quarta-feira, 30 de julho de 2014

Ir buscar lã e sair tosquiado

 JUNHO (fragmento) - Iluminura (9,8x13,3 cm) do “Livro de Horas de D. Fernando”
[Século XVI (1530-1534)], manuscrito com iluminuras da oficina de Simon Bening
(c. 1483 – 1561), Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Porque noticiei no meu blogue a visita de Dom Duarte de Bragança à FIAPE 2014, alguém duma forma boçal e reveladora de condicionamentos mentais e psicológicos, com falta de carácter e sem coragem de dar a cara, escudado atrás do anonimato cobarde, perguntou-me se me tornei monárquico e ficou incomodado por eu ter utilizado o termo Dom.
A atoarda, de contornos chantagistas, tornou necessária uma resposta, já que “Noblesse oblige”.
A utilização do termo “Dom” antes do nome, é uma fórmula tradicional, tal como o epíteto de “cidadão” ou de “camarada”, sem que alguém de bom senso, se dê ao trabalho de se preocupar com isso e fazer reparos.
Dom Duarte de Bragança, não é uma pessoa qualquer, já que é reconhecido pelo Governo da República, como sendo o legítimo herdeiro do trono de Portugal e o Chefe da Casa Real Portuguesa. Daí que deva merecer todo o respeito da parte de pessoas de bem.
Dom Duarte de Bragança goza de prestígio nacional e internacional, não só por ser o legítimo herdeiro do trono de Portugal e o Chefe da Casa Real Portuguesa, como por ser dedicado a causas nobres, como é do conhecimento geral. Daí que o seu anuimento a integrar a Comissão de Honra da Candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Imaterial da Humanidade, seja uma mais valia que reforça e potencia essa Candidatura.
Como homem livre, sem peias nem albardas no pensamento, considero reles e desonroso, acusar-me de monárquico, só porque não sigo cartilhas, sejam elas da Rua da Palma, da Soeiro Pereira Gomes, do Largo do Rato, da Rua de S. Caetano ou do Largo do Caldas.
Quem me comentou, revela espírito bafiento, misturando alhos com bugalhos e mostrando preconceitos de que provavelmente ainda não foi capaz de se libertar, quem sabe se por ter esqueletos no armário.
Para além disso, trata-me abusivamente por “amigo” num comentário cujos objectivos, de denegrir a minha pessoa, atacar a Instituição Monárquica e pôr em causa a Candidatura, ficam aqui denunciados. Lá diz o provérbio: “Ir buscar lã e sair tosquiado”.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

6 – Tradição, inovação e mudança de paradigma

Roupeiro.
Irmãs Flores (séc. XXI).
Colecção particular.

Na galeria dos bonecos de Estremoz é possível identificar um núcleo central de cerca de 90 figuras que são produzidas pelos barristas de hoje, à semelhança do que fizeram os seus antecessores, ainda que cada um lhe confira as suas próprias marcas de identidade. São os chamados “Bonecos da tradição”.
O trabalho de cada barrista não se esgota, porém, na feitura dos bonecos da tradição. Por sua própria iniciativa, fruto de encomenda ou por sugestão de alguém, os barristas são levados a criar novas figuras que até então ninguém fizera. São aquilo, que podemos designar por “Bonecos da inovação”, que respeitam o ancestral processo de fabrico dos bonecos de Estremoz.
O meu interesse pelos bonecos de Estremoz entrosou com o meu interesse pela etnografia, levando-me a lançar desafios às Irmãs Flores no sentido de criarem novos modelos, para o que lhes forneci imagens do meu arquivo pessoal. Isso aconteceu em vários momentos distintos: Em 2007, quando da criação da colecção “O traje popular Português”; Em 2009 e 2010, quando da 1ª e da 2ª edição do meu livro “Bonecos da gastronomia”; Em 2011 para a colecção “Alentejo do passado”; Em 2012, quando do lançamento do meu livro “MEMÓRIAS DO TEMPO DA OUTRA SENHORA / ESTREMOZ-ALENTEJO”.
As colecções “O traje popular português” e “Alentejo do passado” estão patentes ao público na sala de exposições da Associação Filatélica Alentejana no Centro Cultural de Estremoz.
Com a criação de “Bonecos da inovação” a barrística popular estremocense ficou mais rica. Nalguns casos houve mesmo “Mudança de paradigma”, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa.
As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de figurado, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional.

sábado, 19 de julho de 2014

II Encontro de Poetas Populares de Vila Viçosa

 A mesa que dirigiu o Encontro. Da direita para a esquerda: Ana Rocha (Vereadora do Pelouro da
Cultura da Câmara Municipal de Vila Viçosa, José António das Mercês (Poeta bencatelense), Manuel
Condenado (Presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa) e Hernâni Matos (Presidente da
Associação Filatélica Alentejana).

A Câmara Municipal de Vila Viçosa, em parceria com a Associação Filatélica Alentejana, promoveu no passado dia 12 de Julho (sábado), o II Encontro de Poetas Populares de Vila Viçosa, o qual teve lugar no Salão da Sociedade Filarmónica União Calipolense, na Rua Florbela Espanca nº 38, em Vila Viçosa.
O programa do Encontro foi o seguinte:
- 12 horas - Recepção aos participantes na Sociedade Filarmónica União Calipolense;
- 13 horas - Almoço-convívio nos Bombeiros Voluntários de Vila Viçosa;
- 15 horas -  Encontro de Poetas Populares na Sociedade Filarmónica União Calipolense.
O Encontro contou com a participação de poetas e poetisas, todos alentejanos, os quais apresentaram décimas, glosando o mote do poeta bencatelense José António das Mercês: 

Onde está a liberdade
Que os Capitães conquistaram?
Recordamos com saudade,
Tudo o que já nos tiraram.

O evento foi uma manifestação de vitalidade da Cultura Popular, em que se insere não só o Folclore, como também a Poesia Popular, tradicionalmente produzida por homens e mulheres, em tarefas de grupo, cíclicas e sazonais, como a monda, a ceifa, a azeitona, a vindima e a tiragem da cortiça, bem como por pastores na solidão da sua vida de nómadas. Poesia que continua a ter criadores entre camponeses, operários, trabalhadores de serviços e donas de casa, cada um deles com a sua experiência de vida. Por isso, respondendo ao apelo do Encontro, ali estiveram 31 poetas e poetisas populares, oriundos de Bencatel (3), Vila Viçosa (4), Estremoz (3), Arcos (2), S. Bento do Cortiço (1), S. Bento do Ameixial (1), Rio de Moinhos – Borba (4), Alandroal (1), Terena (1), Reguengos de Monsaraz (1), Montemor-o-Novo (1), Campo Maior (1), São Vicente e Ventosa - Elvas (1), Sousel (1), Casa Branca (1), Aldeia Velha – Avis (1), Alter do Chão (1), Urra – Portalegre (1), Castelo de Vide (1), Porto Côvo (1).
O Encontro terminou com um momento musical, seguido de lanche.

Hernâni Matos


CRÉDITOS DAS FOTOGRAFIAS
A primeira fotografia é da autoria de Augusta Serrano (Rádio Campanário) e todas as outras são da autoria de Luís Martins (Câmara Municipal de Vila Viçosa).

 Um aspecto da assistência.
José António das Mercês (Bencatel)
 João António Carriço Capacete (Bencatel)
 Porfírio António Velez Alexandre (Bencatel)
 José Camponês Venâncio (Vila Viçosa)
José Pombo Espada (Vila Viçosa)
 
Maria Lisete de Jesus Almeida Perdigão Martinho (Vila Viçosa) 
 Antónia Ruivo (Vila Viçosa)
 Constantina Babau (Estremoz)
 José António Banha (Estremoz)
Mateus Henrique Rodrigues Maçaneiro (Estremoz) 
 Manuel Francisco Morgado Gomes (Arcos)
Manuel Renato Bravo Valadeiro (Arcos) 
 Aurélio Cardoso Buinho (S. Bento do Cortiço)
Joaquim Inácio Araújo Gavião (S. Bento do Ameixial) 
 Altino João Letras Carriço (Rio de Moinhos – Borba)
José António Letras Miranda (Rio de Moinhos – Borba) 
 Manuel Geadas (Rio de Moinhos – Borba)
Manuel Joaquim Pereira Serrachino (Rio de Moinhos – Borba)
 José Antunes Coelho Patacho (Alandroal)
 Jerónimo José Silva Major (Terena)
 Raul Mendes Grilo (Reguengos de Monsaraz)
 José António Salgueiro (Montemor-o-Novo)
 António Francisco Marques Cachapim (Campo Maior)
 Maria Antónia Lopes Ramalho Piçarra (São Vicente e Ventosa - Elvas)
Maria Feliciana A. G. Leitão (Sousel)
Guilhermina Carlinhos Rosado (Casa Branca) 
 Joaquim Honório de Oliveira Lobato (Aldeia Velha - Avis)
 Francisco António Bujaca da Silva (Alter do Chão)
 António Serras Valério (Urra - Portalegre)
 António Serras Valério (Urra - Portalegre)
 José Maria Vidal (Porto Côvo)
Jerónimo Major (guitarra), Manuel Geadas (castanholas), Manuel Serrachino (acordeão) e José
António Salgueiro.
 O cartaz de promoção do Encontro.


quinta-feira, 17 de julho de 2014

Primárias? Não, obrigado!


Se há um conceito que me é grato e me está na massa do sangue, é o conceito de companheiros de estrada. Trata-se daqueles com quem gosto de fazer caminhadas conjuntas, não só pela necessidade de fazer pontes com quem pensa de maneira diferente de mim, mas também porque a união faz a força.
Os meus companheiros de estrada ou estão fora do espectro político-partidário ou então distribuem-se ao longo dele. Entre eles estão os socialistas do PS. Um deles, um amigo que muito prezo, convidou-me a participar nas primárias do PS. Ele não levará a mal, mas eu não quero participar nessa luta pela liderança do PS, por três motivos que passo a expor:
Em primeiro lugar, porque António Costa e António José Seguro são duas faces da mesma moeda, o Partido Socialista, que como partido do arco da governação é co-responsável conjunto com a direita instalada no poder, pelo estado a que o país chegou.
Em segundo lugar, é meu entendimento que é aos socialistas do PS e só a eles, que compete decidir quem será o seu próximo Secretário-Geral e candidato a Primeiro-Ministro de Portugal. Lá diz o rifão: “Quem está de fora, racha lenha”. Eticamente não faz sentido, que um não militante do PS, se declare simpatizante ao subscrever a Declaração de Princípios do Partido e com isso possa votar em pé de igualdade com militantes que pagam cotas, vão a reuniões, colam cartazes e fazem trabalho político.
Em terceiro lugar, porque perderia a minha independência ao subscrever a referida Declaração de Princípios. Como é que os meus restantes companheiros de estrada que não são do PS, me passariam a encarar? Certamente que não da mesma maneira que até aí. Eu já não seria ponte entre braços do mesmo rio. Eu teria passado a integrar um dos braços do rio. E essa não é a minha vontade.
Pelas razões expostas, só me resta declinar o convite do meu amigo, dizendo-lhe delicadamente:
- Primárias? Não, obrigado!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Combustão

Imagem transcrita com a devida vénia do blogue O tempo e o deserto

Estremoz, 16 de Julho de 2014, pelas 14 horas. Estão 38,5 º C à sombra. Estamos a caminho de metade da temperatura a que ferve o ângulo recto. É caso para implorar:
- Jesus: Tende piedade de nós. Basta de calor!
Para logo acrescentar de seguida:
- Já nos chega a troika e o governo de Passos Coelho!

domingo, 13 de julho de 2014

Eu e o Palácio Tocha

O autor durante a sua infância, fotografado por seu pai no Jardim, olhando em direcção ao Palácio
Tocha. Fotografia tirada para memória futura, que está agora a cumprir o seu papel.

O Palácio Tocha, situado no Largo D. José I, em Estremoz, foi palco de estórias de infância e de juventude, que povoam a minha memória.
Primeira estória
A primeira estória é uma quase-estória, o que quer dizer que quase não tinha estória para contar. Todavia, passo a contá-la:
Na minha infância, traquinava no jardim, frente ao Palácio e aí o meu pai tirou fotografias para memória futura.
Aquele edifício, mais alto que todos os outros e com um aspecto imponente, despertava a minha atenção. Porém, naquela altura, eu não lhe ligava importância alguma. Eu estava ali, era para a brincadeira. 
Segunda estória
Está relatada na crónica “Dia das mentiras” que integra o meu livro “MEMÓRIAS DO TEMPO DA OUTRA SENHORA/ESTREMOZ-ALENTEJO”, dada à estampa pela Colibri, em 2012.
Como é sabido, o dia 1 de Abril é conhecido por “Dia das mentiras” e é um dia em que por tradição se pregam partidas aos outros. Por ingenuidade, na minha infância fui vítima de brincadeiras do 1º de Abril. Uma delas aconteceu quando com 10 anos de idade, frequentava o 1º ano do Liceu no Colégio de São Joaquim, que funcionava no Palácio Reynolds, mesmo em frente ao Palácio Tocha. No primeiro piso do nº 100A, funcionava a Difarsul, distribuidora de produtos farmacêuticos e químicos. Vejamos o que relato no livro:
No início dum intervalo, um aluno do 5º ano, disse-me assim:
- Enquanto eu aproveito o intervalo para fumar um cigarro, preciso que vás ali à Difarsul e me compres cinco tostões de electricidade em pó, pois como sabes sou interno no Colégio e tenho uma avaria na electricidade lá do quarto. Toma lá o dinheiro e não te demores pá, para chegares antes do toque da sineta para a entrada, senão ainda tens falta.
Eu, porque me dava bem com ele, dispus-me sem hesitações a ser prestável e a ir fazer o avio, até porque a Difarsul, vendedora de produtos químicos, ficava a 100 metros dali. Chegado lá, disse ao que ia, enquanto punha a moeda para pagamento em cima do balcão.
Resposta do funcionário:
- Oh rapaz, guarda o dinheiro e diz a quem te mandou cá que tenha juízo! Fica a saber que electricidade, só por fios. Sabes uma coisa? Caíste numa brincadeira do 1º de Abril.
Cabisbaixo, voltei a correr para o Colégio para não chegar atrasado às aulas. Chegado ao pátio, disse ao colega mais velho:
- É pá, tu enganaste-me! Pregaste-me uma partida, mas toma lá a moeda que é tua.
Ele deu-me uma palmada no ombro e respondeu-me:
- Pois preguei, que é para ver se espertas!
Ficámos amigos à mesma e eu tomei aquela partida como advertência. A partir daí tornou-se difícil pregar-me partidas no 1º de Abril.
Mais tarde, nos anos setenta do século passado e já professor na Escola Industrial e Comercial de Estremoz, ia à Difarsul na qualidade de Director do Laboratório de Química da Escola, tratar da aquisição de reagentes que estavam em falta. Foi nesta época que comecei a admirar os azulejos que ornamentam o Palácio Tocha e são uma das pedras de toque do edifício.
Terceira estória
Tem a ver com as minhas idas ao dentista no decurso da juventude. Onde hoje é o número 100 do Largo de D. José I, situava-se o consultório de dentista do Dr. Vieira da Luz, um homem que apesar de afável, me punha os cabelos em pé, sempre que tinha de lá ir. Apesar de reconhecer a importância da sua missão, o desconforto da minha ida ali, ainda perdura na minha memória.
Em primeiro lugar, o cheiro a desinfectante, que logo à entrada me invadia as narinas. Depois, o ter de me sentar na cadeira que iria ser de tortura. Ao fazê-lo, o meu coração disparava como um cavalo louco. Seguidamente, era a injecção nas gengivas, o brocar ou a separação da gengiva do dente, a que se seguia a utilização de um fórcep para arrancar o dente e, eventualmente, a utilização de uma alavanca. No fim, o bochechar da boca com um desinfectante, cujo sabor me leva a exclui-lo da minha lista de líquidos recomendáveis. E quando as coisas davam para o torto, lá vinham as pontas de fogo para cauterizar as gengivas. Para além da dor que me causavam, ainda me lembro do cheiro a carne queimada, algo de semelhante a cheiro de pombos musgados, para eliminar o resto da penugem.
Eram um suplício, as minhas idas ao dentista no número 100 do Palácio Tocha. Daí que mentalmente tenham sobrevivido como registo forte da minha passagem por ali.
Quarta estória
Quando em 1972, comecei a leccionar na Escola Industrial e Comercial de Estremoz, o meio de transporte utilizado para me deslocar de casa para o trabalho, era a bicicleta a pedais.
Nos finais da década de setenta, achei conveniente passar a andar de automóvel e lá comprei um dois cavalos, pago aos bochechos.
Depois de conduzir um ano sem carta, lá me dispus a ir tirar a carta de condução, para o que me dirigi à Escola de Condução Estremocense, então propriedade do senhor Ramalhinho e instalada no primeiro piso do número 100A do Palácio Tocha. A Escola era um luxo com as paredes decoradas a azulejos, que eram um regalo para a vista.
Por artes mágicas, lá consegui convencer o instrutor a levar-ma a exame de condução com um número mínimo de aulas de código, de que eu não gostava mesmo nada. O que é pior é que eu não estudava patavina em casa, convencido que por as provas serem de resposta múltipla, seria capaz de deslindar a resposta certa. Pois estava redondamente enganado e foi assim que para gáudio dos meus alunos, chumbei duas vezes no exame de código. Foi uma risada geral nas aulas a seguir aos meus chumbos. Alguns alunos disseram-me coisas do tipo:
- O professor diz que a gente não estuda nada e faz exactamente o mesmo. Por isso chumbou.
Respondi então:
- É o que vos vai acontecer a vocês, se continuarem sem estudar.
E as coisas ficaram por ali. O pior ainda estava para vir. O instrutor de condução, senhor Ramalhinho, foi peremptório:
- Professor: fique sabendo que só o levo novamente a exame, depois de assistir a todas as aulas de código.
E que remédio tive eu, senão fazer o que ele me dizia. Com estoicismo lá assisti a todas as aulas de código e ele lá me levou a exame. Desta vez, passei no exame de código e os meus alunos tiveram de guardar o riso, convencidos que teriam oportunidade de fazer uso dele, quando fosse o exame de condução. Mas enganaram-se nas previsões, pois passei logo à primeira. Pudera, eu tinha prática de conduzir há um ano sem carta, o que sendo proibido era uma vantagem. Poupei bastante com as aulas de condução. Já o mesmo não posso dizer das aulas de código.  


 
Sala de aulas da extinta Escola de Condução Estremocense.
Imagem recolhida no Sistema de Referência e Indexação do Azulejo.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Palácio Tocha – Quem lhe acode?

PALÁCIO TOCHA - O aspecto deslavado da fachada e o mau estado das janelas são um cartaz
vaticinador da degradação que por ali grassa. Fotografia de Brados do Alentejo, Julho de 2014.

O Palácio Tocha, no Largo D. José I, 100, em Estremoz, foi classificado como monumento de interesse público. Esse o teor da Portaria 40/2014 do Secretário de Estado da Cultura, publicada no Diário da Republica - 2.ª Serie, Nº 14, de 21-01-2014. O diploma define ainda a zona especial de protecção do monumento.
História dum edifício
Para quem tem acompanhado a novela Belmonte, trata-se do edifício onde supostamente reside a família Milheiro e em cujo rés-do-chão funciona a clínica veterinária da Drª Julieta Milheiro.
Trata-se dum imponente solar setecentista também conhecido por Palácio dos Henriques de Trastâmara, construído no início do século XVIII para residência do capitão Barnabé Henriques e sua família, tendo sido transmitido a herdeiros, passando em meados do séc. XIX para a posse do Eng. José Rodrigues Tocha. Nele se hospedou em 1860, o rei D. Pedro V, quando da sua visita à notável vila de Estremoz. No início do séc. XX funcionou ali o Palace Hotel e a sede do Sindicato Agrícola, fundado em 1907 e antecessor do Grémio da Lavoura. Ali morou o cavaleiro tauromáquico D. Vasco Jardim e foi propriedade da família do Dr. José Filipe da Fonseca, que o vendeu ao actual proprietário, ASSOCIAÇÃO DE COLECÇÕES, constituída em Dezembro de 2005, com NIF 507545389 e sede na Praça Marquês de Pombal, nº 1- 8º, em Lisboa.
O edifício em si
Trata-se de um edifício de três pisos com arquitectura residencial barroca, rococó e neoclássica. Tem planta rectangular, prolongada nas traseiras em duas alas laterais sobre um pátio interior, ao qual se segue um extenso jardim. No interior, ao qual se acede através de vestíbulo calcetado a preto e branco com motivos geometrizantes, destacam-se a escadaria de dois patamares, em mármore, coberta com tecto de estuques, e as salas e corredores forrados por painéis azulejares joaninos, rococós e neoclássicos, representando cenas galantes, mitológicas, alegóricas ou de caça. Nos salões nobres estão sempre presentes estuques, frisos decorados, moldurações em mármore e cerâmicas, ostentando o salão central (Sala das Batalhas), silhares alegóricos a campanhas militares regionais e batalhas da Guerra da Restauração, condizentes com a história local e a condição militar do fundador da casa.
A classificação do Palácio reflecte os critérios constantes do artigo 17.º da Lei 107/2001, de 8 de Setembro, relativos ao carácter matricial do bem, ao seu valor estético, técnico e material intrínseco, e à sua concepção arquitectónica e urbanística.
Implicações da classificação
De acordo com o artigo 21.º da mesma Lei, os proprietários de bens que tenham sido classificados têm o dever de conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração. Devem além disso, observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais.
De acordo com o artigo 33.º da mesma lei, compete ao órgão competente da administração central, regional ou municipal, determinar as medidas provisórias ou as medidas técnicas de salvaguarda indispensáveis e adequadas.
Uma dó de alma
O aspecto deslavado da fachada e o mau estado das janelas são um cartaz vaticinador da degradação que por ali grassa. Vidros partidos numa janela do terceiro piso são um convite à nidificação de aves, entre elas os pombos, uma praga que assola Estremoz. No telhado, a erva é senhora e rainha. Fotografias de Pedro Godinho, colhidas em 2007 e disponíveis no SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico), são reveladoras de infiltrações que há no edifício, fora aquilo que não se vê. Os indícios de infiltrações começam logo no vestíbulo de entrada, são também visíveis no primeiro patamar da escadaria principal e na cobertura da escadaria.
É uma dó de alma ver aquele edifício assim. Gostaríamos que ele tivesse um destino diferente de outros como o edifício da Alfaia, o edifício Luís Campos ou o Palace Hotel, que são uma mancha triste na malha urbana desta urbe transtagana, a quem o nosso conterrâneo, o poeta Silva Tavares chamou um dia “cidade branca”. Aqui fica um registo que gostaríamos de não ter feito.
Quem lhe acode?
Urge travar o estado de degradação do edifício e promover o seu restauro e conservação. O proprietário e a administração pública têm responsabilidades que devem ser assumidas. É que o edifício é uma jóia arquitectónica da cidade e um tesouro em património azulejar, no qual ressalta o envolvimento de Estremoz e do seu termo, na luta pela independência nacional contra o jugo filipino. São páginas de História Regional e Nacional que estão ali contadas.
O vetusto edifício parece pedir socorro. Quem lhe acode? 


PALÁCIO TOCHA -  Vidros partidos numa janela do terceiro piso são um convite à nidificação
de aves, entre elas os pombos, uma praga que assola Estremoz. Fotografia de Brados do
Alentejo, Julho de 2014.
PALÁCIO TOCHA -   No telhado, a erva é senhora e rainha. Fotografia de Brados do Alentejo, Julho
de 2014.
PALÁCIO TOCHA -  Indícios de infiltrações no vestíbulo de entrada. Fotografia de Pedro Godinho, 2007.
SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.
PALÁCIO TOCHA - Indícios de infiltrações, visíveis no primeiro patamar da escadaria principal.
Fotografia de Pedro Godinho, 2007. SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.
PALÁCIO TOCHA - Indícios de infiltrações, visíveis na cobertura da escadaria.
Fotografia de Pedro Godinho, 2007. SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.