada a anilina e coberta de rebaixos escavados, desenhando motivos geométricos. No fundo, a marca MSG (Miguel Serol Gomes). Último quartel do séc. XX. 

TARRETA
Recipiente em cortiça, com tampa, com puxador em corno, em forma de argola. Destinada a transportar e conservar os alimentos. Dimensões (cm): altura: 12; largura: 16; comprimento: 35. Peça com a forma de tronco elíptico, feito à navalha e decorada com entalhes, desenhando motivos geométricos. Num dos lados, no sentido do comprimento tem inscrita a data: 1962.

BORSAL
Estojo para protecção do machado corticeiro, com a forma característica da folha do mesmo. Constituído por duas metades em cortiça que encaixam uma na outra e que sujeitam a folha do machado com o auxílio de uma correia de couro, provida de fivela metálica. Decoração efectuada por entalhe, distinta nas duas faces, mas incluindo em qualquer delas, motivos geométricos, vegetalistas e simbólicos como o signo-saimão. Numa das faces, a marca J.A.V. e na outra, a data: 26.7.75. Dimensões (cm): comprimento: 25; altura: 17; espessura: 4.  

CORNA AZEITEIRA
Vasilha em corno, destinada ao transporte do azeite que fazia parte das comedorias dos pastores e era confeccionada a partir dos cornos dos bois de trabalho, os quais apresentavam hastes de maiores dimensões.Peça de forma curva, em corno de tons creme e acastanhado, madeira, ferro e couro. Dimensões (cm): Comprimento com vedantes de madeira: 42; Diâmetro da abertura: 6,5. Decoração entalhada com figuras humanas, zoomórficas e geométricas. Marca JR (Joaquim Rolo). Abertura vedada por uma tampa de corno, entalhada com quadrados, em cujo centro está embutido um tubo cilíndrico em madeira, vedado por uma tampa, igualmente em madeira. Visando facilitar o transporte, as duas extremidades da corna estão ligadas por uma tira de couro, fixa a argolas de ferro, ligadas a pitons do mesmo metal. Último quartel do séc. XX. 

POLVORINHO
Recipiente usado para guardar e transportar pólvora, bem como para alimentar armas de fogo de carregar pela boca. Peça de forma curva, em corno de tons creme e acastanhado, madeira, ferro e couro. Comprimento com tampa: 33 cm. Trata-se de um artefacto manufacturado em ponta de corno e com decoração entalhada com cena pastoril e figuras zoomórficas inseridas em molduras decoradas com motivos geométricos. O fundo, do mesmo material, embutido no corno, foi entalhado com losangos. Na extremidade oposta, uma tampa de madeira, cilíndrica. Na face com decoração zoomórfica, a marca JR (Joaquim Rolo). O polvorinho tem uma tira de couro que serve para suspensão. Esta, está atada à tampa com uma tira de couro presa na outra extremidade a uma argola de corno, fixa ao polvorinho por meio de um piton em ferro. Último quartel do séc. XX.

DANÇARINO
Brinquedo popular alentejano destinado a animar grupos de pessoas ao serão ou em festas. Tronco de cortiça. Cabeça e membros articulados em madeira de oliveira, que é a que melhor som produz sobre a base que funciona como piso de dança. Boa expressão facial. Cor do vestuário evocando as cores, verde e rubra da bandeira republicana. Manipulação horizontal ao nível do manipulador, o qual segura uma vara de madeira que encaixa pela retaguarda no orifício do centro do peito. O manipulador senta-se em cima duma tábua que fica com uma das extremidades livres e assenta os pés do fantoche em cima da tábua. Seguidamente imprime pancadas na tábua com o ritmo desejado, o que a faz vibrar e saltitar o boneco. Nos montes alentejanos, a manipulação era feita pelo chefe da família para entreter os filhos pequenos, o que acontecia quando regressava do trabalho ou ao serão, à luz da candeia ou do candeeiro a petróleo. Dimiensões (cm): 6 x 2 x 21,7. Primeira metade do séc. XX.



terça-feira, 17 de abril de 2012

A Crucificação na Pintura Portuguesa


Santíssima Trindade (c. 1530). Cristovão de Figueiredo (activo de 1515 a 1543).
Museu Nacional Soares dos Reis, Porto.


Segundo os Evangelhos, Jesus foi condenado a morrer na cruz numa sexta-feira e o responsável pela sentença foi Pôncio Pilatos, prefeito da província romana da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. apesar de não ter encontrado nele nenhuma culpa. Todavia os líderes judeus queriam a sua morte, por considerarem blasfémia Jesus dizer-se filho do Messias. Vejamos o que nos dizem os Evangelhos.
Jesus foi preso no Jardim de Getsémani (Marcos 14:43-52) e foi submetido a seis julgamentos – três por líderes judeus e três pelos romanos [João (18:12-14), Marcos (14:53-65), Marcos (15:1), Lucas (23:6-12), Marcos (15:6-15)].
Pilatos tentou negociar com os líderes judeus ao permitir que flagelassem Jesus, mas eles rejeitaram a proposta por não os satisfazer e pressionaram Pilatos a condená-lo à morte. Pilatos entregou-lhes então Jesus a fim de ser crucificado tal como eles pretendiam (Lucas 23:1-25). Os soldados escarneceram Jesus e vestiram-lhe um manto escarlate e impuseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos (Mateus 27:28-31).
Jesus veio a ser crucificado num lugar chamado Gólgota, que quer dizer “Lugar da Caveira”. Por cima da sua cabeça puseram uma tabuleta com o motivo da sua condenação: “JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS” [João (19,19), Lucas (23,38)]. Na ocasião foram também crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. (Mateus 27:33-38). A escuridão cobriu então o céu durante três horas (Lucas 23:44), até que Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isto, expirou. (Lucas 23:46). Os relatos evangélicos mostram que Jesus entregou livremente a vida a Deus pela redenção da humanidade.
O sentido espiritual da cruz indicado pelo próprio Jesus (Mateus 10:38), fez com que ela passasse a ser sinal sagrado e objecto de culto.
Na pintura portuguesa, a crucificação foi objecto de quadros pintados por autores como Cristovão de Figueiredo (activo de 1515 a 1543), Vasco Fernandes (activo de 1501 a 1540), Diogo de Contreiras (c.1500-1565), António Nogueira (15??-1575), Pedro Nunes (1586-1637), Baltazar Gomes Figueira (1604-1674) e Josefa de Óbidos (1630-1684). Nas suas obras, Jesus é representado em sofrimento ou no repouso da morte. Passemos em revista essas representações, aqui visualizáveis de uma forma cronológica.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 17 de Abril de 2012


Calvário (c. 1535-40). Vasco Fernandes (Grão Vasco) (activo de 1501 a 1540).
Óleo sobre madeira (242,3 x 239,3 x 81 cm). Museu de Grão Vasco, Viseu. 

Calvário (c. 1550). Diogo de Contreiras (c.1500-1565).
Óleo sobre madeira (122 x 88 cm). Misericórdia de Abrantes. 

Descida da Cruz (1564). António Nogueira (15??-1575).
Óleo sobre madeira (115 x 115 cm). Museu Rainha D. Leonor, Beja.  

Descida da Cruz (1620). Pedro Nunes (1586-1637).
Óleo e têmpera sobre madeira. Capela do Esporão da Sé de Évora. 

Calvário (1636). Baltazar Gomes Figueira (1604-1674).
Óleo sobre tela (169 x 99,5 cm). Igreja da Santa Casa da Misericórdia, Peniche. 

Calvário (1679). Josefa de Óbidos (1630-1684).
Óleo sobre madeira (160 x 174 cm). Santa Casa da Misericórdia, Peniche.