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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépio


Fig. 1 - Berço das pombinhas (1983). Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção Jorge da Conceição.

Referências bíblicas
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos que retrata o Natal e o nascimento de Jesus. Etimologicamente, a palavra “Presépio” provém do latim “Praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica, designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos (LUCAS 2: 1 a 18) e (MATEUS 2: 1 a 11). Deles destaco a Anunciação do Anjo do Senhor aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (LUCAS 2: 12), bem como “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.” (LUCAS 2: 16).
Um elemento chave dos Presépios tradicionais de Estremoz é o chamado “Berço do Menino Jesus”, cuja simbólica me proponho aqui analisar em dois casos concretos.

Simbólica do Berço das pombinhas
O “Berço das pombinhas” (Fig. 1) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. Nele, a manjedoura de Belém transfigurou-se em berço com espaldar à maneira das camas senhoriais, já que para os cristãos, Jesus Cristo é Rei e Senhor do Universo. O berço é decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo. Trata-se de cores garridas associadas às claridades do Sul e utilizadas no embelezamento das habitações populares desta terra transtagana.
Na simbologia judaico-cristã, a pomba é um símbolo de pureza e de simplicidade, bem como daquilo que de imorredouro existe no Homem, o princípio vital, a Alma. As quatro pombas brancas poderão ser uma representação alegórica dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), que narraram a vida e a doutrina de Jesus Cristo como um Evangelho, visando preservar os seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus.
O simbolismo do galo está associado aos cultos solares da antiguidade, nos quais o Sol era venerado como divindade. De acordo com a tradição do culto mitraísta, o galo cantou no momento do nascimento de Mitra, o deus do Sol, da sabedoria e da guerra na Mitologia Persa. O mito viria a ser recuperado pela Religião Cristã, estando na origem da Missa do Galo, celebrada na passagem de 24 para 25 de Dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. Não há confirmação histórica de que Jesus tenha nascido na data em que se comemorava o nascimento de Mitra. Todavia, ela foi adoptada pelo Cristianismo, visando fundir os dois cultos, uma vez que o culto a Mitra estava enraizado entre os romanos. A data corresponde também no Hemisfério Norte ao início do Solstício de Inverno, no qual os mitraístas celebravam o seu culto. O Cristianismo adoptou o galo como símbolo do arauto anunciador de boas novas, uma vez que o nascimento de Jesus correspondia ao despontar de uma nova luz para o mundo. Segundo a lenda, a única vez que o galo cantou foi à meia-noite, anunciando o nascimento de Jesus.
De acordo com a Mitologia Popular Portuguesa: - "O galo quando canta diz: - “Jesus é Cristo”; - "O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas"; - "É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite". Para o Adagiário Português: - “Galo que fora de horas canta / Cutelo na garganta”; - "O galo preto espanta as coisas ruins"; - “Galo branco não dá manhã certa”.
A figura do Menino Jesus está deitada sobre o seu lado direito. O braço esquerdo apoia-se no peito. Trata-se possivelmente de uma alegoria ao “Sagrado Coração de Jesus”. Recorde-se que no antigo Egipto, a mão colocada sobre o peito, indicava a atitude do sábio, que no caso de Jesus é Sabedoria Divina. Já a mão direita no pescoço assinalava a posição do sacrifício, aqui uma possível alegoria ao sacrifício de Jesus na cruz.

Fig. 2 - Berço dos anjinhos (2017). Ricardo Fonseca (1986 - ).
Colecção Hernâni Matos.

Simbólica do Berço dos anjinhos
À semelhança do “Berço das pombinhas” (Fig. 1), também o ”Berço dos anjinhos” (Fig. 2) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. É igualmente decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo.
O simbolismo do galo é análogo ao do “Berço das pombinhas”. O galo está ladeado de dois anjinhos, mensageiros de Deus junto dos homens. Ostentam asas numa alusão clara à sua capacidade de ascensão ao Céu. São em número de dois, já que Jesus Cristo manifesta dois aspectos: o Divino e o humano. Tocam trombeta, instrumento musical usado para anunciar os grandes acontecimentos históricos e cósmicos. As trombetas associam aqui o Céu e a Terra numa celebração única: o nascimento de Jesus Cristo.
O espaldar do berço está enfeitado com um laço dourado. Na antiga Grécia existia o costume de atar as imagens dos Deuses com um laço, para que não abandonassem o local e o povo. No antigo Egipto, o laço simbolizava a eternidade, pela união entre os deuses e os homens, o Céu e a Terra. Por outras palavras, o laço pode ser encarado como um supremo privilégio de domínio dos deuses. No Cristianismo, os laços das vestimentas representam os três votos: a obediência, a pobreza e a castidade. Modernamente, o laço dourado é símbolo de promoção do valor da amamentação para a sociedade. A cor dourada simboliza a amamentação como padrão ouro para a alimentação infantil. Uma parte do laço representa a mãe e a restante representa a criança. O laço é simétrico, o que significa que a mãe e a criança são ambos vitais para o sucesso da amamentação. Sem o nó não haveria laço, pelo que o nó representa o pai, a família e a sociedade, sem os quais a amamentação não teria êxito. O laço encontra-se ladeado de folhas de sobreiro com bolotas, numa alegoria ao Alentejo.
O berço encontra-se marginado por arcos sensivelmente ogivais, parcialmente encobertos por ramos de palma, verdes. Os ramos de palma simbolizam o martírio de Jesus, uma vez que a palma é considerada um atributo dos mártires, que na arte cristã ocidental são representados empunhando um ramo de palma. Esta, desde a época pré-cristã que é considerada como um símbolo de vitória e de ascensão, pelo que os heróis eram saudados com ramos de palma ao retornarem vitoriosos das batalhas. Os romanos usaram os ramos de palma como símbolo de vitória contra os judeus. Estes viriam a reagir, pelo que de acordo com os quatro evangelhos canónicos, Jesus foi recebido festivamente com ramos de palma na sua entrada triunfal em Jerusalém. Por isso a palma veio a ser adoptada pelos primeiros cristãos como símbolo da vitória dos fiéis sobre os inimigos da alma e é ainda encarada pelos cristãos como símbolo da vitória na guerra travada pelo espírito contra a carne. Daí que no Domingo de Ramos, os fiéis transportem ramos de palma abençoados pelo sacerdote no início da Procissão de Ramos. Pelo facto de se manter sempre verde, a palma encerra em si um simbolismo associado à Ressurreição e Imortalidade de Cristo após o drama do Calvário.
Entre os arcos ogivais, 4 corolas de gerbera que simbolizam a pureza e a inocência das crianças e aqui do Menino Jesus. Da esquerda para a direita e em sequência espectral, as cores e o respectivo simbolismo são sucessivamente: violeta (espiritualidade, mistério e misticismo), azul (nobreza, harmonia e serenidade), laranja (alegria e vitalidade) e vermelho (paixão e amor). As corolas são em número de 4, já que para Pitágoras o número 4 era perfeito, pelo que foi o número utilizado para fazer referência ao nome de Deus. Aquele número está também ligado ao simbolismo da cruz e ao número de evangelistas que descreveram a vida de Jesus.
A figura do Menino Jesus está deitada de costas em cima das palhinhas e com o braço esquerdo apoiado no peito, o que tem interpretação análoga à do “Presépio das pombinhas”. O braço direito encontra-se esticado ao longo do corpo, com a palma da mão aberta, o que significa que não tem nada a esconder. Trata-se da mão direita, a mão que abençoa. A palma está virada para o Céu, simbolizando pacificação e dissipação de todo o medo.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 21 de Dezembro de 2023
Publicado no jornal E, n.º 324, de 21 de Dezembro de 2023
 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vera Magalhães recebeu o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos de Estremoz

 

A barrista Vera Magalhães ladeada pelo  Presidente do Município, José Daniel Sadio
pelo Presidente da Assembléia Municipal, Ricardo Catarino.
 Fotografia de Município de Estremoz.

Teve lugar ontem no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Estremoz, uma Sessão Comemorativa do 6.º aniversárioda Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na ListaRepresentativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No decurso da cerimónia foi entregue à barrista Vera Magalhães, o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos deEstremoz, que lhe foi outorgado pela Adere-CERTIFICA, entidade credenciada para conceder aquela certificação.

Anteriormente, a barrista Vera Magalhães frequentou um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição. Foi frequentado por 16 formandos, dos quais até à presente data, 4 foram certificados pela Adere – CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.

Mais recentemente, a barrista teve a Exposição “TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães” patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, entre os dias 9 de Setembro e 26 de Novembro.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Aconteceu há 6 anos: Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade

Parte da delegação portuguesa que se deslocou à República da Coreia. Da esquerda
para a direita: Luís Mourinha (Presidente da Câmara Municipal de Estremoz), Manuel
António Gonçalves de Jesus (Embaixador de Portugal na República da Coreia), António
Ceia da Silva (Presidente do Turismo do Alentejo) e Hugo Guerreiro (Director do Museu
Municipal de Estremoz e Responsável Técnico da Candidatura). Fotografia reproduzida
com a devida vénia, a partir do Facebook de António Ceia da Silva.


Importa aqui e mais uma vez, salientar o mérito daqueles a quem se deve o êxito de uma candidatura que se viria a tornar vitoriosa:
1º) Hugo Guerreiro, Director do Museu Municipal de Estremoz, que despoletou e argumentou a candidatura, a qual veio a ter êxito e que corresponde ao primeiro figurado do mundo a merecer a distinção de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
2º) Os barristas do passado e do presente, que com o labor e criatividade das suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma produção sui generis de Bonecos em barro, dita ao “modo de Estremoz”.
3.º) O escultor José Maria de Sá Lemos, que nos anos 30 do séc. XX e recorrendo à velha bonequeira Ana das Peles primeiro e ao Mestre oleiro Mariano da Conceição depois, deu um contributo decisivo para a revitalização da produção de Bonecos de Estremoz, considerada extinta desde 1921.
4º) Os estudiosos, investigadores, escritores e publicistas que com o seu esforço não deixaram morrer a memória dos Bonecos de Estremoz: Luís Chaves, D. Sebastião Pessanha, Virgílio Correia, Azinhal Abelho, Solange Parvaux, Joaquim Vermelho e outros.
5.º) Os coleccionadores, dos quais o mais destacado é Júlio dos Reis Pereira, que ao longo de décadas foram reunindo, catalogando, estudando, comparando e interpretando espécimes que viabilizaram a apresentação de uma candidatura pelo Município de Estremoz.
- BEM HAJAM!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Exposição "Menino Jesus no Berço"



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 6 de Dezembro de 2023

O Centro Interpretativo para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz apresenta, a partir de 9 de dezembro, na sua Sala de Exposições Temporárias, a Exposição “Menino Jesus no Berço” – Figurado de Estremoz.
Esta exposição surge a partir do desafio lançado aos barristas, atualmente a produzirem figurado de Estremoz, para que fizessem, nesta época em que se celebra o nascimento de Jesus, a figura do Menino Jesus deitado no Berço.
Nesta mostra contamos com a participação dos Barristas Afonso e Matilde Ginja, Ana Catarina Grilo, Carlos Alberto Alves, Fátima Estróia, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Ricardo Fonseca e Vera Magalhães.
A exposição poderá ser visitada até 28 de janeiro de 2024.
Venha visitar!


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 29 de Novembro de 2023

A Galeria D. Dinis vai receber a XVII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz, de 1 de dezembro a 7 de janeiro de 2024.Esta mostra, que é já uma referência no Alentejo, contará com mais de 20 Presépios, produzidos em diversos materiais: Cerâmica, tecido, pedra, madeira, cortiça, vidro e metal.

Os artesãos participantes são: Afonso Ginja, Ana Catarina Grilo, António Moreira, Carlos Alberto Alves, Carlos Pereira, Conceição Perdigão, Duarte Catela, Fátima Lopes, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge Carrapiço, Jorge da Conceição, José Carlos Rodrigues, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Manuel Broa, Maria José Camões, Perfeito Neves, Ricardo Fonseca, Sara Sapateiro, Sofia Luna e Vera Magalhães.

Visite e sinta, através dos presépios, o espírito de um Natal Feliz.








terça-feira, 21 de novembro de 2023

6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO

 



Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 21 de Novembro de 2023.

O Município de Estremoz irá comemorar o 6.º aniversário da inscrição da Produçãode Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património CulturalImaterial da UNESCO", no dia 7 de dezembro de 2023, com o seguinte programa:

SALÃO NOBRE (CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ)

- 18:00 horas - Cerimónia de Celebração do 6.º aniversário da inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO"

Hugo Alexandre Nunes Guerreiro, coordenador da candidatura e responsável pelo Plano de Salvaguarda;

José Daniel Pena Sádio, Presidente da Câmara Municipal de Estremoz.

- 18:20 horas - Entrega de Certificado de Produtor de Bonecos de Estremoz a Vera Magalhães.

- 18:25 horas - Conferências:

Ana Fonseca (CME) e Mathilda L. Coutinho (Centro Hercules da Universidade de Évora): Bonecos de Estremoz - à descoberta do imaterial;

Ana Cristina Mendes (Diretora adjunta do CEARE): Indicações Geográficas Europeias.

TEATRO BERNARDIM RIBEIRO

- 22:00 horas - Dezalinhados Filarmónica Rock Show com a Banda Sociedade Filarmónica Artística Estremocense e a Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio Azarujense.

Entrada livre que carece de levantamento de bilhete no Teatro Bernardim Ribeiro ou Posto de Turismo.

Venha celebrar connosco!


Hernâni Matos

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Uma Primavera de Mestre Jorge da Conceição

 

Fig. 1 - Primavera (aspecto frontal). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).


É sabido que colecciono Bonecos de Estremoz produzidos por todos os barristas, independentemente da época e do tema. E faço-o, por entender que não há uma maneira única de os produzir, já que cada barrista tem o seu próprio estilo e as suas próprias marcas identitárias, fruto de circunstâncias diversas, as quais me dispenso de analisar aqui. No acto de criação, apenas é exigido ao barrista que respeite a técnica de produção e a estética do Boneco em barro vermelho de Estremoz.
A minha colecção, apesar de invejada por muitos, apresenta alguns “calcanhares de Aquiles”. Um deles é não integrar como eu gostaria, um número julgado apropriado e representativo da produção de Mestre Jorge da Conceição. Daí que eu tenha resolvido tratar este calcanhar, o que me levou tempos atrás a encomendar-lhe algumas figuras. A primeira a ser-me entregue foi uma Primavera (Fig. 1 e Fig. 2), que de imediato, despertou em mim uma emoção que iria desembocar na redondilha maior que então compus:

Aquece-me o coração
Esta linda Primavera
De Jorge da Conceição,
Cuja posse era quimera.

A beleza da figura resulta de uma modelação perfeita, fortemente naturalista, conjugada com um cromatismo harmonioso. Para além disso, uma observação mais minuciosa do exemplar, torna possível deduzir que, no decurso da sua manufactura, ocorreu uma mudança de paradigma relativamente à produção de barristas que antecederam Mestre Jorge da Conceição.
Em primeiro lugar, as flores do arco deixaram de estar representadas por discos cilíndricos coloridos e pintalgados, para serem mostradas, ainda que de uma maneira generalista, por flores com tridimensionalidade, ostentando uma parte frontal e uma parte posterior, distintas.
Em segundo lugar, o vestido deixa de apresentar folhos apenas no fundo, para os apresentar também nos punhos e no amplo decote que vai de ombro a ombro.
Em terceiro lugar, a fita do chapéu deixa de ser uma mera pintura e adquire ela própria, tridimensionalidade.
Em quarto lugar, o topo da base deixa de ser sarapintado, pompeando aquilo que configura ser um chão atapetado de flores.
Tudo isto é de se lhe “tirar o chapéu” e dai que, apesar de ser paisano, me ponha duplamente em sentido. Em primeiro lugar, pelo trabalho de excelência de Mestre Jorge da Conceição. Em segundo lugar, pelo facto de a Primavera envergar um vestido com as cores da nossa bandeira nacional, que de imediato despertam em mim um sentimento patriótico.
Obrigado Mestre Jorge da Conceição por me ter enchido as medidas com esta criação germinada a partir da sua grande alma de artista e à qual a magia das suas mãos conferiu forma e cor, transmitindo-lhe harmonia, perfeição, beleza e elegância. Bem-haja!


Fig. 2 - Primavera (aspecto posterior). Mestre Jorge da Conceição (1963 - ).

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

ANA DAS PELES na toponímia estremocense

 

Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola Industrial
 António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988),  publicada
no semanário estremocense “Brados do Alentejo” nº 250, de 10 de Novembro de 1935. 


Novos topónimos concelhios
Em reunião do Município realizada no passado dia 28 de Junho, foi aprovada uma proposta da Comissão de Toponímia do Concelho de Estremoz, a qual integra a acta da sua reunião de 24 de Maio do ano em curso, no sentido de serem atribuídos novos topónimos, assim distribuídos: Estremoz (12), Veiros (10), Arcos (4).
Entre os 12 novos topónimos aprovados para Estremoz, figura o nome da barrista ANA DAS PELES (1869-1945), que assim viu a sua memória perpetuada através da atribuição do seu nome à rua que se inicia na Avenida Tomaz Alcaide e termina na Avenida Condessa da Cuba, junto à Associação Cultural e Recreativa dos Marinheiros de Estremoz, instalada no local do antigo Dispensário de Assistência aos Tuberculosos.

Ana das Peles, o novo topónimo
A proposta de inclusão do antropónimo “Ana das Peles” na toponímia local, teve origem numa proposta do Presidente da União das Freguesias (Santa Maria e Santo André), aprovada por unanimidade na reunião ordinária da Junta de Freguesia, de 14 de Fevereiro passado. O teor da proposta aprovada é o seguinte:
A 19 de Fevereiro de 2023 completam-se 78 anos sobre a morte da bonequeira Ana das Peles (1869-1945), velha barrista que foi o instrumento primordial da recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, empreendida pelo escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971) nos anos 30 do séc. XX.
Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa ocorrida em Lisboa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português, promovida em Lisboa.
Os Bonecos de Ana das Peles, foram nestas exposições, um ex-líbris de excelência da cidade de Estremoz. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram, simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de grande qualidade. Os Bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente grande notoriedade pública.
Ana das Peles partiu, mas os seus Bonecos muito apreciados e procurados, povoam vitrinas de coleccionadores e de museus para deleite de espírito. Com eles a imagem de marca da nossa identidade cultural local e transtagana, testemunho e herança de uma época.
78 anos volvidos sobre a morte de Ana das Peles, os seus gestos de modeladora de sonhos, continuam a ser repetidos, ainda que recriados pelos barristas de hoje. Por isso Ana das Peles é imortal e os Bonecos de Estremoz serão eternos.
Ana das Peles é uma figura que pela sua acção desempenhou um papel de relevo na construção da Memória de Estremoz, pelo que não pode ser olvidada nas páginas da História local.
Desde 7 de Dezembro de 2017 que a manufactura de Bonecos de Estremoz está inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Como reconhecimento do papel desempenhado por Ana das Peles na recuperação duma tradição que corria o risco de se extinguir e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses, a Junta de Freguesia de Estremoz (Santa Maria e Santo André) propõe à Câmara Municipal de Estremoz, a perpetuação da Memória daquela barrista, incluindo o seu nome na toponímia local, usando a fórmula: “ANA DAS PELES / BARRISTA”.”

Quem se segue?
Até agora a toponímia estremocense já perpetuou o nome dos seguintes barristas: Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina da Conceição Santos (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), Maria Luísa da Conceição (1934-2015), Quirina Marmelo (1922-2009) e Ana das Peles (1869-1945). Todavia, para além deles há outros barristas falecidos que até agora foram esquecidos. São eles:
- António Lino de Sousa (1918-1982), oleiro da Olaria Alfacinha e discípulo de Mestre Mariano da Conceição, com quem aprendeu a manufacturar Bonecos de Estremoz, a cuja confecção se dedicou em exclusivo entre 1976 e a data do seu falecimento.
- José Moreira (1926-1991), discípulo de Ana das Peles e que foi o barrista que mais contribuiu para a divulgação dos Bonecos de Estremoz. Percorreu o país de lés a lés e não houve feira ou exposição de artesanato a que ele não fosse.
- Aclénia Pereira (1927-2012), que nos anos 40 do séc. XX foi discípula de Mestre Mariano da Conceição na Escola Industrial António Gonçalves e que foi barrista até ao fim da vida, mesmo depois de se ter transferido para Santarém, em cujo distrito foi uma grande embaixadora dos Bonecos de Estremoz.
- Isabel Carona (1949-2006), que foi uma das primeiras discípulas de Mestra Sabina da Conceição e que depois de trabalhar com ela durante dez anos, se fixou em Sarilhos Grandes, Montijo, onde continuou a arte bonequeira.
- Mário Lagartinho (1935-2016), o último oleiro de Estremoz, que como barrista confeccionou Bonecos de Estremoz nos anos 70-90 do século passado e que pela sua acção continuou a cadeia de transmissão de saberes.
- Arlindo Ginja (1938-2018), discípulo de Mário Lagartinho, que conjuntamente com seu irmão Afonso exerceu o mester durante 32 anos, até se aposentar em 2011.
Estes barristas, cada um à sua maneira, contribuiu para que a manufactura de Bonecos de Estremoz esteja actualmente inscrita na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Daí ser da mais elementar justiça que o seu nome seja igualmente perpetuado na toponímia estremocense. Ficamos à espera.


Estremoz, 27 de Julho de 2023
Publicado no jornal E nº 319, de 13 de Outubro de 2023

Ana das Peles a modelar uma figura. Fotografia de Albert t’Serstevens (1886-1974)

Ana das Peles a pintar Bonecos na sua oficina na Rua Brito Capelo nº 21 em Estremoz,
local onde também residia na época. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). 

A entrada da Rua Ana das Peles pelo lado da Avenida Condessa da Cuba.

Placa toponímica da RUA ANA DAS PELES / BARRISTA

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Poesia Portuguesa - 103

 


SÃO BONECOS DE ESTREMOZ
Poema de Hernâni Matos
 (1946 -  )


Modelar é uma arte,
solta do coração
e que dali a reparte,
guiada a cada mão.

É com mãos e com barro,
água, teques e jeito,
um encontro bizarro:
modelar a preceito.

Tem bola, rolo, placa.
Com eles vai fazer,
tudo o que se destaca.
É lindo de se ver.

O rolo dá um braço
e dá a perna então,
com um gesto do traço
que nasce com a mão.

A bola dá cabeça
e dá olhar, razão
para que lá mereça
ter lugar a visão.

Placa dá avental,
vestidos e safões.
É roupa sem igual
em várias ocasiões.

Após modelação,
é cozer e pintar.
Envernizar então,
e sua obra acabar.

Secar para cozer,
com o tempo a passar,
para não acontecer,
a figura estalar.

Cozer tem a sua arte,
nunca é de repente,
que a figura se parte.
Disso estou bem ciente.

Pigmentos são zarcão
e azul dito Ultramar.
Como ocre e vermelhão,
dão tintas p'ra pintar.

As cores são reais,
são representação
desses dados visuais,
fruto da observação.

O verniz dá beleza,
concede protecção,
previne da rudeza
de feia alteração.

Há Presépios e Santos,
desfilam procissões
e há muitos recantos
das humanas paixões.

Tem a mulher no lar,
com o chá a servir,
com a roupa a lavar
e o que mais há de vir.

Da cidade o aguadeiro,
a mulher dos chouriços,
o peralta e leiteiro,
como outros aqui omissos.

Do campo uma ceifeira,
um pastor e um ganhão,
mais uma azeitoneira,
todos os que ali estão.

Galeria dos Santos:
onde vai São João,
a Virgem aos prantos
e António folião.

Também a procissão,
mostra solenidade,
com padre, sacristão,
povo mais irmandade.

O Natal é chegado
e logo nos seduz
o presépio montado.
Ali nasceu Jesus.

Lá vem o Carnaval
com o seu “Amor é Cego”
e Primavera tal,
que nenhuma renego.

E por fim os apitos.
Que bela brincadeira,
gozo de pequenitos,
bem à sua maneira.

O púcaro enfeitado,
cantarinha também.
Recipiente ornado
que beleza que tem.

Bonecos que cantamos
e só nos dão alegria.
Amigos quase humanos
no nosso dia a dia.

Assim, da Humanidade
tornaram-se Património,
orgulho da cidade
e do povo campónio.

Cá, os nossos barristas
brilharam bem então,
já que foram artistas
da classificação.

Barristas do presente,
barristas do passado
que a memória consente,
todo aqui é louvado.

Hernâni Matos (1946 - )

Bonecos de Estremoz em Exposição na Assembleia da República


Mestre Jorge da Conceição tendo à sua direita, sucessivamente, o Presidente da
 Assembleia da República, Augusto Santos Silva e os Presidente e Vice-Presidente
 da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Sádio e Sónia Caldeira.


Transcrito com a devida vénia de
newsletter do Município de Estremoz,
de 11 de Outubro de 2023.
Fotografias do Município de Estremoz


Foi inaugurada hoje, dia 11 de outubro, no Palácio de São Bento, uma exposição de Produtos Tradicionais Certificados, da qual fazem parte os Bonecos de Estremoz, o único produto certificado do Alentejo.

A iniciativa é promovida pelo Deputado Carlos Brás e pela A. Certifica (organismo de certificação de produções artesanais tradicionais) e estará patente até dia 13 de outubro.

Estremoz e os Bonecos de Estremoz são uma referência na Assembleia da República!

O Município de Estremoz agradece ao Mestre Jorge da Conceição a sua presença ao longo dos três dias de Exposição, enquanto representante desta arte!

Hernâni Matos


Mestre Jorge da Conceição tendo à sua esquerda, o Presidente da Câmara Municipal de
Estremoz, José Daniel Sádio e à sua direita, sucessivamente, a Vice-Presidente da Câmara
Municipal de Estremoz, Sónia Caldeira e os deputados pelo Círculo Eleitoral de Évora, Norberto
Patinho e Capoulas Santos.

Um aspecto parcial da exposição. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães

 

Vera Magalhães no seu espaço de trabalho.


"TRADIÇÃO E CULTURA“ é o título da exposição de Bonecos de Estremoz da barrista Vera Magalhães, inaugurada no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no passado sábado, dia 9 de Setembro, pelas 11 horas e que ali ficará patente ao público até ao próximo dia 26 de Novembro.
A exposição visa dar-nos uma ideia da actividade da artesã ao longo do seu percurso entre 2020 e 2023, para o que recorre a cerca de 40 figuras, repartidas por distintas tipologias
; - IMAGENS DEVOCIONAIS: Andor do Senhor dos Passos, Fuga para o Egipto, Nossa Senhora da Conceição, Rainha Santa Isabel; - PRESÉPIOS: Presépio de 9 figuras; - FIGURAS DA FAINA AGRO-PASTORIL NAS HERDADES ALENTEJANAS: Ceifeira, Mulher a dobar, Mulher das galinhas, Mulher dos enchidos, Mulher dos perus, Pastor das migas, Pastor de tarro e manta, Pastor debaixo da árvore, Queijeira; - FIGURAS QUE TÊM A VER COM A REALIDADE LOCAL: Aguadeiro, Homem do harmónio, Lanceiro com bandeira, Leiteiro, Mulher a vender chouriços, Mulher das castanhas; - FIGURAS INTIMISTAS QUE TÊM A VER COM O QUOTIDIANO DOMÉSTICO: Mulher a lavar a roupa, Senhora a servir o chá, Senhora à varanda, Senhora ao toucador; - FIGURAS DE NEGROS: Reis negros (3); - FIGURAS ALEGÓRICAS: Amor é cego, Primavera (3); - ASSOBIOS: Galinha no cesto com flores, Galo na cadeira, Galo no pinheiro, Galo no poleiro (2); - GANCHOS DE MEIA: Bispo, Palhaço, Sacristão; - OLARIA ENFEITADA: Cantarinha enfeitada (2), Castiçal (2), Pucarinho enfeitado (1);

“TRADIÇÃO” E CULTURA” é a primeira exposição individual de Vera Magalhães, que com ela se sente realizada pessoalmente, uma vez que o convite para expor é um corolário natural da sua certificação como barrista produtora de Bonecos de Estremoz, reconhecimento que lhe foi conferido pela Adere-Certifica em 2023. Anteriormente à presente exposição, a artesã já participara em exposições colectivas temáticas, promovidas pelo Museu Municipal de Estremoz e pelo Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.


Publicado inicialmente a 27 de Setembro de 2023
Fotografias de Vera Magalhães


Presépio de 9 figuras.

Fuga para o Egipto. 

Senhor dos Passos.

Rainha Santa Isabel.

Ceifeira.

Pastor de tarro e manta.

Pastor das migas.

Pastor debaixo da árvore.

Mulher das galinhas.

Mulher dos perus.

Queijeira.

Mulher a dobar.

Aguadeiro.

Leiteiro.

Mulher das castanhas.

Mulher a vender chouriços.

Homem do harmónio.

Mulher a lavar a roupa.

Senhora a servir o chá.

Senhora no toucador.

Senhora à varanda.

Reis negros.

Amor é cego.

Primavera.

Primavera.

Primavera.

Assobios.

Cantarinha.

Pucarinho