sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O número cem na literatura de tradição oral


PAVÂO - Argos Panoptes, gigante com cem olhos, a quem Hermes cortou a cabeça,
foi transformado por Hera, em pavão, ave sagrada em cuja cauda pôs os seus cem olhos.


 VENHAM MAIS CEM!
É sabido que em termos dialécticos, o acumular de quantidade gera uma nova qualidade. Este facto indesmentível que povoa os múltiplos aspectos do conhecimento humano, faz com que um jornal como o “Ecos” [1] ao editar o seu número cem, se liberte da sua condição de decenário para transitar por direito próprio para outro patamar, agora o correspondente à sua condição de centenário. Fazemos votos para que este salto dialéctico consubstancie uma mudança de paradigma.
Somos habitantes dum mundo em permanente devir, em que os fenómenos da globalização apátrida tendem a pulverizar e desintegrar todo e qualquer arreganho de identidade cultural nacional. A análise da conjuntura levou-nos há muito a partilhar esforços com outros, nomeadamente todos aqueles que pensam diferente de nós, visando a possibilidade de terçarmos em defesa da nossa dama: a Cultura Popular. Esse é o sentido de sermos colunistas do “Ecos”, com o posto anarco-libertário de “franco-atirador” num espaço de intervenção jornalística plural.
Se o “Ecos” fosse um bolo, pôr-lhe-íamos cem velas. Porém não é um bolo e velas não se coadunam muito com o papel que serve de suporte físico à imprensa escrita. Como assinalar então esta efeméride? Através duma viagem meteórica pela literatura de tradição oral.

BÍBLIA
O número “cem” é profusamente referido na Bíblia, onde logo no primeiro dos livros sagrados se destacam referências como:
- “Eis a descendência de Sem: Sem, com a idade de cem anos, gerou Arfaxad, dois anos depois do dilúvio.” (Génesis 11:10) - “Abraão prostrou-se com o rosto por terra e começou a rir, dizendo consigo mesmo: "Poderia nascer um filho a um homem de cem anos? Seria possível a Sara conceber ainda na idade de noventa anos?" (Génesis 17:17)
- “UIac semeou naquela terra, e colheu o cêntuplo naquele mesmo ano; o Senhor o abençoava. (Génesis 26:12)
- “Comprou por cem moedas de prata aos filhos de Hemor, pai de Siquém, o pedaço de terra onde havia levantado a sua tenda. (Génesis 33:19)

MITOLOGIA GREGA
O número “cem” está na mitologia grega associado a personagens como Argos Panoptes, Ládon ou os Hecatônquiros.
Argos Panoptes era um gigante com cem olhos. Servo fiel de Hera, foi incumbido pela deusa de tomar conta de Io, princesa e amante de Zeus transformada em novilha. Era um excelente boieiro, visto que mantinha cinquenta dos seus olhos abertos, enquanto dormia. Para a libertar do jugo de Zeus, Hermes o pôs a dormir e de seguida cortou a sua cabeça. Hera homenageou-o, transformando-o em pavão, ave sagrada em cuja cauda pôs os seus cem olhos.
Ládon era um dragão com um corpo de serpente onde tinha cem cabeças que falavam línguas diferentes, Foi a que ele que Hera, mulher de Zeus, tornou guardião do jardim das Hespérides, com a tarefa de proteger a macieira de frutos de ouro, árvore que Gaia lhe tinha oferecido no dia de casamento com Zeus.
Os Hecatônquiros ou Centimanos eram três gigantes da mitologia grega, que possuíam cem braços e cinquenta cabeças. Eram irmãos dos 12 Titãs e dos 3 Ciclopes, filhos de Urano e Gaia: Briareu, Coto e Giges.

PROVÉRBIOS
São de referir os seguintes:
- A cem avisa quem um castiga.
- A cem fustiga quem um castiga.
- Ao cabo de cem anos os reis são vilões e ao cabo de cento e dez são os vilões reis.
- Cem amigos é pouco e um inimigo é muito.
- Cem cães a um osso.
- Cento de um ventre, cada um de sua mente.
- Cento de vida, cento de renda e cem léguas de parentes.
- Deus fecha uma porta e abre um cento.
- Guerra, caça e amores, por um prazer cem dores.
- Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.
- Largos dias têm cem anos.
- Mais vale um dia do discreto que cem do néscio.
- Mais vale um farto que cem famintos.
- Mais vale um que saiba mandar, do que cem a trabalhar.
- Mais vale uma aguilhada que cem arres.
- Mais vale uma dor que cem. 
- Mais vale uma vista do dono que cem brados do abegão.
- Mede cem vezes e corta uma.
- Perdido por cem, perdido por mil.
- Perdido por um, perdido por cem.
- Quem engana ao ladrão, cem dias ganha de perdão.
- Quem num jogo fará um erro, fará cento.
- Quem faz um cesto, faz um cento.
- Um doido fará cem.
- Um louco é capaz de fazer cem loucos.
- Um pai para cem filhos e não cem filhos para um pai.
- Um só doido endoidece cem.

TRAVALÍNGUAS
A nível de travalínguas é conhecido o seguinte:
Se com cem serras
Se serram cem ciprestes
Quantos ciprestes
Se serram com seiscentas serras?

ADIVINHAS
É conhecida uma adivinha em cuja formulação entra o número “cem”:

Um gavião quando andava a caçar, passa por cima de um pombal e diz:
- Olá pombal das 100 pombas!
Ao que uma pomba branca respondeu:
- Para serem 100 pombas são precisas estas, outras tantas como estas, metade destas, mais um quarto destas e contigo gavião 100 pombas serão.
Pergunta-se: quantas pombas tinha o pombal?

CANCIONEIRO POPULAR
No que se refere ao cancioneiro popular, este também assinala a presença do número “cem”:
De cantigas tenho um cento,
E fil-as todas num dia,
Todas estas cantiguinhas
Eu canto à minha Maria.
Évora é grande, grandiosa,
muito linda em monumentos;
tem por lá mui belas coisas,
coisas d’arte são aos centos.

GÍRIA PORTUGUESA
No âmbito da gíria portuguesa são conhecidas expressões como:
Andar com cem olhos = Estar muito vigilante
Cavalo de cem moedas = Coisa ou pessoa muito vistosa
Cem cães a um osso = Muitos a desejar a mesma coisa
Cem por cento = Pessoa impecável = Eficiente
Centenas de vezes = Muitas vezes

ALCUNHAS
No que respeita a alcunhas alentejanas são conhecidas as seguintes:
- CEM – Alcunha outorgada a um homem que tinha este número quando andava na tropa (Portel e Castro Verde).
- CEM À HORA – O receptor anda muito depressa (Elvas, Ourique e Estremoz).
- CEM GRAMAS - Designação atribuída a um indivíduo que é muito magro (Odemira).

TOPONÍMIA
Quanto à toponímia são conhecidos os seguintes topónimos:
CEM – Lugar da freguesia de Folhada, concelho de Marco de Canaveses.
CEM – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM – Lugar da freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Arcos de Valdevez.
CEM DE BAIXO – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM DE RIBA – Lugar da freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras.
CEM SOLDOS – Lugar da freguesia da Madalena, concelho de Tomar.

PARA ONDE VAI A TRADIÇÂO ORAL?
A importância da literatura de tradição oral resulta de ela ser veiculada através do diálogo inter-geracional, transmissor de valores familiares, sociais, morais e culturais. Sem a transmissão desses valores, perde-se a memória do passado e a identidade cultural regional e nacional. É o que acontece, quando tagarelas de “internetês” comunicam freneticamente em chats ou redes sociais. Essa malta usa o número cem na forma decimal para substituir a proposição "sem" ou numa palavra as sílabas “sem”, “sen” “cen”, como ilustram exemplos como: “100abrigo”, “100pre”, “100tar”, “100to”. Trata-se da demolição da língua portuguesa, pelo uso da fonética em detrimento da etimologia, pelo eliminar da pontuação e da acentuação, com o mais completo desrespeito pelas regras gramaticais que muitos não chegaram sequer a conhecer, o que é algo inteiramente execrável. Como Fernando Pessoa somos levados a dizer “A minha pátria é a língua portuguesa.”, bem como “Ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida”. Como Zeca Afonso, de quem parafraseámos o título de aberura do presente post, somos levados a dizer:

Não me obriguem a vir para a rua
Gritar
Que é já tempo d' embalar a trouxa
E zarpar


[1] - Quinzenário de Estremoz, onde mantenho a coluna “O FRANCO-ATIRADOR”.
 
O SACRIFÍCIO DE ABRAÃO (1635) - Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela (132,8x139,5 cm). Museu Hermitage, Leningrado.
Segundo o Génesis, Abraão teria sido pai de Isaac aos 100 anos
 e mais tarde Deus pediu-lhe uma verdadeira prova de fé,
determinando que levasse o seu filho para oferecê-lo em holocausto.
Porém, quando levantou a mão para sacrificar o seu filho, foi impedido
pelo Anjo do Senhor.
HERMES MATANDO ARGUS PANOPTES - Vaso grego do séc. V a.C., atribuído ao pintor Argos.
Museu de História da Arte, Viena.
O DRAGÃO LÁDON - Iustração de Arthur Rackham (1867-1938)
(Imagem recolhida em Intellecta Design).

 HECATÔNQUIRO (Cartoon recolhido em Templo de apolo.net).
A DEMOLIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DO INTERNETÊS
(Cartoon recolhido em Língua Portuguesa).

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Póvoa de Varzim e o Mar


PÓVOA DE VARZIM (s/data).
João José Vaz (1859-1931).
Óleo sobre madeira.

A Póvoa de Varzim é uma bela cidade do Douro Litoral, cuja origem remonta ao período romano-lusitano. É um importante centro piscatório e procurada praia de banhos. O mar é ali omnipresente. Ali se sente a presença tutelar do mar, que às vezes também é carrasco dos pescadores.
A minha relação com a Póvoa remonta a 1983, ano em que me apaixonei por uma poveira que viria a ser minha mulher. Ávido de conhecimentos de etnografia, desde logo procurei reunir alguns conhecimentos de etnografia naval, sobre a qual escreveram António Santos Graça, Octávio Lixa Filgueiras e Manuel Lopes. Fiquei então a saber que o barco e a lancha poveira tinham divisa constituída por desenhos pintados à proa e à ré, ficando ao centro o nome. Estavam repletos de siglas, que eram a "escrita" do pescador poveiro, usada como brasão de família em todos os objectos que lhe pertenciam em terra ou no mar e que por isso eram marcados nos barcos, nos mastros, nos paus de varar, nos lemes, nas velas, nas redes, etc. Na Póvoa do Mar, como dizem os poveiros, graças à acção de Manuel Lopes foi reconstituída e posta a navegar uma Lancha Poveira do Alto, de velas enfunadas pelo vento tão necessário à navegação. Daí que reze o cancioneiro:

“Quero bem ao vento norte,
Que é vento da minha terra;
Também quero bem ao sul,
Que me faz andar à vela.”

Vela que, segundo o cancioneiro, protege também da tempestade:

“Ó mar, caixão dos navios,
Ó cama dos marinheiros;
Debaixo da vela grande,
Se aguentam os aguaceiros.”

Segundo o cancioneiro, o mar dá o pão, mas também dá a morte:

“A vida de marinheiro,
É uma vida triste e dura,
Pois toda a vida trabalha,
Em cima da sepultura.”

Por isso, o meu conterrâneo, poeta Silva Tavares diz que:

"Se pudessem ser contadas,
Formava-se um mar de dores,
com as lágrimas choradas
pelas mães dos pescadores!”

Pescador que é conhecido por ”lobo do mar”, a quem apetece perguntar com António Correia de Oliveira:

“Donde és tu, lobo do mar?
Donde és tu, ó pescador?
De Portugal? – “pois num foste!
Sou da Pòiva, meu Senhor!”

Antes de português, o pescador é da Póvoa.
Para Raul Brandão, “Aqui o homem é acima de tudo pescador.”, pescador que Antero de Figueiredo considera “... o valente campino do mar alto e das ondas de arrebentação...”
Os homens e rapazes vestiam outrora camisolas poveiras, de lã branca, bordada em ponto de cruz com motivos em preto e vermelho. Estas camisolas eram tradicionalmente feitas pelas mães, mulheres e noivas dos pescadores, que nelas bordavam motivos como âncoras, chaves, corações, siglas, vertedouros, remos cruzados, etc.
No folclore, o “Fandango Poveiro” e as “Torradinhas da Póvoa de Varzim”, são exemplos de danças tradicionais poveiras, executadas pelo Grupo Folclórico Poveiro, organizado em 1936 por Santos Graça, que na época recuperou e divulgou o vistoso traje branco que ele tão bem descreve em “O Poveiro”. Segundo ele, “As raparigas vestem colete vermelho de pano bérre; saias de branqueta branca com faixa; lenço branco pelos ombros; cachené caído no pescoço e descalças. Os rapazes usam calças brancas de baeta crepe, colete de pano piloto, camisa branca, percinta branca de riscas, solêtas nos pés e catalão na cabeça”.
O mar da Póvoa e tudo o que com ele se relaciona está de resto magistralmente registado na pintura portuguesa, conforme documento. 

PESCADORES NA PRAIA  (s/data).
 João José Vaz (1859-1931).  
BARCO NA PRAIA COM FIGURAS  (s/data).
João José Vaz (1859-1931).
PRAIA DA PÓVOA DE VARZIM (SÉC. XIX-XX).
João José Vaz (1859-1931).
Óleo s/ tela (50x30 cm).
Museu de Grão Vasco, Viseu.
PÓVOA - PRAIA DE PESCADORES (1888).
 António Carvalho da Silva Porto (1850-1893).
 Óleo sobre madeira (55,8x41,8 cm).
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.
PRAIA DOS PESCADORES - PÓVOA DO VARZIM (1884).
 João Marques de Oliveira (1853 -1927).
Óleo sobre madeira (35x22,5 cm).
Colecção particular. 
VISTA DA PRAIA.
João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo sobre madeira (35x22,5 cm).
Colecção particular.
PRAIA DA PÓVOA DE VARZIM (1884).
António Carvalho da Silva Porto (1850-1893).
Óleo sobre madeira (31,5x20,9 cm).
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

PRAIA DA PÓVOA DE VARZIM (1881).
António Carvalho da Silva Porto (1850-1893).
 Óleo s/ madeira (55x31,5 cm).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa.
PÓVOA DE VARZIM  (Séc. XIX).
António Carvalho da Silva Porto (1850-1893).
 Lápis grafite e pastel s/ papel (30x23 cm).
Museu de José Malhoa.
PRAIA DA PÓVOA DE VARZIM (1881-1888).
António Carvalho da Silva Porto (1850-1893).
Óleo s/ madeira (50,8x33,8 cm).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa.
À ESPERA DOS BARCOS.
 João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo sobre tela (45x38 cm).
PRAIA DA PÓVOA DE VARZIM (1873-1927).
 João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo s/ madeira (51x34,2 cm).
Museu de Grão Vasco, Viseu.
PRAIA DE PESCADORES, PÓVOA DE VARZIM (SÉC. XIX).
João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo sobre madeira (45x33 cm).
Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha.
MARINHA-PÓVOA DO VARZIM (SÉC. XIX).
João Marques de Oliveira (1853-1927).
Informação Técnica: Óleo sobre madeira (59,5x41 cm).
Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha.
A APANHA DO SARGAÇO (1841-1888).
 António Carvalho da Silva Porto (1850–1893).
 Óleo sobre Madeira (55,5x41,5 cm).
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.
A PRAIA (s/data).
João Vaz (1859-1931).
Óleo sobre tela (47,5 x 57,5 cm).
Casa Museu Anastácio Gonçalves, Lisboa.
PRAIA DE BANHOS (1884).
 João Marques de Oliveira (1853-1927).
 Óleo sobre tela (69,5x47,5 cm).
Museu do Chiado - MNAC, Lisboa.
PRAIA DE BANHOS, PÓVOA DE VARZIM, PORMENOR (1884).
João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo s/ tela (60,5x47 cm).
Museu do Chiado - MNAC, Lisboa.

RECANTO DE ALDEIA, PÓVOA DE VARZIM (1882-1890).
João Marques de Oliveira (1853-1927).
Óleo s/ madeira (37x23 cm).
Museu do Chiado - MNAC, Lisboa.
 
PÓVOA DE VARZIM (SÉCULO XIX).
 João Marques de Oliveira (1853-1927).
 Aguarela sobre papel (15,3x22,8 cm).
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Desvios à montagem original do presépio de trono ou de altar

Presépio executado pelas irmãs Flores com as figuras dispostas segundo a "montagem padrão".
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O recente estudo que efectuámos do presépio de Estremoz, conhecido por presépio de trono ou de altar teve na sua génese duas fotografias dos anos trinta do século passado, da autoria de Rogério de Carvalho (1915-1988), onde aparece o presépio de trono ou de altar, com a disposição de figuras feita pelo seu criador, o barrista Mariano da Conceição (1902-1959).
Nesse estudo concluímos existir uma hierarquia vertical e outra horizontal na disposição das figuras, a qual designaremos por “disposição original” ou “disposição padrão”, a qual foi a concebida por Mariano da Conceição e seguida por sua irmã Sabina Santos, (1921-2005), por sua mulher Liberdade da Conceição e ainda por sua filha Maria Luísa da Conceição, bem como pelas irmãs Flores, tanto aquela como estas ainda em actividade.
Da posição do observador e da esquerda para a direita, a “disposição padrão” das figuras é a seguinte:
1º DEGRAU - OS PASTORES: - pastor ofertante em pé com um cesto com uma pomba branca; - pastor ajoelhado e de cabeça descoberta, orando com o chapéu à frente; - pastor ofertante em pé, segurando um borrego e com tarro enfiado no braço esquerdo.
2º DEGRAU – A SAGRADA FAMÍLIA: - Nossa Senhora ajoelhada; - Menino Jesus deitado numa manjedoura; - São José ajoelhado.
3º DEGRAU – OS REIS MAGOS: Todos de pé e segurando as respectivas ofertas: Gaspar (de túnica cor de rosa: incenso), Baltasar (de túnica vermelhão: mirra) e Belchior (de túnica azul: ouro).
Setenta anos depois a pesquisa “on line” de imagens deste presépio, levou-nos a identificar montagens com “desvios” em relação à "montagem padrão", os quais podem assim ser sistematizados:
1 – Falta de figuras
2 - Figuras trocadas
3 - Figuras fora do trono
4 – Figuras estranhas ao presépio
5 – Violação da hierarquia vertical
6 – Violação da hierarquia horizontal
7 - Figuras em pose para o observador
Exemplificamos de seguida, sem identificar os barristas, os diversos desvios identificados acompanhados do endereço dos locais onde foram descobertos. Com esta abordagem julgamos dar um contributo inestimável para a reposição do espírito original da montagem do chamado presépio de trono ou de altar. A tradição agradece e a memória de Mariano da Conceição também.
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As figuras laterais estão trocadas em qualquer dos degraus  (Lides Alentejanas).
No 1º degrau, qualquer dos pastores devia estar virado para Jesus. No 2º e 3º degrau, as figuras laterais estão trocadas (piggyforever).
No 1º degrau, todos os pastores deviam estar virados para Jesus. No 3º degrau, os reis magos laterais, deviam inverter as suas posições (Corações habitados).
No 1ºdegrau, o pastor ofertante da esquerda, devia ter uma pomba e ambos os pastores ofertantes deviam estar virados para Jesus. No 2º degrau, as figuras laterais estão trocadas. No terceiro degrau, o rei negro devia trocar de posição com o rei oriental que está ao centro (catekero).
No 1º degrau, os pastores ofertantes estão trocados e o pastor ajoelhado devia estar virado para Jesus. No 3º degrau falta Belchior com o seu presente de ouro, o qual devia estar no lugar onde está o rei negro, que por sua vez devia transitar para o centro (Retrovisor).
 No 1º degrau, os pastores ofertantes estão trocados e deviam estar virados para Jesus, faltando ainda o pastor ajoelhado, que indevidamente está no 2º degrau. A sagrada família que está no 3º degrau, devia estar no 2º, trocando São José de posição com Nossa Senhora. Os reis magos deviam passar para o terceiro degrau, ficando o rei negro onde está o menino Jesus, virado para a frente. Quanto a Gaspar com o seu presente de incenso, devia estar á esquerda, onde está São José e virado para a frente. Falta ainda Belchior com o seu presente de ouro e devia estar à direita, onde está Nossa Senhora, virado para a frente. (Antiguidades Serralves).      
No 1ºdegrau, os pastores deviam estar virados para Jesus. O pastor ajoelhado devia estar ao centro e no lugar onde está, devia estar o pastor ofertante com pomba, que não existe. São apresentados dois pastores ofertantes com borrego de tamanho diferente, um deles fora do trono, o que não faz sentido em termos de montagem. No 3º degrau, o rei negro devia estar ao centro, sendo substituído por  Gaspar com a sua oferta de incenso, que sairia do lado direito para dar lugar a Belchior com o seu presente de ouro, o  qual sairia da posição central  (Museu de Arte Popular).
No 1º degrau, os pastores ofertantes deviam estar virados para Jesus. No 2º degrau as figuras laterais estão trocadas. No terceiro degrau, os reis magos laterais têm a cor da túnica trocada em relação ao “padrão” (lovely impermanence)

No 1º degrau, os pastores ofertantes deviam estar virados para Jesus. No 2º degrau, as figuras laterais estão trocadas. No terceiro degrau as figuras laterais estão trocadas de posição e têm a cor da túnica trocada em relação ao “padrão”  (O Presépio Português).  
No 1º degrau, os pastores ofertantes deviam estar virados para Jesus. No terceiro degrau, o rei negro devia estar ao centro. Belchior aqui de túnica cor de rosa, com o seu presente de ouro, devia estar à direita, onde está Baltasar (o rei negro). Quanto a Gaspar, aqui de túnica azul, com o seu presente de incenso, devia estar á esquerda, onde está Belchior (Secretariado Nacional da Pastoral da Igreja).
No 1º degrau, os pastores ofertantes deviam estar virados para Jesus. No terceiro degrau, o rei negro devia estar ao centro. Belchior aqui de túnica cor de rosa, com o seu presente de ouro, devia estar à direita, onde está Baltasar (o rei negro). Quanto a Gaspar, aqui de túnica azul, com o seu presente de incenso, devia estar à esquerda, onde está Belchior (Museu da Presidência).
No 1º degrau, todos os pastores deviam estar virados para Jesus. No 2º degrau, as figuras laterais estão trocadas. No 3º degrau falta à direita Belchior com o seu presente de ouro e que aqui teria túnica cor de rosa, já que Gaspar, aqui de túnica azul, com o seu presente de incenso, está à esquerda (Museu Nacional de Arqueologia).
O 1º e 3º degrau estão vazios. O burro e a vaca que estão no 2º degrau, são figuras que não pertencem a este presépio. No 2º degrau falta Nossa Senhora à esquerda e São José à direita (Joseluisgildela).

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

As corridas de rodas

JOGO DO ARCO OU DA GANCHETA (Pormenor - século XX). Fotografia de autor desconhecido (30,5x23,5 cm). Museu da Guarda.
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A “corrida de rodas” era um jogo da minha infância, para o qual tenho reservado um lugar muito especial nas gavetas espaçosas da minha memória.
Não tinha época certa. Bastava que alguém com o corpo a pedir folia se lembrasse disso e lançasse o repto:
- Vamos correr com as rodas?
Aceite este desafio, cada um de nós corria até casa para ir buscar a sua roda, bem como o indispensável guiador.
Eu e os do meu bando, nos anos cinquenta do século passado, tínhamos no Largo do Espírito Santo, em Estremoz, o Quartel-General das nossas operações. Ali nascemos e ali crescíamos, temperados pelas brincadeiras que nos enchiam as medidas.
Éramos: eu, o Rodrigo André e o irmão, o Manuel Maria Gato, o Armando Pereira, o António Maria Craveiro, o Manuel da Avó e o Jorge Maluco.
As rodas eram das mais diversas: aro cilíndrico de ferro maciço, roda de bicicleta, aro de pneu e cinta metálica de barril ou de pipa. Esta última era a mais difícil de conduzir e era sempre um “desenrascanço” que se arranjava à do Silva, tanoeiro da Horta do Quinton, na rua da Levada, onde funcionava a Fábrica de Conservas “Alves e Martins, Lda”. A de pneu também desenrascava e tinha uma boa aderência ao solo, o que era uma vantagem para os mais inábeis. Já a roda de bicicleta era uma senhora roda, pois pelo seu maior diâmetro, atingia facilmente maior velocidade, com menos esforço, além de que pela maior largura do aro, assentava melhor no solo, o que lhe conferia uma maior estabilidade. Porém, para os mais hábeis, o “fórmula 1” das rodas, era o aro cilíndrico de ferro maciço, com menor diâmetro que as rodas de bicicleta, mas também mais estreito e pesado que aquelas. Tomava cá uma embalagem… E esta era tanto maior quanto maior fosse o diâmetro do aro.
Um complemento indispensável à boa condução da roda era o “guiador”, confeccionado com arame ou varão de ferro, tendo numa das extremidades um desvio em U, para encaixe, condução e orientação da roda. Este desvio era para o lado esquerdo da extremidade no caso dos dextros e para o lado direito da extremidade no caso dos canhotos. A outra extremidade era aquela pela qual se empunhava o guiador e tinha uma dobra a 180º, para não ferir a mão, podendo mesmo possuir uma protecção improvisada, como tiras de pano enrolado ou um cabo de madeira ou de cortiça. O guiador em varão de ferro era o mais apreciado e devia ter um tamanho adequado que facilitasse a condução da roda. Quanto maior fosse o guiador, mais fácil era a condução da roda. Porém, o controle destas nas curvas, aconselhava a que o guiador não fosse demasiadamente grande. E nós sabíamos o tamanho exacto a dar ao nosso guiador.
As corridas de rodas realizavam-se em qualquer altura do ano, mas eram mais apreciadas na Primavera ou nos dias de Inverno sem chuva, já que assim davam para aquecer o corpo com o esforço e não havia o risco de derraparmos e nos estatelarmos no chão molhado. Já de Verão eram absolutamente desaconselháveis, uma vez que com a calorina, ficávamos com os bofes de fora.
Reunidos os apetrechos para a corrida, combinávamos o local de partida, o trajecto e o local de chegada. A única regra era que não valia empurrar.
Um dos trajectos possíveis era: Largo do Espírito Santo junto ao lampião (descida e viragem à direita), Rua da Levada, Travessa da Levada (viragem à direita), Rua do Almeida (viragem à direita), Largo da Liberdade (viragem à esquerda), Rua do Casco (subida e viragem á direita), Rua das Freiras (viragem à direita) e Largo do Espírito Santo (onde se localizava a meta).
Dada a partida por quem havia sido acordado que o fizesse, começávamos alinhados, mas a partir daí, era “o ver se te avias”, “pernas para que te quero”, acondicionadas por muita genica e uma vontade indomável de ganhar.
Circulava-se então bem pelas ruas, pois estas não estavam apinhadas de carros e os eventuais transeuntes colaboravam, desviando-se, avisados pela sonoridade galopante das próprias rodas, especialmente as de ferro maciço e as de bicicleta, que à medida que galgavam a calçada à portuguesa, em uníssono com ela, gemiam ais capazes de fazer ressuscitar um morto bem falecido. Corria-se à roda livre, embora se ouvisse por vezes alguma vociferação mais rabugenta.
- Lá andam os gaiatos a correr outra vez! Não há maneira de sossegarem!
Apesar disso, a maioria das pessoas era compreensiva, sabia tal como nós, que a brincadeira era o nosso trabalho, era a nossa maneira de aprendermos a ser grandes. Por vezes lá tínhamos que nos desviar da carroça de algum aguadeiro ou de uma casa agrícola, que circulavam pelas ruas. Porém, era raro.
Por vezes, sobretudo nas curvas, alguém mais inábil deixava cair a roda, pelo que se tinha de abaixar para a apanhar e poder prosseguir a corrida. Porém, a vitória era então mais difícil. Os outros nem pestanejavam, pois corrida é corrida e concentração e empenho são receitas de êxito.
Na subida da rua do Casco é que se via quem tinha pernas. Era aqui que se esfrangalhava o pelotão, que entrava na recta final da rua das Freiras. A descida do largo do Espírito Santo era já realizada em travagem a fundo, com o Alegrete à direita e a Casa do Manuel Maria Gato ao fundo, a ameaçar estamparmo-nos nela.
À chegada, o vencedor ufanava-se com um sonoro e repetido:
- Ganhei! Ganhei! Ganhei!
Os vencidos diziam então de suas razões, esperançados que estavam em melhores dias.
Descansava-se então um bocado, para retemperar as forças e só depois se partia para outra brincadeira, que até podia ser nova corrida de rodas, se a exigência de desforra por parte de alguém fosse aceite pela maioria.
Um campeão de corrida de rodas é fruto da conjugação de múltiplos factores: boa tracção às pernas, bom fôlego, calçado aderente, estratégia adequada, bom equipamento (roda e guiador), perícia (especialmente nas curvas) e, é claro, espírito de ganhador. Tirando este último, não reunia por vezes todas estas condições, pelo que nunca passei dum condutor mediano. Nunca deu para ser um ás da corrida de rodas. Fui um ás, mas noutro jogo, o do botão. Lá diz o rifão:
- “A roda anda, anda, mas também desanda”. 0
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Cerâmica grega de figuras vermelhas do Pintor de Berlim (Cerca de 500-490 a.C.). Do lado A, Ganimedes segurando um arco, símbolo da sua juventude e na outra um galo, oferta amorosa de Zeus que o persegue e está representado no lado B do vaso.Museu do Louvre, Paris.
 
JOGOS INFANTIS (1560) - Pieter Brueghel – O Velho (c.1525 - 1569). Óleo sobre painel de madeira (118 x 161 cm).Museu de História de Arte, Viena.
BRINCADEIRAS INFANTIS (1774) - Gravura de Daniel Nikolaus Chodowiecki (1726–1801), extraída de “J. B. Basedows Elementarwerk mit den Kupfertafeln Chodowieckis u.a. Kritische Bearbeitung in drei Bänden, herausgegeben von Theodor Fritzsch. Dritter Band. Ernst Wiegand, Verlagsbuchhandlung Leipzig 1909". 
AFONSO, PRÍNCIPE IMPERIAL DO BRASIL, FILHO PRIMOGÉNITO DE D. PEDRO II (1846) - Pintura de Joahn Moritz Rugendas (1802–1858).
TEATRO NACIONAL DE MANNHEIM (1853) - Artaria Mathias (1814-1885). Detalhe de óleo sobre tela. Museu Reiss-Engelhorn, Mannheim.
O JARDIM DO LUXEMBURGO (CERCA DE 1883) - Pierre August Renoir (1841-1919). Óleo sobre (53x64 cm). Colecção particular.
RAPARIGA COM UMA RODA (1885) - Pierre August Renoir (1841-1919). Óleo sobre tela (76,6x125,7 cm) . Colecção Chester Dale - Galeria Nacional de Arte, Washington. 

RAPAZES CORRENDO COM RODAS NA CHESNUT STREET, TORONTO (1922). Fotografia do Arquivo da Biblioteca Pública de Toronto.