domingo, 29 de julho de 2012

O Verão na Pintura Universal


Verão (1563). Giuseppe Arcimboldo (1526-1593). Óleo sobre painel
(67x51 cm). Kunsthistorisches Museum, Vienna.

O Verão é o tema central de obras de grandes mestres da pintura universal, que representam a natureza madura, quando retratam a actividade agro-pastoril característica desta época: campos de cereal, a ceifa, o emolhar de cereais, o empilhar de molhos, montes de cereal, o transporte de água para ceifeiros, ceifeiros a matar a sede, ceifeiros a descansar, ceifeiros a comer, o transporte dos molhos para a eira, os trabalhos da eira, o armazenamento de palhas, a colheita de frutos, pastores que guardam o gado, gado a beber água em charcos e rios, a tosquia de ovelhas, etc.
De resto surgem outros tópicos dentro do tema Verão: a rega de plantas nos jardins, pessoas que descansam para minorar o efeito do calor, mulheres com roupas leves e frescas, damas que passeiam de leque e sombrinha, homens e mulheres que se banham, passeios de barco ou amantes que se amam â sombra de uma árvore.
As cenas são em geral iluminadas, reflectindo a claridade própria da época. Por vezes, a estação é tratada alegoricamente com recurso a figuras femininas como as deusas Ceres ou Vénus.
Como fruto da nossa pesquisa identificámos 59 obras de grandes mestres, as quais aqui divulgamos por ordem cronológica e que correspondem a múltiplas correntes de pintura: maneirismo, barroco, rócócó, romantismo, realismo, impressionismo e abstraccionismo. 

Publicado inicialmente a 29 de Julho de 2012


Verão (1568).
Pieter Bruegel the Elder (1564-1638).
Lápis e nanquim (22x28,6 cm).
Kunsthalle, Hamburg.

Verão (1568).
Pieter Bruegel, O Velho (1525/30-1569).
Tinta sobre papel.
Kunsthalle, Hambourg. 

Verão (1568).
Pieter Bruegel, O Velho (1525/30-1569).
Tinta sobre papel.
Kunsthalle, Hambourg. 

Verão (1572).
Giuseppe Arcimboldo (1526-1593).
Óleo sobre tela (92x71 cm).
Art Museum, Denver. 

Verão (?).
Giuseppe Arcimboldo (1526-1593).
Óleo sobre madeira (84x57 cm).
Musée du Louvre, Paris.

Verão (?).
Francesco Bassano (1549-1592).
Óleo sobre tela (97x127 cm).
The Hermitage, St. Petersburg.

Verão – Sacrifício de Isaac (c. 1575).
Jacopo Bassano (c. 1515-1592).
Óleo sobre tela (79x111 cm).
Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Verão (1577-78).
Francesco Bassano (1549-1592).
Óleo sobre tela (115x184 cm).
Hermitage, St. Petersburg.

Paisagem de Verão (1585).
Lucas van Valkenborch (c. 1530-1597).
Óleo sobre tela (116x198 cm).
Kunsthistorisches Museum, Vienna.

Verão (1607).
Abel Grimmer (c. 1570-c. 1619).
Óleo sobre painel (33x47 cm).
Koninklijk Museum voor Schone Kunsten, Antwerp.

Verão (1614).
Adriaen Pietersz. van de Venne (1589-1662).
Óleo sobre carvalho (43x68 cm).
Staatliche Museen, Berlin.

Verão - Vénus na Forja de Vulcano (1616-17).
Francesco Albani (1578-1660).
Óleo sobre tela (diâmetro: 154 cm).
Galleria Borghese, Rome.

Verão (1620).
Pieter Pauwel Rubens (1577-1640).
Óleo sobre tela (142,8x222,8 cm).
Royal Collection, Windsor.

Verão (1622-1635).
Pieter Brueghel the Younger (1564-1638).
Óleo sobre madeira.
National Museum of Art, Bucharest.

Colheita. Verão (1827).
Alexey Venetsianov (1780–1847).
Óleo sobre tela.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Verão ou os Cinco Sentidos (1633).
Sébastien Stoskopff (1597-1657).
Óleo sobre tela.
Musée de l'Oeuvre de Notre Dame, Strasbourg.

Paisagem de Verão (?).
Pieter Gijsels (1621-1690).
Óleo sobre cobre (39x51 cm).
Colecção privada.

Verão (c. 1564).
Tintoretto (1518-1594).
Óleo sobre tela (diâmetro: 90 cm).
Scuola Grande di San Rocco, Venice.

Verão - Ruth e Boaz (1660-64).
Nicolas Poussin (1594-1665).
Óleo sobre tela (118x160 cm).
Musée du Louvre, Paris.

Verão (1680).
Gregorio de Ferrari (1647-1726).
Fresco.
Palazzo Brignole-Sale (Rosso), Genoa.

Ceres – Verão (1717-18).
Jean-Antoine Watteau (1684-1721).
Óleo sobre tela (142x116 cm).
National Gallery of Art, Washington.

Verão (c. 1725).
Rosalba Carriera (1675-1757).
Pastel sobre papel cinzento colado em cartão (24x19 cm).
Hermitage, St. Petersburg.

Verão e Primavera (1747).
Anton Kern (1709-1747).
Óleo sobre tela (165x126 cm).
Hermitage, St. Petersburg.

Verão ou a Ceifa (1749).
Jean-Baptiste Oudry (1686–1755).
Óleo sobre tela (92x80 cm).
Château de Versailles.

Verão Pastoril (1749).
François Boucher (1703-1770).
Óleo sobre tela (259x197 cm).
Wallace Collection, London.

Passeio de Verão (1757).
Giovanni Domenico Tiepolo (1727-1804).
Fresco.
Villa Valmarana, Vicenza.

Paisagem de Verão (?).
Jan van Os (1744-1808).
Óleo sobre painel (27x35 cm).
Colecção privada.

Verão (1786).
Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828).
Óleo sobre tela (34x76 cm).
Fundación Lazaro Galdiano, Madrid.

O Verão (1807).
Caspar David Friedrich (1751-1818).
Óleo sobre tela (71x104 cm).
Neue Pinakothek, Munich.

Banhistas - Cena de Verão (1869).
Frédéric Bazille (1841-1870).
Óleo sobre tela.
Fogg Art Museum, Harvard University, Cambridge, Massachusetts.

Dias de Verão (1857).
George Innes (1825-1894).
Óleo sobre tela (103x144 cm).
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid.

Paisagem de Verão (1860).
Alexey Savrasov (1830-1897).
Gouache on paper.
Colecção privada, Moscow.

No Verão (1868).
Pierre-Auguste Renoir (1841-1919).
Óleo sobre tela.
Nationalgalerie, Berlin.

Colheita do trigo mourisco: Verão (1868-74).
Jean-François Millet (1814-1875).
Óleo sobre tela (85x111 cm).
Museum of Fine Arts, Boston.

Dia Quente de Verão (1869).
Feodor Vasilyev (1850-1873).
Óleo sobre tela.
Tretyakov Gallery, Moscow.

A Sonhadora -Tarde de Verão (1871).
Jacques Joseph Tissot (1836 -1902).
Óleo sobre tela (34x59 cm).
Musée d'Orsay, Paris.

O Fim do Verão no Rio Volga (1873).
Alexey Savrasov (1830-1897).
Óleo sobre tela.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Passeio Campestre no Verão (c.1874).
Pierre-Auguste Renoir (1841-1919).
Óleo sobre tela.
Musée d'Orsay, Paris.
Dia de Verão (1879).
Berthe Morisot (1841-1895).
Óleo sobre tela.
National Gallery, London.

Vétheuil no Verão (1880).
Claude Monet (1840-1926).
Óleo sobre tela.
Metropolitan Museum of Art, New York.

Noite de Verão (1883).
Alexey Savrasov (1830-1897).
Óleo sobre tela.
Colecção privada, Moscow.

Verão de S. Martinho (1888).
John Singer Sargent (1856-1925).
Óleo sobre tela.
Colecção privada.

Haystack. Manhã de fim de Verão (1891).
Claude Monet (1840-1926).
Óleo sobre tela.
Louvre, Paris.

Banho Numa Noite de Verão (1892-93).
FélixVallotton (1865-1925).
Óleo sobre tela (97x131 cm).
Kunsthaus, Zurich.

Numa Casa de Verão (1895).
Constantin Korovin (1861-1939).
Óleo sobre tela.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Noite de Verão na Periferia da Aldeia (1900).
Isaac Levitan (1860-1900).
Óleo sobre papelão.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Verão. Sombras na Noite (1900-1917).
Constantin Somov (1869-1939).
Óleo sobre tela.
Hermitage, St. Petersburg.

Paisagem de Verão (?)
Kazimir Malevich (1878-1935).
Óleo sobre tela (48.5x55 cm).
Russian Museum, St. Petersburg.

Verão (1904).
Constantin Somov (1869-1939).
Aguarela, guache e lápis sobre papel.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Melodia de Verão (1904-1905).
Victor Borisov-Musatov (1870-1905).
Aguarela, nanquim, caneta e pincel.
Colecção privada.

Verão (1909).
Frank West Benson (1862-1951).
Óleo sobre tela (91,8x113 cm).
Museum of Art, Rhode Island School of Design, Providence.

Oferta de Verão (1911).
Sir Lawrence Alma-Tadema (1836-1912).
Óleo sobre painel.
Dr. George Nicholson, Oregon.

Meio-dia de Verão (1917).
Kuzma Petrov-Vodkin (1878-1939).
Óleo sobre tela (89x128,5 cm).
Russian Museum, St. Petersburg.

Manhã de Verão (1920).
Constantin Somov (1869-1939).
Óleo sobre tela.
Russian Museum, St. Petersburg.

Verão (1922).
Boris Kustodiyev (1878-1927).
Óleo sobre tela.
Tretyakov Gallery, Moscow.

Sonho de uma Noite de Verão (1939).
Marc Chagall (1887-1985).
Óleo sobre tela (117,1x88,6 cm).
Musée de Peinture et de Sculpture, Grenoble.

Verão (1985).
Jasper Johns (1930- ).
Encáustica sobre tela (190,5x127 cm).
Collection Philip Johnson.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Greve dos Correios de 1920 em Estremoz


Fig. 1 - Bilhete-postal que durante a Greve dos Correios seguiu o trajecto
LISBOA-PORTALEGRE-ELVAS-ESTREMOZ.

1. INTRODUÇÃO
Em recente artigo (1), cuja leitura vivamente aconselhamos, o nosso estimado Amigo, Senhor Eng.º Armando Vieira, relata-nos um episódio da Greve dos Correios de 1920 (2), cuja história aí se reconhece está ainda por fazer. A finalizar o seu brilhante artigo sobre este interessante período da nossa História Postal, lança um apelo aos filatelistas para examinarem as correspondências circuladas em Março de 1920, pois a correspondência processada durante o período da Greve é portadora de curiosas marcas apostas por entidades que substituíram os grevistas.

2. MARCA "ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE ELVAS"
Quis o Deus Acaso que num pequeno lote de correspondência que nos foi oferecida por mão amiga, viesse incluído um bilhete-postal (Fig. 1) processado durante o período da Greve.
O referido bilhete-postal (3) foi escrito por D. Maria do Carmo S. de Araujo, moradora na Calçada Marquês de Abrantes, 95-3º esqdº, em Lisboa, a sua amiga D. Lucrécia Rodrigues Fragoso, em Extremôz. Datado de 3 de Março de 1920 (1º dia da Greve dos Correios), foi expedido de Lisboa nesse dia, tendo recebido a flâmula obliterante então em uso na estação de Lisboa Central. A mensagem do bilhete-postal é a seguinte:

"Recebemos a sua estimada carta e as amostras.
Fomos a casa de sua Ex.ma Cunhada perguntar
por seu Ex.mo Marido e disseram-nos que já não
estava. E como veio a greve do c. de ferro, temos
estado à espera. Mas como hoje nos disseram que
seguia o correio por Portalegre, rogo-lhe a fineza
de dizer o que deseja que se faça.
Os nossos cumprimentos e creiam-nos sempre ao
seu dispor.
Sua amiga e muito obrigada
M.ª do Carmo S. de Araujo"

O bilhete-postal apresenta a marca de chegada a Estremoz (4) no dia 26 de Março de 1920, decorridos que são 23 dias sobre a sua expedição! Apresenta ainda duas marcas interessantíssimas. Uma delas, batida a azul-escuro, é da "ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE ELVAS", entidade que substituiu os grevistas elvenses e que atesta o estranho itinerário seguido pelo bilhete-postal: LISBOA - PORTALEGRE - ELVAS - ESTREMOZ. A outra marca, batida a azul esverdeado, é de numerador e tem o número 10556. Pela diferença de cores entre estas duas marcas, estamos em crer que a Associação Comercial de Elvas não numerou a correspondência por si marcada e processada durante a Greve dos Correios. Inclinamo-nos mais para esse número ser um número de ordem da folha de cartolina na respectiva remessa à Casa da Moeda, local onde foi impresso o bilhete-postal.
Está ainda por investigar o modo como foi conduzida no trajecto LISBOA-PORTALEGRE-ELVAS-ESTREMOZ, a mala postal que transportava o bilhete-postal que vimos referindo. Não podemos esquecer que a rede de transporte e permuta de malas postais estava desorganizada, uma vez que também abrangia as Ambulâncias Postais Ferroviárias e que a greve dos Caminhos de Ferro foi agravada pela Greve dos Correios.

Fig. 2 - Não podendo seguir o trajecto usual: LISBOA - BARREIRO - VENDAS NOVAS -
- TORRE DA GADANHA - CASA BRANCA - ÉVORA - ESTREMOZ, o bilhete-postal seguiu
o trajecto: LISBOA – SETIL – ENTRONCAMENTO - ABRANTES - TORRE DAS VARGENS -
 PORTALEGRE - ELVAS. Em 1920 não existia o ramal PORTALEGRE - ESTREMOZ ,
que só foi inaugurado em 21-1-1949. Por outro lado nunca houve ligação ferroviária
entre ELVAS e ESTREMOZ, pelo que entre estas duas últimas localidades,
o bilhete-postal terá tido outro meio de transporte que não o Caminho de Ferro.
Transporte Militar? Transportado pela Guarda Nacional Republicana?
Transportado por recovagem ou por um particular? Não sabemos.

Fazendo fé na mensagem do bilhete-postal, sabemos que ele seguiu no combóio Lisboa-Portalegre no primeiro dia da Greve dos Correios, na qual também participaram os funcionários das Ambulâncias Postais. A consulta do mapa dos Caminhos de Ferro Portugueses dessa época permite-nos tirar duas conclusões (Fig. 2):
- PRIMEIRA: a mala postal saída de Lisboa seguiu por Setil, Entroncamento, Abrantes, Torre das Vargens e Portalegre;
- SEGUNDA: devido à Greve dos Caminhos de Ferro, a mala postal não seguiu em direcção a Estremoz o trajecto usual: Lisboa, Barreiro, Vendas Novas, Torre da Gadanha, Casa Branca, Évora, Estremoz.
Concluído isto, põe-se a questão de saber quem conduziu a mala com o bilhete-postal entre Portalegre e Elvas. Provavelmente a Ambulância Postal que o trouxe de Lisboa e que deverá ter furado a greve. E no resto do trajecto quem conduziu a mala postal onde ia o bilhete-postal? Militares? Guarda Republicana? Particulares ? Não sabemos. É um assunto que procuraremos investigar e que se formos bem sucedidos, divulgaremos. Podemos, porém, desde já assegurar que, de Elvas para Estremoz, o bilhete-postal não seguiu pelo Caminho de Ferro, uma vez que em 1920 não existia o ramal Elvas-Estremoz, assim como também não existia o ramal Portalegre-Estremoz. Para além disso, só uma certeza temos: a marca "ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE ELVAS", batida a azul escuro, é rara.

3. A GREVE DOS CORREIOS EM ESTREMOZ
O interessante bilhete-postal da Fig. 1 levou-nos a investigar os aspectos assumidos pela Greve dos Correios em Estremoz, visando reconstituir a história local daquele período conturbado da nossa História Postal. Para o efeito socorremo-nos da imprensa local daquela época ( os semanários "O Jornal de Estremoz”e "O Eco de Estremoz”) e tentámos fazer uma cronologia da Greve (5):
3 de Março - Após a declaração da Greve Telégrafo-Postal, os empregados da estação (6) da vila (7), solidários com o movimento grevista, abandonam o serviço.
5 de Março - Foi a Estremoz o chefe dos Serviços Telégrafos-postais de Évora, sr. Alegria Vidal, que não aderiu à Greve, acompanhado do sr. Coronheiro Ramos, a fim de persuadir o pessoal de Estremoz a retomar o trabalho. Este, manteve-se firme na sua atitude grevista, tomando então conta da estação o sr. Coronheiro Ramos.
6 de Março - Foi solucionada a greve dos ferroviários, circulando já os comboios, mas mantêm-se em greve os empregados dos Correios e Telégrafos.
13 de Março - O Governo promulga o Decreto nº 6448 (Diário do Govêrno nº 51, 1ª série, 1920), pelo qual são concedidas indistintamente, aos funcionários civis do Estado, determinadas quantias, a título de "Ajuda de Custo de Vida". O funcionalismo retoma então o trabalho, com excepção da maioria dos funcionários dos serviços telégrafos-postais.

Fig. 3 - Estremoz: A estação telegrafo-postal situava-se em 1920 no primeiro andar de um
edifício do Largo da República, à direita e não visível na imagem. 

15 de Março - O pessoal dos Correios e Telégrafos resolveu retomar o trabalho, afixando na porta da entrada da estação (Fig. 3) o seguinte comunicado:
“AO PUBLICO”
“O pessoal telegrafo-postal de Estremoz, revendo "o abono de ajuda de custo da vida", concedido aos funcionários publicos, não discordando dele em absoluto e levando em conta as promessas feitas pelos ex.mos srs. Presidente da Republica e Presidente do Ministerio de que a equiparação de vencimentos será um facto logo que reabra o Parlamento, resolveu retomar o trabalho, não deixando porém de continuar a dar o seu apoio moral ao funcionalismo que ainda fica em luta para se conseguir uma ajuda de custo da vida, mais equitativa.
Estremoz, 15-III-20
O pessoal telegrafo-postal de Estremoz.”

Fig. 4 - Estremoz: Fachada do Café Águias d'Ouro
nos anos vinte do séc. XX.

16 de Março - Um dia depois de ter voltado ao serviço, o pessoal da estação de Estremoz retoma a Greve, afixando no Café Águias d'Ouro (Fig. 4) novo comunicado, desta feita com o seguinte teor:
"AO PUBLICO"
"O pessoal telegrafo-postal desta vila, por razões que expoz por escrito ao sr. Comandante da Brigada (Fig. 5), abandona hoje novamente o serviço, tomando o compromisso de voltar ao seu lugar quando, termine de facto a greve telegrafo-postal.
Garante por sua honra ter feito a distrubuição, de toda a correspondência postal existente e de possível entrega e ter deixado as comunicações telegraficas internas normais, não sendo da sua autoria as avarias existentes nas linhas.
Pelo pessoal telegrafo-postal,
Joaquim Vicente Bento
3º oficial"

Fig. 5 - Estremoz: O edifício onde nos anos 20 do séc. XX funcionava o quartel general da Brigada.

20 de Março - “O Jornal de Estremoz” relata o regresso ao trabalho dos funcionários telegrafo-postais no dia 15 e o retorno à greve a 16, "com o que a opinião pública muito se indignou".
21 de Março - "O Eco de Estremoz” relata também o regresso ao serviço dos funcionários dos Correios e Telégrafos a 15 e o reinício da greve a 16 e exclama: "Que incoerência ! Que desassombro !”Diz ainda desconhecer as razões expostas ao Comandante da Brigada.
O mesmo jornal diz ainda que os sargentos do 4º Grupo de Metralhadoras, aquartelados (Fig. 6) na vila, se ofereceram ao Comandante da Brigada, para prestar serviço na estação telegrafo-postal. Por enquanto não conseguimos apurar se estes préstimos foram ou não aceites e utilizados.

Fig. 6 - Estremoz: O quartel do 4º Grupo de Metralhadoras
situava-se no edifício onde hoje funciona a Pousada da
Rainha Santa Isabel.

24 de Março - O Governo promulga o Decreto nº 6468 (Diário do Govêrno nº 60, 1ª série, 1920), mandando proceder ao levantamento de autos de abandono de lugar ao pessoal dos Correios e Telégrafos que não esteja no exercício das suas funções.
3 de Abril - O Ministério do Comércio e Comunicações envia portarias para publicação (Diário do Govêrno nº 80, 2ª série, 1920), determinando inquéritos às responsabilidades dos funcionários dos Correios e Telégrafos nos actos de sabotagem praticados no material dos serviços, em Março de 1920. Manda ainda publicar portarias nomeando a composição das Comissões de Inquérito. São nomeadas três: uma para Lisboa, outra para o Porto e ainda outra para o resto do país. Esta última tinha por função apreciar os relatórios enviados pelos governadores civis dos diferentes distritos, elaborando por sua vez um relatório em que iria discriminar as responsabilidades dos funcionários implicados nos referidos actos de sabotagem.
“O Jornal de Estremoz” referindo-se à greve diz: "Publicamos para ficar arquivada nas colunas do nosso semanario, a resposta que o governo deu à Imprensa que a pedido daqueles funcionários, foi intermediaria para a solução dum problema que tantos e graves prejuízos deu ao paiz:
“O governo, ouvindo as considerações expostas pelos representantes da Imprensa, resolveu permitir o regresso, aos seus serviços, dos funcionarios telegrafo-postais, sem assumir com eles quaisquer compromissos, embora disposto, como o afirmou aos mesmos representantes da Imprensa, a usar da benevolência compatível com a dignidade do poder e os superiores interesses do paiz". A terminar, "O Jornal de Estremoz” crescenta: "Em face disto, os telegrafo-postais deverão retomar o trabalho até às 13 horas do dia 30 do corrente"(8).

4. À MARGEM DA GREVE
Em 1920, o Cinema, ainda nos seus primeiros passos, despertava enorme interesse pela sua quase novidade. As sessões de cinema eram mais frequentes que as peças de Teatro levadas à cena e constituíam um espectáculo de agrado popular. Vejamos como a Greve dos Correios teve reflexos negativos entre os cinéfilos de Estremoz. O "Jornal de Estremoz” referindo-se sempre ao Ciné Estremoz diz:
6 de Março - "Deve começar brevemente a exibir-se neste salão a grande e extraordinária fita MASCARA VERMELHA em 32 partes. Esta fita que tem sido corrida em muitos salões, tem feito sucesso pelo seu entrecho, scenario e guarda-roupa".
13 de Março - "Está despertando grande interesse a fita MASCARA VERMELHA, que o emprezario do cinema vai apresentar ao publico brevemente".
20 de Março - "A fita MASCARA VERMELHA, que o emprezario tem contratada e que deveria estar já a exibir-se, só o poderá ser quando haja correio de Lisboa."
Depois de tanta promoção não é de estranhar que os cinéfilos estremocenses, se outros motivos não houvesse, tenham ficado danados com a Greve dos Correios. Finalmente, o mesmo jornal continuando a referir-se ao citado salão de cinema diz:
10 de Abril - "Continua hoje e amanhã, neste salão, a correr-se a fita de grande espectáculo a MASCARA VERMELHA, terceira e quarta serie."
Daqui depreendemos que só em princípios de Abril ficou normalizada a distribuição do correio de Lisboa.
O referido jornal noticiava ainda:
10 de Abril - "Regressou de Lisboa, aonde foi escolher a fita cinematográfica, que deve ser exibida à que actualmente está sendo corrida no Ciné Estremoz, o sr. Pascoal da Graça".
Este senhor deslocou-se a Lisboa para escolher uma fita que sucedesse ao MASCARA VERMELHA, mas anteriormente não o fez para trazer consigo esta última fita, talvez porque esta já estivesse retida devido à Greve dos Correios. Pela mesma razão não deverá ter recorrido aos serviços de estafeta, que de acordo com o número de 6 de Março, do mesmo jornal, ia a Lisboa, domingos e quintas-feiras.
A propósito de ter regressado de Lisboa, o sr. Pascoal da Graça, é de salientar que na época, face à distância a percorrer e aos meios de locomoção à disposição do público, não era muito vulgar viajar até Lisboa, pelo que os dois semanários de Estremoz davam conta em todos os números dos conterrâneos que viajavam até à capital e na maioria das vezes indicavam os motivos dessa viagem.
Não só os cinéfilos estremocenses sentiram os efeitos da Greve dos Correios. Também os "vates” locais deram um ar da sua graça. Vejamos os versos em jeito de "pé quebrado", publicados a 21 de Março desse ano em "O Eco de Estremoz":

"PELA SEMANA
 
Aqui d'el-rei quem m'acode
Tenho em gréve as mioleiras,
Depenado até mais não
Tenho em gréve as algibeiras.

Quiz resolver esta gréve
Esta gréve endiabrada...
Meto a mão na algibeira
E a gréve estava furada.
 
Ficou apenas de pé
E com aspecto guerreiro
A gréve fenemonal
Dos bacharés em carteiro.
 
Na falta d'estes senhores
Dos grévistas os primeiros.
Tem a gente, por mal nosso
De fazer d'alcoviteiros.

Jorge A.Caius"


(1) - Dado à estampa no Catálogo do Salão Filatélico "Ceres", patente ao público na Escola Superior de Educação do Porto, de 28 de Fevereiro a 1 de Março de 1992.
(2) - A Greve teve lugar sobretudo entre 3 e 20 de Março de 1920, mas nalguns locais ultrapassou este período.
(3) - Bilhete-postal "Ceres", de 2 centavos, ocre, impresso em cartolina camurça, nº 61 O.M.
(4) - COPRº E TELº / ESTREMOZ. A marca é do tipo de 1880 e batida a preto. Tem a particularidade do primeiro R de CORRº estar partido, lendo-se COPRº em vez de CORRº. Aquela letra aparece já partida em correspondência datada de 1912.
(5) - Integrada no movimento grevista do funcionalismo público, a Greve dos Correios teve início a 3 de Março e visava lutar contra o aumento do custo de vida.
(6) - A estação telegrafo-postal de Estremoz ficava em 1920 situada no nº 38-1º do Largo da República.
(7) - Estremoz só foi elevada à categoria de cidade pelo decreto 12227 (Diário do Governo nº 192 - 1ª série, de 31 de Agosto de 1926).
(8) - Embora só publicada a 3 de Abril, a notícia foi redigida antes de 30 de Março.

Hernâni Matos
(O presente texto foi publicado como artigo
 “NOVO EPISÓDIO DA GREVE DOS CORREIOS DE 1920”
in Correio do Alentejo, nº 5, Estremoz, Setembro de 1993.)
Publicado inicialmente neste blogue a 24 de Julho de 2012

sábado, 21 de julho de 2012

Santos de Julho


RAINHA SANTA ISABEL
Aguarela de Alberto de Souza (1880-1961)

Para a Igreja Católica, o calendário litúrgico de Santos do mês de Julho, é o seguinte:
1 de Julho – Dia de Nossa Senhora do Bom Sucesso.
3 de Julho – Dia de São Tomé, apóstolo.
4 de Julho - Dia da Rainha Santa Isabel (1271-1336), infanta aragonesa, mulher do rei D. Dinis. Ingressou na História com a fama de Santa, tendo sido beatificada e posteriormente canonizada.
5 de Julho - Dia de Antonio Maria Zaccaria (1502-1539), médico e padre católico italiano, fundador da Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo (Barnabitas) e da Congregação das Freiras Angélicas de São Paulo. Proclamado Santo pelo Papa Leão XIII, em 1897.
6 de Julho - Dia de Maria Goretti (1890-1902), virgem e mártir.
7 de Julho - Dia do Papa Adriano III (? –885), canonizado por decreto de Leão XIII, de 2 de Dezembro de 1891.
8 de Julho - Dia do Papa Eugénio III (1100-1153), beatificado em 1872. Defensor da Igreja contra os invasores turcos, iniciou a construção do Palácio Pontifício.
9 de Julho - Dia de Santa Paulina (1865-1942), canonizada em 19 de Maio de 2002 pelo Papa João Paulo II.
10 de Julho - Dia de Santo Olavo (995-1030), rei e padroeiro da Noruega e um dos poucos santos de origem norueguesa, reconhecidos pela Igreja Católica.
11 de Julho - Dia de São Bento, padroeiro dos mosteiros e fundador da Ordem Beneditina.
12 de Julho - Dia de São João Gualberto (995-1073), religioso italiano, beneditino, fundador da Congregação dos Valombrosanos.
13 de Julho - Dia de Henrique II da Baviera (972-1024), grande consolidador das relações entre o Estado e a Igreja, canonizado em Julho de 1147 pelo Papa Clemente II. Dia de Teresa dos Andes (1900-1920), monja carmelita chilena, beatificada pelo Papa João Paulo II, no dia 13 de Abril de 1987, em Santiago do Chile. Foi canonizada pelo mesmo Papa, na Basílica de São Pedro, no dia 21 Março de 1993 e por ele proposta como um modelo para a juventude. Dia de Nossa Senhora da Rosa Mística.
14 de Julho - Dia de São Camilo de Lellis (1550-1614), religioso italiano, fundador da Ordem dos Ministros dos Enfermos (Camilianos) e protector dos enfermos e dos hospitais. Dia de São Francisco Solano (1549-1606), frade franciscano canonizado pelo Papa Bento XIII em 1726.
15 de Julho - Dia de São Boaventura (1221-1274), filósofo e teólogo escolástico medieval que pertenceu à Ordem dos Frades Menores e foi cardeal de Albano. Canonizado em 1482 e proclamado Doutor da Igreja em 1588 com o título de Doutor Seráfico.
16 de Julho - Dia de Nossa Senhora do Carmo.
17 de Julho - Dia de Santa Marcelina (327-397), virgem. Dia do Beato Inácio de Azevedo (1526/27-1570), religioso e dos Quarenta Mártires do Brasil, beatificados pelo Papa Pio IX em 11 de Maio de 1854.
18 de Julho - Dia de Santo Arnoldo (582- 641), nobre franco que teve grande influência nos reinos merovíngios como bispo, sendo depois canonizado como santo. É considerado o santo patrono dos cervejeiros.
20 de Julho - Dia de Santa Margarida de Antioquia (275-290), virgem e mártir.
21 de Julho - Dia de São Lourenço de Brindisi (1559-1619), membro da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Beatificado em 1783 pelo Papa Pio VI, canonizado em 1881 pelo Papa Leão XIII e proclamado Doutor da Igreja em 1959 pelo Papa João XXIII com o nome de Doctor Apostolicus.
22 de Julho - Dia de Maria Madalena, uma das discípulas mais dedicadas de Jesus Cristo.
23 de Julho – Dia de Santa Brígida (1303-1373), religiosa sueca, escritora, teóloga, fundadora da Ordem do Santíssimo Salvador e Padroeira da Suécia, canonizada a 7 de Outubro de 1391 por Bonifácio IX.
25 de Julho - Dia de São Cristóvão, reverenciado como um dos catorze santos auxiliares, patrono de atletas, marinheiros, barqueiros e viajantes. Ele é reverenciado como um dos catorze santos auxiliares. Dia de São Tiago, apóstolo, filho de Zebedeu e Salomé, e irmão do apóstolo São João Evangelista. Santo protector de cavaleiros, peregrinos, camionistas, chapeleiros, fabricantes de peles, tanoeiros, farmacêuticos, alquimistas, veterinários, etc.
26 de Julho - Dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Nossa Senhora. Dia de São Pantaleão de Nicomédia, que viveu no século IV. Sendo um dos catorze santos auxiliares, é patrono dos médicos e nessa qualidade é invocado contra o cancro e a tuberculose.
27 de Julho - Dia de Santa Bartoloméia (1807-1833), fundadora da orden religiosa das Irmãs da Caridade de Lovere (Itália).
29 de Julho - Dia de Santa Marta, irmã de Maria e de Lázaro, da aldeia de Betânia, uma das mulheres que acompanharam Jesus no calvário e na ressurreição. Dia de Nossa Senhora da Ajuda.
30 de Julho - Dia de Pedro Crisólogo (406-451), bispo e doutor da Igreja, proclamado Doutor da Igreja em 1729 pelo Papa Bento XIII. Dia de Santa Maria de Jesus Sacramento Venegas (1868-1959), fundadora do Instituto das Filhas do Sagrado Coração de Jesus. Dia de São Leopoldo Mandic (1866-1942).
31 de Julho - Dia de Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 21 de Julho de 2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Não vejo senão canalha…

O painel de apresentação do livro era constituído (da esquerda para a direita)
por Hernâni Matos, José Movilha (autor de “Escrito na Cal”), Guiomar Morais
(professora da UCA) e Emídio Lourenço (Presidente da UCA).
(Fotografia de Luís Figueiredo)

“Escrito na cal”, romance do escritor estremocense José Movilha, editado pela “Monóculo”, foi apresentado no passado sábado, 14 de Julho, pelas 11 horas na Casa de Estremoz. O evento no qual participaram cerca de sete dezenas de pessoas, terminou com uma sessão de autógrafos. Tratou-se de uma iniciativa da Biblioteca Municipal de Estremoz, que contou com o apoio do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal.
O painel de apresentação do livro era constituído por Hernâni Matos, Guiomar Morais (professora da UCA – União de Cultura e Acção, de Santa Iria da Azóia), Emídio Lourenço (Presidente da UCA) e José Movilha (autor de “Escrito na Cal”), os quais intervieram por esta sequência.
O livro tem a particularidade de a maioria da acção se desenrolar em Estremoz, designada por “Vila de Gadanha”, nos anos 30 do século XX. Na época, Portugal vivia amordaçado pela ditadura, pela fome e pela doença. O povo sonhava com liberdade e igualdade e por elas lutava. O livro dá conta dessa luta.
O título da obra resulta de um dos capítulos do livro. Na vila de Gadanha, um grupo de oposicionistas ao regime, reúne-se numa casa da antiga rua dos Judeus, perto da igreja de Santiago.
Na reunião é feita uma caracterização da situação política e da luta desenvolvida e a desenvolver, sendo deliberado escrever na cal das paredes da Tapada Grande, exigindo a Libertação do ganhão Jaime da Manta Branca, preso às ordens do regime por ser poeta e homem livre no pensamento e na acção. É que o latifundiário D. Albuquerque Salcedo, bem comido e bem bebido, em súcia com amigos e outras gentes de Lisboa, mandara chamar o ganhão Jaime da Manta Branca, poeta popular afamado, para o divertir a ele e aos amigos. Jaime pensou desde logo em dizer umas décimas que dessem voz aqueles que são explorados no dia a dia para sustentar a ostentação e riqueza de alguns. Disse então as bem conhecidas décimas sujeitas ao mote:

Não vejo senão canalha
De banquete p’ara banquete,
Quem produz e quem trabalha
Come açordas sem “azête".

Em tom narrativo, semeado aqui e além de diálogos entre personagens, o autor utiliza uma linguagem fotográfica, rigorosa e certeira, rica no regionalismo do seu vocabulário e que incorpora na sua textura, património da tradição oral, tal como adágios, quadras e décimas que são postas na boca de alguns personagens, servos da gleba, como o ganhão-poeta Jaime da Manta Branca, com elevada consciência de classe, que se levantou do chão quando disse o que disse.
Através da narração, José Movilha revela-se profundo conhecedor da História e dos usos e costumes do Alentejo, bem como das práticas agro-pastoris cujo registo faz no seu livro. Estas, tal como as relações de produção entre senhores da terra e servos da gleba, eram ainda no Alentejo nos anos sessenta do séc XX, as mesmas que as descritas nas “Geórgicas” pelo poeta romano Virgílio, filho de agricultor que viveu entre os anos 70 e 19 antes de Cristo.
Com este seu romance, José Movilha, assentou arraiais na praça das Letras Lusitanas, o que muito nos congratula e nos honra, por ser um escritor alentejano e estremocense que resistiu e lutou com as armas da razão, com o verbo fácil, mas certeiro, tal como a poesia do poeta-ganhão Jaime da Manta Branca.
Através deste seu romance com R grande, José Movilha revela-se o repórter duma época de luta pelo trabalho, pela paz, pela liberdade, pela habitação, pela educação, o que só foi conseguido com “As portas que Abril abriu” e que se estão de novo a fechar.
O livro “Escrito na cal” vale por si, graças ao mérito de josé Movilha. Todavia, ele fortalece-se fruto da consonância daqueles que sentem o mesmo pulsar do Universo.
O Jaime da Manta Branca, o Chico, o Leonardo, o dr. Guido, o Cacheirinha ou o Arrobas, personagens reais da Vila de Gadanha, não têm uma caracterização inferior à das personagens saramaguianas. Sou levado a dizer ao autor:
- Companheiro! Tu não precisas de marketing, nem de Fundação. Tu falas com a força das braguilhas dum povo que desde sempre tem feito para se levantar do chão. À laia de Fernão Lopes e com cronistas como tu, oh meu cronista alentejano da diáspora de Santa Iria da Azóia, havemos de consegui-lo.
Que “Escrito na cal” seja o primeiro de muitos outros romances onde se historie e exalte a luta do Homem por um mundo melhor, mais livre, mais justo, mais solidário e mais fraterno.
No decurso da apresentação de “Escrito na cal” foi entregue ao seu autor, José Movilha, um boneco de Estremoz, criado pelas Irmãs Flores e que é uma alegoria no barro ao seu romance. Tratou-se dum testemunho dos estremocenses como preito de reconhecimento pelo seu trabalho, que muito nos honra. O boneco representa o ganhão Chico a escrever na cal a palavra LIBERDADE, exigindo a libertação do ganhão-poeta Jaime da Manta Branca.
E como a Vila de Gadanha nos prende com os seus encantos, na sequência de apresentação do livro de José Movilha, trinta e seis convivas foram presos até ao restaurante “Cadeia Quinhentista”, onde apreciaram os saberes e os sabores da gastronomia alentejana, que ali se podem usufruir duma maneira ímpar. Daqui felicitamos vivamente o Senhor João Simões e toda a sua equipa, pela qualidade do serviço prestado, o qual deve ser realçado. Depois de uma bela manhã literária, a gastronomia da “Cadeia Quinhentista” foi “ouro sobre azul”. Dali fomos até ao Museu Municipal, numa visita guiada destinada a reforçar a nossa identidade cultural e que foi excelentemente conduzida por uma funcionária de serviço. Ficou-nos a vontade de voltar mais e mais vezes, para conhecermos mais em profundidade, aquilo que nos toca o fundo da nossa alma alentejana: bonecos de Estremoz, olaria, arte pastoril, etc., etc.


Um aspecto da assistência.
(Fotografia de Luís Figueiredo) 
 Outro aspecto da assistência.
(Fotografia de Luís Figueiredo)
José Movilha ao receber uma alegoria ao seu romance, perpetuada
nos bonecos de Estremoz, pelas barristas Irmãs Flores.
(Fotografia de Luís Figueiredo)
Escrito na cal - Boneco de Estremoz, criado pelas Irmãs Flores.
(Fotografia de Luis Figueiredo)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Escrito na cal


ESCRITO NA CAL
 Boneco de Estremoz, criado pelas Irmãs Flores
(Fotografia de Luis Figueiredo) 

É como se chama o novo boneco de Estremoz, criado a meu pedido pelas afamadas barristas estremocenses Irmãs Flores. A designação do boneco provém do título do romance “Escrito na cal”, da autoria do escritor estremocense José Movilha e foi-lhe oferecido em nome de admiradores estremocenses, quando da apresentação do seu livro, na Casa de Estremoz, no passado dia 14 de Julho.
O boneco representa o ganhão Chico a escrever na cal a palavra LIBERDADE. Vejamos porquê, para o que teremos que nos basear no romance de José Movilha.
Alentejo dos anos 30 do século XX. Na vila de Gadanha, um grupo de oposicionistas ao regime, reúne-se numa casa da antiga Rua dos Judeus, perto da igreja de Santiago.
Na reunião é feita uma caracterização da situação política e da luta desenvolvida e a desenvolver, sendo deliberado escrever na cal das paredes da Tapada Grande, exigindo a Libertação do ganhão-poeta Jaime da Manta Branca, preso às ordens do regime por ser poeta e homem livre no pensamento e na acção. É que o latifundiário D. Albuquerque Salcedo, bem comido e bem bebido, em súcia com amigos e outras gentes de Lisboa, mandara chamar o ganhão Jaime da Manta Branca, poeta popular afamado, para o divertir a ele e aos amigos. Jaime apresentou-se já sem chapéu para não ter que se humilhar diante daquela gente e pensou desde logo em dizer umas décimas que dessem voz aqueles que são explorados no dia a dia para sustentar a ostentação e riqueza daquela corja. Disse as bem conhecidas décimas sujeitas ao mote:

NÃO VEJO SENÃO CANALHA
DE BANQUETE PARA BANQUETE,
QUEM PRODUZ E QUEM TRABALHA
COME AÇORDAS SEM "AZÊTE"

Ainda o que mais me admira
E penso vezes a miúdo: (1)
Dizem que o Sol nasce para tudo
Mas eu digo que é mentira.
Se o pobrezinho conspira
O burguês com ele ralha,
Até diz que o põe à calha (2)
Nem à porta o pode ver.
A não trabalhar e só comer
NÃO VEJO SENÃO CANALHA!

Quem passa a vida arrastado
Por se ver alegre um dia,
Logo diz a burguesia
Que é muito mal governado,
Que é um grande relaxado,
Que anda só no bote e "dête". (3)
Antes que o pobrezinho "respête" (4)
Tratam-no sempre ao desdém
E vê-se andar, quem muito tem,
DE BANQUETE PARA BANQUETE.

É um viver tão diferente
Só o rico tem valor.
E o pobre trabalhador
Vai morrendo lentamente.
A fraqueza o põe doente
E a miséria o atrapalha;
Leva no peito a medalha
Que ganhou à chuva e ao vento
E morre à falta de alimento
QUEM PRODUZ E QUEM TRABALHA

Feliz de quem é patrão
E pobre de quem é criado
Que até dão por mal empregado
O poucochinho que lhe dão.
Quem semeia e colhe o pão
Não tem aonde se "dête", (5)
Só tem quem o "assujête" (6)
Para que toda a vida chore,
E em paga do seu suor
COME AÇORDAS SEM "AZÊTE" "

ANOTAÇÕES:
(1) a miúdo – a miúde.
(2) à calha – na rua.
(3) no bote e dête – nos copos respête – respeite
(5) dête - deite
(6) assujête – assugeite, subjugue.

BIBLIOGRAFIA
MOVILHA, José A. Escrito na cal. Monóculo. Lisboa, Junho de 2012.