Vida Fernando Namora (1919-1989) Vida: sensualíssima mulher de carnes maravilhosas cujos passos são horas cadenciadas rítmicas fatais. A cada movimento do teu corpo dispersam asas de desejos que me roçam a pele e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais». Vou seguindo teus passos lutando e sofrendo cantando e chorando e ficam abertos meus braços: nunca te alcanço! Meu suplício de Tântalo. Envelheço... E tu, Vida, cada vez mais viçosa na oscilação nervosa das tuas ancas fecundas e sempre virgens! À punhalada dilacero a folhagem e abro clareiras na floresta milenária do meu caminho. Humildemente se rasga e avilta no roçar dos espinhos minha carne dorida. E quando julgo chegada a hora meu abraço de posse fica escancarado no ar! Olímpica firme gloriosa tu passas e não te alcanço, Vida. Caio suado de borco no lodo... O vento da noite badala nos ramos sarcasmos canalhas. Não avisto a vida! Tenho medo, grito. Creio em Deus e nos fantásticos ecos do meu grito que vêm de longe e de perto do sul e do norte que me envolvem e esmagam: — maldita selva, maldita selva, antes o deserto, a sede e a morte! Fernando Namora (1919-1989) |
domingo, 28 de abril de 2024
Poesia Portuguesa - 146
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