quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

A ronca



A ronca é um instrumento musical tradicional do Alentejo, bastante rudimentar, pertencente à classe dos membranofones de fricção. É composto essencialmente por um reservatório, geralmente um cântaro de barro [1], que serve de caixa de ressonância e cuja boca é cerrada com uma pele esticada, a qual vibra quando se fricciona uma pequena e fina cana presa por uma das extremidades no seu centro. O som resultante, grave e fundo, é transformado pela caixa de ressonância no ronco característico do instrumento.
A espessura e a qualidade da pele, é importante por causa do som. Por isso, usa-se pele de ovelha, borrego, carneiro, cabra, cabrito ou chibo, bem como bexiga de porco ou de carneiro.
É um instrumento usado no acompanhamento de canções de Natal ou das Janeiras, podendo ainda pode ser encontrado na zona raiana (região de Portalegre, Elvas, Terrugem e Campo Maior), onde grupos de homens agasalhados nos seus capotes para arrostar o frio, percorrem as ruas em compasso lento e solene, entoando cantares, parando aqui e ali, para dedicar os seus cantos aos moradores de determinadas casas.
Durante a sua utilização, a ronca é levada debaixo de um dos braços, enquanto o outro fricciona a cana longitudinalmente, com força. A eficácia do funcionamento da ronca exige que, de vez em quando, os tocadores cuspam para a mão que empunha a cana, a fim de lubrificar a pele da ronca. Os cânticos entoados podem ser dos mais diversos. Por exemplo:

“Qualquer filho de homem pobre
Nasce num céu de cortinas.
Só tu, Menino Jesus,
Nasceste numas palhinhas.” [2]

“Ó mê Menino Jasus
Da Lapa do coração,
Dai-me da vossa merenda,
Que a minha mãe não tem pão.” [3]

Sobre a ronca, diz-nos António Thomaz Pires [4] "Das nove horas até à meia-noite de Natal percorrem as ruas da cidade diferentes grupos de homens do povo, cantando em altas vozes, em coro, e núm rhytmo e entoação especial, trovas ao Menino Jesus, acompanhadas pelo som àspero da ronca: alcatruz de nora, ou panella de barro, a cujo bocal se adapta uma membrana, ou pelle de bexiga, atravessada por um pau encerado, pelo qual se corre a mão com força para produzir um som rouco. Somente pelo Natal é este instrumento ouvido."

[1] - Mas pode ser também uma panela de barro ou um cântaro de lata ou outro recipiente qualquer.
[2] – Recolhida em Elvas: PESTANA, M. Inácio. Etnologia do Natal Alentejano, Edição da Assembleia Distrital, Portalegre, 1978.
[3] – Recolhida no Alandroal: VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português, vol. III, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1983.
[4] - PIRES, António Thomaz . "A noite de Natal, o Ano Bom e os Santos Reis” in Estudos e notas elvenses. António Torres de Carvalho. Elvas, 1923 ( 2ª ed.).

Publicado inicialmente a 10 de Março de 2010

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Noite de Natal

 
Preparação da consoada. Ilustração de Raquel Roque Gameiro Ottolini (1889-1970),
para bilhete-postal emitido pelos CTT.

Nos anos 50-60 do século passado, eu e os meus pais passávamos normalmente a noite da missadura em casa da minha tia Estrela, no nº 17, do Largo do Espírito Santo, em Estremoz. Fazíamos o lume de chão para nos aquecermos e para grelharmos a chouriça, o lombinho e o toucinho das sete carnes. O pingo que escorria das missaduras era cuidadosamente aparado com nacos de pão. Até dava para nos lambermos a comer pão assim.
Por cima das nossas cabeças, o fumeiro – espécie de enfermaria para os enchidos – onde luzidias e gulosas chouriças, morcelas e farinheiras ficavam a curar, aguardando a sua vez da gente se poder repimpar com elas.
Ti Manel Alturas, o meu avô materno, tocava ronca e com a sua voz esganiçada, cantava:

"Olha o Deus Menino
Nas palhas deitado,
A comer toicinho
Todo besuntado!"

A mesa estava posta para o ritual da comezaina da noite. Pão caseiro, fruta da época, arroz doce e bolos que as mulheres atarefadas preparavam durante todo o dia. Ele era a boleima, o bolo podre, o bolo de laranja, as filhoses, as azevias as argolinhas que os mais crescidos empurravam com vinho doce ou com vinho abafado, depois de termos despachado a chouriça, o toucinho e os lombinhos. Tudo acompanhado com brócolos ou couve-flor e regado com vinho da adega do Zé da Glória. E sabem o que vos digo? Não me lembro de alguma vez ter ouvido falar em colesterol.
Na lareira, crepitava o madeiro de Natal. Eu passava a noite a brincar ao pé do lume, a ouvir falar e cantar os mais velhos. Só saía dali cerca da meia noite quando me mandavam para a rua, ver o Pai Natal entrar pela chaminé. Durante muitos anos não consegui perceber a razão exacta pela qual, o bom do Pai Natal entrava precisamente na altura em que eu saía. Depois de ter percebido isto, os presentes minguaram a olhos vistos. Para vos falar disto é por que sei qual a diferença exacta que há entre os dois natais.

Publicado inicialmente a 5 de Janeiro de 2012

Texto adaptado do texto anterior "Memórias do Espírito Santo"

Carta ao Menino Jesus. Ilustração de Laura Costa (activa 1920-1950),
para bilhete-postal emitido pelos CTT em 1942.

Cântico do Natal. Ilustração de Laura Costa (activa 1920-1950),
para bilhete-postal emitido pelos CTT em 1942.

 
As Prendas do Menino Jesus. Ilustração de Raquel Roque Gameiro Ottolini (1889-1970),
para bilhete-postal emitido pelos CTT em 1943.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

44 – Fuga para o Egipto - 5


Fuga para o Egipto. Oficinas de Estremoz. Finais do séc. XIX –
- princípios do séc. XX. Museu Municipal de Estremoz.

LER AINDA:

Foi Camões que proclamou: “Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades. (…)”. A esta máxima acrescento a firme convicção de que “Nada acaba no fim”, tema que animou a última sessão do “Correntes d'Escritas”, um encontro anual de escritores de expressão ibérica que em Fevereiro passado, decorreu na Póvoa de Varzim, minha cidade adoptiva. Vem isto a propósito de, em crónica antecedente, ter dito não ter conhecimento de nenhum exemplar do figurado de Estremoz, de produção local, anterior aos começados a executar por Ana das Peles e Mariano da Conceição, nos anos 30 do séc. XX, na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, sob a orientação do Director, o escultor José Maria de Sá Lemos. Acontece que não é assim, já que o Museu Municipal de Estremoz tem no seu acervo e presentemente em exposição, um exemplar cuja presença ali, revoga aquilo que disse então. Trata-se de uma peça das oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, a qual reúne, montadas numa única base, as figuras do episódio bíblico de que venho falando. Para além do que já foi dito em crónica precedente, a propósito da interpretação de Mariano da Conceição e pondo de parte, pormenores de decoração, há que referir certas particularidades. A base, sensivelmente rectangular e com os vértices adoçados, não ostenta qualquer marca de autor. São José enverga um manto que lhe protege também a cabeça, à maneira de capuz. A mutilação do braço direito não deixa antever se originariamente empunharia ou não, um bordão encimado por um lírio branco, um dos atributos de São José. Quanto a Nossa Senhora, monta uma burrinha que marcha para o lado esquerdo do observador, à semelhança do que viria a fazer Mariano da Conceição e ao contrário do que faria Ana das Peles e mais tarde, o seu discípulo José Moreira.
A imagem de que venho falando, foi doada ao Museu Municipal de Estremoz em 2002, por Isabel Maria Osório de Sande Taborda Nunes de Oliveira, ex-Vereadora do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz. Pertencia à Casa da Horta Primeira, onde vivia sua tia, Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide (1910-1992), grande poetisa estremocense, conhecida por Maria de Santa Isabel, casada com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979), comerciante, dramaturgo e caricaturista, irmão de Tomaz de Aquino Carmelo Alcaide (1901-1967), tenor lírico de projecção internacional.
A imagem era utilizada por Maria Palmira na montagem do Presépio, através do qual, ciclicamente era evocado naquela Casa, o nascimento de Jesus. A Poetisa sentia na alma a magia irradiada pelos bonecos de Estremoz e deles fala no seu livro “Flor de Esteva” (1948), no poema “Bonecos de Estremoz”: “Bonequinhos de barro de Estremoz! / Floridas cantarinhas! Primaveras! / Figuras dum presépio de quimeras! / Quem foi que lhes deu vida no meu sonho? / Eterna fantasia cor de luz, / Milagre suavíssimo, risonho, / Do Menino Jesus…/(…)”
A nível local, existem também representações eruditas da “Fuga para o Egipto”, que não podem deixar de ser aqui referidas. Uma delas está pintada na porta direita da maquineta do Presépio da Misericórdia de Estremoz. A maquineta, de pau-santo, acomoda um presépio em barro policromado, atribuído às oficinas de Machado de Castro e de António Ferreira. A outra, figura num painel de azulejos, fabrico de Lisboa, do segundo terço do século XVIII, que se encontra na parede da Igreja dos Mártires, do lado da epístola.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 2 de Março de 2016 
 

domingo, 22 de dezembro de 2024

43 – Fuga para o Egipto - 4


Nossa Senhora a Cavalo (Anos 30 do séc. XX). Ana das Peles (1869-1945).

No Museu Nacional de Etnologia existe um exemplar de Nossa Senhora a Cavalo, identificada como sendo de Ana das Peles e de data anterior à que já descrevi, já que a barrista faleceu em 1945. Nele é de realçar que a burrinha marcha para o lado direito do observador e Nossa Senhora está virada para o lado direito da asinina e com as costas viradas em sentido oposto (NSAC – tipo 2).
Quase todos os barristas posteriores compõem Nossa Senhora a Cavalo como o fez Mariano da Conceição (NSAC – Tipo 1). Exceptua-se José Moreira, discípulo de Ana das Peles, que produziu exemplares de Nossa Senhora a Cavalo, quer do tipo 1 como do tipo 2, como nos mostra a colecção Hernâni Matos.
Liberdade da Conceição, talvez por uma questão de afecto, executava as suas figuras à semelhança das de seu marido, Mariano da Conceição. Porém, nos anos 80 do séc. XX, resolve adicionar adereços na composição da Fuga para o Egipto. Assim, a cabeça de São José está rematada por um disco dourado com raios incisos, configurando um resplandor espetado com um arame na cabeça. Por sua vez, Nossa Senhora encontra-se adornada por uma coroa também dourada. Vejamos a razão de ser de tais adornos.
Comecemos pelo resplandor. De acordo com a religião católica, os seres gloriosos emanam luz espiritual ou “aura”, que é um símbolo divino de santidade. Trata-se de um vestígio do culto solar materializado por uma ”auréola” em torno da cabeça e dos corpos, simbolizando a glória para o ser na sua totalidade. Em pintura e escultura, a auréola, resplandor ou resplendor é um disco de raios de metal ou um aro metálico, geralmente dourado, colocado na cabeça das imagens de Cristo e por extensão da Virgem Maria, dos Anjos, dos Santos e dos Mártires.
Vejamos agora a coroa. A intensa devoção dos católicos por Maria, mãe de Jesus, levou-os a atribuir-Lhe inúmeros títulos, entre os quais o de "Rainha do Céu", que remonta ao século XII e que nessa qualidade é invocada doze vezes: Rainha dos Anjos, dos Patriarcas, dos Profetas, dos Apóstolos, dos Confessores, das Virgens, dos Mártires, de Todos os Santos, do Santíssimo Rosário, da Paz, Concebida sem Pecado Original e Levada aos Céus. Ora, a coroa como ornamento que cinge a cabeça, é símbolo de soberania, de nobreza, de dignidade e de glória. A sua forma circular traduz a perfeição e a participação da natureza celeste. A coroa une, através da coroada, o que está acima e abaixo dela: Deus e os homens.
Anteriormente a Liberdade da Conceição, no figurado de Estremoz, o resplandor emergia apenas das cabeças de Santo António e de São João Batista e a coroa da cabeça de Nossa Senhora da Conceição.
A inovação de Liberdade, não foi seguida nem sua filha Marisa Luísa, nem por sua cunhada Sabina. Por sua vez, as Irmãs Flores começaram por confeccionar a Fuga para o Egipto, tal como o fazia Sabina da Conceição, de quem são discípulas. Todavia acabaram por seguir a inovação introduzida por Liberdade, facto a que não será estranho o interesse manifestado pelo público, habituado a reconhecer o resplandor e a coroa como atributos de santidade, que são parte integrante das imagens religiosas veneradas nas Igrejas.

Publicado inicialmente em 22 de Fevereiro de 2016

sábado, 21 de dezembro de 2024

42 - Fuga para o Egipto - 3


Fuga para o Egipto (1948). Mariano da Conceição (1903-1959).
Museu Rural de Estremoz.


Figurado de Estremoz 
No Museu Nacional de Arqueologia existe uma “Fuga para o Egipto” do séc. XVIII, que de acordo com o verbete manuscrito por Leite de Vasconcelllos, é proveniente de Estremoz e foi doada por Luís Chaves em 1915, que a encontrou num monte nos arredores da cidade, onde porventura teria sido utilizada como brinquedo. Provavelmente é um grupo que pertenceu a algum presépio de Igreja que foi disperso. Todavia, não apresenta as características da manufactura sui-generis do figurado de Estremoz.
Conheço e tenho na minha colecção figuras de Presépio do séc. XVIII, executadas ao modo de Estremoz, as quais são figuras soltas que pertenceram a presépios aqui executados. É possível que alguns presépios mais completos incluíssem o grupo da “Fuga para o Egipto”. Contudo, não tenho conhecimento de nenhum exemplar de produção local anterior aos começados a executar por Ana das Peles e Mariano da Conceição, nos anos 30 do séc. XX, na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, sob a orientação do Director, o escultor José Maria de Sá Lemos.
A “Fuga para o Egipto”, tem sido produzida desde então pela maioria dos barristas e integra o núcleo base do figurado de Estremoz. A análise do exemplar criado por Mariano da Conceição em 1948 e pertencente à colecção do Museu Rural de Estremoz, revela tratar-se de duas figuras que em conjunto representam o episódio bíblico. São elas: - NOSSA SENHORA A CAVALO - Montada à amazona numa burrinha preta com arreios, está sentada sobre uma manta cor de zarcão, terminando por linhas incisas que simulam franjas. Enverga túnica com gola e véu, ambos de cor azul celeste. De salientar que a burrinha marcha para o lado esquerdo do observador e Nossa Senhora está virada para o lado esquerdo do animal e com as costas viradas para o lado contrário (NSAC-Tipo 1). Transporta o Menino Jesus ao colo, ao mesmo tempo que o segura com os braços. O Menino está enroupado com uma vestimenta branca, decorada na extremidade com linhas incisas, azuis e amarelas, imitando franjas. Encontra-se ainda envolto numa manta que lhe pende dos ombros e cruza no peito, igualmente branca e com franjas análogas às da extremidade da veste. A figura assenta numa base quadrada de cor verde, pintalgada de branco, amarelo e zarcão e orlada verticalmente com esta última cor. - SÂO JOSÉ – De pé, traja túnica com gola, de cor azul celeste com orla amarela, calça branca e botas pretas. Nas costas tem assente um manto vermelho, forrado de branco e igualmente orlado de amarelo. A barba é espessa e castanho-escuro, o mesmo se passando com o cabelo comprido, que cai sobre os ombros, enrolado na extremidade. À cintura tem cingida uma faixa amarela com franjas nas duas extremidades, as quais pendem para a frente. A mão esquerda assente no coração simboliza a lealdade e a devoção a Deus. A mão direita empunha um bordão encimado por um lírio branco, um dos atributos de São José e que é símbolo de pureza, castidade, confiança, abandono completo e dedicação a Deus. A base da figura é rectangular, verde-escura, com orla vertical a zarcão.

Hernâni Matos  
Publicado inicialmente a 15 de Fevereiro de 2016

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

41 - Fuga para o Egipto - 2


Fuga para o Egipto (1983-1985).
Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção particular.

Arte portuguesa
Em Portugal há um certo número de obras de arte incluídas na temática da “Fuga para o Egipto” que sobressaem e merecem especial destaque. Passo de seguida a enumerá-las. ESCULTURA EM PEDRA: - Um dos seis quadros de um dos frontais do túmulo de D. Inês de Castro, escultura gótica em pedra, de autor desconhecido (1358-1367); - Mosteiro de Alcobaça: Painel dum tríptico de dois andares, em médio e baixo-relevo, em pedra de João de Ruão (1577). Museu Machado de Castro, Coimbra.
ESCULTURA EM MADEIRA POLICROMADA: - Ambrósio Coelho e Manuel Gomes de Andrade (1ª metade do séc. XVIII). Museu de Alberto Sampaio, Guimarães. ESCULTURA EM BARRO POLICROMADO: - António e Dionísio Ferreira (1700-1730). Presépio da Igreja da Madre de Deus, Lisboa; - Joaquim Machado de Castro (1766). Presépio da Sé de Lisboa; - Autor anónimo (séc. XVIII). Presépio do Palácio das Necessidades. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - Autor anónimo (séc. XVIII-XIX). Museu dos Biscainhos, Braga. PINTURA: - Francisco Henriques e Grão Vasco (1501-1506). Um de catorze quadros do retábulo da Capela-mor da Sé de Viseu; - Gregório Lopes (c. 1527). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa; - Discípulo de Grão Vasco (1520-1535). Um de dezasseis quadros de retábulo quinhentista.  Igreja de São Miguel, Freixo de Espada à Cinta; - Círculo de Gerard David (1495-1510). Museu de Évora. PAINÉIS DE AZULEJOS: - Gabriel del Barco (1695-1700). Capela de Nossa Senhora do Rosário, Sé Catedral de Faro; - Gabriel del Barco (1698). Capela de Nossa Senhora dos Prazeres, Beja; - Gabriel del Barco (c. 1700). Igreja do Convento de Nossa Senhora do Espinheiro, Évora; - Policarpo de Oliveira Bernardes (1730). Museu Nacional do Azulejo, Lisboa; - Autor desconhecido (1750 - 1760). Museu Nacional do Azulejo, Lisboa; VITRAIS: - Autor desconhecido (séc. XVII). Palácio da Pena, Sintra.
Publicado inicialmente a 20 de Janeiro de 2016

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

40 – Fuga para o Egipto – 1


Fuga para o Egipto (1948). Mariano da Conceição (1903-1959).
Museu Rural de Estremoz.

A “Fuga para o Egipto” é um evento relatado no Evangelho de São Mateus (Mateus 2:13-25), no qual após a Adoração dos Magos, José foge para o Egipto com Maria sua esposa e seu filho recém-nascido Jesus, após ter sido avisado por um Anjo do Senhor, do massacre de crianças com menos de dois anos, que ia ser perpetrado por ordem de Herodes I, o Grande, receoso que a criança que os Magos proclamavam como novo rei, lhe tomasse o trono e o poder.
Tradição católica
A intensa devoção dos católicos por Maria, levou-os a atribuir-lhe inúmeros títulos, entre os quais Nossa Senhora do Desterro, visto que após a fuga para o Egipto, aí permaneceu desterrada durante 4 anos.
Nossa Senhora do Desterro é Padroeira dos refugiados e dos emigrantes e é venerada na Igreja do mesmo nome, na Póvoa de Varzim, onde no 1º domingo de Junho se celebra a sua festa litúrgica. Nela sobressaem os tapetes de flores que ornamentam as ruas envolventes à Igreja, assim como uma grandiosa procissão bastante participada pela comunidade piscatória, muito devota da Santa. Na procissão figura uma alegoria à “Fuga para o Egipto”, na qual uma figurante trajando à época e com uma criança ao colo, monta uma burrinha que é conduzida por outro figurante, desempenhando o papel de São José.  
Também em Lamego na Igreja de Nossa Senhora do Desterro, existe igual veneração. Dela nos fala o cancioneiro popular da Beira Alta: “Dizeis que não tenho mãe, / Eu tenho-a em Lamego; / Dizei-me quem ella é? / A Senhora do Desterro.”
Em Braga, na Quarta-Feira Santa tem lugar o tradicional cortejo bíblico “Vós sereis o meu povo”, popularmente conhecido como “Procissão da Burrinha”. Trata-se de uma procissão nocturna que apresenta a pré-história do Mistério Pascal de Jesus, que a Igreja celebra nos dias seguintes. No decurso dela são apresentados em sucessão cronológica e em verdadeira catequese, 22 quadros da vida de Jesus. Num deles é recriada a fuga para o Egipto de São José e Nossa Senhora, com a imagem da Virgem com o Menino Jesus ao colo, transportada numa burrinha e conduzida por um figurante, fazendo de São José. A procissão, organizada desde 1998 pela Paróquia e pela Junta de Freguesia de São Victor, integra mais de 1000 figurantes com trajes bíblicos, assim como bandas filarmónicas e grupos corais. É uma referência incontornável da Semana Santa de Braga e a ela assistem vulgarmente mais de 60 mil pessoas, ao longo dos 3 km de percurso.
Arte cristã
Desde a Idade Média que a “Fuga para o Egipto” constitui um tema recorrente na arte cristã, frequentemente explorado pelos artistas plásticos, que representam Nossa Senhora com o Menino Jesus ao colo, montada numa burrinha e acompanhada por São José, que segue a pé.
A nível da pintura há inúmeras iluminuras dos códices de pergaminho medievais, bem como pinturas sobre os suportes mais diversos (tela, madeira, mármore, vidro, cobre, prata, fresco, etc.). No âmbito da escultura em pedra, a evocação bíblica figura em pias baptismais, túmulos, fachadas, capiteis, edículas, frisos de arquitraves, etc. A ela há a acrescentar ainda a escultura em madeira e barro policromados, bem como painéis de azulejos, vitrais, desenhos e gravuras (em madeira ou a água-forte).

Publicado inicialmente em 6 de Janeiro de 2016