quarta-feira, 31 de julho de 2024

Canto ó povo - Eduardo Valente da Fonseca

 



Canto ó povo
Eduardo Valente da Fonseca (1928-2003)


Canto ó povo a tua força,
o teu gesto varonil,
canto a força e a juventude
das flores no mês de Abril.

Canto os teus sonhos e a neve,
mais os mortos nos caminhos,
canto a fome superada,
a broa e a fruta roubada,
os pardais, a palha e o linho.

Canto os teus amores ó povo,
a madrugada e o vento
canto o teu sexo e a lã
as maçãs e o vinho novo,
canto os muros floridos,
os silvedos e as amoras,
canto as casas e as estradas,
as coisas movimentadas
aonde tu povo afloras.

Canto os rios, as serranias,
as minas, a erva doce,
canto o feno, canto o gado,
os melros, as cotovias,
canto o ventre fecundado
sob o céu ou o telhado
na pausa breve dos dias.

Canto e sonho ó povo onde
eu estou por ser também
do povo que não esconde
o donde veio e de quem.

Canto a tua forca agreste,
profunda e continuada,
canto o vento que te veste
de flores na madrugada.

Canto os caminhos de ferro,
os automóveis, o pão,
canto a tua heroicidade
de te ergueres para aquém do chão.

Canto o pano, o trigo e a erva,
o sal, a tristeza e o mar,
canto o ferro, o amor e as mãos
das mães sem nada que dar.

Canto os tens olhos ó povo,
ressentidos e humilhados
das ofensas inocentes
dos que ignoram que tu
és a razão capital
da fazenda que vestimos,
das belas coisas que ouvimos,
e desta luta em que estamos
para o nosso bem e mal.

Canto e quero que tu cantes
comigo e na tua voz,
e que a cantar tu espantes
o medo que habita em nós.


Eduardo Valente da Fonseca (1928-2003)


#Poesia Portuguesa - 219

Sem comentários:

Enviar um comentário