POEMA AO PAI
Firmino Mendes
e das manhãs frias, quando me faltaste
As voltas que dei à casa, os gritos
o não saber ainda que a morte era possível
Eu estava ali, mesmo ao lado
e senti o teu coração cair
como um meteoro que incendiasse a
Terra para sempre
Eras demasiado jovem para deixar de ser visto
mas eu já tinha a memória preenchida
com algumas linhas de água que ficaram:
campos de liberdade, caminhos abertos
sobre o medo e os dias de chumbo
Tu sorrias e tocavas a mão aquecida
para lá do pequeno mundo das paisagens
verdes e das casas de granito
com as fábricas ao longe, como cercas
de ferro e arame, onde a servidão se servia fria
Pai, hoje há novos caminhos e alguns dos trilhos
desapareceram para sempre mas eu continuo
a saber onde caminhavas e a colocar os pés
sobre as marcas indeléveis que deixaste
Às vezes, parece que danço, por querer tanto
caminhar sobre os vestígios impressos na lama
e sinto o coração resistente das tartarugas
que continua a bater depois de mortas e esquartejadas
Sei que este não é o tempo que querias: os vampiros
sobrevoam os campos e permanece o ruído das fábricas
Se estivesses aqui, saberias como sofrem os da tua idade:
espoliados, feridos, assaltados, esquecidos, maltratados
Sei que chorarias e assim te vejo em cada um dos que sofrem
Mas o mundo está melhor, pai. Apesar do agudo silêncio
que perturba os que perderam a voz, hoje poderias gritar
ao lado dos filhos que não tiveste tempo de ver crescer
e não terias morrido tão cedo porque os tempos mudaram
ao sabor de Abril
Firmino Mendes
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