segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Margarida Rosa Lopes - Uma Poetisa Popular de 97 anos

MARGARIDA ROSA LOPES
Um exemplo de vida e de cidadania,
encerrada numa alma de poeta e de artista.
0
Hernâni Matos fazendo a apresentação do livro de Margarida Rosa Lopes, sentada à sua direita (Foto de Jorge Mourinha).
0
Margarida Rosa Lopes, uma anciã de 97 anos, acolhida no Centro Social e Paroquial de São Bento do Cortiço, foi ali homenageada no passado dia 30 de Junho, ao fim da tarde. Tratou-se duma cerimónia simples, mas repleta de afectividade que contou com a presença de residentes do lar e de muitos familiares.
Na ocasião foi ainda lançado o seu livro de poesia “Recordar é Viver”, editado pela Câmara Municipal de Estremoz.
A cerimónia foi iniciada por intervenções sucessivas de Mariano Lopes Dias e de António José Sardinha Lopes (sobrinhos), Hernâni Matos (que esmiuçou o livro e biografou a autora), José Augusto Trindade (Vereador do Pelouro da Cultura), Francisco João Ameixa Ramos (Vice-Presidente da Câmara) e António José Nabais (Presidente do Centro).
0
A VIDA DE MARGARIDA
0
Margarida Rosa Lopes nasceu no Monte Novo dos Cardeais, em S. Estêvão, a 2 de Janeiro de 1913, filha de médios agricultores. Foi a penúltima de dez filhos que seus pais deram ao mundo e que como ela própria nos diz no seu livro, “oito nos criámos e vivemos felizes trabalhando e folgando na graça de Deus.“
Margarida cresceu no seio da família, conhecendo bem a vida rural da região. Tendo alguns problemas de saúde, nunca trabalhou no campo. Em contrapartida, aprendeu a fazer todos os trabalhos domésticos indispensáveis ao desempenho da função de boa dona de casa.
Quando tinha 18 anos e já com 5 irmãos casados, perdeu o pai, tinha a mãe 60 anos. A vida tornou-se então mais dura para aquela casa, onde além dela, vivia a mãe e dois irmãos solteiros. A mãe continuou com a lavoura em conjunto com os três filhos mais novos e solteiros, dois deles menores e o mais velho, João, fazendo de chefe de família.
Margarida, dedicou-se então ainda com mais força às tarefas do lar e à família, mantendo uma relação excelente com todos os irmãos, de quem teve inúmeros sobrinhos dos quais se considerou sempre como irmã mais velha. Com eles se divertiu e com eles partilhou algum conforto nas horas amargas.
A vida muitas vezes é madrasta, os anos foram passando, a mãe perdeu um filho casado e pai de oito filhos e viu duas filhas enviuvar, o que a fez decair bastante, sendo então amparada pelas netas, duma extensa prole de 21 netos, alguns deles órfãos e de tenra idade.
No Monte Novo dos Cardeais todos se criaram, pois ali trabalhavam uns para os outros. Por isso, o reconhecimento dos sobrinhos por Margarida não conhece limites, uma vez que esta sempre os ajudou em tudo o que podia.
Em 1960, morre de velhice a mãe de Margarida, já então bisavó. Dos oito irmãos, restam então três e nesse mesmo ano vem a falecer outro irmão.
Apesar de tudo, Margarida nunca se sentiu infeliz no seu estado de solteira, sempre sentiu o amparo dos irmãos e a estima dos restantes familiares, com especial destaque para os sobrinhos.
È de salientar que Margarida nunca foi à Escola. Quem lhe ensinou a juntar as primeiras letras foi um sapateiro remendão que ia ao Monte Novo dos Cardeais, onde ficava para consertar o calçado de toda a família, como fazia nos montes doutros agricultores. E Margarida tinha grande ânsia de aprender e aprendeu por ela própria, fazendo cópias e lendo, lendo muito.
0
COMO NASCEU A POESIA
0
O pai de Margarida gostava de décimas. Com ele, com os irmãos, com outras pessoas e por folhetos e livros, aprendeu algumas, mas nunca lhe passou pela cabeça vir a fazê-las.
Acontece que Mestre Talhinhas, camponês dotado de grande poder de improvisação e contador, proprietário dos “Bonecos de Santo Aleixo”, andava por aí com os seus títeres tradicionais, que comprara a Ti Manel Jaleca. Andava por montes e herdades a dar espectáculos para os camponeses e suas famílias. Foi assim que veio também a actuar num casão do Monte Novo dos Cardeais. E foi Mestre Talhinhas que incentivou e estimulou Margarida a fazer décimas. Margarida aceitou o desafio e compôs décimas onde fala da sua própria família e que Mestre Talhinhas cantou a acompanhar as actuações dos seus bonecos.
A partir daí, ou seja desde 1960 para cá, nunca mais parou, umas vezes por iniciativa sua, outras vezes a pedido de pessoas amigas ou de sobrinhos.
0
E NASCEU O LIVRO
0
A apetência pela sua obra poética é considerável, pelo que é natural que alguém tenha apostado na publicação da mesma.
O livro “RECORDAR É VIVER”, em boa hora foi editado pela Câmara Municipal de Estremoz, iniciativa a que não será estranha, a influência do seu sobrinho Mariano Lopes Dias e a iniciativa doutro sobrinho, António José Sardinha Lopes.
A poesia de Margarida tem rima e nela é rica e tem métrica. As estrofes têm ritmo e são diversificadas, pois em termos de agrupamento de versos surgem dísticos, tercetos, quadras, quintilhas, sextilhas, septilhas, oitavas, nonas, décimas (por vezes silvadas) e duodécimas, onde Margarida mostra a ampla gama de predicados de que dispõe para ornar o seu edifício poético.
Também a temática da poesia de Margarida é diversificada, tendo sido possível agrupá-la por temas: intimidade, guerra colonial, religião, terceira idade, Estremoz e o seu termo regional, História de Portugal, actualidade e despiques.
Como traços do carácter de Margarida, há a realçar a afabilidade e o fino trato, aliados a uma ânsia de saber, o amor à família, a Santo Estêvão, a Estremoz, ao Alentejo, aos valores pátrios, aos heróis e santos nacionais, tudo alicerçado num profundo fervor religioso e acompanhado pelo culto da amizade desinteressada.
0
MARGARIDA EM SI
0
A sensibilidade de Margarida não se limitava à poesia, pois gostava muito de pintar e os seus trabalhos eram muito apreciados. Foi ela que pintou o altar da Capela de Santo Estêvão, assim como pintou quadros com belas paisagens, almofadas e fitas para estudantes finalistas.
Margarida nunca casou, mas além de irmã dos seus irmãos, ela foi também uma mãe para eles e uma irmã mais velha para os sobrinhos, que muito lhe devem e a amam.
Não só para eles, como para a Comunidade onde sempre se inseriu (S. Estêvão), para a Comunidade que a acolheu (S. Bento do Cortiço), como para o Concelho que a viu nascer há 97 anos (Estremoz), Margarida Rosa Lopes, pela sua entrega desinteressada aos outros é um exemplo de vida e de cidadania encerrada numa alma de poeta e de artista que importa exaltar e apontar como exemplo às gerações mais novas.
0
0

Um aspecto da assistência (Fotografia de Jorge Mourinha).

Margarida (ao centro) com um grupo de familiares (Fotografia de Jorge Mourinha).


O  livro de Margarida, que está à venda na Biblioteca Municipal de Estremoz.

sábado, 31 de julho de 2010

Edifício do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz

EDIFÍCIO DO MUSEU
DA ALFAIA AGRÍCOLA DE ESTREMOZ
Crónica de uma morte anunciada
Publicado inicialmente em 31 de Julho de 2010
Publicado também no nº 90 (23-7-2010) do Jornal ECOS

O assalto perpetrado por meliantes ao Edifício do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz, no passado dia 13 de Julho, cerca das 3 horas 30 minutos, facilitado pelo estado de degradação do edifício, está na origem desta crónica.

Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz (Foto recente de Jorge Pereira)

MARCOS NA HISTÓRIA DE UM EDIFÍCIO

O edifício que é objecto desta crónica abrange os números 87/89 da Rua dos Reguengos ou Rua Serpa Pinto e situa-se do lado esquerdo, logo à entrada, da chamada “Porta dos Reguengos”. Convém passar em revista, alguns marcos na História do edifício:
1878 - António da Cruz funda ali uma Fábrica de Moagem a Vapor.
1916 (JANEIRO) - João Francisco Carreço Simões e Máximo José Rocha, criam no local a FÁBRICA DE MOAGEM E ELECTRICIDADE, que além de ser a primeira moagem eléctrica do concelho, abastece a cidade de energia eléctrica. Nos anos 30 do século passado, a parte eléctrica da empresa é adquirida pela Sociedade Industrial do Bonfim, transitando em 1970 para a Federação dos Municípios de Évora e por fim para a EDP. A parte da moagem adquirida por um industrial de Castelo Branco transita posteriormente para a FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, criada em Junho de 1933 pelo Governo de Salazar. Federação de Produtores só de nome, já que funcionava como serviço público de compra, conservação e distribuição de cereais, entre outras funções.
1953 (FEVEREIRO) - O edifício é registado em nome da FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, que ali instala um seleccionador de trigo, que funcionará até ao início da década de 70.
1975 (SETEMBRO) - O edifício é registado em nome do INSTITUTO DOS CEREAIS, pois por decreto-lei de Agosto de 1972, a FNPT passou a designar-se Instituto dos Cereais, incorporando o Instituto Nacional do Pão e as Comissões Reguladoras do Comércio de Arroz, das Moagens de Ramas, e do Comércio de Cereais dos Açores.
1979 (ABRIL) - O edifício é registado em nome da EMPRESA PÚBLICA DE ABASTECIMENTO DE CEREAIS, criada por decreto-lei de Agosto de 1976, para proceder à reestruturação do Instituto dos Cereais, cuja extinção formal é decretada no último dia de 1977, com efeitos a 1 de Dezembro, data de início de funções da EPAC.
1987 (MAIO) – O edifício devoluto, é arrendado pela Câmara Municipal de Estremoz (CME) e após sofrer acções de limpeza, conservação e beneficiação, acolhe mais de 4000 peças da faina agro-pastoril, recolhidas pelo campaniço e encarregado de pessoal da CME, Crispim Vicente Serrano. Peças encontradas em lixeiras, em casões devolutos ou abandonadas ao ar livre. Peças doadas por 23 agricultores e também peças depositadas por 24 agricultores à guarda da CME. Peças recuperadas na Horta do Quiton e que estariam na génese do que se viria a chamar o “MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA”, gerido a partir daí pela chamada “Comissão da Alfaia Agrícola”, liderada por Joaquim Vermelho e dependente da CME.
1990 (DÉCADA DE) – O edifício acumula as suas funções museológicas com o de pólo da EPRAL – ESCOLA PROFISSIONAL DA REGIÃO ALENTEJO, onde são leccionados cursos de Património e Museologia e de Contrução Civil, onde leccionam entre outros Joaquim Vermelho, João Paulo Ferrão, Francisco Rodrigues, Maria Luzia Margalho, João Carlos Chouriço, Vera Fonseca, Hernâni Matos e Odete Ramalho.
1996 (JANEIRO) – Graças a um protocolo com a CME, a ETMOZ – Associação Etnográfica e Cultural de Estremoz passa a gerir o Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio), situação que se mantém até 2003.
2000 (JANEIRO) - O edifício é registado em nome da AMPLIMÓVEIS – COMPRA, VENDA E EXPLORAÇÃO DE IMÓVEIS.
2003 - A gestão do chamado Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio) transita para a CME, passando aquela unidade museológica a constituir um pólo museológico do Museu Municipal de Estremoz.
2004 (Abril) – Após parecer dos engenheiros da CME, o Museu da Alfaia Agrícola deixa de receber visitas, por motivos de segurança.
2004 – 2006 – Realizam-se acções de inventário, preservação e conservação do acervo, por parte do Museu Municipal. De salientar que ao longo do processo de degradação, o Director do Museu e o pessoal de apoio foi incansável, tendo feito tudo o que lhes era humanamente possível para travar essa degradação.
2006 (EM DIANTE) – Impossibilidade de continuação de qualquer das actividades anteriores, face ao risco de vida a que estavam sujeitos os intervenientes.
2009 – Negociações entre a CME e a EPAC, visando o aluguer de um pavilhão junto aos silos para acolher as colecções, o qual viria a receber obras de adaptação.
2010 (14 de Julho) – O Museu da Alfaia Agrícola é assaltado de madrugada, facto que foi detectado por populares, que vigilantes travaram a continuação do saque.
2010 (15 de JULHO) - É reforçada pela CME, a segurança de portas e janelas do rés do chão do Museu da Alfaia Agrícola e começa a transferência do seu recheio para o novo local.

UM MONUMENTO DE MEMÓRIAS

Em primeiro lugar, memórias externas:
- Memórias de quase um século de acarretos em carros de bois, de muares e tractores, para alimentar a voracidade insaciável da moagem ou do separador de trigos;
- Memórias dos camponeses que nos seus trajes garridos e churriões vistosos franqueavam as Portas dos Reguengos para tratar de assuntos na cidade;
- Memórias dos ranchos de crianças que por ali transitavam nas suas idas e vindas às escolas do Caldeiro;
- Memórias dos fluxos humanos que sempre ali animaram a vida social e comercial da zona;
Em segundo lugar, memórias internas:
- Memórias de quase um século de moagem em laboração;
- Memórias dos ciclos de produção da faina agro-pastoril (pastorícia, trigo, azeitona, cortiça, vinha, etc.), através dos utensílios utilizados pelo Homem e dos aprestos usados pelos animais.

A AGONIA DUM MORIBUNDO

No edifício de 3 pisos, o abatimento do telhado em telha-vã, ocorrido há muito, esteve na origem do abatimento dos pisos em madeira, o que foi facilitado pela danificação das grandes janelas superiores. No edifício, transformado em amplo pombal e sujeito ao rigor do tempo, verificou-se como não podia deixar de acontecer, a degradação do seu valioso recheio museológico.
O edifício, propriedade de uma imobiliária, ainda que ferido de morte, teima em manter-se de pé, como quem espera desesperadamente por auxílio. Até quando poderá aguentar essa luta titânica contra a morte? É imprevisível. O que é certo é que há de chegar o momento, não sabemos se de dia, se de noite, em que o moribundo soltará o seu último suspiro, acompanhado da derrocada das suas paredes, que transformarão a Rua dos Reguengos, num segundo Largo do Espírito Santo, afastando dali a circulação automóvel, com naturais reflexos negativos para os moradores e para a vida comercial da zona. Então todos nós choraremos. Alguns, lágrimas de crocodilo. Porém ninguém assumirá a culpa. Lá diz o rifão: “A CULPA MORRE SOLTEIRA!”.

Publicado inicialmente em 31 de Julho de 2010
Publicado também no nº 90 (23-7-2010) do Jornal ECOS


MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA EM 1987
(Revisitação para memória futura)

RÉS DO CHÃO - Enfardadeira mecânica (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Charribam (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Máquina debulhadora (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Seleccionadores de sementes e forquilhas em madeira. (Foto Correia).

1º ANDAR  - Charruas em madeira. (Foto ETMOZ).

1º ANDAR - Grade de estrelas, zorra, selins e cangas para mulas. (Foto Correia).

1º ANDAR - Arreios, estribos, cangalhos, albardas, selas, cilhas. (Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz)
2º ANDAR - Utensílios e objectos da cozinha tradicional alentejana. 
(Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz).

2º ANDAR - Peças de vestuário e objectos de uso caseiro. (Foto Correia).

2º ANDAR - Instrumentos de corte utilizados em diversos trabalhos agrícolas. (Foto Correia).

terça-feira, 20 de julho de 2010

O vinho na literatura oral


OS BÊBADOS ou FESTEJANDO O S. MARTINHO,  óleo sobre tela executado em 1907
pelo pintor naturalista José Malhoa (1855-1933),
existente no Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha.

A cultura da vinha e a produção de vinho desempenham há muito um papel importante na economia portuguesa, pela mão de obra que empregam e pela riqueza que criam. Daí não admira que o Estado Novo tenha em 1935 lançado o slogan “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
A tradição da cultura da vinha e da produção do vinho no nosso país reflecte-se na toponímia. Assim há lugares designados por: Adega do Chão, Adega, Adeganha, Adegar, Adegas, Antelagar, Arruda dos Vinhos, Bacelar, Bacelares, Bacelinhos, Bacelo Pequeno, Bacelo, Bacelos de Gaio, Bacelos, Castelo de Vide, Cuba, Cubal, Cubalhão, Cubas, Figueiró dos Vinhos, Lagar Novo, Lagar, Lagarelhos, Lagares de Cima, Lagares e Montes, Lagares, Lagariça, Lagarinho, Lagarinhos da Levada, Lagarinhos de Figueiredo, Lagarinhos de Lama, Lagarinhos, Lata, Latadas de Baixo, Latadas de Cima, Latadas, Latas, Parra, Parral, Parreira e Lareira, Parreira, Parreiras, Parreirinha, Pipa de Cima, Pipa, Ramada Alta, Ramada da Rainha, Ramada, Ramadas, Ribeira de Vide, Rio Vide, Uva, Uveira Velha, Uveira, Uveiras, Vidago, Vidais, Vidal, Vide entre Vinhas, Vide, Videira, Vides, Vinha da Borrega, Vinha da Alagoa, Vinha da Bouça, Vinha da Portela, Vinha da Rainha, Vinha da Velha, Vinha de Além, Vinha de Amarante, Vinha de Loureiro, Vinha de Três, Vinha do Bacelo, Vinha do Mato, Vinha do Pé, Vinha do Souto, Vinha Grande, Vinha Nova, Vinha Pereira, Vinha Redonda, Vinha Velha, Vinha, Vinhaça, Vinhadama, Vinhadeira, Vinhães, Vinhais, Vinhal, Vinharias, Vinhas de Vale de Maceira, Vinhas do Bicheiro, Vinhas, Vinhateiro, Vinheiro, Vinheiros, Vinhó de Baixo, Vinhó de Cima, Vinho Vai, Vinhó, Vinhós, Vinhota. [2],[5].
Na poesia erudita portuguesa, o vinho foi tema abordado por poetas como António Correia de Oliveira, António Sardinha, Conde de Monsaraz e Silva Tavares. O próprio Fernando Pessoa (1888-1935), que também gostava da pinga e de que maneira, em poema sobre Salazar datado de 29 de Março de 1935, diz a certa altura:
…………………………..

Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho...

Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado”.
…………………………….

FERNANDO PESSOA, bebendo um copo de vinho
na Adega de Abel Pereira da Fonseca,
na baixa lisboeta, em 1929.

Foi Fernando Pessoa que disse que “A quadra é o vaso de flores que o Povo põe à janela da sua alma”. Daí não admirar que o vinho esteja também registado no cancioneiro popular, já que Portugal como país europeu do sul sempre teve uma cultura báquica, que é o mesmo que dizer que Portugal desde sempre foi um país de amantes da pinga. De acordo com o cancioneiro popular, o vinho dá alívio, alegria e mesmo força:
“Aqui d’el-rei, peixe frito!
Caia-me aqui um pão mole,
Chovam garrafas de vinho
Tudo ao meu ò Redol.“ [7]
       (Tolosa, concelho de Nisa)
“Para cantar dói-me um dente,
Trabalhar. Dói-m’uma perna,
Quando tenho algum alívio
É à porta da taberna.“ [7]
                               (Nisa)
“Venha o copo, venha a pinga,
Venha mais meia canada,
Eu sem o copo não bebo
Sem a pinga não sou nada.“ [7]
(Vila Verde de Ficalho, concelho de Serpa)
“Dizem que um copo de vinho,
Quando é bom, dá força à gente,
É mentira certamente,
Tal não posso acreditar.
Eu já hoje bebi treze
E, senhores, não posso andar!“ [7]
                                         (Elvas)
Beber demais conduz naturalmente à bebedeira, imortalizada por mestre José Malhoa no quadro “Festejando o São Martinho”.
Reza a tradição algarvia que em 383, São Martinho de Tours, solicitou ao imperador Máximo ajuda material para a construção de um convento. Foi bem recebido pelo imperador e participou num banquete com os membros da corte. No banquete bebeu-se em demasia e foram tantas as bebedeiras que o banquete foi desde logo, classificado como martinhada. Segundo consta, esta terá sido a origem de São Martinho ser o patrono dos bêbados, embora nada permita afirmar que tenha sido daqueles que se excederam na bebida.
São Martinho é festejado a 11 de Novembro, dia em que por tradição se prova o vinho novo, pois São Martinho é pretexto para molhar a goela.
A língua portuguesa é rica em sinónimos:
- VINHO: briol, chá de parreira, murraça, pinga, pomada, vinhaça, etc.
- BÊBADO: alegre, avinhado, bêbedo, bebedolas, beberrão, borracho, casco, copofone, dorna, ébrio, embriagado, entrado, esponja, grosso, pipa, tocado, tonel, etc.
- BEBEDEIRA: açorda, bêbeda, borracheira, cardina, carraspana, carga, carapuça, dose, embriagês, fornada, grossura, gatosa, osga, piela, perua, pifão, tachada, torta, trabuzana, vinho, vinhaça, etc.
No Alentejo são conhecidas alcunhas atribuídas a visados conhecidos por serem bêbados: Barril, Bêbado da quarta, Bêbado, Bebe à perna, Bebedinhas, Camadas, Camadinhas, Vinhaça, Vinho tinto. [3].
É rico o adagiário português relativo aos bêbados:
- “A bebedor não lhe falte vinho e à fiandeira linho.“
 “A bem comer ou mal comer, três vezes beber.“
- “A bom comer ou mau comer, três vezes beber.“
- “A bom ou mau comer, três vezes beber.“
- “Antes e depois da sopa molha-se a boca.“
- “Ao bêbado e ao tolo, dá-se o caminho todo.“
- “Ao bêbado não falta vinho, nem à fiandeira linho.“
 “Ao bom comer ou ao mau comer, três vezes beber.“
- “Ao menino e ao borracho põe-lhe Deus a mão por baixo.“
- “Atravessado é pior que bêbedo.“
- “Bebe por alegria, não por tristeza.“
- “Bebe vinho branco de manhã e tinto de tarde para teres sangue.“
- “Beber vinho não é beber siso.“
- “Bebes de mais? Tropeças e cais.“
- “Bebeu, jogou, furtou; beberá, jogará, furtará.“
- “Bebidas fartas, homens fracos.
- “Bom comer, três vezes beber.“
- “Comer e beber, deita a casa a perder.“
- “Comer sem beber não é comer.“
- “Depois de melão, de vinho um tostão.“
- “Diz o borrachão o que tem no coração.“
- “Entra o beber, sai o saber.“
- “Ir com muita sede ao pote.“
- “João cambão, borracha de vinho.“
- “Jogo e bebida, casa perdida.“
- “Ladra só, bêbeda só e puta só.“
- “Mais homens se afogam no copo que no mar.“
- “Mais homens se afogam no vinho do que no mar.“
- “Manta e cobertor, não para bom bebedor.“
- “Não bebe: embebe.“
- “Não há função nem brincadeira que não acabe em bebedeira.“
- “O bebedão diz tudo o que lhe vai no coração.“
- “O pródigo e o bebedor de vinho nunca têm casa nem moinho.“
- “O que havemos de fazer? Descansar e tornar a beber.“
- “O que o sábio guarda no coração, tem na boca o beberrão.“
- “O último calcinho é que deita o juízo abaixo.“
- “O último calcinho é que deita um homem abaixo.“
- “Onde entra o beber, sai o saber.“
- “Por um morto de sede, morrem mil, de beber.“
- “Por um que morre de sede, morrem cem mil por beber.“
- “Quem almoça vinho, janta água.“
- “Quem bebe antes do almoço, chora depois do sol-posto.“
- “Quem bebe de mais, representa três animais: macaco ou porco ou leão.“
- “Quem bebe tudo num dia, no outro assobia.“
- “Quem come na taberna, duas casa governa.“
- “Quem come salgado, bebe dobrado.“
- “Quem é amigo do vinho, de si mesmo é inimigo.“
- “Quem muito bebe, nunca paga o que deve.“
- “Quem muito bebe, tarde paga o que deve.“
- “Quem não sabe beber, não sabe viver.“
- “Quem passa o dia a beber, no dia seguinte tem de fazer.“
- “Sábado a chover e bêbados a beber, nunca ninguém os pode vencer.“
- “Se bêbado te vieres a sentir, foge à companhia e vai dormir.“
- “Se bêbado te vires sentir, foge à companhia e vai dormir.“
- “Se bebes de mais, tropeças e cais.“
- “Se bebes para esquecer, paga antes de beber.“
- “Se bebes vinho, não bebas o siso.“
- “Se chovesse vinho é que se conheciam os bêbados.“
À riqueza linguística do adagiário popular há que acrescentar a riqueza de múltiplas imagens metafóricas, usadas na gíria portuguesa:
“Beber como um funil = Beber em larga escala“ [1]
Beber como uma esponja = Idem “ [1]
“Beber como um odre = Idem “ [1]
“Beber de caixão à cova = Beber até cair”[4]
“Andar aos SS = Estar bêbado“ [8]
“Andar aos ziguezagues = Estar bêbado“ [8]
“Cor de vinho = Cor roxa“ [6]
“Encher uma rua = Estar bêbado“ [8]
“Estar a cair = Estar bêbado“ [8]
"Estar com ela = Estar bêbado“ [8]
“Estar com o vinho = Estar bêbado“ [6]
“Estar tocado da pinga = Estar bêbado“ [8]
“Ir a medir as estradas = Estar bêbado“ [8]
“Não ir só = Estar bêbado“ [8]
“Ter mau vinho = Fazer tropelias quando está bêbados“ [6]
“Ter o vinho alegre = Ficar alegre quando está bêbado“ [6]
“Ter o vinho triste = Ficar triste quando está bêbado“ [6]
“Ter os olhos pequenos = Estar bêbado“ [8]
“Ter um grãozinho na asa = Estar bêbado [8]
“Ter uma pontinha de vinho = Começar a estar bêbado“ [6]
“Trocar o passo = Estar bêbado“ [8]
Os bêbados seguem à risca os dez mandamentos que lhe dizem respeito e que em Mogadouro são:
“1º - Beber com assesto (sossego).
  2º - Esgotar os copos até o fundo.
  3º - Fazer da garganta um ribeiro.
  4º - Beber até ficar farto.
  5º - Beber do branco e do tinto.
  6º - Beber a qualquer pretexto.
  7º - Beber do seu e de empréstimo.
  8º - Beber até ficar como um cravo.
  9º - Beber no Inverno, Primavera, Estio e Outono.
10º - Beber até ficar em créscimo.” [8]
Estes dez mandamentos podem ser resumidos a dois:
“1º - Beber sempre.
  2º - Nunca deixar de beber.”
Os dez mandamentos podem, finalmente, ser resumidos num único que diz:
- “Pregar os beiços na torneira e nunca deixar de beber”.
Penso que este mandamento único, sintetiza duma forma magistral, o carácter báquico da cultura portuguesa.

Publicado inicialmente a 20 de Julho de 2010


BIBLIOGRAFIA
[1] – BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Livraria Central de Gomes de Carvalho. Lisboa, 1901.
[2] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial domingos Barreira. Porto, 1981.
[3] – RAMOS, Francisco Martins & SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
[4] – SANTOS, Maria Alice dos. Dicionário de Provérbios. Porto Editora. Porto, 2000.
[5] - SILVEIRA, Joaquim da. Toponímia Portuguesa in Revista Luzitana, Vol. XXXY. Lisboa, 1937.
[6] – VÁRIOS. Grande Enciclopédia Luso-Brasileira.
[7] – VASCONCELLOS, J. Leite de. Cancioneiro Popular Português. Volume II. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1979.
[8] – VASCONCELLOS, J. Leite de. Etnografia Portuguesa. Vol. VI. Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Lisboa, 1975.

sábado, 17 de julho de 2010

O vinho na mitologia greco-latina

DIONISO E SÁTIRO - pintura sobre vaso grego, atribuída a Makron, cerca de 490 - 480 a.C. Antikenmuseen, Berlin.

Dioniso ou Baco, filho de Zeus e da princesa Semele, era o deus grego das festas, do vinho, da fecundidade, do lazer e do prazer, símbolo do desencadeamento ilimitado dos desejos e da libertação de qualquer inibição. É representado geralmente como um jovem imberbe, risonho e de ar festivo, de longa cabeleira, pegando um cacho de uvas ou uma taça numa das mãos e empunhando na outra um tirso (bastão envolvido em hera e ramos de videira e encimado por uma pinha). Tem sido sugerido o carácter fálico do tirso, no qual a pinha seria o símbolo do sémen.
Dioniso é por vezes figurado com o corpo coberto por um manto de pele de leão ou de leopardo, com uma coroa de pâmpanos na cabeça e conduzindo um carro puxado por leões. Pode igualmente ser apresentado sentado num tonel, segurando numa das mais uma taça donde absorve a embriaguez que o faz cambalear.
Dioniso é normalmente representado na companhia de outros bebedores:
- Sileno – Tutor de Dioniso, companheiro fiel e o mais velho, sábio e beberrão dos seus seguidores, que embriagado tinha o poder da profecia. Representado quase sempre bêbado, amparado por sátiros ou carregado por um burro.
- Sátiros - divindades menores da natureza com aspecto humano, cabelos eriçados, com grande cauda e orelhas bicudas de bode, pequenos cornos na testa, narizes achatados, lábios grossos, barbas longas e órgãos sexuais de proporções sobre-humanas, frequentemente mostrados em estado de erecção. Viviam nos campos e nos bosques, onde tinham relações sexuais frequentes com as Ninfas e as Ménades, que a eles se juntavam no cortejo de Dioniso, além de copularem com mulheres e rapazes humanos, cabras e ovelhas. A embriaguês era a fonte inesgotável da sua perpétua jovialidade e lubricidade.
- Ménades (ou Bacantes) - mulheres apaixonadas por Dioniso e entregues com fervor ao seu culto. Levadas à loucura pelo deus do vinho, que provocava nelas um estado de êxtase absoluto, entregavam-se a desmedida violência, derramamento de sangue, sexo, embriaguez e auto-flagelação. Representadas nuas ou vestidas com véus ligeiros, coroadas de hera e segurando um tirso ou um cântaro, por vezes tocavam flauta de dois tubos ou tamboril e entregavam-se a uma dança livre e lasciva (orgia ou menadismo), em total concordância com as forças mais primitivas da natureza. Vagueavam por montanhas e campinas e entregavam-se aos sátiros que também integravam o cortejo de Dioniso.
- Ninfas – jovens mulheres que povoavamm o campo, os bosques e as águas. São os espíritos dos campos e da natureza em geral, de que personificam a fecundidade e a graça. Apesar de serem consideradas divindades secundárias, a elas se dirigiam orações e por elas se nutria temor. Eram frequentemente alvo da luxúria dos sátiros.
O culto a Dioniso não tinha santuário fixo, sendo praticado onde quer que existissem adoradores do deus, na sua maioria mulheres (Ménades ou Bacantes). Os festivais realizados em homenagem do deus, eram basicamente festas da Primavera e do vinho. As danças frenéticas a que se entregavam as mulheres, davam-lhes uma sensação de liberdade e força, sendo-lhes atribuídos actos impressionantes como desenraizar árvores. As mulheres caçavam também animais que consumiam crus, acreditando que com este acto adquirissem a vitalidade e a imortalidade do deus. Os Gregos consideraram este culto nocivo e muitos governantes das cidades-estado procuraram proscrevê-lo.
Em 370 a.C., o culto a Dioniso (Baco) penetrou em Roma e tinha sacerdotisas conhecidas por bacantes. As festas, de natureza ritual, em homenagem ao deus Baco, conhecidas por bacanais eram nocturnas, secretas e frequentadas exclusivamente por mulheres durante três dias no ano. Posteriormente, os homens foram admitidos e as comemorações passaram a ocorrer cinco vezes por mês. A promiscuidade conjugada ao furor báquico no qual todos se entregavam a excessos de vinho e de sexo, estiveram na origem do saldo destas festas se saldarem por envenenamentos, testamentos falsos, desaparecimento de homens e mulheres, etc. Ao invadirem as ruas de Roma, dançando, soltando gritos estridentes e atraindo adeptos do sexo oposto em número crescente, os bacanais tornaram-se factor de desordem e de escândalo, o que levou à publicação de um decreto por parte do Senado, em 186 a.C., proibindo as bacanais em toda a Itália. Contudo, mesmo com a proibição, o culto não desapareceu naquele tempo.



DIONISOS E SÁTIRO – pintura sobre vaso grego, atribuída a Makron, cerca de 490-480 a.C. Museu de Belas Artes de Boston.

JUVENTUDE DE BACO - pintura de William-Adolphe Bouguereau (1825–1905), executada em 1884.

BACO - óleo sobre tela de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 - 1610), executada em 1593-1594. Galeria dos Ofícios, em Florença.


TRIUNFO DE BACO E ARIADNA - fresco de Annibale Carracci (1560-1609), executado entre 1597 e 1600 na abóbada do Palácio Farnesio, Roma.


BACO SENTADO NUM TONEL - Óleo sobre tela de Peter Paul Rubens (1577-1640). Galeria dos Ofícios, em Florença.

O BÊBADO SILENO - óleo sobre madeira de Peter Paul Rubens (1577-1640), executado cerca de 1616-17. Alte Pinakothek, Munique.

SÁTIRO – pintura sobre vaso grego, atribuída a Epiktetos, cerca de 510 - 500 a.C. Museu de Belas Artes de Boston.

DOIS SÁTIROS – óleo sobre madeira de Peter Paul Rubens (1577-1640), executada em 1618-1629. Alte Pinakothek, Munique.

MÉNADE -  fragmento de uma taça da autoria de Macron, cerca de 480 a.C., Atenas - Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Museu do Louvre.

BACANTE - óleo sobre tela de William-Adolphe Bouguereau (1825–1905), executado em 1894. Colecção particular.

NINFAS, óleo sobre tela de William-Adolphe Bouguereau (1825–1905), executado em 1878. The Haggin Museum, Stockton, California.


NINFAS E SÁTIRO, óleo sobre tela de William-Adolphe Bouguereau (1825–1905), executado em 1873. Sterling and Francine Clark Art Institute, Williamstown, Massachusetts.
DIANA E AS SUAS NINFAS SURPREENDIDAS PELOS FAUNOS - óleo sobre tela de Peter Paul Rubens (1577-1640), executada em 1638-40. Museu do Prado, Madrid.

domingo, 4 de julho de 2010

A Experiência dos Hemisférios de Magdeburgo


    Experiência dos Hemisférios de Magdeburgo – Azulejos Barrocos Joaninos (1744-1749) da
Aula de Física da Universidade do Espírito Santo (hoje sala 120 da Universidade de Évora)
e que atesta a preocupação dos jesuítas com a modernização do ensino científico.


A EXPERIÊNCIA DOS HEMISFÉRIOS DE MAGDEBURGO
A experiência dos Hemisférios de Magdeburgo foi efectuada em 8 de Maio de 1654, em Magdeburgo (Alemanha), pelo burgomestre da cidade, o jurista e físico Otto Von Guericke (1602-1686), perante o Imperador Friedrich Wilhelm von Brandenburg (1620-1688) e a sua corte.

Otto von Guericke, gravura de Anselm van Hulle (1601-1674).

A experiência visava a separação de dois hemisférios de cobre, de 51 centímetros de diâmetro, unidos por contacto comum com um anel de couro, formando uma área fechada, da qual foi extraído o ar com recurso a uma bomba de vácuo, inventada pelo próprio Von Guericke. Em cada hemisfério existiam anéis para prender cabos ou correntes que eram puxados em sentidos opostos.
Os espectadores ficaram completamente surpreendidos ao verificar que diferentes grupos de homens, puxando com toda sua força em sentidos opostos, não conseguiram separar os hemisférios. O mesmo aconteceu com dois grupos de 8 cavalos puxando em sentidos opostos. Só depois dum grande esforço da parte dos cavalos, é que foi possível separar os hemisférios, o que só foi conseguido por não ser perfeito o vácuo alcançado através da rudimentar bomba de vácuo de Von Guerick. Em contrapartida, deixando entrar o ar para o interior dos hemisférios através duma torneira de admissão, era possível separar os hemisférios sem qualquer dificuldade.

Gravura de Gaspar Schott (1608 - 1666), executada em 1657, reproduzindo a experiência dos hemisférios de Magdeburgo, realizada em 1654. Publicada no livro de Otto Von Guericke “ Experimenta nova (ut vocantur) Magdeburgica de vacuo spatio”, editado em 1672.

A experiência seria repetida ainda no mesmo ano em Berlim, com 24 cavalos.
Com esta experiência Von Guerick demonstrou:
- a imensa força que a atmosfera podia exercer sobre os corpos;
- a existência de pressão atmosférica sobre os corpos;
- a existência do vazio.
A interpretação corrente do resultado experimental é a de que os hemisférios não se separam enquanto a pressão atmosférica for superior à pressão do ar no interior dos hemisférios. Uma vez conseguida a igualdade de pressões, através da entrada de ar, é fácil a separação dos hemisférios.
Com a sua experiência, Von Guerick pôs fim, de forma espectacular às ideias que vinham sendo defendidas desde Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) e segundo as quais a Natureza teria “horror ao vácuo”, preenchendo imediatamente, a todo custo, qualquer espaço que fosse deixado sem matéria.
A UNIVERSIDADE DE ÉVORA
A criação da Universidade de Évora data de 18 de Outubro de 1558, por Bula de Paulo IV e a abertura solene das aulas ocorreu no dia 1 de Novembro de 1559, sendo 1º Reitor o Padre Leão Henriques.
A Universidade de Évora foi suprimida em 1759 pelo Marquês de Pombal, quando da expulsão da Companhia de Jesus. No período que medeia entre 1841 e 1979, o edifício esteve ocupado pelo Liceu Nacional André de Gouveia. Após um hiato de 200 anos, ocorreu uma reestruturação em 1973, primeiro, como Instituto Universitário, e pelo Decreto de 14 de Dezembro de 1979, como Universidade de Évora.
Na Universidade de Évora cursaram, no período áureo, vultos da Cultura Humanística Universal como Luís de Molina, Sebastião Barradas, Francisco Suarez, Pedro da Fonseca, Manuel Álvares Baltazar Teles, Francisco da Fonseca, António Franco, S. Francisco de Borja, padre António Vieira, D. Afonso Mendes, Patriarca da Abissínia e o arcebispo de Braga D. José, filho de D. Pedro II.
Na volumosa construção trabalharam alguns dos maiores arquitectos quinhentistas: Afonso Alvares, Manuel Pires, Diogo de Torralva e Cristóvão de Torres.
Do seu conjunto monumental e artístico destacam-se silhares de azulejos historiados, de temática bíblica, mitológica, literário-poética (Virgílio, Platão, Arquimedes, Aristóteles), do Humanismo e das leis naturais, que revestem todas as aulas quinto-joaninas (1744-49).

Publicado inicialmente a 4 de Julho de 2010

BIBLIOGRAFIA
ESPANCA, Túlio. Évora – Arte e História. 2º edição. Câmara Municipal de Évora. Évora, 1987.
ESPANCA, Túlio. Évora – Encontro com a Cidade. Câmara Municipal de Évora. Évora, 1988.