sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Lançamento da 2ª edição do livro "Bonecos da Gastronomia"


Hernâni Matos no acto de lançamento do livro "Bonecos da Gastronomia". Vísível ao fundo,
parte da colecção de trinta e seis bonecos que deram origem ao livro (Fotografia de José Cartaxo). 

2ª EDIÇÃO DO LIVRO "BONECOS DA GASTRONOMIA"

Desde a passada quarta-feira e até ao próximo domingo que está a decorrer, em Estremoz, a XVIII Cozinha dos Ganhões, a Sé Catedral da Gastronomia do Sul, onde se honram ancestralidades de sabores, odores e cores. Mas, para além do corpo, a alma também manja. Daí que tenha aproveitado este festival gastronómico para proceder ao lançamento da 2ª edição do livro “Bonecos da Gastronomia”, o que aconteceu a meio da tarde de quarta-feira, dia 1 de Dezembro, no Pavilhão B do Parque de Feiras.
O livro, surgiu na sequência de um registo e de uma reflexão pessoal sobre os bonecos de Estremoz, esses ex-líbris do nosso património cultural local.
O livro aborda a gastronomia alentejana e a barrística popular estremocense, muito em particular, aquela que deu o título ao livro. Para este, as Irmãs Flores, afamadas barristas de Estremoz criaram com a magia das suas mãos e o fascínio das suas cores, 36 figuras que são reproduzidas noutras tantas fotografias de José Cartaxo, fotógrafo com créditos bem firmados. Sobre essas figuras, o poeta António Simões, como é seu timbre, poetizou duma forma magistral sob a forma de quadras, o retrato contextual de cada uma das figuras saídas das mãos das barristas Irmãs Flores.
O livro, brochado, de 66 páginas formato A4, em papel Xerox Colotech, de 90 gramas, inclui 38 fotografias a cores e 6 fotografias a preto e branco.
A edição é da Associação Filatélica Alentejana e a tiragem é de 200 exemplares.
Os bonecos que foram objecto da presente edição estão expostos no átrio da entrada principal da Cozinha dos Ganhões.

A MINHA PAIXÃO PELOS BONECOS

Desde os dez anos de idade que transporto na massa do sangue o espírito de coleccionador, facto tão real como o odor da flor de esteva ou o castanho da terra de barro.
Uma das coisas que colecciono é os bonecos de Estremoz, os quais descobri há cerca de trinta anos, fruto de uma emoção com um misto de estético e de sociológico. Bonecos que duplamente têm a ver com a nossa identidade cultural estremocense e alentejana, bonecos que antes de tudo são arte popular, naquilo que de mais nobre, profundo e ancestral, encerra este exigente conceito.
Bonecos moldados pelas mãos do povo, a partir daquilo que a terra dá - o barro com que porventura Deus terá modelado o primeiro homem e as cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui garridas e alegres, como convém às claridades do Sul.
Na minha condição de etnólogo amador e autodidacta, o registo etnográfico das imagens profanas e em particular dos personagens da faina agro-pastoril, será porventura, o mais forte atractivo dos bonecos de Estremoz, que me leva à oficina-loja das irmãs Flores, duas barristas minhas vizinhas, a quem visito amiúde no Largo da República, em Estremoz, fascinado pela magia emergente das suas mãos de barristas populares.
Como fruto de uma dessas incursões realizada há cerca de dois anos, resultou o livro “Bonecos da Gastronomia”, dado à estampa em 2009, numa edição da Câmara Municipal de Estremoz, por ocasião da XVII Cozinha dos Ganhões.
Nessa edição, está reunido um conjunto de 16 bonecos que de uma forma ou de outra têm a ver com a gastronomia alentejana. Alguns já pertenciam à galeria tradicional dos bonecos de Estremoz. Porém, cinco novos bonecos foram criados pelas Irmãs Flores: Coqueira, Queijeira, Mulher a cozinhar, Padeiro e Vendedora de queijos.
A materialização do livro foi possível graças ao companheirismo do poeta António Simões, das barristas Irmãs Flores, do fotógrafo José Cartaxo e do designer Carlos Alves. A concretização duma ideia inicial minha, encheu-nos a todos de imenso júbilo e desde logo foi equacionado como virtual, o desenvolvimento mais aprofundado dessa ideia.

A CAMINHADA CONTINUA

Decorrido um ano sobre a primeira edição do livro “Bonecos da Gastronomia”, reconheço que este começou por ser um trabalho de base. Daí que numa primeira fase tivesse concluído que o conjunto dos dezasseis bonecos que figuraram na primeira edição do livro, pudesse ser estruturado, agrupando-os em cinco subconjuntos perfeitamente hierarquizados: Recolha de matérias-primas, Preparação de matérias-primas, Confecção de alimentos, Venda e distribuição de alimentos e finalmente: Consumo de alimentos.
Numa segunda fase, efectuei o levantamento do que podia ser acrescentado a cada subconjunto, visando torná-lo mais completo. Depois de alguma reflexão, os “Bonecos da Gastronomia”, passaram a ser em número de trinta e seis, tendo sido introduzidos vinte e um novos bonecos e abandonado outro. Desses vinte e um bonecos, sete já pertenciam à galeria tradicional dos bonecos de Estremoz. Os restantes catorze foram criação das Irmãs Flores. São eles: Azeitoneira, Caçador, Pescador, Roupeiro, Amassadeira, Forneira, Pisador, Manteeiro, Aguadeira da ceifa, Vendedora de criação no mercado, Taberneiro, Mondadeira a comer, Mulher ao poial dos cântaros e Homens a petiscar.
Nessa criação, efectuada com um severo respeito pela tradicional técnica de manufactura dos bonecos de Estremoz, foi por vezes utilizada documentação do meu arquivo fotográfico, o que permitiu conferiu rigor à contextualização de cada peça.
Com a criação de novos modelos, a galeria de bonecos de Estremoz ficou mais rica. O tempo e a procura dos coleccionadores, encarregar-se-ão de os consagrar. Pela nossa parte, prometemos prosseguir.

O Arquitecto José Augusto Trindade, Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal
de Estremoz, no uso da palavra (Fotografia de José Cartaxo).

Hernâni Matos e o poeta António Simões, autografando o livro. À direita a Arquitecta Sílvia
Dias, Vereadora do Pelouro de Feiras e Mercados da Câmara Municipal de Estremoz
(Fotografia de José Cartaxo).

Capa do livro.

Ceifeira.

Azeitoneira.

Vindimadora.

Caçador.

Pescador.

Matança do porco

Mulher  dos enchidos.

Preta a vender chouriços.

Roupeiro.

Amassadora.

Forneira.

Pisadores.

Pastor das migas (sentado num banco).

Pastor das migas (sentado no chão).

Coqueira.

Cozinheira.

Castanheira.

Moleiro.

Manteeiro.

Aguadeira da ceifa.

Aguadeiro da cidade.

Leiteiro.

Padeiro.

Queijeira.

Mulher a vender chouriços.

Hortelão.

Mulher dos borregos.

Mulher dos perus.

Mulher a vender criação no mercado.

Taberneiro.

Pastor a comer as migas.

Pastor e ajuda a comer.

Cozinha dos ganhões.

Mondadeira a comer.

Mulher ao poial dos cântaros.

Homens a petiscar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Eu e o Poder


CAMINHAR É PRECISO
Desde sempre me preocupei em aprender, no que tive em conta o pensamento produzido por outros. A simples talhe de foice, faço três citações:
- Padre António Vieira (1608-1697): “Para falar ao vento bastam quatro palavras; para falar ao coração são necessárias obras”.
- Provérbio macua: “Não se assinala o caminho apontando-o com o dedo, mas sim caminhando à frente”.
- Poeta sevilhano António Machado (1875-1939):

“Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar…”

CAMINHAR SEMPRE
Sou dirigente duma associação cultural sedeada em Estremoz, que completou este ano, vinte e sete anos de existência, durante os quais fizemos o caminho que percorremos. Caminho nem sempre fácil, a maioria das vezes, repleto de pedras que fomos guardando. Com elas construímos o nosso próprio castelo.
Nesse caminho, aprendemos a dialogar com o poder local, conscientes de que a cada um de nós cabe o seu papel. Ao poder cabe a implementação de políticas que estejam ao serviço da coisa pública. Às associações culturais cabe a produção de eventos nos quais a comunidade se reconheça.

O CAMINHO NÃO TEM FIM
Ciclicamente, de quatro em quatro anos, a natureza do poder muda ou não muda e com ele o ritmo do percurso do caminho que percorremos. Em vinte e sete anos de caminho somos levados a reconhecer que o poder nem sempre é igual. Umas vezes a nível de Presidente da Câmara e de Vereador do Pelouro da Cultura, existe sensibilidade e capacidade de diálogo com as Associações. Outras nem tanto, outras mesmo nada. Como diria Lenine (1870-1924): “Que fazer?”. A resposta só pode ser uma: “Caminhar, descobrindo então o nosso próprio caminho.”

O CAMINHO CONTINUA
Nas últimas eleições autárquicas ocorreu em Estremoz uma mudança de paradigma. As eleições foram ganhas pelo MIETZ – Movimento Independente por Estremoz, que pregou uma partida aos partidos tradicionais. Homens e mulheres, velhos e novos, tradicionalistas e alternativos, crentes e descrentes, de direita ou de esquerda, monárquicos ou republicanos, deram a vitória ao MIETZ. Tudo leva a crer que pela descrença nos partidos tradicionais e pela dinâmica gerada pelo carisma e pelo populismo de Luís Mourinha.
É esse o poder que temos. É com ele que fazemos o nosso caminho. Cada um no seu papel.
O meu relacionamento com Luís Mourinha, para além do aspecto meramente institucional, é coloquial e fraternal, o que vem desde os bancos da Escola, em que eu fui seu professor e ele meu aluno. Com o resto dos membros do executivo, o meu relacionamento tem sido igualmente fácil e pautado por grande cordialidade em interacções que temos tido na área cultural.
Decorrido um ano de exercício do poder, num período de crise económica profunda, a minha opinião pessoal é a de que é positivo o saldo do balanço da actividade autárquica desenvolvida pela equipa liderada por Luís Mourinha. Todavia não sou ingénuo e sei que alguns daqueles que falam “politiquez”, pensam exactamente o contrário. Estão no exercício do seu direito de opinião e decerto que lá terão as suas razões, que não serão necessariamente coincidentes com as opiniões dos outros.
A prova real desse balanço será feita daqui a três anos, através do exercício do direito de sufrágio pelos munícipes. E nessa prova real contará pouco o “politiquez”, porque os eleitores perceberam há um ano que é possível fazer caminhadas comuns, de livre vontade e sem constrangimentos, com pessoas que pensam diferentemente umas das outras, mas que são capazes de se respeitar. Nessa altura, poderemos então falar em balanço global. Creio que a maioria continuará a sufragar o MIETZ. Se me enganar nessa previsão, estou disposto a reconhecê-lo aqui publicamente.

Publicado também no jornal ECOS, nº 95 (4-11-2010)

domingo, 7 de novembro de 2010

Os talêgos (2ª edição)

Esta é a 2ª edição do post OS TALÊGOS, editado em 27 de Fevereiro de 2010, agora revisto, reformulado e ampliado com considerações de natureza linguística e de literatura oral, bem como pela adição de 8 novas ilustrações.



APONTAMENTOS ETNOGRÁFICOS
Os talêgos eram sacos multicolores, de tamanho variável, confeccionados pelas mulheres com as sobras dos panos usados na confecção de saias, blusas e aventais ou mesmo de roupa velha que se tinha deixado de usar. Tinham um cordão ou nastro que corria dentro de uma bainha e que os permitia fechar. Podiam ser forrados ou ser singelos. Alguns eram rebuscados na sua concepção e manufactura, a qual podia incluir pompons e borlas. Outros haviam que eram simples, sendo alguns, até, manufacturados com um único tecido.
Os talêgos eram o providencial modo de transportar aquilo que de que precisávamos. Ia-se às compras de talêgo, o qual era lavado sempre que necessário. Havia um talêgo para ir aviar a mercearia e outro para ir ao pão, bem como outro para ir ao grão, ao feijão ou ao milho. Usávamos também um talêgo para guardar os magros tostões que tínhamos e ainda outro para guardar a existência usada no jogo do botão.
Os camponeses guardavam as sementes em talêgos e os moleiros recebiam talêgos de trigo, centeio ou milho, que devolviam com farinha, após terem subtraído a maquia devida à moagem. Era também nos talêgos que se levava comida para o local de trabalho.
Em nossas casas, nas arcas, cómodas e guarda-fatos havia pequenos talêgos com alfazema, que pelo seu cheiro afugentava traças, moscas, mosquitos e demais insectos. Nesses mesmos locais, existiam por vezes talêgos maiores, nos quais se acondicionava a roupa mais delicada ou mais antiga e que inspirava mais cuidados de preservação.
A pobreza, a falta de oportunidades de vida, a adversidade do clima, as catástrofes, a política repressiva, fizeram com que ao longo dos tempos, o povo português tivesse de emigrar, visando a melhoria das suas condições de vida. Para transportar os seus bens, a maioria das vezes, uma parca bagagem, lá estavam o talêgo e mais tarde, a mala de cartão.
O talêgo era a embalagem reciclável inventada pelo sabedoria popular, que sempre soube encontrar formas criativas de lutar contra a adversidade e a falta de meios. Depois de puído e roto pelo uso e pelas lavagens sucessivas, era remendado por mãos hábeis de mulheres, que assim lhe prolongavam a longevidade. E mesmo depois de serem abatidos ao serviço como “talêgos”, continuavam ter préstimo. Serviam de rodilha ou de esfregão, até tal ser possível. Só depois se deitavam fora, para serem degradados pela terra-mãe e renascerem sob outra forma.
Actualmente, a luta contra o desperdício e o consumismo, pela melhoria da nossa qualidade de vida e pela salvação do planeta, passa pela implementação da política dos 3 RRR:
 - Reduzir o lixo que se produz;
- Reutilizar as embalagens mais que uma vez;
- Reciclar os componentes do lixo, separando-os na origem.


Por isso impõe-se o regresso da utilização do talêgo na nossa vida quotidiana, sempre que formos às compras. O planeta e a melhoria da nossa qualidade de vida assim o exigem.
Não queremos abandonar o tema que temos estado a abordar, sem tecer algumas considerações de natureza linguística, bem como sublinhar igualmente algumas notas de literatura oral:
CONSIDERAÇÕES DE NATUREZA LINGUÍSTICA
Em primeiro lugar convém esclarecer que “talêgo” é a forma regionalista do substantivo “taleigo”, devida a um fenómeno fonético que consistiu na monotongação do ditongo “ei”, que se transformou assim em “ê”, o que teve repercussões no grafismo da palavra. [8]
Nos dicionários consultados, que abrangem o período de 1721[4] a 2001[2], existem verbetes sobre as palavras “taleiga”, “taleigada”, “taleigão”, “taleigo” e “taleiguinho”. Vejamos o que sobre estas palavras dizem os diferentes dicionários:
TALEIGA – Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados, designa:
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [4] (1721)
- Saco pequeno. Uma taleiga de trigo são quatro alqueires. [3] (1789)
- Saco pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do latim “talica”) [10] (s/d)
- Saco, bolsa, surrão. “Taleiga” é sinónimo de “teiga”. (Do árabe “ta’lîqâ”, saco). [13] (1977)
- Saco, pequeno e largo, destinado à condução de cereais para os moinhos e da farinha que nestes se fabrica. Antiga medida de azeite, equivalente a dois cântaros. Antiga medida de trigo, equivalente a quatro alqueires. [21] (1988)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais (Do árabe “ta'liqa”, saco) [16] (1996)
- Saco pequeno e largo usado normalmente no transporte de cereais e de farinha. Medida antiga de azeite, equivalente a dois cântaros. Medida antiga de trigo, equivalente a quatro alqueires. (Do árabe “ta'liqa”, saco.) [2] (2001)
- Saco pequeno e largo. Antiga medida para líquidos e cereais. (Do árabe “ta'lïqa”, saco). [17] (s/d)
TALEIGADA - Substantivo feminino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [4] (1721)
- A porção que se leva numa taleiga. Uma taleigada de azeite, são dois cântaros de azeite, medida de Lisboa. [3] (1789)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia: uma taleiga de trigo. [10] (s/d)
- O que uma taleiga pode conter. Taleiga cheia. [21] (1988)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo). [16] (1996)
- Conteúdo de uma taleiga. Porção que enche uma taleiga (De taleiga + suf. -ada). [2] (2001)
- Porção que enche uma taleiga ou um taleigo (De taleiga ou taleigo+-ada). [17] (s/d)
TALEIGÃO – Adjectivo e substantivo masculino. O mesmo que latagão (indivíduo robusto, forte, desempenado , e geralmente novo). [10] (s/d)
TALEIGO - Substantivo masculino. De acordo com os dicionaristas consultados:
- É um saco pequeno, como aquele em que o soldado leva às costas, pão de munição ou outra virtualha. Um taleigo leva dois alqueires de trigo (Deriva do castelhano “Talega” e este segundo Covarrubuias deriva do Grego). [4] (1721)
- Saco estreito e longo que leva dois alqueires. [3] (1789)
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida. O mesmo que barça. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco prlos homens de armas das hostes em campanha na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [10] (s/d)
- Substantivo masculino e adjectivo, diminutivo de taleigão. [10] (s/d)
- Taleiga pequena. Saco. Cesto onde se transporta comida: O mesmo que barca. Saco onde se metia o falcão, na caça de altanaria. Antiga medida para secos, equivalente a dois alqueires. Víveres de reserva, para três dias, guardados num saco pelos homens de armas das hostes em campanha, na Idade Média. O saco que continha esses víveres. [21] (1988)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena. (De taleiga) [16] (1996)
- Saco pequeno, estreito e comprido: Taleiga de dimensões reduzidas. Cesto usado para transportar comida. Medida antiga, equivalente a dois alqueires, usada para secos. Saco que era usado na caça de altanaria para levar o falcão. Saco que continha a comida para três dias, usado pelos homens de armas na Idade Média. Víveres contidos nesse saco. [2] (2001)
- Saco estreito e comprido. Taleiga pequena (De taleiga). [17] (s/d)
TALEIGUINHO – Substantivo masculino. Taleigo pequeno. (De taleigo e sufixo diminutivo -inho). [10] (s/d)
NOTAS DE LITERATURA ORAL
De acordo com o cancioneiro popular:
“Tenho um saco de cantigas,
E mais uma taleigada:
O saco é p’ra esta noite,
Taleiga p’ra madrugada.” [15]
A palavra “Taleigo” não figura, pelo menos actualmente na Onomástica Portuguesa como nome próprio. Assim o revela a consulta à lista dos vocábulos admitidos como nomes próprios, disponibilizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado [11]. Todavia, a palavra é conhecida como sobrenome de nome próprio. A referência mais antiga que conhecemos figura num documento simples da Chancelaria Régia de D. Afonso V (liv. 14, fl. 85v), datado de 13 de Junho de 1466, o qual certifica que o monarca perdoou os 9 meses de degredo no couto de Marvão a Mem Rodrigues Taleigo, lavrador, morador em Évora Monte, o qual pagou 600 reais brancos para a Piedade. [6]
No Alentejo são conhecidas alcunhas em que figura a palavra “taleigo” ou palavras dela derivadas [19]:
- TALEGA - o visado faz comentários do estilo: "Grande talega!" (Marvão).
- TALEGUEIRO – o atingido anda sempre com um taleigo (Sines).
- TALEIGADAS (Avis).
- TALEIGO - Alcunha concedida a um sujeito baixo e gordo (Cuba e Portel).
- TALEIGUINHO - o receptor pendurou um taleigo num sobreiro (Santiago do Cacém) ou então é um indivíduo de baixa estatura (Aljustrel e Portei).
- TALEIGUINHO DA BUCHA - o receptor é baixo e gordo (Moura).
- TALEIGUINHO DAS ISCAS – o receptor quando ia à caça, levava sempre um taleiguinho com iscas (Aljustrel).
O adagiário português relativo ao taleigo é escasso:
- “Fazenda em duas aldeias, pão em duas talegas” [4]
- “O fidalgo, o galgo e o talego de sal, junto do fogo os hão de achar” [4]
- “O taleigo de sal quer cabedal” [5]
São conhecidas as seguintes imagens metafóricas usadasna gíria portuguesa:
Dar ao taleigo = Falar = Dar à língua = Parolar = Conversar [21], [22]
Dar ao(s) taleigo (s) = Conversar demoradamente [20]
Dar ao(s) taleigo (s) = Dar á língua [16]
Dar ao(s) taleigo(s) = Conversar = Dar à língua [2]
No calão:
Talega = Grande Porção = Grande Peso = Saco de pano [22]
Taleiga = Carga excessiva = Grande quantidade [14]
Taleiga = Coisa Grande [12]
Taleiga = Naco = Pedaço de haxixe [18]
Taleiga = Saco Grande [22]
Taleigão = Latagão [22]
Taleigo = Prisão” [12], [22]
Taleigo = Saco pequeno [1], [22]
Na toponímia:
TALEIGÃO = Freguesia do concelho e distrito de Goa, Índia Portuguesa.
QUINTA DA TALEIGA = Lugar do concelho de Portalegre.
Os pregões usados pelos pregoeiros eram outra forma de literatura oral. Através deles se proclamava qualquer coisa, como por exemplo, aquilo que se tinha para vender. Era o caso do vendedor de picão que nos anos cinquenta do século passado percorria, todo enfarruscado, as ruas de Elvas, quando o frio de rachar aconselhava o uso da braseira. O pregão:
“Ah! Bom pi-cão”! "
anunciava a preciosa e sazonal mercadoria contida em taleigos transportados no dorso de pacientes asnos.
NOTA FINAL
Depois desta "taleigada" de considerações suscitadas pelo substantivo "talêgo" em termos linguísticos e de literatura oral, achamos por bem atar os cordões e dar o presente texto por terminado. Pelo menos por agora.
BIBLIOGRAFIA
[1] - BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho- Editor. Lisboa, 1901.
[2] – ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. II Volume. Editorial Verbo. Lisboa, 2001.
[3] – BLUTEAU, Raphael & MORAES SILVA, António de. Diccionario da Língua Portugueza. Tomo Segundo. Officina de Simão Thaddeo Ferreira. Lisboa, 1789.
[4] – BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino. Vol. V. Officina de Pascoal da Sylva. Lisboa, 1721.
[5] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[6] – DIRECÇÃO-GERAL DE ARQUIVOS [http://digitarq.dgarq.gov.pt/default.aspx?page=listShow&searchMode=as&sort=id&order=ASC]
[7] - FERREIRA, Diogo Fernandes. Arte da Caça de Altaneria. Vol. I. A Liberal. Lisboa, 1899.[8] – FLORÊNCIO, Manuela. Dialecto Alentejano – contributos para o seu estudo. Edições Colibri. Lisboa, 2001.
[9] - GAMA, Eurico. Os Pregões de Elvas. Edição de Álvaro Pinto. Lisboa, 1954.
[10] – GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Vol. 30. Editorial Enciclopédia, Limitada. Lisboa, s/d.
[11] – INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO. Vocábulos admitidos e não admitidos como nomes próprios [http://www.irn.mj.pt/sections/irn/a_registral/registos-centrais/docs-da-nacionalidade/vocabulos-admitidos-e/downloadFile/file/2010-09-30_-_Lista_de_nomes.pdf?nocache=1287071845.45]
[12] – LAPA. Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
[13] – MACHADO, José Pedro Machado. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Vol. 5. 3ª edição. Livros Horizonte. Lisboa, 1977.
[14] – NOBRE, Eduardo. Dicionário de Calão. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1986.
[15] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[16] - PORTILLO, Lorenzo. Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube. Ediclube. Alfragide, 1996.
[17] – PORTO EDITORA. Grande Dicionário. Porto Editora. Porto, 2004.
[18] – PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
[19] – RAMOS, Francisco Martins & SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
[20] – SANTOS, António Nogueira. Novos dicionários de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
[21] – SILVA, António de Morais. Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. Vol. V. 4ª edição. Editorial Confluência. Mem Martins, 1988.
[22] – SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.
[23] - VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frases. Edição Critica de Mário Fiúza. Vol. 2. Livraria Civilização. Porto, 1966.


VIAJANTES A SEREM RECEBIDOS NUMA ESTALAGEM. O que está apeado transporta um taleigo suspenso de um pau. Iluminura do  “Tacuinum  Sanitatis” (1835), livro medieval sobre o bem-estar, com base na al Taqwin Taqwin تقوين الصحة ("Quadros de Saúde"), tratado do século XI da autoria do médico árabe Ibn Butlan de Bagdá,  o qual pertence à Biblioteca Casanatense, em Roma.

ABRIL - FÓLIO 9v, Iluminura do “Livro de Horas de D. Manuel “, Séc. XV. No pé de página, à beira-rio, duas levadas movem duas azenhas. À esquerda da do lado esquerdo uma mulher aproxima-se, transportando à cabeça um talêgo com grão para ser moído, o mesmo se passando do lado direito, onde um homem carrega um talêgo de grão às costas. Simultâneamente um homem montado num burro com talêgos de farinha, parece fazer-se ao caminho.
 
PADARIA. COLÓNIA SUÍÇA DE CANTAGALO – BRASIL (1835). Jean Baptiste Debret (1768-1848). Pormenor de Litografia. Firmin Didot Frères,  Paris.
O EMIGRANTE (1918). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre tela ( 80 x 104 cm). Colecção particular.
OS EMIGRANTES (1926). Domingos Rebelo (1891 - 1975). Óleo sobre tela. Museu Carlos Machado, Ponta Delgada.
TIPOS SALOIOS (MERCÊS-RINCHOA). Leal da Câmara (1876-1948). Ilustração de bilhete-postal editado pela Casa-Museu Leal da Câmara, Rinchoa.
 
SALOIOS EM LISBOA - Stuart Carvalhais (1887-1961). Tinta da China aguarelada sobre papel (25 x 30 cm). Colecção particular.
CONFRATERNIZAÇÃO INFANTIL – Laura Costa. Desenho policromo reproduzido em bilhete-postal de Boas Festas dos CTT, emitido em 1944 com selo de $30 do tipo Caravela e impresso em off-set na litografia Maia, no Porto.