sexta-feira, 31 de maio de 2024

Eu tive um pássaro de prata - Álvaro Feijó




Eu tive um pássaro de prata
Álvaro Feijó (1916-1941)

Eu tive um pássaro de prata…
Seguia rotas sem fim
– sem dar conta das horas, das distâncias –
para longe de mim.
Um dia veio a tempestade…
O pássaro quebrou as suas asas de prata
e capotou!
Sofri!
Eu sei lá se sofri,
vendo no chão toda a engrenagem
que a moldara
e a fuselagem
deselegante, como uma lesma, indiferente, ao sol.
E nem assim
deixou de erguer-se ao céu o pássaro de prata
tentando novas rotas,
voando sempre, e só, para dentro de mim…

Álvaro Feijó (1916-1941)


#Poesia Portuguesa - 209

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Canção de Maio - Joaquim Namorado

 




Canção de Maio
Joaquim Namorado (1914-1986)


Em chegando o mês de Maio
vão nascer rosas vermelhas
em todos os roseirais.
Quem me dera já em Maio
que não chega nunca mais.

Tenho uma rosa vermelha,
Trago-a no meu coração,
lá é sempre Primavera,
não há Inverno nem Verão.

Quem me dera já no fim
deste inverno tão comprido
que corre tão devagar.
Rosas vermelhas, carmim,
serão para me enfeitar.

Tenho uma rosa vermelha,
Trago-a no meu coração,
lá é sempre Primavera,
não há Inverno nem Verão.

Se quiseres saber de mim
vai apanhar uma rosa
e põe-na no teu chapéu.
Ficarei sabendo assim
que o teu pensar é o meu.

Tenho uma rosa vermelha,
Trago-a no meu coração,
lá é sempre Primavera,
não há Inverno nem Verão.

Rosas de Maio, quem mas dera
ver todo o ano a florir
em todos os roseirais,
Fossem sempre primavera,
não findassem nunca mais.

Tenho uma rosa vermelha,
Trago-a no meu coração,
lá é sempre Primavera,
não há Inverno nem Verão.


Joaquim Namorado (1914-1986)

Hernâni Matos


#Poesia Portuguesa - 208

terça-feira, 28 de maio de 2024

Canto de Paz - Carlos de Oliveira




Canto de Paz
Carlos de Oliveira (1921-1981)

Homens deixai abrir a alma ao que vier,
Deixai entrar a paz do tempo que ela quer.

De par em par aberta com sol até ao fundo,
Gastai a alma toda na harmonia do mundo.

Homens deixai abrir a alma ao que vier,
Deixai entrar a paz do tempo que ela quer.

Homens que vagueais pela berma da vida,
Tereis enfim sinais da glória prometida.

Homens deixai abrir a alma ao que vier,
Deixai entrar a paz do tempo que ela quer.

Na voz do Dia Novo a dar bom dia aos astros,
Quando a tristeza for só pó dos vossos rastros,

Homens deixai abrir a alma ao que vier,
Deixai entrar a paz do tempo que ela quer.

Carlos de Oliveira (1921-1981)


#Poesia Portuguesa - 207

Romaria - João José Cochofel

 




Romaria
João José Cochofel (1919-1982)


Enche os pulmões e canta
a glória de existir,
canta o passado e o presente
e a tua fé no porvir.

Atira ao ar como um foguete
o canto da tua voz.
Música, festa, cacete:
a Terra é de todos nós!

Solta o teu canto, ergue-o
e lança o desafio:
Mundo que liberto queres
de fome, solidão e frio.

Atira ao ar como um foguete
o canto da tua voz.
Música, festa, cacete:
a Terra é de todos nós!


João José Cochofel (1919-1982)


#Poesia Portuguesa - 206

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Combate - Joaquim Namorado




 
Combate
Joaquim Namorado (1914-1986)

Nada poderá deter-nos
Nada poderá vencer-nos.
Vimos do cabo do mundo
Com este passo seguro
De quem sabe aonde vai.

Nada poderá deter-nos,
Nada poderá vencer-nos!

Guerras perdidas e ganhas
Marcaram o nosso corpo,
Mas nunca em nós foi vencida
Esta certeza sabida
De saber aonde vamos.

Nada poderá deter-nos,
Nada poderá vencer-nos!

Os mortos não os deixamos
Para trás, abandonados,
Fizemos deles bandeiras,
Guias e mestres, soldados
Do combate que travamos.

Nada poderá deter-nos,
Nada poderá vencer-nos!

Nada poderá deter-nos,
Pró assalto das muralhas
Nossos corpos são escadas,
Para as batalhas da rua
Nossos peitos barricadas.

Nada poderá deter-nos,
Nada poderá vencer-nos!

Nada poderá vencer-nos,
Vimos do cabo do mundo
Vimos do fundo da vida:
Que somos o próprio mundo
E somos a própria vida.

Nada poderá deter-nos,
Nada poderá vencer-nos!

Joaquim Namorado (1914-1986)


#Poesia Portuguesa - 205

Canção do Camponês - Arquimedes da Silva Santos

 




Canção do Camponês
Arquimedes da Silva Santos (1921-2019)

Adeus trigo, ai, adeus trigo,
Depois de ceifado, adeus:
Amanho-te e não mastigo,
Ai, nem eu, nem eu nem os meus.

O escravo da campina
Ouve o motor do tractor
Com ele mudas a sina –
Da terra és conquistador!.

Searas cor de sol posto,
Meu mar alto de aflição
Enche-o com suor do rosto,
Ai, em troca falta-me o pão.

O escravo da campina
Ouve o motor do tractor
Com ele mudas a sina –
Da terra és conquistador!.

Ai campos, como os meus olhos.

Ai campos, como os meus olhos,
Rasos de água tanta vez:
Foram-se espigas nos molhos,
Ai, vem fome para o camponês.

O escravo da campina,
Ouve o motor do tractor
Com ele mudas a sina –
Da terra és conquistador!

Arquimedes da Silva Santos (1921-2019)

Hernâni Matos

#Poesia Portuguesa - 204

sábado, 25 de maio de 2024

Canto de esperança - Mário Dionísio

 



Canto de esperança

Mário Dionísio (1916-1993)

Dentro de mim e de ti
Algo de novo estremece,
A vida abre-se e ri
Na hora que se entretece.
Vultos parados e sós,
Mudez da alma sozinha,
Tomai o corpo e a voz
Da vida que se adivinha.

Canta mais alto, avança e canta,
Lança-te à marcha, não te afastes.
Mistura a tua voz à voz que se levanta
Das chaminés e dos guindastes.

Rasgam-se os céus e a terra,
A esperança cai e refaz-se.
É o grito duma outra guerra:
Canto do homem que nasce.

Tomam forma consistente
As ilusões encobertas.
Caminha, caminha em frente
Para as novas descobertas.

Canta mais alto, avança e canta,
Lança-te à marcha, não te afastes.
Mistura a tua voz à voz que se levanta
Das chaminés e dos guindastes.

Molda em teus dedos leais
Um destino à tua imagem.
Ao ódio dos vendavais
Ergue uma viva barragem.

Da alma do tempo imundo
Arranca a felicidade.
Homens humanos do mundo!
Homens de boa vontade!

Canta mais alto, avança e canta,
Lança-te à marcha, não te afastes.
Mistura a tua voz à voz que se levanta
Das chaminés e dos guindastes
.

Mário Dionísio (1916-1993)

#Poesia Portuguesa - 203