quinta-feira, 19 de setembro de 2024

ESTREMOZ - O neo-realismo a passar por aqui


Fig. 1 - Capa de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957)
para a 1ª edição (1952) de GANDAIA, romance
neo-realista de Romeu Correia.


Aqui se fala da oferta em 1955 do romance neo-realista
GANDAIA de Romeu Correia
 pela poetisa estremocense Maria Guiomar Ávila (1919-1992),
 à sua amiga e conterrânea,
a poetisa Maria de Santa Isabel (1910-1992). 



Preâmbulo
É conhecido o meu interesse pela arte e pela literatura neo-realistas como expressões de resistência e luta contra o fascismo.
Em Abril do corrente ano criei no meu blogue “Do Tempo da Outra Senhora”, uma secção de POESIA NEO-REALISTA, onde até ao presente momento, divulguei 127 poemas de 24 poetas neo-realistas.
No nº 333, do jornal E, de 26 de Abril de 2024, comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, sob a epígrafe “POESIA E ARTE NEO-REALISTA / A luta contra o regime”, divulguei um conjunto de 6 trabalhos de artistas plásticos neo-realistas e 13 poemas neo-realistas, qualquer deles a meu ver, notáveis e paradigmáticos.
Recentemente tive oportunidade de partilhar com o público, 40 trabalhos de artistas plásticos neo-realistas, pertencentes ao meu acervo pessoal. Os mesmos integraram a exposição “NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS”, que de 15 de Junho a 15 de Setembro esteve patente ao público na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho. A mostra integrou-se num conjunto de iniciativas, de índole diversificada e plural, sob a epígrafe "50 ANOS EM LIBERDADE: COMEMORAÇÕES DO 50° ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL DE 1974”, em boa hora promovidas pelo Município de Estremoz.
Paralelamente, como bibliófilo, tenho enriquecido o meu acervo de obras literárias de autores neo-realistas com aquisições no Mercado das Velharias em Estremoz. Ali vão parar livros que já integraram outras bibliotecas e que agora vão fazer outros pessoas felizes. Lá diz a lei de Lavoisier. “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Recentemente adquiri um lote apreciável de obras neo-realistas, entre as quais se situam dois livros que estão na origem do presente texto e no final vão perceber porquê.

GANDAIA – Romance de Romeu Correia
Comprei recentemente o livro GANDAIA [1] (Fig. 1), romance de Romeu Correia, brochado, 1ª edição (1952), editado por Guimarães & Cia. Editora, Lisboa, com capa de Manuel Ribeiro de Pavia.

Sinopse de GANDAIA
“Nesta obra Romeu realça de uma forma muito viva a vida difícil dos tanoeiros, que decidem em boa hora criar uma cooperativa, que acabaria por ser boicotada pelos donos dos armazéns de vinho da Margem Sul...
O neo-realismo continua muito presente neste livro, com Romeu a falar do povo e de todos os seus problemas, mas também da sua ligação ao associativismo, essa marca almadense, neste caso particular, à Incrível Almadense.” [2]

Dedicatória e assinatura de posse
Logo na primeira página tem uma dedicatória, manuscrita a tinta azul: “Para a Maria Palmira, com um grande abraço de amizade da Maria Guiomar Ávila / 16-IV-955” (Fig. 2).
A terceira página ostenta a assinatura de posse: “Maria Palmira” (Fig. 3)

Fig. 2 - Dedicatória de Maria Guiomar a Maria Palmira.

Fig. 3 - Assinatura de posse de Maria Palmira.

Fig. 4 - Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses
 e Vasconcellos Alcaide (1910-1992).

Fig. 5 - Maria Guiomar Ávila (1919-1992).

Quem foi Maria Palmira? Trata-se de Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide (1910-1992) (Fig. 4), poetisa estremocense que com o pseudónimo literário de Maria de Santa Isabel, publicou: - Flor de Esteva (1948); - Solidão Maior (1957); - Terra Ardente (1961); - Fronteira de Bruma (1997).
O seu avô paterno, Alberto Osório de Castro (1868-1946), foi magistrado, político, escritor e poeta. Passou largos anos em Goa, Moçâmedes, Timor e Luanda. Foi ministro da Justiça do Governo de Sidónio Pais e amigo fraterno do magistrado, professor e poeta Camilo Pessanha, (1867-1936).
A sua tia-avó, Ana de Castro Osório (1872-1935), grande paixão do poeta Camilo Pessanha (1867-1926), foi escritora, jornalista, pedagoga, feminista, maçónica e militante republicana.
Quem foi Maria Guimar Ávila? Trata-se de Maria Guiomar Ávila (1919-1992) (Fig. 5), professora e poetisa, natural de Estremoz, que publicou postumamente o livro de poesia “À janela da Vida” (1998).

OS TANOEIROS – Romance de Romeu Correia
Comprei também recentemente o livro OS TANOEIROS (Fig. 6), romance de Romeu Correia, brochado, 1ª edição (1976), editado por Parceria A. M. Pereira, Lisboa, com capa de H. Mourato. A obra OS TANOEIROS, constitui uma versão refundida de GANDAIA, publicada 24 anos depois, com o título que tinha sido proibido pela Censura.

Fig. 6 - Capa de H. Mourato para a 1ª edição (1976) de
OS TANOEIROS, romance neo-realista de Romeu Correia.

Sinopse de OS TANOEIROS
No Prefácio diz Romeu Correia: “Os Tanoeiros é um romance que trata da decadência desta indústria, quando o vasilhame de madeira começa a sofrer concorrência de novos materiais. Os navios-tanques, os camiões cisternas, os depósitos de cimento, os recipientes de ferro, vão apressar o dobre de finados dos tanoeiros, desses artífices que, durante séculos, prepararam as aduelas de madeira macia, domando-as amorosamente ao fogo, para logo as cintar com arcos de aço. A história, que tem o seu início nos já longínquos anos trinta, termina vinte anos depois, em plena metade do nosso século, tão decisivo quão cruel no seu inexorável progresso técnico.
Aflorando os mil problemas do agregado familiar do homem-tanoeiro, as suas esperanças, lutas e canseiras numa hora de agonia para tão remota e respeitada profissão, este livro ressoará, assim, talvez, dramaticamente, como um requiem por esse velho ofício.”

Dedicatória
A primeira página do livro ostenta uma dedicatória do autor (Fig. 7), manuscrita a tinta preta: “Para a Sr.ª D. Maria Fernanda Andrade, com muita estima do Romeu Correia 14/7/1980”.

Fig. 7 - Dedicatória autógrafa de Romeu Correia a
D. Maria Fernanda Andrade.

Epílogo
Conheci pessoalmente as duas poetisas. Maria Guiomar Ávila morava no nº 18 da rua 5 de Outubro, em Estremoz, no edifício onde após o 25 de Abril funcionou a primeira sede do PPD. Maria Palmira morava na Casa da Horta Primeira na Rua da Levada em Estremoz e era casada com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979), proprietário dum armazém de tabacos no Largo General Graça, autodidacta, pintor, caricaturista, maquetista, cenógrafo e dramaturgo. Roberto era irmão do tenor lírico Tomaz de Aquino Carmelo Alcaide (1901-1967), ambos meus parentes afastados do ramo dos “Carmelo”.
Não me surpreende que Maria Guiomar Ávila tenha oferecido a Maria Palmira, o livro GANDAIA de Romeu Correia. Pese embora o facto de elas serem distintas senhoras da sociedade local de então, com um posicionamento ideológico bastante diferenciado do de Romeu Correia, eram senhoras cultas, receptivas às novidades literárias da época, muito em especial Maria Palmira de cuja biblioteca pessoal possuo exemplares que o confirmam. Para além disso, o mérito de Romeu Correia como escritor, já tinha sido reconhecido por críticos literários da época, como João Gaspar Simões (1949), António Quadros (1050) e Julião Quintinha (1952).
Creio que agora o leitor está em condições de perceber a razão do título escolhido para o presente texto “ESTREMOZ – O neo-realismo a passar por aqui”.

[1] “Gandaia” é um termo pertencente à gíria popular, cujo significado é: “Acto de remexer o lixo à procura do que nele se pode aproveitar”.
[2] Sinopse recolhida em https://tradestories.pt/carlos-lopes/livro/gandaia .

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