Carretilhas em latão. Da esquerda para a direita, Fig. 1 a Fig. 5. Colecção do autor.
A “carretilha” [do castelhano carretilha, segundo (8), citado por (6)] é um ancestral instrumento de cozinha, cujo começo de utilização se perde na memória dos tempos. A primeira referência que conhecemos a este artefacto foi registada por Bluteau (3) que o define assim: “Pequena roda de metal, com seu eixo, que serve para lavrar bolos, pastéis e outras massas”. Segundo Aulete (1), “recortilha” e “cortilha” são sinónimos de “carretilha”.
Trata-se de um artefacto de cozinha constituído por uma roda dentada circular, em forma de roseta, que gira num eixo encabado e que é impulsionado pela mão humana. Com ele se recorta ou pontilha, deixando em lavor, a massa de forrar pastéis, bolos, biscoitos e doces. Como tal é utilizado por confeiteiros, pasteleiros, doceiros ou simples donas de casa.
O recorte ou o pontilhado executa-se colocando a carretilha sobre a massa e fazendo-a avançar através de força exercida no respectivo cabo. A resistência oferecida pela massa é vencida tanto mais facilmente quanto menos inclinado estiver o cabo em relação ao plano de assentamento da massa. Quanto ao recorte é tanto mais acentuado, quanto mais espaçados e fundos forem os dentes. É exactamente o contrário do que se passa com as carretilhas com dentes pouco espaçados e poucos profundos, que assim são mais adequadas para pontilhar a massa.
A massa que sobra após cada recorte é reaproveitada, sendo novamente tendida com o rolo e utilizada no ciclo de confecção.
As carretilhas têm sido confeccionadas nos materiais mais diversos: latão (as mais antigas – Fig. 1 a Fig. 5), marfim, marfim com cabo de madeira (Fig. 6), madeira (Fig. 7) e folha de Flandres com cabo de madeira. Modernamente surgiram integralmente em aço inox ou em aço inox com cabo de plástico.
Naturalmente que independentemente das suas funções equivalentes, as carretilhas mais nobres e imponentes são as mais antigas, de latão, que na sinuosidade do seu recorte, guardarão porventura, entre outros, segredos relativos a doces ou não, que ficaram para todo o sempre confinados às espessas paredes das cozinhas conventuais.
BIBLIOGRAFIA
(1) - AULETE, Caldas. Diccionario Contemporâneo da Língua Portuguesa (1ª edição). 2 vol. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1881.
(2) - BASTOS, J.T. da Silva. Diccionário Etymológico, Prosódico e Orthográphico da Língua Portugueza (2ª edição). Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1928.
(3) - BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... 8 vol. Collegio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1712 - 1728.
(4) - FIGUEIREDO, Cândido de. Novo Diccionário da Língua Portuguesa (1ª edição). 2 vol. Editora Tavares Cardoso & Irmão, 1899.
(5) - HOUAISS, António e al. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 6 vol. Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.
(6) - MACHADO, José Pedro Machado. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (5ªedição). 5 vol. Livros Horizonte. Lisboa, 1989.
(7) - MACHADO, José Pedro Machado. Grande Dicionário da Língua Portuguesa. 6 vol. Publicações Alfa. Lisboa, 1991.
(8) SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da língua portuguesa recopilado dos vocabulários impressos até agora, e nesta segunda edição novamente emendado, e muito acrescentado, por Antonio de Moraes Silva. Typografia Lacerdina. Lisboa, 1813.
(9) - VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frases. Edição Critica de Mário Fiúza. 2 vol. Livraria Civilização. Porto, 1966.
Carretilhas em marfim e madeira e em madeira.
Da esquerda para a direita, Fig. 6 a Fig. 7.
Colecção do autor.
Agora já as vi em plástico mas sem serventia.
ResponderEliminarEu ainda guardo uma, trazida de casa dos meus Pais, em madeira igual à da fig.7
Teresinha:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Eu colecciono utensílios de cozinha antigos e desta vez deu-me para escrever sobre as carretilhas.
Venho aqui cumprimentar o Sr. Hernâni Matos porque, apesar de eu ser trasmontano, tenho apreciado este extraordinário trabalho de recolha e divulgação da riqueza etnográfica alentejana.
ResponderEliminarOs meus respeitos,
Jorge Sales Golias
Senhor Jorge Golias:
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
As carretilhas ultrapassam o âmbito da nossa Identidade Cultural Alentejana e têm a ver com a dimensão da nossa Pátria Lusitana. Têm igualmente a ver com Trás-os-Montes, região natural que muito aprecio e com grande similitude com o nosso Alentejo, porque a dureza da Geografia mútua, contribuiu para a modelação do caracter das gentes, que lá como cá, se recomendam.
Os meus melhores cumprimentos.
Grato pela sua resposta. Tenho 71 anos e na minha casa em Mirandela havia carretilhas de madeira, para corte dos pastéis de carne. Eu não conhecia os de latão. Mais uma vez saúdo a excelência deste seu brilhante serviço cívico.
EliminarSaudações trasmontanas,
Jorge Sales Golias
Senhor Jorge Golias:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
As que mais gosto são as de latão e remontarão pelo menos ao séc. XVIII, já que são referidas por:
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... 8 vol. Collegio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1712 - 1728.
Os meus melhores cumprimentos.