terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Natal, pois claro!


Presépio de trono ou altar (1983) - Liberdade da Conceição (1913-1990)
Colecção particular.

Natal à porta
Entrámos no período de Natal. Este é a festividade cristã que enaltece o nascimento de Jesus Cristo. A data da sua celebração ocorre a 25 de Dezembro (Igreja Católica Apostólica Romana) ou a 7 de Janeiro (Igreja Ortodoxa). O Natal é, de resto, mundialmente encarado por pessoas de diferentes credos, como o dia consagrado à família, à paz, à fraternidade e à solidariedade entre os homens.
Tradições de Natal
No período de Natal cumprem-se ciclicamente tradições. Assim, no início do mês de Dezembro, semeiam-se as searinhas do menino Jesus, monta-se o presépio e a árvore de Natal. Na noite de Natal queima-se o madeiro no adro da igreja ou no largo principal. Vai-se à missa do galo e só depois decorre a ceia de Natal. À lareira ou junto do madeiro de natal são entoadas loas ao Menino Jesus, as quais integram o Cancioneiro Popular de Natal. Estas loas são muitas vezes acompanhadas com toque de ronca. Os presentes só são distribuídos no dia de Natal.
O Natal é também objecto de superstições, as quais integram a Mitologia Popular de Natal. Igualmente, existem numerosos provérbios de Natal.
Passemos em revista algumas das tradições referidas.
Searinhas do Menino Jesus
Uma tradição que ainda hoje se cumpre no Alentejo é a sementeira das “searinhas do Menino Jesus”, que se efectua no dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Consiste esta tradição em semear em pequenos recipientes (pires ou chávenas) com terra, alguns grãos de trigo que são humedecidos com água para germinar, após o que são diariamente borrifados com a mesma, a fim de os rebentos se manterem viçosos.
As searinhas, dedicadas ao Menino Jesus, são utilizadas no presépio e no oratório, assim como são levadas à mesa da Consoada, na crença de que o Menino Jesus abençoe o trigo, de modo que nunca falte pão em casa e na mesa. No dia de Reis (6 de Janeiro), as searinhas devem ser transplantadas para a terra.
A tradição teve início no século XVI quando o cardeal e teólogo ascético francês Pierre de Bérulle (1575-1629) decidiu adornar o presépio com searinhas e laranjas para que as sementeiras e árvores de fruto fossem abençoadas e dessem muito durante o ano inteiro.
Parece não restarem dúvidas que se trata de mais um aproveitamento cristão duma tradição pagã. Na verdade, a festa pagã do solstício de Inverno que comemorava o renascimento do Sol, foi substituída pela festa cristã do Natal, que celebra o nascimento de Cristo. Daí que usos e costumes que lhe estavam associados tenham sido adaptados ao Cristianismo, pelo que são reminiscência das antigas crenças.
O Presépio
Um dos grandes símbolos religiosos, que retrata o Natal e o nascimento de Jesus é o presépio. De acordo com Rafael Bluteau (1638-1734) e Cândido de Figueiredo (1846-1925), a palavra “presépio” provem do latim “praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos.
Conhecem-se presépios de barro de Estremoz desde o séc. XVIII e crê-se que eles terão sido aqui introduzidos pelos monges do Convento de S. Francisco, edificado em meados do séc. XIII e cuja tradição presepista é bem conhecida, desde que o fundador da Ordem, S. Francisco de Assis, montou o primeiro presépio do mundo em Greccio (Itália), no Natal de 1223, com a função didáctica de explicar o nascimento de Jesus, ao mesmo tempo que desgostado com as liberdades da Natividade dentro dos Templos, sustinha a adoração do Natal, como nos diz Luís Chaves (1888-1975).
Da multiplicidade de presépios de Estremoz, o mais vistoso é o chamado “presépio de trono ou de altar”, com figuras montadas em cantareira de barro, pintada à maneira tradicional das casas alentejanas.
As figuras do presépio são em número de nove e encontram-se dispostas hierarquicamente em três degraus da cantareira, hierarquizados de baixo para cima e da esquerda para a direita: 1º DEGRAU - OS PASTORES (Pastores alentejanos trajando à moda da primeira metade do século XX): - pastor ofertante em pé com um cesto com uma pomba branca; - pastor ajoelhado e de cabeça descoberta, orando com o chapéu à frente; - pastor ofertante em pé, segurando um borrego e com tarro enfiado no braço esquerdo. 2º DEGRAU – A SAGRADA FAMÍLIA: - São José ajoelhado; - Menino Jesus deitado numa manjedoura; - Nossa Senhora ajoelhada. 3º DEGRAU – OS REIS MAGOS: Gaspar, Baltazar e Belchior. Todos de pé e segurando as respectivas ofertas.
Na parede, por detrás dos reis magos, rasgam-se duas janelas de arco românico. A da esquerda, através da paisagem que por ela se vislumbra, contextualiza o local, onde na realidade nasceu Jesus. Por isso, esta janela mostra-nos, ao longe, uma casa de perfil palestiniano, ladeada por uma palmeira, árvore característica da região. Quanto à janela da direita, revela-nos o firmamento e nele a estrela, símbolo do poder divino que iluminou e conduziu os reis magos a Jesus
A ronca
A ronca é um instrumento musical tradicional do Alentejo, bastante rudimentar, pertencente à classe dos membranofones de fricção. É composto essencialmente por um reservatório, que pode ser um cântaro de barro ou outro recipiente qualquer. É ele que serve de caixa de ressonância e cuja boca é cerrada com uma pele esticada, a qual vibra quando se fricciona uma pequena e fina cana presa por uma das extremidades no seu centro. O som resultante, grave e fundo, é transformado pela caixa de ressonância no ronco característico do instrumento. A espessura e a qualidade da pele, é importante por causa do som. Por isso, usa-se pele de ovelha, borrego, carneiro, cabra, cabrito ou chibo, bem como bexiga de porco ou de carneiro.
É um instrumento usado no acompanhamento de canções de Natal ou das Janeiras, podendo ainda pode ser encontrado na zona raiana (região de Portalegre, Elvas, Terrugem e Campo Maior), onde grupos de homens agasalhados nos seus capotes para arrostar o frio, percorrem as ruas em compasso lento e solene, entoando cantares, parando aqui e ali, para dedicar os seus cantos aos moradores de determinadas casas.
Durante a sua utilização, a ronca é levada debaixo de um dos braços, enquanto o outro fricciona a cana longitudinalmente, com força. A eficácia do funcionamento da ronca exige que, de vez em quando, os tocadores cuspam para a mão que empunha a cana, a fim de lubrificar a pele da ronca. Os cânticos entoados podem ser dos mais diversos. Por exemplo: “Qualquer filho de homem pobre / Nasce num céu de cortinas. / Só tu, Menino Jesus, / Nasceste numas palhinhas.” Ou então: 
“Ó mê Menino Jasus / Da Lapa do coração, / Dai-me da vossa merenda, / Que a minha mãe não tem pão.”
Sobre a ronca, diz-nos António Thomaz Pires (1850-1913): "Das nove horas até à meia-noite de Natal percorrem as ruas da cidade diferentes grupos de homens do povo, cantando em altas vozes, em coro, e núm rhytmo e entoação especial, trovas ao Menino Jesus, acompanhadas pelo som àspero da ronca: alcatruz de nora, ou panella de barro, a cujo bocal se adapta uma membrana, ou pelle de bexiga, atravessada por um pau encerado, pelo qual se corre a mão com força para produzir um som rouco. Somente pelo Natal é este instrumento ouvido."
Mitologia Popular de Natal
A presente colectânea de superstições e tradições populares sobre o Natal, mostra a riqueza da nossa Mitologia Popular: - A construção ou reparação do lar deve ser efectuada na noite de Natal; - À meia-noite do dia de Natal deve sair-se para o campo e colher arruda, alecrim, salva e erva-terrestre. A arruda frita-se em azeite para usar nas fricções e das outras plantas faz-se chá para beber quando se está doente; - À rosa de Jericó é atribuída a virtude de facilitar o nascimento das crianças. Para tal, a rosa é lançada numa tigela com água e à medida que vai abrindo, o parto é facilitado. Também é boa para a enxaqueca quando se aspira o aroma que exala ao abrir-se. Colocada num oratório na noite de Natal, encontra-se aberta pela manhã. (Elvas); - Quando canta na noite de Natal, o galo diz: “Jesus é Cristo.” (Elvas); - Havendo luar na noite de Natal, é sinal de no próximo ano haver muito leite; - Uvas comidas seguidamente à meia-noite de Natal, livram de sezões (Évora); - É bom ficar a mesa posta no fim da ceia de Natal, que é para os Apóstolos virem comer. (Barcelos); - Ao meio-dia do dia de Santa Bárbara devem deitar-se algumas galinhas para tirarem na noite de Natal. Todo o galo nascido nessa noite, cantará sempre à meia-noite; - As pessoas nascidas no dia de Natal ou de Ano Bom são muito felizes; - As pessoas nascidas no dia de Natal vivem muito tempo; - O cepo da fogueira do Natal e os cotos de velas usadas nessa época, têm grandes virtudes contra as coisas más; - No presépio, a mula espalhava o feno e a vaca juntava-o. Daí a maldição de Nossa Senhora à mula: —"Não parirás! — prometendo à vaca que a carne dela seria a que sustentaria mais (Elvas). 
Provérbios de Natal
É vasto o número de provérbios sobre o Natal, Muitos deles atinentes aos ciclos agrícolas. Eis alguns: Ande o frio por onde andar, pelo Natal cá vem parar. Depois de o Menino nascer, é tudo a crescer. Galinhas de São João, pelo Natal ovos dão. Laranja antes do Natal livra o catarral. No Natal, só o peru é que passa mal. No Natal, todo o lobo vira cordeiro. O Natal em casa e junto da brasa. Pelo Natal, cada ovelha em seu curral. Pelo Natal, poda natural. Pelo Natal, sachar o faval. Pelo Natal, semeia o teu alhal e se o quiseres cabeçudo, semeia-o no Entrudo. Quem quer bom ervilhal semeia antes do Natal. Quem quiser bom pombal, ceva-o pelo Natal. Quem varejar antes do Natal, deixa azeite no olival.

Estremoz, 10 de Dezembro de 2019
(Jornal E nº 235, de 12-12-2019)

Searinha do Menino Jesus. Fotografia recolhida em”vimeo.com” ( https://vimeo.com ).

Tocadores de ronca. Fotografia recolhida em “Folclore de Portugal” ( https://folclore.pt ).

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