quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Dia de Todos-os-Santos


Regresso do "Pão por Deus" (1-11-1930).
Fotografia de autor desconhecido, recolhida "on line".


DIA DE TODOS-OS-SANTOS
O dia de Todos-os-Santos é celebrado pela Igreja Católica como uma festa em honra de todos os santos e mártires, conhecidos e desconhecidos.
No Alentejo, no dia de Todos-os-Santos, era ainda tradição nos anos sessenta-setenta do século passado, as crianças juntarem-se em pequenos grupos e andarem pelas ruas, de porta em porta, para “Pedir os Santinhos”. Naturalmente que só batiam às portas das casas mais abastadas ou julgadas como tal. Quando eram bem sucedidos e eram-no em geral, recebiam pão, bolos, maçãs, romãs, castanhas, nozes, amêndoas, etc. Eram oferendas que guardavam religiosamente nos seus talegos, nos quais as transportavam para as suas casas, onde ajudavam a mãe e o pai a fazer frente às duras condições de vida da esmagadora maioria dos intervenientes. Alguns desempregados, outros com empregos de miséria e outros ainda sujeitos à sazonalidade dos ciclos agrícolas de produção. Quanto aos ofertantes alguns eram-no por espírito de caridade cristã. Todavia, alguns imbuídos de espírito mais laico, faziam-no por espírito de solidariedade.
Uma tal tradição remonta a Lisboa no ano de 1756, um ano após o devastador terramoto que destruiu Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755 e em que morreram milhares de pessoas, pelo que a população na sua maioria pobre, mais pobre ficou ainda.
A coincidência da data do terramoto com a data de 1 de Novembro, com significado religioso, conduziu a que sectores da população, aproveitando a solenidade do dia, tenham desencadeado, por toda a cidade, um peditório, visando atenuar a situação miserável em que se encontravam. Para tal, percorriam a cidade, batiam às portas e pediam esmola, mesmo que fosse pão, visto reinar a fome pela cidade. Pediam então: "Pão por Deus". Tal tradição perpetuou-se no tempo e propagou-se a todo o país, assumindo cambiantes em cada local. Todavia, a tradição está praticamente extinta desde os anos oitenta do século passado. Actualmente, os média, pressionados e distorcidos pelo peso globalizante da cultura anglo saxónica, ignoram completamente tradições como “Pedir os santinhos” e enfiam-nos pela casa dentro e pelas cachimónia abaixo, tradições como o “Halloween”, que nada têm a ver com a nossa identidade cultural.

A TRADIÇÃO ORAL
O dia de Todos-os-Santos está registado no adagiário português, onde são conhecidas máximas como as seguintes:

- “De Todos os Santos até ao Natal, perde a padeira o cabedal.” [4]
- “Pelos Santos, novos esquecem velho.” [4]
- “Por Todos os Santos semeia trigo, colhe cardos.” [1]
- “Por Todos os Santos, a neve nos campos.” [1]

A nível de cancioneiro popular, o dia de Todos-os-Santos é uma data grata para alguns:

“Dia de Todos os Santos
É que eu comecei a mar:
Quem com Santos principia
Com Santos deve acabar.” [3]

O Peditório do “Pão por Deus” está igualmente assinalado no cancioneiro popular:

“Bolinhos, Bolinhós,
Para mim e para vós,
Pelos vossos finados
Que estão enterrados
Ao pé da vera cruz
Para sempre. Amem, Jesus.
Truz; truz; truz.” (Coimbra) [2]

LONGE VÁ O AGOIRO
Faço votos para que nas condições duras que o país atravessa, não tenham muitos que recorrer ao Peditório do “Pão por Deus”, para conseguir fazer face às dificuldades diárias numa sociedade madrasta que alguns teimam em fazer retroceder no tempo.

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[2] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Cancioneiro Popular Português. Volume III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1983.
[3] – THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progresso. Elvas, 1902.
[4] - ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1841.

ROSSIO E HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS
Painel de azulejos de oficina de Lisboa, da 1ª metade do século XVIII (114 cm x 348 cm) existente no Museu da Cidade, Lisboa. No primeiro plano, tipos populares comercializam bens de consumo. No lado esquerdo é representado o Chafariz de Neptuno, equiparado ao dedicado a Apolo, existente no Terreiro do Paço.
O Hospital Real de Todos-os-Santos tinha fachada virada para o Rossio. Mandado erigir por D. João II em 1492, a sua construção só terminou no reinado de D. Manuel I, nos primeiros anos do século seguinte. Edifício de vanguarda na época, acolheu os primeiros internamentos em 1502 e o número de enfermarias foi crescendo ao longo do tempo: 3 (1504), 16 (1520) e 25 (1715).
O Hospital Real de Todos-os-Santos foi desactivado na sequência do Terramoto de 1755, ocorrido a 1 de Novembro desse ano, o qual foi responsável pela destruição quase completa da cidade de Lisboa.

Publicado inicialmente a 2 de Novembro de 2011

8 comentários:

  1. Em aldeias do Concelho de Torres Novas ainda se preserva esta tradição. As crianças vão de porta em porta "Pedir os Bolinhos" e trazem felizes para casa um saco com tremoços e outro com merendeiras, o bolo tradicional dos Santos.

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  2. E mesmo nas cidades, a tradição não se perdeu. E com a crise actual, a tradição revigorou-se.

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  3. Caro Hernâni

    Tem razão. As tradições nas grandes cidades como Lisboa perderam-se por influência do grande negócio. Hoje já não é ao Menino Jesul que a miudagem pede as prendas ou este que as trás e deixa à meia-noite na chaminé, mas sim o moderno Pai Natal, embarcado na Lapónia e que até tem direito à árvore e tudo!!!
    Por isso gostei muito, mas mesmo muito e gostei ainda mais que alguém nos vá lembranbo de modo exemplar aquilo que ainda faz parte das nossas tradições e que assim não vamos esquecer. Para quando outro livro?
    Abraço
    Pedro

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    1. Pedro:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Eu estou a concluir um pequeno livro sobre "A matança do porco".
      Outros títulos na rampa de lançamento:
      Arte pastoril
      Bonecos de Estremoz
      Estudos de literatura Oral
      Os bonecos de Estremoz estão-me na massa do sangue e estou a fazer uma recensão crítica de tudo o que sobre eles foi escrito.Procuro dar uma visão antropológica dos mesmos, historiar o seu aparecimento e sublinhar as diferenças entre barristas. Estou a refazer as suas magras biografias, procurando incluir nelas a personalidade e o contexto familiar e social em que viveram,bem como localizar as oficinas, assim como os seus merstres e discípulos. É duro, mas isto vai.
      Um abraço.

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  4. Olá Dr. Hernâni

    Tudo o que era tradição sofreu alterações, isto é, tornaram-se comerciais. São vários os exemplos que aqui podem ser destacados: Natal, Dia da Mãe e Dia de Todos os Santos. De referir que todas estas celebrações estão diretamente ligadas à Igreja. Todo o encanto relacionado com estas celebrações está repleto de comércio. No Natal é a loucura total com a compra dos presentes, as pessoas gastam fortunas, endividam-se para "comprar o deslumbramento" que o seu presente vai provocar nos familiares e amigos. No Dia da Mãe, mais uma vez o que se vê são montras carregadas de bolos alusivos ao dia, e nas floristas, ramos e ramos de flores caríssimas. Quantas vezes passarão dias, semanas e meses sem lhes dar uma palavra de carinho, ou pura e simplesmente convidá-las para passar um dia na sua companhia. Mas no Dia da Mãe, naquele dia especialmente, sentem-se mal se não gastarem uma ou duas dezenas de euros nas flores e nos bolos. Dia de Todos os Santos: mais uma vez é uma loucura as dezenas de euros que se gastam em flores e em cera numa só campa. Ontem de manhã decidi ir ao cemitério, o cenário com que me deparei é no mínimo absurdo. Campas enfeitadas por floristas, pareciam altares de igrejas ricamente enfeitados. Para culminar agora também festejamos o Halloween. Compram-se "fardetas" para serem usadas nas casas de diversão, visitam-se os vizinhos, os quais têm que comprar guloseimas para dar a quem lhes bate à porta, se não querem que lhes façam diabruras nos jardins, nas janelas e nas portas. Depois de ganharem umas doçuras ou fazerem diabruras vão "curtir" o resto da noite para a discoteca...
    Termino dizendo que ainda se "brinca" demasiado com o dinheiro em Portugal. Nem todos estarão de acordo com esta crítica, dirão que é preciso estimular o comércio, porque só assim aumentará o PIB e o nosso País sairá da "banca rota". Será?

    Não me considero "cota", pelo contrário, considero que tudo faço para me adaptar às novas realidades. Mas eu gostava tanto do Natal quando nos juntávamos todos à volta da lareira. Os mais velhos conversavam felizes porque estavam todos juntos, nós crianças jogávamos o "rapa" com os pinhões que saíam das pinhas mansas que a minha avó punha ao lume. Tempos diferentes, mas que deixam saudades. E nós crianças éramos felizes, mesmo sem brinquedos trazidos pelo Pai Natal. Não havia dinheiro para esses luxos.

    Amigo Hernâni a vida é dura, mas as memórias dos Bonecos de Estremoz, da matança do porco, e de todos os projetos que tem em mente, depois de concretizados, serão motivo de orgulho para todos os estremocenses. Por isso, mãos à obra!

    Com carinho,

    Ermelinda

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    1. Ermelinda:
      Perfilho integralmente o seu pensamento e agradeço-lhe a estima manifestada.
      Os meus cumprimentos.

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  5. Gostei do texto. Obrigado por partilhar.

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