quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Estremoz - Tipos populares do Mercado


O amola-tesouras Paulino no Mercado de Estremoz, nos anos 60
do séc. XX. Foto de Margarida Ribeiro.

Nos anos sessenta do séc. XX, na zona do mercado de sábado, o Rossio Marquês de Pombal em Estremoz era palco da acção dos mais diversos tipos de vendedores e prestadores de serviços:
- Cauteleiros como o Saragoça, o Cartolinha ou o Zé Guilherme que prometiam a sorte grande, que algumas vezes venderam;
- Poetas populares como o Miguel Gordinho de Santiago de Rio de Moinhos, que por ali vendia folhinhas com os seus versos;
- Amola-tesouras como o Paulino, de Santiago, com a sua bicicleta devidamente apetrechada com pedra de amolar giratória, caixa de ferramentas diversas que lhe permitiam além de amolar tesouras e facas, reparar guarda-chuvas danificados, umas vezes pelos rigores do tempo, outras pela incúria dos proprietários;
- Soldadores como o Jerónimo ou o Laureano, também de Santiago, que punham pingos e fundos. Eles arranjavam vasilhame metálico furado ou danificado pelo uso. Umas vezes bastavam uns pingos de solda ou um remendo. Porém, outras vezes era necessário um fundo ou uma asa nova. Por vezes também punham “gatos” em objectos de loiça que se tinham partido: alguidares, travessas de ir à mesa e mesmo penicos. Como eu gostava de os ver trabalhar! Era sempre um acto pautado por muita paciência e cuidado, que mais lembrava uma operação cirúrgica de reconstrução. E no fim, lá tínhamos o alguidar, a travessa ou o penico, que como Fénixes renascidas, retomavam a função que lhes estava destinada;
- Vendedores da banha de cobra, junto à fonte do Sátiro;
- Vendedores ambulantes de roupas e bugigangas, como o Painho, sem dúvida o maior fala-barato que conheci, mestre em “palheta” que usava em profusão para convencer os compradores mais hesitantes. O seu proscénio era a também a zona do Sátiro. De resto, mais comedido, por ali actuava também o Bravinho, de Borba;
- Engraxadores junto ao Posto da Polícia de Viação e Trânsito. Entre eles o Xico Gago e o filho Menino João, bem como o Algarvio e o Caelhas;
- Moços de fretes como o Dário, o Cereja e o Algarvio, que transportavam a bagagem a passageiros dos autocarros do João Cândido Belo, acabados de chegar à estação do Rossio;
- Aguadeiros como a "Espanhola", cuja proximidade era providencial no Verão, quando o calor sufocante, nos encortiçava a boca e ameaçava derreter os miolos.


 O poeta popular Miguel Gordinho vendendo folhas de versos no
Mercado de Estremoz, nos anos 60 do séc. XX. Foto de Margarida Ribeiro.

 A aguadeira "Espanhola" no Mercado de Estremoz, nos anos 60 do séc. XX.
Foto de Margarida Ribeiro.

sábado, 5 de novembro de 2011

Provérbios de Novembro


O Mês de Novembro (c. 1510). Gerard Horenbout  (c. 1465–1541).
Breviário Grimani (28 cm x 21,5 cm). Biblioteca Nazionale Marciana, Venice.

De salientar que os  provérbios de Novembro são o reflexo do calendário agro-pastoril, que nos códices medievais e renascentistas, para além dos símbolos astrológicos e zodiacais, aparecem ilustrados com cenas de engorda de porcos.

- As geadas de São Martinho levam a carne e o vinho.
- De Santa Catarina ao Natal, bom chover e melhor nevar.
- De Santos ao Natal é bom chover e melhor nevar.
- De Santos ao Natal perde a padeira o cabedal.
- De Santos ao Natal, ou bem chover ou bem nevar.
- De Todos-os-Santos ao Advento, nem muita chuva nem muito vento.
- De Todos-os-Santos ao Natal, bom é chover e melhor nevar.
- De Todos-os-Santos ao Natal, bom é chover e melhor nevar.
- De Todos-os-Santos ao Natal, perde a padeira o capital.
- De Todos-os-Santos ao Natal, perde a padeira o natural.
- De Todos-os-Santos até ao Natal, perde a padeira o cabedal.
- Depois dos Santos, neve nos campos.
- Dia de Santo André quem não tem porco mata a mulher.
- Dia de Santo André, porcos pelo pé.
- Dia de São Martinho prova o teu vinho.
- Dia de São Martinho, castanhas e vinho.
- Dia de São Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
- Dia de São Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Dia de São Martinho, mata o teu porco e prova o teu vinho.
- Dia de São Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
- Dos Santos ao Advento, nem muita chuva nem muito vento.
- Dos Santos ao Natal é bom chover e melhor nevar.
- Dos Santos ao Natal é Inverno natural.
- Dos Santos ao Natal perde a padeira o cabedal.
- Dos Santos ao Natal, Inverno geral.
- Dos Santos ao Natal, Inverno natural.
- Dos Santos ao Natal, perde o marinheiro o cabedal.
- Em dia de Santo André, o tremoço não está, nem na saca, nem no pé.
- Em dia de Santo André, quem não tem porco que mate, amarra a mulher pelo pé.
- Em dia de São Martinho semeia os teus alhos e prova o teu vinho.
- Em dia de São Martinho vai à adega, prova o vinho e faz o teu magustinho.
- Em Novembro põe tudo a secar que pode o sol não voltar.
- Em São Martinho tapa o teu portalzinho, ceva o teu porquinho e fura o pipinho.
- Em São Martinho, mata o teu porco, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de Santo André diz o porco, quié-quié.
- No dia de Santo André vai à esquina e traz o porco pelo pé.
- No dia de Santo André, pega o porco pelo pé; se ele disser quié-quié, diz-lhe que tempo é; se ele disser que tal-que tal, guarda-o para o Natal.
- No dia de Santo André, quem não tem porco mata a mulher.
- No dia de São Martinho fura o teu pipinho.
- No dia de São Martinho mala o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho mata o porquinho, abre o pipinho, põe-te mal com o teu vizinho.
- No dia de São Martinho mata o teu porco, chega-te ao lume, assa as castanhas e bebe o teu vinho.
- No dia de São Martinho, castanhas, lume e vinho.
- No dia de São Martinho, fecha a adega e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho, mata o porco e prova o teu vinho.
- No dia de São Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.
- No dia de São Simão, semear, sim, marear, não.
- No São Florêncio, o Inverno vai-se ou volta.
- No São Martinho, fura o teu pipinho.
- Novembro à porta, geada na horta.
- Novembro é quente no começo e frio no fim.
- Novembro pelos Santos, neve nos campos.
- Novembro põe tudo a secar, pode o sol não tornar.
- Novembro, ou bem chover ou bem nevar.
- Novembro, semear.
- Novembro, semear; Dezembro, nascer.
- O Verão de São Martinho começa no Todos-os-Santos.
- O Verão de São Martinho, a vareja de São Simão e a cheia de Santos são três coisas que nunca faltaram nem faltarão.
- Outubro, Novembro e Dezembro, não busques o pão no mar, mas torna ao teu celeiro e abre teu mealheiro.
- Outubro, Novembro e Dezembro, não busques o pão no mar.
- Pelo Santo André (30/11) agarra o porco pelo pé.
- Pelo Santo André (30/11), neve no pé.
- Pelo São Martinho abatoca o pipinho.
- Pelo São Martinho abatoca o teu vinho.
- Pelo São Martinho bebe o bom vinho e deixa a água para o moinho.
- Pelo São Martinho deixa a água para o moinho.
- Pelo São Martinho larga o soitinho.
- Pelo São Martinho mata o porquinho, prova o teu vinho e não te esqueças do teu vizinho.
- Pelo São Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.
- Pelo São Martinho prova o teu vinho, larga o soito e mata o porquinho.
- Pelo São Martinho prova o teu vinho; ao cabo de um ano já te não faz dano.
- Pelo São Martinho prova teu vinho.
- Pelo São Martinho semeia o teu cebolinho, que o meu já está nascidinho.
- Pelo São Martinho, lume, castanhas e vinho.
- Pelo São Martinho, mata teu porco e bebe teu vinho.
- Pelo São Martinho, nem nado, nem no cabacinho.
- Pelo São Martinho, semeia fava e linho.
- Pelo São Martinho, semeia o teu cebolinho.
- Pelos Santos, favas por todos os cantos.
- Pelos Santos, neve nos campos.
- Por Santo André o Sete-Estrelo posto é.
- Por Santos semeia trigo e colhe cardos.
- Por São Clemente, alça a mão da semente.
- Por São Martinho mata o teu porco e prova o teu vinho.
- Por São Martinho semeia o teu linho.
- Por São Martinho, nem favas nem vinho.
- Por São Martinho, prova teu vinho.
- Por São Martinho, semeia fava e linho.
- Por São Martinho, todo o mosto é bom vinho.
- Por Todos-os-Santos, semeia trigo, colhe castanhas.
- Por Todos-os-Santos, neve nos campos.
- Por Todos-os-Santos, semeia trigo e colhe cardos.
- Se em Novembro ouvires trovão, o ano que vem será bom.
- Se o Inverno não erra caminho, tê-lo-ei pelo São Martinho.
- Se o Inverno não erra o caminho, cá virá no São Martinho.

Publicado inicialmente a 5 de Novembro de 2011


NOVEMBRO (SIGNO SAGITÁRIO, de acordo com o painel). Painel de azulejos encimado
pela designação  latina do mês e pelo respectivo Signo de Zodíaco, encerrado num círculo. 
Representa o abate de árvores para cortar lenha para o próximo Inverno. Sala 106 da
Universidade de Évora, antigo Colégio do Espírito Santo, inaugurado em 1553.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Novembro, mês da engorda


Novembro (1412-1416). Irmãos Limbourg (370/80–1416). Les très riches heures
du Duc de Berry. Manuscript (Ms. 65), 294 x 210 mm. Musée Condé, Chantilly.

Novembro é o décimo-primeiro mês do ano no calendário gregoriano e juliano. Tem a duração de 30 dias. A sua designação provém do étimo latino novem (nove), uma vez que era o nono mês do calendário romano, que começava em Março.
Novembro, em astrologia, começa com o trópico astrológico oeste, com o Sol no signo de Escorpião e termina no signo de Sagitário.
Em astronomia, o Sol começa na constelação de Balança, passa através da constelação de Escorpião cerca de 24 a 29 e termina na constelação de Ophiuchus, que é a única constelação zodiacal, não associada a qualquer signo astrológico.
No calendário republicano francês, Novembro correspondia aos meses de Brumário [(Brumaire) - 22 de Outubro a 20 de Novembro] e Frimário [(Frimaire): 21 de Novembro a 20 de Dezembro].
No antigo calendário japonês, Novembro é denominado Shimo-tsuki (11º mês), que para os japoneses é o mês da geada.
Novembro é um mês de Outono no Hemisfério Norte e de Primavera no Hemisfério Sul. Por isso, Novembro no Hemisfério sul é o equivalente sazonal de Maio no Hemisfério Norte e vice-versa.
Novembro começa no mesmo dia da semana que Fevereiro em anos comuns e Março em todos os anos. Novembro termina no mesmo dia da semana em Agosto de cada ano. Novembro começa no mesmo dia da semana que Junho do ano anterior em anos comuns e Setembro e Dezembro do ano anterior, em anos bissextos. Novembro termina no mesmo dia da semana que Março e Junho do ano anterior em anos comuns e Setembro do ano anterior em anos bissextos.
Os signos do Zodíaco correspondentes ao mês de Novembro são:
- Escorpião (23 de Outubro - 22 de Novembro)
- Sagitário (23 de Novembro – 21 de Dezembro)
A pedra zodiacal de Novembro é o topázio e a flor é o crisântemo.
Como noutros meses há datas especiais a assinalar, sob a forma de Dias Nacionais, Internacionais e Mundiais:
01 de Novembro - Dia de Todos os Santos
01 de Novembro - Dia da Luta Contra o Cancro
02 de Novembro - Dia de Finados
05 de Novembro - Dia Mundial do Cinema
06 de Novembro - Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em Tempos de Guerra e Conflito Armado)
08 de Novembro - Dia Europeu da Alimentação e da Cozinha Saudáveis
09 de Novembro - Dia Internacional contra o Fascismo e o Anti-Semitismo
10 de Novembro - Dia Mundial da Ciência para a Paz e Desenvolvimento
11 de Novembro - Dia de São Martinho
11 de Novembro - Dia do Armistício
14 de Novembro - Dia Mundial da Diabetes
15 de Novembro - Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa
16 de Novembro - Dia Internacional para a Tolerância
16 de Novembro - Dia Nacional do Mar
17 de Novembro - Dia Nacional do Não Fumador
18 de Novembro -  Dia Europeu da Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual
19 de Novembro - Dia Internacional do Homem
20 de Novembro - Dia da Industrialização da África
20 de Novembro - Dia Universal da Criança
21 de Novembro - Dia Mundial da Televisão
21 de Novembro - Dia Europeu da Fibrose Quística
24 de Novembro - Dia Nacional da Cultura Científica
25 de Novembro - Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres
29 de Novembro - Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina
3ª quarta-feira de Novembro - Dia Mundial das Doenças Pulmonares Obstrutivas Crónicas
3ª quinta-feira de Novembro - Dia Mundial da Filosofia
3º domingo de Novembro - Dia Mundial da Memória das Vítimas de Acidentes da Estrada
Em Novembro não há feriados nacionais, uma vez que o governo português, por imposição da troika, eliminou do calendário, de 1913 até 1917, inclusive, os tradicionais feriados de Corpo de Deus, 5 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro. Todavia, mantêm-se os seguintes feriados municipais
6 de Novembro - Boticas, Paços de Ferreira, Rio Maior, Valpaços (Criação do Município)
11 de Novembro - Alijó, Meda, Penafiel, Pombal, Torres Vedras (São Martinho)
19 de Novembro -  Odivelas, Trofa (Criação do Município)
23 de Novembro - Gavião (Foral manuelino)
24 de Novembro - Entroncamento (Criação do Município)
24 de Novembro - Sines (Elevação a Vila)
25 de Novembro - Calheta (Santa Catarina)
27 de Novembro - Guarda (Foral de D. Sancho I)
30 de Novembro - Mesão Frio (Santo André)
O calendário litúrgico da Igreja Católica é o seguinte:
01 – Todos os Santos.
02 – Todos os Finados.
03 - São Martinho de Porres; São Humberto de Liège; Santa Sílvia.
04 - São Carlos Boromeu. Bispo.
05 - São Zacarias; Santa Isabel; Santa Bertila; Beato Guido Maria Conforti.
06 - São Leonardo de Noblac; Beato Nuno Álvares Pereira.
07 - São Prosdócimo; São Wilibrordo; Beato Francisco Palau, Confessor; 
08 - São Godofredo; Cinco Santos Escultores Mártires.
09 - Santo Orestes: São Teodoro Mártir; Beata Elisabete da Trindade Catez.
10 - São Leão Magno, Papa e Doutor; Santo André Avelino.
11 - São Martinho de Tours.
12 - São Josafat Kuncewicz, bispo e mártir.
13 - Santo Estanislau Kostka; São Diogo de Alcalá; Beato Eugênio Bossilkov.
14 - Santo Serapião.
15 - Santo Alberto Magno, bispo e doutor; São Leopoldo III.
16 - Santa Gertrudes; Santa Margarida.
17 - Santa Isabel da Hungria,religiosa.
18 - Santo Frediano; São Romão;
19 - São Roque Gonzáles e companheiros; São José José Kalinowski.
20 - São Félix de Valois; Santo Edmundo.
21 - São Gelásio I, Papa.
22 - Santa Cecília; Beato Tomás Reggio.
23 - Santo Clemente I, papa e mártir; Santa Felicidade e sete irmãos; Santo Columbano, religioso.
24 - Santo André Dung-Lac.
25 - Santa Catarina de Alexandria; São Pedro Bispo de Alexandria.
26 - São Leonardo de Porto Maurício; Santo Humilde de Bisignano.
27 - Santo Virgílio; Santa Catarina Labour.
28 - São Tiago das Marcas.
29 - São Saturnino de Toulouse. 
30 - Santo André, Apóstolo.
De salientar que os  provérbios de Novembro são o reflexo do calendário agro-pastoril, que nos códices medievais e renascentistas, para além dos símbolos astrológicos e zodiacais, aparecem ilustrados com cenas de engorda de porcos. 
  
Publicado inicialmente em 4 de Novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Dia de Todos-os-Santos


Regresso do "Pão por Deus" (1-11-1930).
Fotografia de autor desconhecido, recolhida "on line".


DIA DE TODOS-OS-SANTOS
O dia de Todos-os-Santos é celebrado pela Igreja Católica como uma festa em honra de todos os santos e mártires, conhecidos e desconhecidos.
No Alentejo, no dia de Todos-os-Santos, era ainda tradição nos anos sessenta-setenta do século passado, as crianças juntarem-se em pequenos grupos e andarem pelas ruas, de porta em porta, para “Pedir os Santinhos”. Naturalmente que só batiam às portas das casas mais abastadas ou julgadas como tal. Quando eram bem sucedidos e eram-no em geral, recebiam pão, bolos, maçãs, romãs, castanhas, nozes, amêndoas, etc. Eram oferendas que guardavam religiosamente nos seus talegos, nos quais as transportavam para as suas casas, onde ajudavam a mãe e o pai a fazer frente às duras condições de vida da esmagadora maioria dos intervenientes. Alguns desempregados, outros com empregos de miséria e outros ainda sujeitos à sazonalidade dos ciclos agrícolas de produção. Quanto aos ofertantes alguns eram-no por espírito de caridade cristã. Todavia, alguns imbuídos de espírito mais laico, faziam-no por espírito de solidariedade.
Uma tal tradição remonta a Lisboa no ano de 1756, um ano após o devastador terramoto que destruiu Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755 e em que morreram milhares de pessoas, pelo que a população na sua maioria pobre, mais pobre ficou ainda.
A coincidência da data do terramoto com a data de 1 de Novembro, com significado religioso, conduziu a que sectores da população, aproveitando a solenidade do dia, tenham desencadeado, por toda a cidade, um peditório, visando atenuar a situação miserável em que se encontravam. Para tal, percorriam a cidade, batiam às portas e pediam esmola, mesmo que fosse pão, visto reinar a fome pela cidade. Pediam então: "Pão por Deus". Tal tradição perpetuou-se no tempo e propagou-se a todo o país, assumindo cambiantes em cada local. Todavia, a tradição está praticamente extinta desde os anos oitenta do século passado. Actualmente, os média, pressionados e distorcidos pelo peso globalizante da cultura anglo saxónica, ignoram completamente tradições como “Pedir os santinhos” e enfiam-nos pela casa dentro e pelas cachimónia abaixo, tradições como o “Halloween”, que nada têm a ver com a nossa identidade cultural.

A TRADIÇÃO ORAL
O dia de Todos-os-Santos está registado no adagiário português, onde são conhecidas máximas como as seguintes:

- “De Todos os Santos até ao Natal, perde a padeira o cabedal.” [4]
- “Pelos Santos, novos esquecem velho.” [4]
- “Por Todos os Santos semeia trigo, colhe cardos.” [1]
- “Por Todos os Santos, a neve nos campos.” [1]

A nível de cancioneiro popular, o dia de Todos-os-Santos é uma data grata para alguns:

“Dia de Todos os Santos
É que eu comecei a mar:
Quem com Santos principia
Com Santos deve acabar.” [3]

O Peditório do “Pão por Deus” está igualmente assinalado no cancioneiro popular:

“Bolinhos, Bolinhós,
Para mim e para vós,
Pelos vossos finados
Que estão enterrados
Ao pé da vera cruz
Para sempre. Amem, Jesus.
Truz; truz; truz.” (Coimbra) [2]

LONGE VÁ O AGOIRO
Faço votos para que nas condições duras que o país atravessa, não tenham muitos que recorrer ao Peditório do “Pão por Deus”, para conseguir fazer face às dificuldades diárias numa sociedade madrasta que alguns teimam em fazer retroceder no tempo.

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[2] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Cancioneiro Popular Português. Volume III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra,1983.
[3] – THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progresso. Elvas, 1902.
[4] - ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1841.

ROSSIO E HOSPITAL REAL DE TODOS-OS-SANTOS
Painel de azulejos de oficina de Lisboa, da 1ª metade do século XVIII (114 cm x 348 cm) existente no Museu da Cidade, Lisboa. No primeiro plano, tipos populares comercializam bens de consumo. No lado esquerdo é representado o Chafariz de Neptuno, equiparado ao dedicado a Apolo, existente no Terreiro do Paço.
O Hospital Real de Todos-os-Santos tinha fachada virada para o Rossio. Mandado erigir por D. João II em 1492, a sua construção só terminou no reinado de D. Manuel I, nos primeiros anos do século seguinte. Edifício de vanguarda na época, acolheu os primeiros internamentos em 1502 e o número de enfermarias foi crescendo ao longo do tempo: 3 (1504), 16 (1520) e 25 (1715).
O Hospital Real de Todos-os-Santos foi desactivado na sequência do Terramoto de 1755, ocorrido a 1 de Novembro desse ano, o qual foi responsável pela destruição quase completa da cidade de Lisboa.

Publicado inicialmente a 2 de Novembro de 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Estremoz - Mercado das hortaliças

Estremoz - Mercado das hortaliças
Fotografia de Rui Alves

Nos anos sessenta do século XX, o mercado das hortaliças, decorria como hoje nas duas placas de calçada à portuguesa, existentes frente à Câmara.
Na placa de baixo, logo à entrada do mercado, ficavam os vendedores de árvores, arbustos e plantas de viveiro, seguidos pelo lado da Câmara, do tabuleiro da venda de caça, do Zé Correia e do pai. Depois eram as barracas do brinhol, primeiro a do João Brinholeiro e depois a da Ti Hilarina, das quais irradiava um cheiro intenso a massa frita e a azeite requentado. Seguiam-se as barracas dos enchidos, onde se vendia de tudo aquilo que o porco dá: pés, orelhas, focinheira, costeletas, lombinhos, cachola, chouriços, paios, paias, farinheira branca e farinheira preta, morcela, presunto, etc. Ali vendiam o Zé Torra, o Diogo Pimenta, o Ilídio, o Godinho e os irmãos Véstia, cada um deles com a sua barraca. Do outro lado da placa ou seja para o lado da estrada, ficavam os tabuleiros dos regateiros que vendiam fruta. Uns só vendiam no tempo do melão e da melancia vinda de comboio, dos campos de Santa Eulália, junto a Elvas. Era o caso do Júlio Regateiro e do António Regateiro. Outros vendiam durante todo o ano e tinham outros tipos de fruta. Era o caso do Romico, do Israel e do velho Mariano.
Na placa de cima, logo à entrada, do lado da Câmara havia mais barracas: a do Leandro Ervanário, as do pão do Anacleto Paulino e do José Resga, bem como a dos bolos da Ti Maria Paizé. Nesta placa havia três filas de tabuleiros, delimitando duas ruas para circulação dos consumidores. Ali se instalavam hortelões e regateiros.
E para quem porventura não saiba, havia uma diferença abissal entre uns e outros. Os regateiros eram intermediários de produtos hortícolas, que revendiam o que tinha sido produzido por outros. Em contrapartida, hortelões eram aqueles que tratavam da sua horta ou da que pertencia ao patrão, dono de uma qualquer quinta ou herdade.
Estes últimos viviam em sintonia com a Terra-Mãe numa época em que toda a agricultura era biológica, em que não se comiam coisas fora de época e não havia nem estufas, nem produtos hortícolas importados. Para além do domínio absoluto de alfaias como a enxada e o sacho, exerciam na horta, com mestria, as sábias operações de cavar, plantar, estrumar, semear, regar, sachar, mondar, desbastar, enxertar, transplantar, proteger da geada e colher. Em suma: eram eles os agentes de transmutação da Terra-Mãe em produtos hortícolas.
No mercado das hortaliças só se vendia o que a terra dava em cada época. Alguns dos produtos que lá se vendem hoje, naquela época não se vendiam. Presentes, de acordo com a época, eram: hortaliça (agriões, alfaces, beldroegas, brócolos, couves, couves-flores, espinafres, nabiças, repolhos), legumes (ervilhas, favas e feijão-verde), legumes secos (feijão e grão), raízes (batata, beterraba, cenoura, nabo, rabanete, rábano), condimentos (alhos, cebolas, coentros, hortelã, malagueta, salsa), frutos de sobremesa (abrunhos, ameixas, cerejas, figos, laranjas, limões, maçãs, marmelos, melancias, melões, morangos, nêsperas, peras, pêssegos, romãs, tangerinas, uvas), fruto secos (ameixas, avelãs, figos, nozes, uvas) e outros frutos (abóbora, azeitona, beringela, gila, mogango, pepino, pimento).
Hortelões de Santa Maria eram: António Mourinha e José Mourinha, a Herdade da Granja, a Herdade da Fonte Cansada, a Quinta do Marquês, o José de Paulo da Quinta do Maduro, Carlos Gaudêncio e o irmão, Miguel Quintaneiro e Chico Ferreira. Doutras freguesias eram: o Maltinha de Mamporcão, o Manuel Semedo da Frandina e a Ti Hermínia da Horta da Galega, em Santo André. Regateiros havia que eu me lembre, o Marcolino e a Jerónima. Logo à entrada da placa de cima e do lado esquerdo eram os tabuleiros do casal João Serrano e Zefa dos Queijos.
No mercado das hortaliças, o lugar era certo e estava aprazado com a Câmara. Ali eram descarregados de madrugada os produtos hortícolas, transportados em carroças desde as freguesias. Feito isto, hortelões e regateiros guardavam as carroças numa das estalagens da cidade. Aí desatrelavam a besta que ficava à manjedoura, até serem horas do regresso a casa. Nessa época existiam cinco estalagens em Estremoz. Uma do Peúgas, no Rossio Marquês de Pombal. Duas dos Irmãos Gaudêncio, uma na Avenida Condessa de Cuba e outra na Rua 31 de Janeiro. Nesta última rua e do lado oposto, existia ainda a estalagem do Aires. Finalmente, na Rua Serpa Pinto ficava a estalagem do Lopes.
Pelas oito da manhã já havia gente no mercado, a qual procurava sempre os melhores produtos e os mais frescos, antes de estarem escolhidos. Contudo, havia quem por necessidade só fosse comprar ao levantar dos tabuleiros, pois os produtos perecíveis eram então vendidos mais baratos.
A partir das nove da manhã aparecia o fiscal da Câmara. Ainda me lembro do velho Barriga e do Manuel Vida nestas funções. Iam de tabuleiro em tabuleiro para receberem a taxa devida ao aluguer, a que se acrescentava no Verão a taxa das gigantescas sombrinhas, montadas pelo diligente Barranhão. E, se no Verão, o Sol era escaldante, no Inverno, o frio era de rachar. Hortelões e regateiros não dispensavam o capote, trocando alguns deles o chapéu pelo boné de orelhas. Havia mesmo quem fizesse lume numa lata, junto ao tabuleiro. É que mãos engadanhadas não deixam ninguém trabalhar.
O mercado terminava pela hora de almoço, pois era hora de cada um regressar às suas casas. Uns com as compras. Outros com o produto das vendas e aquilo que não tinha sido vendido. Todavia, muitos dos vendedores não o faziam logo. Tapavam o(s) tabuleiro(s) com um pano de serapilheira atado por um baraço e iam retemperar forças numa taberna ou casa de pasto do seu agrado. Só depois iam às estalagens aparelhar as bestas nas carroças para carregar o que tinham deixado no mercado. E por fim lá seguiam em direcção a casa, para regressar no sábado seguinte.



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Provérbios de Outubro


OUTUBRO - Iluminura do “Livro de Horas do Duque de Berry” (Século XV), manuscrito
com iluminuras dos irmãos Paul, Jean et Herman de Limbourg, conservado no
Museu Condé, em Chantilly, na França.

- Aí por São Lucas (18/10) bem sabem as uvas.
- Andar marinheiro, andar, não te apanhe São Simão (28/10) no mar.
- Com a vinha em Outubro, come a cabra e engorda o boi.
- Com a vinha em Outubro, come a cabra, engorda o boi e ganha o dono.
- De São Simão (28/10) a São Judas (28/10), comidas são as uvas.
- Dia de Santa Iria (20/10), pega nos bois e guia.
- Em dia de São Simão (28/10), quem não assa um magusto não é bom cristão.
- Em Outubro centeio ruivo.
- Em Outubro não fies só lã; recolhe o teu milho e o teu feijão, senão de Inverno tens a tua barriga em vão.
- Em Outubro não vás ao mar para pescar; mas vai ao celeiro e abre o mealheiro.
- Em Outubro o fogo ao rubro.
- Em Outubro o lume já é amigo.
- Em Outubro ou secam as fontes, ou passam os rios por cima das pontes.
- Em Outubro paga tudo e recolhe tudo.
- Em Outubro paga tudo.
- Em Outubro pega tudo e recolhe tudo.
- Em Outubro pega tudo.
- Em Outubro recolhe tudo.
- Em Outubro sê prudente: guarda o pão, guarda a semente.
- Em Outubro semeia e cria, terás alegria.
- Em Outubro, centeio ruivo.
- Em Outubro, cordoadas de São Francisco (4/10).
- Em Outubro, meu trigo cubro.
- Em Outubro, Novembro e Dezembro, abre o teu celeiro e o teu mealheiro.
- Em Outubro, Novembro e Dezembro, quem come do mar, tem que jejuar.
- Em Outubro, o fogo ao rubro.
- Em Outubro, o lume já é amigo.
- Em Outubro, ou secam as fontes ou passam os rios por cima das pontes.
- Em Outubro, S. Simão (28/10), favas no chão.
- Em Outubro, S. Simão (28/10); semear, sim; navegar, não.
- Em Outubro, semeia, cria e terás alegria.
- Em São Simão (28/10), fava na mão.
- Janeiro gear, Fevereiro chover. Março encanar, Abril espigar, Maio engrandecer. Junho ceifar, Julho debulhar, Agosto engavelar. Setembro vindimar, Outubro revolver, Novembro semear, Dezembro nasceu Deus para nos salvar.
- Logo que Outubro venha, procura a lenha.
- No dia de São Simão (28/10) e São Judas já colhidas são as uvas.
- No dia de São Simão (28/10), barcos para trás do portão.
- No Outono o Sol tem sono.
- No São Simão (28/10), fava no chão.
- Outubro chuvoso faz ano venturoso.
- Outubro chuvoso toma o lavrador venturoso.
- Outubro erveiro, guarda para Março o palheiro.
- Outubro lavrar, Novembro semear, Dezembro nascer.
- Outubro meio chuvoso, torna o lavrador venturoso.
- Outubro nublado, Janeiro molhado.
- Outubro quente traz o Diabo no ventre.
- Outubro seca tudo.
- Outubro seca tudo. Se em Outubro demorares a terra a lavrar, pouco hás-de enceleirar.
- Outubro secão, negaças de verão.
- Outubro sisudo colhe tudo.
- Outubro sisudo, recolhe tudo.
- Outubro suão, negaças de Verão.
- Outubro vaca para o palheiro e porco para o outeiro.
- Outubro, paga tudo.
- Outubro, pega tudo.
- Outubro, recolhe tudo.
- Outubro, rega tudo.
- Outubro, revolver.
- Outubro, seca tudo.
- Outubro, vaca para o palheiro e porco para o outeiro.
- Ouvidos a comer, água que vai chover.
- Pelo São Francisco (4/10) semeia o teu trigo e a velha que o dizia, semeado o linha.
- Pelo São Francisco (4/10), nem nado, nem no cortiço.
- Pelo São Lucas (18/10), mata os porcos e tapa as cubas.
- Pelo São Simão (28/10) e São Judas (18/10) já colhidas são as uvas.
- Pelo São Simão (28/10) enfarrusca o pinhão.
- Pelo São Simão (28/10), quem não faz um magusto, não é cristão.
- Pelo São Tadeu (28/10) e São Judas (28/10) prova as uvas.
- Por Santa Ireia (20/10), toma os bois e semeia.
- Por São Francisco (4/10) semeia o teu trigo; e a velha que o dizia, já semeado o tinha.
- Por São Francisco (4/10), semeia teu trigo.
- Por São Lucas (18/10) mata teus porcos e tapa tuas cubas.
- Por São Lucas (18/10), sabem as uvas.
- Por São Simão (28/10) e São Judas, colhidas são as uvas.
- Por São Simão (28/10), fava na mão.
- Por São Simão (28/10), favas no chão.
- Por São Simão (28/10), semear sim, navegar não.
- Quando o Outubro for erveiro, guarda para Março o palheiro.
- Quando Outubro for erveiro, guarda para Março o palheiro.
- Quem planta no Outono leva um ano de abono.
- São Simão (28/10), fava na mão.
- Se as andorinhas partirem em Outubro, seca tudo.
- Se em Outubro demorares a terra a lavrar, pouco hás-de enceleirar.
- Se em Outubro te sentires gelado, lembra-te do gado.
- Setembro, vindimar; Outubro, revolver.
- Vindima em Outubro que S. Martinho te dirá.
Publicado inicialmente em 26 de Outubro de 2011

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O homem primitivo e a conquista do cosmos


HOMEM PRIMITIVO
Imagem recolhida de:

O nascimento da Geometria
Nos primórdios do tempo, o homem primitivo terá verificado que ao assentar a lança no solo brando ou na neve, ficava gravada uma marca que aumentava de tamanho, se no seu movimento arrastasse a lança. Deste modo, terá mentalmente elaborado as noções daquilo a que hoje chamamos ponto e linha. Daqui até à distinção entre linha recta e linha curva foi um passo, já que não lhe terá sido difícil reconhecer que as marcas gravadas nem sempre eram iguais, pois umas vezes andava a direito e outras não. Terá também reconhecido que a linha curva se poderia fechar sobre si própria, assim como a curvatura poderia ser variável ou sempre igual. Assim terá chegado à noção daquilo a que se viria a chamar circunferência. Estas noções empíricas de ponto, linha recta, linha curva e circunferência, constituiriam as bases materiais da Geometria, que terá encontrado em Euclides de Alexandria (360 a.C. - 295 a.C.), um dos seus mais altos expoentes na antiguidade clássica.

O nascimento da Mecânica
Por outro lado, a observação do movimento de calhaus rolados nos cursos de água, terá levado o homem primitivo a associar a facilidade de movimento destes calhaus ao facto de terem curvatura e serem desprovidos de saliências e reentrâncias. Daí até ao transporte de carga sobre troncos roliços foi novamente um passo. Estava assim descoberta a roda e com ela, as bases materiais da Mecânica, que na antiguidade clássica teve grande incremento graças ao trabalho de sábios como Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.).

Na terra e na água
O nascimento da Geometria e da Mecânica estão indissociavelmente ligados à necessidade de movimento e de transporte de carga pelo homem primitivo. Assim terão nascido os primeiros caminhos, antepassados remotos das redes de estrada e de caminhos-de-ferro.
O mesmo se terá passado relativamente ao movimento e transporte de carga nos cursos de água e nos lagos, em trajectos curtos, percursores das grandes rotas marítimas das descobertas de quinhentos.

O sonho de Ícaro
Subjugado pelas condições de extrema dureza da sua vida material, o homem primitivo terá decerto alimentado o sonho de voar como as aves que o rodeavam. Todavia, o chamado sonho de Ícaro, é do domínio da mitologia grega. Segundo esta, Ícaro era filho de Dédalo, o construtor do labirinto de Creta onde o rei Minos aprisionava o Minotauro, criatura híbrida, misto de homem e de touro. Caídos em desgraça, Ícaro e Dédalo, foram aprisionados numa torre por ordem do Rei Minos. Apesar de se conseguirem libertar da prisão, não conseguiam sair da ilha de barco, devido à estreita vigilância que o monarca exercia sobre os barcos. Dédalo construiu então asas artificiais para si e para seu filho, confeccionadas com penas de gaivotas e mel de abelhas. Antes de fugirem, Dédalo advertiu Ícaro para não voasse perto do sol, para a cera das asas não derreter, nem muito perto do mar, porque a espuma das ondas poderia tornar as asas mais pesadas. Todavia, Ícaro não atendeu os conselhos paternos e querendo realizar o sonho de voar próximo do sol, viu as suas asas desfazerem-se, despenhando-se no mar Egeu, enquanto seu pai, pesaroso com o sucedido, vou para a costa, onde chegou a salvo. O mito de Ícaro aborda temas como o efeito nefasto que pode ter um conselho, bem como o desejo de homem querer ir sempre mais longe, correndo o risco de se encontrar face à sua condição de simples ser humano.

A concretização do sonho de Ícaro
A concepção do balão de ar quente como meio de deslocação aérea deve-se ao padre brasileiro, Bartolomeu de Gusmão (1685-1724). A primeira demonstração com êxito do movimento ascensional de um balão de ar quente foi por ele realizada, utilizando um pequeno balão de papel pardo grosso, cheio de ar quente, produzido pelo fogo contido numa tigela de barro incrustada na base de um tabuleiro de madeira. A experiência decorreu com sucesso a 8 de Agosto de 1709, no Pátio da Casa da Índia, em Lisboa, na presença de D. João V, a rainha D. Maria Ana de Habsburgo, o Núncio Cardeal Conti, o Infante D. Francisco de Portugal, o Marquês de Fonte, fidalgos e damas da Corte. O balão subiu lentamente no ar e quando a chama se extinguiu, foi cair no Terreiro do Paço. O trabalho do padre Bartolomeu de Gusmão precedeu em 74 anos, as experiências com aeróstatos desenvolvidas pelos irmãos Montgolfier, Joseph Michel (1740-1810) e Étienne (1745-1799). Depois de várias experiências, no dia 21 de Novembro de 1783, perante o Rei Luís XVI a Rainha Maria Antonieta fizeram subir um balão de 32 m de circunferência , confeccionado em tela de linho e que foi enchido com fumo de uma fogueira de palha seca. O balão do qual estava suspenso um cesto, transportava dois tripulantes, Pilatre de Rozier e François Laurent, marquês de Arlandes, sobrevoou Paris e percorreu cerca de nove quilômetros em 25 minutos.
Em 23 de Outubro de 1906, o brasileiro Santos Dumont utilizando o seu famoso avião 14-Bis, efectuou em Paris, aquele que é considerado o primeiro voo bem sucedido de um avião, no qual percorreu uma distância de 221 metros.

Explorando o cosmos
Actualmente, as viagens cósmicas tripuladas ou não, só são possíveis, graças à acção de uma vasta equipa de cientistas e complexos cálculos de trajectórias, bem como devido à existência omnipresente de sofisticados mecanismos. Todavia, na génese de tudo isto está um contínuo acumular de saberes que entroncam nos arquétipos de natureza geométrica e mecânica do homem primitivo.


PARTIDA DE VASCO DA GAMA PARA A ÍNDIA EM 1497.
Aguarela de Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).
 
A QUEDA DE ÍCARO (1636-1638)
Peter Paul Rubens (1577-1640)
Óleo sobre tela
Museu de Arte Antiga, Bruxelas. 
 EXPERIÊNCIA DE BARTOLOMEU DE GUSMÃO
Quadro de Bernardino de Sousa Pereira
Museu Paulista, São Paulo.
ASCENÇÃO CATIVA DE UM BALÃO MONGOLFIER
(JEAN-FRANÇOIS PILÂTRE DE ROZIER)
NOS JARDINS DA PAPELARIA RÉVEILLON,
A 19 DE OUTUBRO DE 1783.
Desenho de de Claude-Louis Desrais (1746-1816). 
 COSMOS
Imagem recolhida de: