terça-feira, 7 de setembro de 2010

O prazer da gastronomia alentejana


COZINHA DOS GANHÕES - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

COZINHA DOS GANHÕES
Há muito que foi sobejamente demonstrado que o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria. Assim o atesta a sua paisagem singular, o carácter do seu povo, o trajo popular, a arte popular, o cancioneiro popular, o cante, a casa tradicional e é claro a gastronomia, que anualmente está em grande destaque em Estremoz, na Cozinha dos Ganhões, que em Novembro de 2010 vai ter a sua XVIII edição.
Na Cozinha dos Ganhões é possível partilhar com os outros, o prazer da gastronomia alentejana.
GASTRONOMIA ALENTEJANA
É sabido que o Alentejo é a região do borrego e do porco e estes são recursos com elevada cotação na bolsa de valores gastronómicos. Daí que na Cozinha dos Ganhões, o borrego e o porco imperem como reis e senhores. Ensopado de borrego, cozido de borrego com grão, borrego assado no forno, segredos de porco, lombo de porco assado, migas com carne de porco e carne de porco à alentejana são pratos definidores da nossa identidade cultural, como o são a açorda, o gaspacho, a sopa de cação, a sopa de beldroegas ou a nossa doçaria conventual.
A gastronomia alentejana é património culinário legado pelos nossos ancestrais: pré-históricos, fenícios, celtas, romanos, visigodos, mouros e ganhões. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, pois barriga vazia não conhece alegrias... Por isso, apetece gritar bem alto: - Viva o património mastigável! - Viva!
A gastronomia alentejana envolve as matérias-primas usadas na preparação dos pratos de culinária alentejana, a culinária alentejana propriamente dita e os vinhos alentejanos.
No que respeita às matérias-primas usadas na preparação dos pratos de culinária alentejana, podem-se classificar em cinco tipos:
1 – Vegetais [1]: batatas, túberas, cogumelos, alabaças (labaças ou catacuzes), arrabaças, cardinhos (tengarrinhas) acelgas (celgas), saramagos, cunetas, pimpalhos, beldroegas, espinafres, nabiças, espargos, couve, repolho, tomate, abóbora, mogango, pepino, pimento, feijão, feijão-frade, grão, favas, ervilhas e azeitonas.
2 – Carne e ovos - carne, bofe, fígado, gordura, coração e pés de porco, chispe, entrecosto, chouriço, farinheira, morcela, toucinho, mioleira, carne de borrego, caça e ovos.
3 – Pescado - bacalhau, cação e pexelim.
4 – Temperos [2] - sal, massa de pimento, alho, cebola, azeite, vinagre, poejo, coentros, salsa, hortelã, salva, manjerona, orégãos, murta, tomilho, hortelã da ribeira, louro, colorau, cominhos, cravinho e pimenta.
5 - Pão – O alentejano é pãozeiro, gosta de comer tudo com pão. Come-se pão quando se tira uma bucha com queijo ou chouriço, para enganar a fome a meio da manhã ou a meio da tarde. O pão é de resto acompanhamento obrigatório de qualquer refeição e matéria-prima essencial à confecção de alguns pratos da nossa gastronomia (migas com carne de porco, açorda, sopa de cação, sopa da panela, etc.). E o melhor pão alentejano é naturalmente o do tipo conhecido por pão caseiro, como aquele que antigamente era cozido nos fornos dos montes, alimentados por labaredas de esteva.
No que concerne à culinária alentejana, o fogo permite criar sabores, por detrás dos quais estão sábias operações de alquimia doméstica como o cozer, o grelhar, o assar, o alourar, o refogar, o fritar e o gratinar. Através delas se busca atingir o sabor criado pelo fogo e nelas, mais que magia iniciática de pedra filosofal demandada, o sabor encontrado constitui um prazer simultaneamente onírico e telúrico.
No que se refere aos vinhos alentejanos, estes fazem parte integrante da gastronomia, para acompanhar aquilo que se come. A paisagem e o solo alentejano e em particular, os de Estremoz, são dádivas que a natureza se encarregou de conceder em termos de condições perfeitas para a plantação e exploração da vinha. Os solos são argilosos, argilo-calcários ou de origem xistosa.
Os vinhos tintos, em maioria, nascem de castas nacionais como Aragonês, Trincadeira Preta, Castelão, Tinta Caiada, Touriga Nacional e Alicante, mas são ainda utilizadas castas internacionais como Syrah, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Petit Verdot e Merlot.
Os vinhos brancos, em minoria, nascem de castas como: Antão Vaz, Arinto, Roupeiro e Rabo de Ovelha.
A vindima é manual, com rigorosa selecção de cachos, de modo a originar vinhos de excepção. A pisa é feita a pé, em lagares. A fermentação realiza-se em cubas inox, seguida de transfega para pipas de carvalho francês, onde os melhores lotes vão estagiar.
As adegas alentejanas utilizam tecnologia moderna baseada em métodos tradicionais antigos. São várias gerações de sabedoria, ao serviço da arte da vinicultura, produzindo vinhos de alta qualidade.
A variedade de vinhos alentejanos torna o seu consumo adequado a quase todos os tipos de pratos da nossa gastronomia, fazendo ponte com eles, constituindo como que uma espécie de binómio prato-vinho. 
[1] - “…os alentejanos, motivados pelas fomes periódicas, foram obrigados a aprender a comer a ervas que os campos lhes oferecem. Poejos, alabaças, espargos, beldroegas, arrabaças, acelgas, saramagos, cardinhos, orégãos, etc” – ALVES, Aníbal Falcato – Os Comeres dos Ganhões. Porto: Campo das Letras, 1994.
[2] - Para “…compensar a magreza do caldo com ouropéis mágicos de ervas, cheiros e misturas que dão sabores disfarceiros das pobrezas.” – Helder Pacheco in prefácio a ALVES, Aníbal Falcato – Os Comeres dos Ganhões. Porto: Campo das Letras, 1994.

Publicado inicialmente em 7 de Setembro de 2010

PASTOR DAS MIGAS - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

COQUEIRA - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

MULHER A COZINHAR - Boneco de Estremoz das Irmãs Flores.
Fotografia de José Cartaxo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A ânsia de toda a beleza do mundo



O cancioneiro popular encarregou-se de "arranjar um par de botas" aos sapateiros, que geralmente nele são mal vistos. Talvez porque haja repentistas que são autênticas "linguinhas de prata":

“Sapateiros e alfaiates
São uma súcia de ladrões:
Sapateiro furta a sola,
Alfaiate, os botões.” [1]

Já a nível da arte pastoril, parece existir maior apreço pelos sapateiros, uma vez que na solidão eremítica da charneca alentejana, o rabadão que já fora zagal e já andara descalço, sabia o que era andar a pé limpo por sobre a terra escaldante, as rochas angulosas ou a vegetação parente do saramago.
Quem anda a pé limpo, tem um pé blindado, que só encontra parente próximo nas mãos do cortiçeiro envolvido em tórrida e recente despela.
Quantos não foram os camponeses alentejanos que usaram calçado pela primeira vez, quando foram à tropa?
Por isso, o camponês alentejano era capaz de exaltar e mitificar coisas aparentemente comezinhas, como o calçado.
É o caso deste sapato (9, 5 x 2 x 3 cm), talhado e bordado em madeira, por quem se identificou com a obra e resolveu deixar na sola, a sua marca de criador: JMV.
Comprado no Mercado das Velharias em Estremoz, mercado de memórias, onde eu faço parte da “mobília”, na qualidade de comprador.
Não é um sapato frívolo de quem anda envolvido em danças de salão. É um sapato sóbrio e austero, nascido da alma de quem conhece a dureza do que é andar a pé limpo num solo que corta como lancetas. Mas é um sapato bordado, porque o camponês, servo da gleba, tinha na sua alma, a ânsia de toda a beleza do mundo.

[1] – ALCÁÇOVAS – Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume I. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1975.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

António Telmo (1927-2010)

ANTÓNIO TELMO (1927-2010)
Fotografia de João Albardeiro

O filósofo, escritor e professor António Telmo faleceu no passado sábado, dia 21 de Agosto, ao princípio da manhã, no Hospital de Évora. O seu funeral realizou-se no domingo, dia 22, em Estremoz. Com o seu óbito, a Cultura e a Filosofia Portuguesas ficaram mais pobres. Estremoz perdeu um filho adoptivo, intelectual de prestígio, com obra e nome firmados a nível planetário.
António Telmo era um filólogo e um hermeneuta, envolvido no esoterismo e no hermetismo, na procura daquilo que está oculto e que pode ser revelado e desvendado. E fê-lo, sobretudo, através do estudo da kabbalah, do sufismo e da filosofia. Era visto como o maior representante vivo do grupo do movimento da “Filosofia Portuguesa” fundado por Álvaro Ribeiro.
Para António Telmo, a reflexão filosófica deve ser exercida informalmente, livre dos grilhões da Academia, pelo que acreditava que aprendeu muito mais nas tertúlias de café do que nas salas de aula da Universidade.
A obra de António Telmo é caracterizada pela importância conferida à palavra e à linguagem, através das quais, segundo o autor, se pode aceder a regiões mais profundas do conhecimento e da espiritualidade.
António Telmo defendia, igualmente, a originalidade do pensamento português, ligado ao conceito de portugalidade, a um patriotismo de raiz mística, à tradição cultural e à poesia.
António Telmo Carvalho Vitorino nasceu a 2 de Maio de 1927, em Almeida, de onde saiu com dois anos de idade, a caminho de Angola. Regressou a Portugal com seis anos, para Alter do Chão. Daqui vai para Arruda dos Vinhos, onde permaneceu até aos dezasseis. Da Arruda mudou-se para Sesimbra, onde ficou até ir para Lisboa, frequentar a Universidade. Na sua infância e juventude, foi um autodidacta, pois estudava em casa e fazia os exames em Lisboa.
Aos vinte e três anos, entrou para o grupo da Filosofia Portuguesa, depois de ter travado conhecimento com José Marinho (1904-1975), Álvaro Ribeiro (1905-1981), Agostinho da Silva (1906-1994) e Eudoro de Sousa (1911-1987).
Por convite destes dois últimos, no início dos anos 60 foi professor de Literatura Portuguesa, durante três anos, na Universidade de Brasília. De lá foi para Granada e, só depois, é que regressou a Portugal. Foi director da Biblioteca de Sesimbra e posteriormente fixou-se em Estremoz onde leccionou Português na Escola Preparatória Sebastião da Gama, continuando a publicar livros com regularidade.
Discípulo de Agostinho da Silva, António Telmo lega-nos uma extensa obra:
- Arte Poética, Lisboa, Guimarães, 1963.
- História Secreta de Portugal, Lisboa, Vega, 1977.
- Gramática secreta da língua portuguesa, Lisboa, Guimarães, 1981.
- Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, Lisboa, Guimarães, 1982.
- Filosofia e Kabbalah, Lisboa, Guimarães, 1989.
- O Bateleur, Lisboa, Átrio, 1992.
- Horóscopo de Portugal, Lisboa, Guimarães, 1997.
- Contos, Lisboa, Aríon, 1999.
- O Mistério de Portugal na História e n’ Os Lusíadas, Lisboa, Ésquilo, 2004.
- Viagem a Granada, Lisboa, Fundação Lusíada, 2005.
- Contos Secretos, Chaves, Tartaruga, 2007.
- A Verdade do Amor, seguido de Adoração: Cânticos de amor, de Leonardo Coimbra, Lisboa, Zéfiro, 2008.
- Congeminações de um neopitagórico, Vale de Lázaro, Al-Barzakh, 2006/ Lisboa, Zéfiro, 2009.
- A Aventura Maçónica, Lisboa, Zéfiro, 2010.
- Luís de Camões, Estremoz, Al-Barzakh, 2010.
- O Portugal de António Telmo, Lisboa, Guimarães, 2010.
À família enlutada apresentamos as nossas mais sentidas condolências.

Publicado também no nº 91 (3-9-2010) do Jornal ECOS
e em Estremoz Net

sábado, 28 de agosto de 2010

Os motores de combustão a palha


Carros de bois alentejanos com trigo para a eira. Cliché de bilhete-postal ilustrado do início do século XX
Edição de Faustino António Martins – Lisboa.

Na labuta diária das herdades alentejanas, os carros de tracção animal eram um equipamento indispensável ao lavrador, no transporte da carga de um lado para o outro. E o papel dos carros agigantava-se quando das grandes fainas agrícolas, como as ceifas ou a tiragem da cortiça. Eram carros puxados a bois ou a mulas, embora burros e cavalos também pudessem ser utilizados.
Para se transportar na herdade, o lavrador andava a cavalo ou de charrete, veículo que de resto utilizava quando ia à vila ou à cidade, tratar de assuntos do seu interesse.
Os camponeses com mais posses deslocavam-se em carroças com toldo (churriões) que os protegiam tanto da chuva como da torrina do sol.
Na cidade, os recoveiros usavam carroças puxadas a mulas, para transportar mercadorias entre a estação da CP ou da camionagem e os estabelecimentos comerciais.
O cancioneiro popular tem referências sobre almocreves e carreiros:

“A vida dum Almocreve
É uma vida arriscada,
Ao subir duma ladeira
E ao descer duma carrada.” [1]

“Sou almocreve de uma parelha,
Carreteio e faço lavoura:
Sou da freguesia da Amareleja,
Pertencente ao concelho de Moura.” [2]

“O meu amor é carreiro,
Traz arreatas na mão;
Também eu o trago a ele
Dentro do meu coração.” [3]

O rifonário popular tem referências a “carreiro”:
- “Muito fraco é o carreiro que tem um carro só”
Tem também referências a “carregar”:
- “Quem pega peso de graça é a balança.”
Tem ainda referências a “carga”.
- “A carga leve, ao longe pesa.”
- “Carrega o carro à traseira, andará à dianteira.”
- “Carrego caído, carrego vendido.”
- “Carro carregado pode com mais um rameiro.”
- “Grande carga leva a carreta, maior a leva o dono dela.”
- “Para a banda é que a carga cai.”
- “Quem não pode com a carga, arreia.”
Nos carros era indispensável a corna do sebo, usada no transporte de sebo com que se ensebavam os eixos dos carros de tracção animal, afim de evitar a infernal chiadeira que nos atazanava os ouvidos. As carroças carregavam normalmente esta corna na parte traseira, pendurada para o lado de fora dos varais ou então por debaixo do estrado. Lá diz o rifonário popular:
- “Pelo andar dos bois se conhece o peso da carroça”
- “Carro apertado é que canta”
- “O boi é que sofre, o carro é que geme”
- “Carro que chia quer untura”
- “Quem seu carro unta, seus bois ajuda”
- “Carro que canta, a seu dono avança”
- “Carro que não canta, não avisa chegada”
- “Carro parado não guincha”
Assim foi seguramente até aos anos sessenta do século passado, em que a tracção dos veículos era assegurada por bois, mulas, burros e cavalos. Animais estes que eu designo genericamente por motores de combustão a palha. Estes motores são do melhor que há. O lubrificante é água fresca, não poluem e produzem a afamada bosta portuguesa, que além de ser bio-degradável tem reconhecidas propriedades fertilizantes. Apetece-me assim proclamar:
- VIVA OS MOTORES DE COMBUSTÃO A PALHA!
- VIVA A BOSTA PORTUGUESA!
Na actualidade, o fertilizante expelido pelos motores de combustão a palha poderia ser alvo de intervenção da ASAE. E das duas uma: ou se purgavam os motores para não bostarem ou se purgava a ASAE. Inclino-me mais para a segunda solução, pois a primeira deixaria os motores enfraquecidos, o que faria baixar a sua potência e o seu rendimento. Haveria, pois, que purgar a ASAE.
Esta crónica está a crescer e sinto que há da vossa parte um certo mal-estar, por se estar a falar da comida de alguns (a palha) e estarmos todos de barriga vazia. E como "Barriga vazia não conhece alegrias", há que vos dar algo que comer.
Como se tem estado a falar de palha, já estou a ver que alguém que só vê em mim, ruins intenções, deve estar a pensar que eu o quero presentear com um "bife de 3 arames". Nada disso. A minha real intenção era oferecer a todos os intervenientes e seguidores desta discussão, uma caixinha de "palha de Abrantes". Porém, o meu irmão gémeo, que é mais prudente do que eu e que ao contrário de mim, é forreta, desaconselhou-me disso:
- “Eh pá, tira daí o sentido. Com a calorina que está, isso a seguir pelo correio, nem as moscas a queriam.”
E rematou:
- “Era como se estivesses a condenar os teus amigos a apanhar uma sultura!”
Então não querem lá ver que o ferrabrás do meu irmão gémeo é capaz de ter razão?
Só há uma solução, é dar-vos mesmo palha. Não a real palha que dá para encher a barriga. Por isso ireis continuar de barriga vazia. Mas podereis ficar alegres pela minha lembrança de vos enviar proverbial palha. Aqui vai uma carrada dela: 
 “A água de Janeiro traz azeite ao olival, vinho ao lagar e palha ao palheiro.“
- “A barriga de palha, a feno se enche.“
- “A majestade sem potência é gigante de palha.“
- “A palha no olho alheio e não trave no nosso.”
- “A palha, boa ou má, toda faz palheiro.”
- “Antes palha do que nada.”
- “Burro velho, palha nova.”
- “Com palha e milho, leva-se o burro ao trilho.”
- “Dia de S. Barnabé, seca-se a palha pelo pé.”
- “Em ano bom o grão é feno e no mau a palha é grão.”
- “Fogo de palha não dura.“
- “Inimigos nem de palha.“
- “Maio hortelão, muita palha, pouco pão.”
- “Melhor é palha que nada.”
- “Nem todos os doidos estão nas palhas.“
- “O que é palha, palheiro enche.”
- “O vento ajusta a palha e depois espalha.“
- “O vento suão cria palha e grão.“
- “Ofício de albardeiro, mete palha e tira dinheiro.”
- “Toda a palha faz palheiro.”
- “Todo o burro come palha, o ponto é saber-lha dar.”
- “Tudo o que é palha enche palheiro.”
- “Um homem de palha, vale uma mulher de ouro.“
Esta proverbial palha alimenta o espírito e pode ser consumida sem qualquer receio. Mesmo o da ASAE, porque a proverbial palha não se transforma em fertilizante orgânico daquele que serve para adubar as terras, mas antes em fertilizante espiritual, que podereis usar se assim o entenderdes, na adubação das vossas searas de escrita.
Lá está o meu irmão gémeo a atazanar-me o juízo outra vez:
- “Eh pá, acaba lá isso, que é só palha e para alguns é palha a mais.”
Será que tem razão, o implicante? É que o meu irmão gémeo, que é irritante como tudo, costuma dizer à tripa forra:
-" O que tu tens é palheta!"
Uma ração de palha quer-se farta, para maximizar a pujança do consumidor. Daí que eu agora vos alimente com uma boa dose de palha metafórica:
“A lume de palha = Rapidamente“
“A nome de palhas = De graça”
“Cor de palha = Cor amarelada“
“Fumo de palha = Coisa de pouco valor“
“Homem de palha = Homem preguiçoso“
“Meter palha na albarda = Iludir alguém com palavras enganadoras“
“Morrer nas palhas = Morrer pobre“
“Não mexer uma palha = Ser preguiçoso“
“Nascer nas palhas = Ser pobre de nascença“
“Por dá cá aquela palha = Por motivo fútil“
“Tirar palha a alguém = Gracejar“
“Tomar a palha a alguém = Exceder alguém“
“Travar palha com alguém = Gracejar“
“Vá para as palhas! = É doido!“
Como sobremesa da refeição, tendo em conta que o substantivo “palha” tem como diminutivo o substantivo “palhinha”, vou-vos presentear com uma pequena dose de palhinha metafórica:
“Tirar palhinha = Gracejar”
“Esconder a palhinha = Ser homosexual”
E pronto, a palheta chegou ao fim e com ela a presente crónica.


[1] - MOURA - Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume II. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1979.
[2] - AMARELEJA (Concelho de Moura) - Recolha da Casa do Povo divulgada por Luís Chaves in Primeira Investida na Colheita Folclórica (Lírica) das Casas do Povo. Mensário das Casas do Povo, nº 225, Lisboa, 1965.
[3] - VEIROS- Concelho de Estremoz - Recolha de VASCONCELLOS, J. Leite de. Idem. Obra citada.

Carradas de cortiça na Herdade da Favela. Bilhete-postal ilustrado do início do século XX.
Edição de Faustino António Martins – Lisboa.

Churrião. Bilhete-postal ilustrado do início do século XX.
Edição de Faustino António Martins – Lisboa.
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Churrião junto ao Aqueduto – Elvas. Bilhete-postal ilustrado de meados do séc. XX.
Edição da Livraria e Papelaria Rego - Elvas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O jogo do botão


Os miúdos do Espírito Santo – foto de Manuel Gato – 1955. No 1º plano e da esquerda para a
 direita: Armando Pereira, Manuel Maria Gato, Jorge (maluco) e António Maria Craveiro. No
2º plano e da esquerda para a direita: Zé (prima do Manuel Maria), Manuel (da avó), Rodrigo
André (de mãos cruzadas), Hernâni Matos (com o braço à cintura), Maria Evelina Roma e
Guilhermina Massano. Os rapazes eram meus companheiros do jogo do botão.


O JOGO EM SI
Quando era puto jogava ao botão.
Vocês sabem como é que se jogava ao botão?
Em primeiro lugar, era preciso ter botões e eu tinha-os guardados num pequeno talêgo confeccionado pela minha mãe e que transportava sempre comigo num dos bolsos das calções, para não ser apanhado desprevenido quando era desafiado para jogar. A maioria das vezes por quem queria obter desforra por ter perdido em jogo anterior. O talêgo era para mim precioso, pois era nele que eu guardava ciosamente a existência utilizada na jogatina.
No caso mais simples de serem só dois, os rapazes a jogar, tirávamos à sorte para ver quem era o primeiro. Este, depois de escolher no seu talêgo, o botão com que queria jogar, atirava-o contra a parede, de forma a fazer ricochete e ir parar o mais longe possível. Era depois a vez do segundo jogador fazer o mesmo, procurando que o seu botão ficasse o mais próximo possível do botão do adversário. Duas coisas podiam então acontecer:
- Se o botão lançado ficasse a uma distância igual ou inferior a um palmo dos seus, ganhava o botão do oponente e guardava-o. Cabia-lhe então a ele reiniciar o jogo.
- Se o botão lançado ficasse a uma distância superior a um palmo dos seus, o primeiro jogador levantava o seu botão, atirando-o novamente à parede, procurando que ficasse a menos de um palmo do botão do outro jogador, para lho ganhar.
Ganhava naturalmente o jogo, aquele que ganhasse maior número de botões.
No meu caso, tinha por hábito pregar um berro, gritando “Palmo!”, no exacto momento em que demonstrava sem sofismas, com o meu palmo a servir de bitola, que acabara de ganhar o botão.
Desde puto que gosto de botões. Nasci e cresci no meio deles, já que o meu pai era alfaiate e eu um praticante emérito do jogo do botão, dado ser dotado de razoável pontaria, acrescida de um abonado palmo de mão, correspondente à minha, desde sempre avantajada figura.
E tanto jogava com uma mirôla (botão de ceroula), como com um chapéuzinho de chumbo ou de lata ou com o mais anónimo dos botões. Era tudo uma questão de estratégia e de controlar a batida na parede. Depois o meu palmo encarregava-se do resto. Por isso, quando chegava a casa, levava o talêgo sempre reforçado de munições e quase sempre cheio. Por vezes, o massacre do talêgo dos meus companheiros de botão, era interrompido pela voz da minha mãe:
- Hernâni, anda para a mesa, que são horas de almoço.
E lá ia eu num ápice, que a barriga já dava horas e o meu pai não gostava de faltas de respeito. Digam lá vocês, quem é que podia resistir a um chamamento destes?
Às vezes, nós os jogadores, trocávamos botões uns com os outros, sendo que os botões maiores e mais raros, valiam mais que os outros mais vulgares. O mesmo se passava com as mirôlas e os chapéuzinhos de chumbo e de lata. O valor de troca era sempre negociado entre as partes.
Eu gostava da mirôla quando queria atingir maiores distâncias. Para distâncias menores, o meu preferido era o chapéuzinho de lata, que fazia menos ricochete que a mirôla. Para distâncias ainda mais curtas, era mais adequado o chapéuzinho de chumbo, já que fazia menos ricochete.
A mirôla era mais adequada quando éramos os primeiros a jogar, para atirarmos o botão o mais longe possível. Já quando éramos os segundos, não era a o botão mais indicado, porque fazia mais ricochete ao cair e a posição final era mais incerta. Para isso era mais indicado o chapéuzinho de lata ou mesmo o de chumbo, se a distância fosse mais curta.

O COLECCIONISMO DE BOTÕES 
Colecciono botões desde os meus tempos do jogo do botão. O meu pai era alfaiate e também herdei os botões dele, embora só tenha ficado com alguns. Como coleccionador, dada a diversidade de botões, senti necessidade de me especializar. Quem herdou então a maioria dos meus botões foi a minha filha, que os guarda religiosamente num monumental boião, que eu atempadamente baptizei de “Catedral do Botão”. Quanto a mim, resolvi especializar-me em botões de latão, porque o latão é a minha paixão. Daí que nas feiras de velharias procure sempre botões amarelos de fardamentos, que tenho organizados numa caixa com divisórias. E sabem que mais? Procuro completar um conjunto destes botões com a mesma coroa real portuguesa, para substituir os do “blaser”, que uso no dia de ser chique.

OS BOTÕES NA LITERATURA ORAL
Preocupado com questões de oralidade da língua, dei-me ao trabalho de pesquisar a presença dos botões na literatura oral.
A nível do adagiário popular é conhecido o provérbio:
- “Falar para com os seus botões.”
Daí que o cancioneiro popular, pela voz irónica do algarvio António Aleixo (1899-1949), proclame que:

“Dizem lá com seu botões,
Pessoas ricas e nobres:
Dez mil reis em meios tostões,
Davam para duzentos pobres.”

Os botões podem de resto ser motivo de agrado por uma peça de vestuário:

“Ó Joaquim, Joaquim,
Ó Joaquim Ramalhete;
já me cá estão a agradar
os botões do teu colete.” [1]

Ao jogo do botão são aplicáveis os provérbios do “perder” e do “ganhar”:

- “Ninguém perde sem outro ganhar.“
- “Nunca um perde, sem outro ganhar.“
- “ Perder deu mais pesar, que deu prazer o ganhar.“
- “Perder e ganhar, tudo é jogar.“
- “Quando um perde, o outro ganha.“
- “Quem ganha, também perde.“
- “Só ganha quem joga. “

Em termos de literatura oral, existem adivinhas cuja solução é o “botão”:

“Qual é a coisa,
qual é ela,
que mesmo dentro de casa
está sempre fora dela?”

“Qual é a coisa,
qual é ela,
que mal entra em casa,
se põe logo à janela? “

“Qual é a coisa
que tem o lugar
no meio da casa?”

“Qual é a coisa
que faz mais falta numa casa? “

“Minha casa
não tem telha,
quando entro
vou de esguelha.”

“Feito de ossos de animais,
sendo redondo sou chato:
tenho um olho, raro três,
muitas vezes dois ou quatro. 

"Tenho uma casa só minha,
não entra lá nunca alguém:
vivo nela ou junto dela,
não cabe lá mais ninguém.“

Também conheço uma adivinha cuja solução é “botões”:

“São muitos vizinhos
com os mesmos modos;
quando um erra,
erram todos.”

A nível de lengalengas conheço esta:

“Rei, capitão
Soldado, ladrão
Menina bonita
Do meu coração.”

Esta lengalenga era acompanhada seguindo a sequência dos botões da peça de vestuário com o dedo polegar, a partir duma das extremidades. Assim, se a peça de vestuário tinha um botão, era-se “rei”, o que era o máximo. Se tivesse dois, era-se “capitão”, o que ainda era bom. Com três, era-se “soldado”, o que era menos bom. Com quatro, era-se “ladrão”, o que ninguém gostava de ser. Para os rapazes era péssimo ter cinco botões na peça de vestuário, pois então era-se “menina bonita”, o que era motivo de risota geral. Conta-se que alguns faziam birra em casa para não levarem para a escola, nada que tivesse cinco botões. Vejam lá as partidas que a língua portuguesa pregava aos pais de então.

[1] - JUNCEIRA (Tomar). Recolha de REDOL, Alves. Cancioneiro do Ribatejo. Centro Bibliográfico. V. Franca de Xira: 1950.

Publicado pela primeira vez em 23 de Agosto de 2010
O presente texto integra o meu livro "Memórias do Tempo da Outra Senhora"

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O vinho na tradição bíblica

BODAS DE CANÁ - Fresco de Giotto di Bondone (1267-1337), executado em 1302-05 na Cappela Scrovegni, em Pádua.

O SIMBOLISMO DO VINHO

Na Bíblia são múltiplas as referências ao vinho, o qual surge nos diversos livros sagrados com simbolismos diferentes.
Por um lado, o vinho é sinal e símbolo de alegria:
- e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe sustenta as forças. (Salmos 104:15)
- Ora, pois, come alegremente teu pão e bebe contente teu vinho, porque Deus já apreciou teus trabalhos. (Eclesiates 9:7)
É também símbolo de todas as dádivas que Deus fez aos homens:
- Deus te dê o orvalho do céu e a gordura da terra, uma abundância de trigo e de vinho! (Génesis 27:28)
Nas religiões vizinhas de Israel, o vinho é bebida dos deuses:
- Dirá: onde estão os seus deuses, o rochedo em que confiavam, (Deuterenómio 32:37) que comiam a gordura dos seus sacrifícios e bebiam, o vinho das suas libações?
- Levantem-se para vos socorrer; sejam eles vosso abrigo! (Deuterenómio 32:38)
Daí que Israel lhe tenha reconhecido um valor sagrado, onde tem o seu lugar nos sacrifícios de culto:
- Com o primeiro cordeiro oferecerás a décima parte de um efá de flor de farinha amassada com um quarto de hin de óleo de olivas esmagadas, e como libação um quarto de hin de vinho. (Êxodo 29:40)
Paralelamente, atenda-se ao sacrifício sangrento da aliança:
- Enviou jovens dentre os israelitas, os quais ofereceram holocaustos e sacrifícios ao Senhor e imolaram touros em sacrifícios pacíficos. (Êxodo 24:5).
- Moisés tomou a metade do sangue para metê-lo em bacias, e derramou a outra metade sobre o altar. (Êxodo 24:6)
- Tomou o livro da aliança e o leu ao povo, que respondeu: "Faremos tudo o que o Senhor disse e seremos obedientes." (Êxodo 24:7)
- Moisés tomou o sangue para aspergir com ele o povo: "Eis, disse ele, o sangue da aliança que o Senhor fez convosco, conforme tudo o que foi dito." (Êxodo 24:8)
E atenda-se também que o vinho é declarado como o sangue das uvas:
- Amarra à videira o jumentinho, à cepa o filho da jumenta. Lava com o vinho suas vestes, com o sangue das uvas o seu manto. (Génesis 49:11)
- A manteiga das vacas, o leite das ovelhas, a carne gorda dos cordeiros, dos carneiros de Basã e dos cabritos, com a fina flor do trigo. E bebeste como vinho puro o sangue das uvas (Deuteronómio 32:14)
Desde o êxodo, o sangue terá sido substituído pelo vinho nos sacrifícios. O vinho simboliza assim o sangue e o sacrifício.

AS BODAS DE CANÁ

No vinho podemos ver um símbolo eucarístico, quando Jesus transforma a água em vinho nas bodas de Caná (João, 2):
- Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. (João 2:1)
- Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. (João 2:2)
- Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. (João 2:3)
- Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. (João 2:4)
- Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser. (João 2:5)
- Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas. (João 2:6)
- Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima. (João 2:7)
- Tirai agora , disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram. (João 2:8)
- Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era {se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água}, chamou o noivo (João 2:9)
- e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora. (João 2:10)
- Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. (João 2:11)
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A ÚLTIMA CEIA

Convém recordar a última ceia, recorrendo a Marcos:
- Durante a refeição, Jesus tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lho, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. (Marcos 14:22)
- Em seguida, tomou o cálice, deu graças e apresentou-lho, e todos dele beberam. (Marcos 14:23)
- E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos. (Marcos 14:24)
- Em verdade vos digo: já não beberei do fruto da videira, até aquele dia em que o beberei de novo no Reino de Deus. (Marcos 14:25)
Observe-se outro simbolismo do vinho expresso na afirmação. “E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos”. (Marcos 14:24).
Para os cristãos, a Última Ceia foi a primeira Eucaristia ou Comunhão.

A CONDENAÇÃO DA BEBEDEIRA

O consumo exagerado de vinho conduz à bebedeira, que a Bíblia condena conforme nos diz o apóstolo Paulo:
- Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, (Gálatas 5:19).
- idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, (Gálatas 5:20).
- invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus! (Gálatas 5:21).
É o mesmo apóstolo Paulo que proclama:
- Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, (Gálatas 5:22).
- brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei. (Gálatas 5:23).
São abundantes, de resto, as referências bíblicas à bebedeira e aos bêbados:
- Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. (Génesis 9:21)
- e lhes dirão: este nosso filho é indócil e rebelde; não nos ouve, e vive na embriaguez e na dissolução. (Deuteronómio 21:20)
- Quando Abigail chegou à casa de Nabal, havia em sua casa um grande banquete, um verdadeiro festim de rei. Nabal tinha o coração alegre e estava completamente ébrio. Por isso nada lhe disse, nem pouco nem muito, até ao amanhecer. (1 Samuel 25:36)
- andam às apalpadelas nas trevas, sem luz; tropeçam como um embriagado. (Jó 12:25)
- Falam de mim os que se assentam às portas da cidade, escarnecem-me os que bebem vinho. (Salmos 69:12)
- Titubeavam e cambaleavam como ébrios, e toda a sua perícia se esvaiu. (Salmos 107:27)
- pois o ébrio e o glutão se empobrecem e a sonolência veste-se com andrajos. (Provérbios 23:21)
- Um espinho que cai na mão de um embriagado: tal é uma sentença na boca dos insensatos. (Provérbios 26:9)
- Um arqueiro que fere a todos: tal é aquele que emprega um tolo ou um embriagado. (Provérbios 26:10)
- O Senhor difundiu entre eles um espírito de vertigem, e eles vagueiam por todo o Egito sem desígnio certo, como um bêbado que cambaleia em seu vômito. (Isaías 19:14)
- cambaleia como um homem embriagado e balança como uma rede. Seus crimes pesam sobre ela, e ela cairá para não mais se levantar. (Isaías 24:20)
- Ai da coroa pretensiosa dos embriagados de Efraim e da flor murcha que faz ostentação de seu ornato, dominando o vale fértil de homens vencidos pelo vinho. (Isaías 28:1)
- Será pisada aos pés a coroa pretensiosa dos embriagados de Efraim,. (Isaías 28:3)
- Pasmai-vos e maravilhai-vos, obstinai-vos, feridos de cegueira, embriagai-vos, mas não de vinho, cambaleai, mas não por causa da bebida. (Isaías 29:9)
- Aos profetas. Parte-se dentro de mim o coração, e se me abalaram todos os ossos. Assemelho-me a um ébrio, qual homem prostrado pelo vinho, por causa do Senhor e de sua palavra santa. (Jeremias 23:9)
- ouvia-se o barulho de uma multidão satisfeita; a essa massa de homens se juntavam os bêbados do deserto, que metiam braceletes nas mãos {das duas irmãs} e coroas esplêndidas em suas cabeças. (Ezequiel 23:42)
- Despertai, ó ébrios, e chorai; bebedores de vinho, lamentai-vos, porque o suco da vinha foi tirado da vossa boca! (Joel 1:5)
- Porque, entrelaçados como espinheiros, ébrios do seu vinho, serão consumidos como a palha seca. (Naum 1:10)
- Meu senhor tarda a vir, e se põe a bater em seus companheiros e a comer e a beber com os ébrios, (Mateus 24:49)
- nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus. (1 Coríntios 6:10)

GULA E TEMPERANÇA
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O consumo imoderado de vinho é fruto da gula, desejo insaciável de comida ou bebida, para além do necessário.
Para o cristianismo a gula constitui um dos Sete Pecados Capitais (Vaidade, Inveja, Ira, Preguiça, Avareza, Gula, Luxúria), directamente opostos às Sete Virtudes (Humildade, Caridade, Paciência, Diligência, Generosidade, Temperança, Castidade), que pregam o oposto aos Sete Pecados Capitais e são apontadas como salvação aos pecadores.
Segundo a Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana todas as virtudes humanas são polarizadas por quatro Virtudes Cardeais (Prudência, Justiça, Fortaleza, Temperança).
A Temperança é a Virtude Cardeal oposta à Gula. É a Temperança que modera a atracção dos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens temporais. É pela Temperança que usamos com moderação os bens temporais na hora certa, no tempo certo e na quantidade adequada, quer eles sejam comida, bebida, sono, diversão, sexo, etc.
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BIBLIOGRAFIA
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- Bíblia Sagrada
- Catecismo da Igreja Católica
- CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário dos Símbolos.
- CIRLOT, Juan Eduardo. Dicionário de Símbolos.
- ELÍADE, Mirceia. Tratado de História das Religiões.


A ÚLTIMA CEIA – Pintura de técnica mista com predominância da têmpera e óleo sobre duas camadas de preparação de gesso aplicadas sobre reboco. Executada em 1495 - 1497, por Leonardo da Vinci (1452–1519) no Refeitório de Santa Maria delle Grazie, em Milão.

OS SETE PECADOS MORTAIS (Pormenor: GULA) - Pintura do flamengo Hieronymus Bosch (1450 – 1516), executada em 1480, existente no Museu do Prado, em Madrid. Uma mesa repleta de comida e junto a ela um homem sentado que come com avidez e um rapaz que bebe com sofreguidão. Uma mulher prepara-se para servir mais comida, enquanto mais está ser confeccionada. Uma criança que defeca na própria roupa, implora ao pai que lhe dê mais.

A TEMPERANÇA – Fresco de Luca Giordano (1634 -1705), executado em 1684-1686 na Galeria do Palácio Medici-Riccardi em Florença.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Margarida Rosa Lopes - Uma Poetisa Popular de 97 anos

MARGARIDA ROSA LOPES
Um exemplo de vida e de cidadania,
encerrada numa alma de poeta e de artista.
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Hernâni Matos fazendo a apresentação do livro de Margarida Rosa Lopes, sentada à sua direita (Foto de Jorge Mourinha).
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Margarida Rosa Lopes, uma anciã de 97 anos, acolhida no Centro Social e Paroquial de São Bento do Cortiço, foi ali homenageada no passado dia 30 de Junho, ao fim da tarde. Tratou-se duma cerimónia simples, mas repleta de afectividade que contou com a presença de residentes do lar e de muitos familiares.
Na ocasião foi ainda lançado o seu livro de poesia “Recordar é Viver”, editado pela Câmara Municipal de Estremoz.
A cerimónia foi iniciada por intervenções sucessivas de Mariano Lopes Dias e de António José Sardinha Lopes (sobrinhos), Hernâni Matos (que esmiuçou o livro e biografou a autora), José Augusto Trindade (Vereador do Pelouro da Cultura), Francisco João Ameixa Ramos (Vice-Presidente da Câmara) e António José Nabais (Presidente do Centro).
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A VIDA DE MARGARIDA
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Margarida Rosa Lopes nasceu no Monte Novo dos Cardeais, em S. Estêvão, a 2 de Janeiro de 1913, filha de médios agricultores. Foi a penúltima de dez filhos que seus pais deram ao mundo e que como ela própria nos diz no seu livro, “oito nos criámos e vivemos felizes trabalhando e folgando na graça de Deus.“
Margarida cresceu no seio da família, conhecendo bem a vida rural da região. Tendo alguns problemas de saúde, nunca trabalhou no campo. Em contrapartida, aprendeu a fazer todos os trabalhos domésticos indispensáveis ao desempenho da função de boa dona de casa.
Quando tinha 18 anos e já com 5 irmãos casados, perdeu o pai, tinha a mãe 60 anos. A vida tornou-se então mais dura para aquela casa, onde além dela, vivia a mãe e dois irmãos solteiros. A mãe continuou com a lavoura em conjunto com os três filhos mais novos e solteiros, dois deles menores e o mais velho, João, fazendo de chefe de família.
Margarida, dedicou-se então ainda com mais força às tarefas do lar e à família, mantendo uma relação excelente com todos os irmãos, de quem teve inúmeros sobrinhos dos quais se considerou sempre como irmã mais velha. Com eles se divertiu e com eles partilhou algum conforto nas horas amargas.
A vida muitas vezes é madrasta, os anos foram passando, a mãe perdeu um filho casado e pai de oito filhos e viu duas filhas enviuvar, o que a fez decair bastante, sendo então amparada pelas netas, duma extensa prole de 21 netos, alguns deles órfãos e de tenra idade.
No Monte Novo dos Cardeais todos se criaram, pois ali trabalhavam uns para os outros. Por isso, o reconhecimento dos sobrinhos por Margarida não conhece limites, uma vez que esta sempre os ajudou em tudo o que podia.
Em 1960, morre de velhice a mãe de Margarida, já então bisavó. Dos oito irmãos, restam então três e nesse mesmo ano vem a falecer outro irmão.
Apesar de tudo, Margarida nunca se sentiu infeliz no seu estado de solteira, sempre sentiu o amparo dos irmãos e a estima dos restantes familiares, com especial destaque para os sobrinhos.
È de salientar que Margarida nunca foi à Escola. Quem lhe ensinou a juntar as primeiras letras foi um sapateiro remendão que ia ao Monte Novo dos Cardeais, onde ficava para consertar o calçado de toda a família, como fazia nos montes doutros agricultores. E Margarida tinha grande ânsia de aprender e aprendeu por ela própria, fazendo cópias e lendo, lendo muito.
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COMO NASCEU A POESIA
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O pai de Margarida gostava de décimas. Com ele, com os irmãos, com outras pessoas e por folhetos e livros, aprendeu algumas, mas nunca lhe passou pela cabeça vir a fazê-las.
Acontece que Mestre Talhinhas, camponês dotado de grande poder de improvisação e contador, proprietário dos “Bonecos de Santo Aleixo”, andava por aí com os seus títeres tradicionais, que comprara a Ti Manel Jaleca. Andava por montes e herdades a dar espectáculos para os camponeses e suas famílias. Foi assim que veio também a actuar num casão do Monte Novo dos Cardeais. E foi Mestre Talhinhas que incentivou e estimulou Margarida a fazer décimas. Margarida aceitou o desafio e compôs décimas onde fala da sua própria família e que Mestre Talhinhas cantou a acompanhar as actuações dos seus bonecos.
A partir daí, ou seja desde 1960 para cá, nunca mais parou, umas vezes por iniciativa sua, outras vezes a pedido de pessoas amigas ou de sobrinhos.
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E NASCEU O LIVRO
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A apetência pela sua obra poética é considerável, pelo que é natural que alguém tenha apostado na publicação da mesma.
O livro “RECORDAR É VIVER”, em boa hora foi editado pela Câmara Municipal de Estremoz, iniciativa a que não será estranha, a influência do seu sobrinho Mariano Lopes Dias e a iniciativa doutro sobrinho, António José Sardinha Lopes.
A poesia de Margarida tem rima e nela é rica e tem métrica. As estrofes têm ritmo e são diversificadas, pois em termos de agrupamento de versos surgem dísticos, tercetos, quadras, quintilhas, sextilhas, septilhas, oitavas, nonas, décimas (por vezes silvadas) e duodécimas, onde Margarida mostra a ampla gama de predicados de que dispõe para ornar o seu edifício poético.
Também a temática da poesia de Margarida é diversificada, tendo sido possível agrupá-la por temas: intimidade, guerra colonial, religião, terceira idade, Estremoz e o seu termo regional, História de Portugal, actualidade e despiques.
Como traços do carácter de Margarida, há a realçar a afabilidade e o fino trato, aliados a uma ânsia de saber, o amor à família, a Santo Estêvão, a Estremoz, ao Alentejo, aos valores pátrios, aos heróis e santos nacionais, tudo alicerçado num profundo fervor religioso e acompanhado pelo culto da amizade desinteressada.
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MARGARIDA EM SI
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A sensibilidade de Margarida não se limitava à poesia, pois gostava muito de pintar e os seus trabalhos eram muito apreciados. Foi ela que pintou o altar da Capela de Santo Estêvão, assim como pintou quadros com belas paisagens, almofadas e fitas para estudantes finalistas.
Margarida nunca casou, mas além de irmã dos seus irmãos, ela foi também uma mãe para eles e uma irmã mais velha para os sobrinhos, que muito lhe devem e a amam.
Não só para eles, como para a Comunidade onde sempre se inseriu (S. Estêvão), para a Comunidade que a acolheu (S. Bento do Cortiço), como para o Concelho que a viu nascer há 97 anos (Estremoz), Margarida Rosa Lopes, pela sua entrega desinteressada aos outros é um exemplo de vida e de cidadania encerrada numa alma de poeta e de artista que importa exaltar e apontar como exemplo às gerações mais novas.
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Um aspecto da assistência (Fotografia de Jorge Mourinha).

Margarida (ao centro) com um grupo de familiares (Fotografia de Jorge Mourinha).


O  livro de Margarida, que está à venda na Biblioteca Municipal de Estremoz.