A empatia entre o Orfeão e a Olaria Alfacinha
“Tudo o que é pequeno tem graça” é uma máxima perpetuada na nossa memória colectiva. Trata-se de uma premissa que “assenta que nem uma luva”, não só aos brinquedos de louça de barro vermelho de Estremoz, como também aos exemplares da mais ínfima dimensão do vasilhame de barro desta cidade. É o que se passa com o cantil da figura, de pequenas dimensões (10 x 8,5 cm) e uma decoração por polimento com simetria radial, muito simples mas vistosa. Com efeito, o contraste entre o polido e a superfície sobrante que após a modelação na roda não sofreu mais nenhuma intervenção, surte um belíssimo e encantador efeito visual.
As miniaturas de louça de barro
vermelho de Estremoz, exerceram desde sempre forte atracção sobre a garotada.
Fialho de Almeida no conto “O Romana” [1] evoca a ida na sua juventude a uma feira,
onde na secção de loiças: “Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz,
com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia,
reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu muito antes do diluvio
universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos,
e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com
assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em
quantia nunca inferior a doze vintens.”
[1] ALMEIDA, Fialho de. Gente rústica. Guimarães e Cª, Lisboa, s/d.
As peças oláricas tradicionais são um registo e um regalo de memórias da antiga tradição oleira, cuja recuperação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.
No meu livro “BONECOS DE ESTREMOZ” (*), dado à estampa em 2018, inventariei e descrevi, de uma forma sistemática e por autor, um total de 122 marcas de autor, que surgem estampadas com carimbo ou manuscritas na base das figuras ou no interior das peanhas das imagens devocionais. Tratou-se e trata-se ainda do maior número de marcas de autor de bonequeiro(a)s de Estremoz, jamais divulgada por alguém.
No final do estudo então
apresentado, afirmei: “Estou convicto que a listagem de autores e
respectivas marcas aqui apresentadas não está completa e, como tal, não é
definitiva. O futuro o confirmará ou não.”
De então para cá, foram-me
surgindo novas marcas dos autores já inventariadas, que a seu tempo divulgarei.
Mais recentemente, surgiu-me a
marca manuscrita “MARIA / JOSÉ / CARTAXO”, distribuída por 3 linhas, aposta na
base da figura conhecida por “bailadeira pequena”. A pintura desta encontra-se
incompleta, dado que à excepção da base, a figura apenas recebeu uma pintura
com branco de alvaiade (óxido de zinco), como preparação para receber outras
cores, o que não chegou a acontecer.
Vejamos quem era Maria José
Cartaxo.
Após a morte do seu irmão Mariano
Augusto da Conceição (1903-1959), Sabina Augusta da Conceição Santos
(1921-2005) dá continuidade à manufactura dos Bonecos de Estremoz na Olaria
Alfacinha, conjuntamente com as cunhadas, Maria José Cartaxo da Conceição
(1923-2013) e Teresa Cabaço Cid da Conceição (1922-1962). Após o falecimento desta
última em 1962, a sociedade desfaz-se por iniciativa de Sabina Santos. Então,
Sabina Santos e Maria José Cartaxo começam a trabalhar separadas. A marca aqui
divulgada é até agora a única marca de autor conhecida.desta última barrista.
(*) MATOS, Hernâni. BONECOS DE ESTREMOZ. Edições Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, Outono de 2018.
Desde a sua génese, que as feiras
de artesanato visam a preservação e a promoção das artes tradicionais, enquanto reflexos
identitários e fontes de riqueza das comunidades.
São elementos fundamentais das
feiras de artesanato, os feirantes, designação bi-valente, aplicável tanto
a artesãos produtores como a público comprador.
Poderá haver feiras de
artesanato com mais ou menos público. Porém uma coisa é certa, não faz sentido
haver feiras de artesanato sem a presença de artesãos, os quais trabalhando ao
vivo mostram o seu saber fazer, comercializam a sua produção e dão a cara
no contacto com os clientes, promovendo a sua arte e com ela a comunidade onde
se inserem.
Foi assim que participaram em feiras
por aqui e por ali, José Moreira, Liberdade da Conceição, Irmãs Flores, Maria Luísa
da Conceição e Célia Freitas, nomes incontornáveis de barristas de Estremoz,
que não podem deixar de ser referidos e destacados como exemplo.
Apesar de tudo, a vida é como
o planeta Terra, dá muita volta, pelo que fruto das circunstâncias e pela indisponibilidade
de alguns artesãos estarem presentes nas feiras com stand próprio, a promoção
do artesanato de algumas regiões passou a ser feita por entidades vocacionadas
para o marketing de produtos de várias tipologias, entre elas o artesanato. É o
que tem sido feito pelo Turismo Municipal de vários municípios, por Entidades Regionais
de Turismo e por outras entidades. Qualquer delas tem objectivos mais vastos e
agenda própria, os quais ultrapassam largamente os objectivos específicos e os
interesses próprios dos artesãos.
Estremoz não foge à regra e
por isso o mesmo já aconteceu com representações de Estremoz em feiras de artesanato. Todavia, parece que houve artesãos de Estremoz que resolveram arrepiar caminho. Daí
que a participação dos artesãos estremocenses na Feira
de Artesanato de Vila do Conde do presente ano, tenha sido a maior de
sempre, com os artesãos distribuídos por 5 stands: Bonecos de Estremoz (3),
Olaria (1) e Artesanato em Pele (1).
Aí estiveram presentes os
barristas Carlos Alberto Alves, Inocência Lopes, Maria Isabel Catarrilhas Pires
e Sara Sapateiro, a ADOE - Associação Dinamizadora da Olaria de
Estremoz e a artesã Clara Cunha da empresa artesanal Maria da Conceição Cunha –
Artesanato em pele.
Fizeram-no na condição de artesãos
independentes, que se inscreveram por sua própria iniciativa e se deslocaram
pelos seus próprios meios. Trata-se de uma postura que traduz uma atitude de
independência que aqui sublinho e aplaudo. De igual modo, sublinho e aplaudo a
presença do Presidente do Município de Estremoz, José Daniel Sadio, na Feira de
Artesanato de Vila do Conde no passado dia 30 de Julho, onde foi recebido pelo
Dr. Saraiva Dias, Presidente da Associação para a Defesa do Artesanato e
Património de Vila do Conde (ADAPVC). Na sua visita, o autarca felicitou os
artesãos presentes pelo trabalho de promoção e divulgação do artesanato de
Estremoz, o que não deixa de ser significativo.