Mostrar mensagens com a etiqueta Etnografia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Etnografia. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 29 de abril de 2024

A menina quer bailar?




Esta é a 2ª edição do post A MENINA QUER DANÇAR?,
editado em 20 de Fevereiro de 2010, agora revisto, reformulado e ampliado,
com a introdução de mais vinte quadras do cancioneiro popular alentejano,
ligadas à temática do baile popular, assim como três provérbios desse tema e
mais duas referências bibliográficas. Quanto ao título, ele próprio foi reformulado.


Nos bailes populares alentejanos dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, era sacramental a pergunta endereçada pelo rapaz, à moça que lhe enchera as medidas:
- A menina quer bailar?
A resposta, podia assumir a forma dum rotundo “Não!”, tradicionalmente conhecido por “cabaço”. Mas a resposta podia igualmente revestir a forma dum rasgado sorriso, acompanhado dum entregar de corpo, às mãos e braços do varão inquiridor, que conduziria a moça durante o baile.
Eles bailavam de chapeirão, de bota cardada e calças com boca-de-sino. Elas, de saia a rasar o chão, o que levava alguns rapazes a confessar que:

"Toda a vida me agradou
Moça de saia rasteira,
Porque pranta o pé no chão
Devagar, não faz poeira." [3]

Todavia, os rapazes não gostavam que as moças dançassem de socos:

“Os sóccos para dançar
Fazem mui ruim effêto,
Ainda que as damas usem
Ricas jóias em sê pêto. ” [3]

No descanso, dava para eles enrolarem um paivante e tirar umas quantas fumaças, que isso de ser homem dá para fumar. E é sempre bom levar o varapau, que o diabo às vezes assume a forma de maltês. Também dava para elas comporem as saias à cinta, aperaltar os colares e compor os carrapitos.
Como vêem existia uma grande diferença de género.
Eu tenho uma certa pena das moças, porque os aprestos dos homens deviam ser algo incómodos, a menos que eles fossem ágeis e cuidadosos. De contrário, dançar de botifarras, devia dar para pregar cada pisadela que fervia. Uma botas alentejanas que se prezem, não são propriamente uns sapatos à Fred Astaire.
Também o chapeirão devia ser uma grande chatice, a menos que a moça fosse mais baixa.
Se a moça fosse mais alta, o chapeirão batia-lhe no peito e mantinha as distâncias, o que convenhamos era um grandessíssimo inconveniente para o homem.
Se a moça fosse da mesma altura, o chapeirão devia estar sempre a embirrar com a cabeça dela, a menos que dançassem de cabecinha ao lado, correndo o risco de dar um jeito ao pescoço. E o dinheiro que sobrara da romaria já não dava para ir ao endireita.
Um dos locais mais afamados para bailar no Alentejo, era o terreiro das Festas de S. Mateus, em Elvas:

“Eu também já fui à festa
e fiz promessas a deus
de cá voltar outra vez
a dançar no São Mateus.” [2]

Os bailes populares eram abrilhantados por tocadores de viola ou de acordeão, que eram também cantadores.
O bailar chegava a ser apontado como recomendação divina:

“Deus do céu mandou à terra
Um aviso à mocidade,
Que cantassem e bailassem,
Divertissem-se à vontade.” [1] (Amareleja)

A maioria dos rapazes gostava de bailar e versejar:

“Canto saias, bailo saias,
Eu saias ando bailando,
Gosto de bailar as saias
Com quem as andas trajando.” [3]

Alguns indicavam minuciosamente, as características a que devia obedecer o baile:

“O bailar quer-se mexido,
Puladinho e bem cantado,
Quer-se alegre e chegadinho
Ao par que levo ao meu lado.” [1] (Beja)

Bailar bem, era uma virtude a que os rapazes aspiravam:

“Quatro coisas ha no mundo
Que eu desejava apprender:
Cantar bem, tocar viola,
Báilhar bem e saber ler.” [3]

Algumas das moças seriam vaidosas. Pelo menos, era essa a opinião de alguns dos rapazes:

“Estas meninas d’gora
São bonitas, bailam bem;
Mas em tendo um fato novo,
Já não falam a ninguém.” [3]

Algumas moças recusar-se-iam mesmo a bailar:

“Menina que é cabaceira,
Tantos cabaços tem dado,
Veja lá se tem algum
Também para mim guardado.” [3]

Por vezes, a rapariga não sabia dançar:

“Oh! Que pernas, oh! que boca,
Henriqueta, vossê tem!
P´ra que quer vossê as pernas,
Se vossê não dança bem?” [3]

Havia rapazes que sabendo cantar e bailar, não percebiam porque é que as raparigas não gostavam deles:

“Tu dizes que não me queres,
Meu amor diz-me porquê,
Eu sei cantar e bailar,
E rir e falar tambem.” [3]

Havia rapazes que lamentavam não saber cantar tão bem, quanto sabiam versejar:

“S’eu soubesse cantar bem,
Como sei fazer cantigas,
Andava de bàlho em bàlho
Divertindo as raparigas.” [1] (Aljustrel)

Quando faltavam raparigas no baile, havia rapazes que procuravam desfazer os pares, originando frequentes zaragatas:

“Camarada, dá licença,
Um bocadinho, faz favor?
Quero dar palavra e meia
Ó seu par, que é meu amor.” [3]

Alguns rapazes faziam do cantar e tocar nos bailes, o seu ganha-pão:

“A cantar e a bailar
É que o meu bem ganha pão,
De viola a tiracolle
E panderêta na mão.” [3]

Havia quem exteriorizasse a sua liberdade de poder cantar e bailar:

“Inda canto, inda bailo.
Inda cá não ha tristeza,
Inda cá não ha quem tenha
Minha liberdade presa.” [3]

Havia mulheres que desejavam ficar sem o marido, a fim de poderem cantar e bailar, tal como em solteiras:

“Já não canto, já não bailo,
Que não quer o meu marido,
Deixem-no ir embora,
Restaurarei o perdido.” [3]

Havia quem, talvez por despeito de não ter par, considerasse que quem estava a bailar, não tinha dinheiro:

“Dos pares que andam bailando
Ali no meio do terreiro,
Não se me dá de apostar:
Nenhum d’elles tem dinheiro.” [3]

Havia quem, por estar triste, desejasse que os pares a bailar, caíssem, a fim de se divertir:

“Os pares que andam bailando,
Quem m’os dera ver cair!
Tenho o meu coração triste,
Q’ria fartar-me de rir.” [3]

Os rapazes reconheciam que, bailar de empreitada, dava cabo deles:

“Não é o cantar que dá
Cabo da rapaziada;
É o muito andar de noite
E o bàlhar de empreitada.” [1] (Odemira)

Enquanto houvesse cantadores, havia baile:

“Eu vejo o baile acabado
À falta de cantadores:
Agora começo eu,
Com licença, meus senhores.” [3]

Uma coisa é certa: nem todos os homens gostavam de bailar:

“Para bailar doe-me um dente,
Para cantar uma perna,
Onde tenho algum alívio
É à porta da taberna.” [3]

Alguns homens, por questões anatómicas, dançariam mesmo mal. Lá diz o rifão: "Barrigudo não dança, só sacode a pança". Todavia, também por questões anatómicas, ainda hoje persiste a crença de que: “Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino”. De resto, o rifão “Assim como cantares, assim dançarás", talvez possa significar que “Se tiveres voz de cana rachada, então terás, decerto, pé de chumbo”.
Era este o contexto sociológico e lúdico dos bailes populares, nas feiras, festas e romarias do Alentejo, de finais do séc. XIX – inícios do séc. XX.

BIBLIOGRAFIA
[1] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa, 1980.
[2] - SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano. Livraria Portugal. Lisboa, 1959.
[3] - THOMAZ PIRES, António. Cantos Populares Portugueses. Vol. IV. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1910.

Inicialmente publicado a 17 de Agosto de 2011

domingo, 7 de abril de 2024

Lembrança da Olaria


Moringue com decoração fitomórfica. Manufactura da Olaria Alfacinha, Estremoz.
 Colecção do autor.
   
A Memória do Passado
A actividade de um coleccionador não se desenrola na maioria das vezes num mar de rosas. O coleccionador navega por entre escolhos, os quais terá de ser capaz de ultrapassar, a fim de poder levar a bom porto, a missão que a si próprio atribuiu. É o que se passa comigo, enquanto coleccionador de louça de barro vermelho de Estremoz. É que a olaria local extinguiu-se há algum tempo. Foi o fecho da crónica de uma morte prevista. Todavia, ela permanece bem viva no registo quântico da minha memória.
Vale-me ser um respigador nato e usufruir da capacidade de fazer um rápido reconhecimento da infinidade de objectos que aos sábados povoam o Mercado das Velharias, em Estremoz. Valem-me ainda os vendedores que sabendo dos meus gostos, me arranjam peças sem o compromisso de eu ter de ficar com elas. Valem-me também os “olheiros” amigos, que me dão conhecimento onde é que determinada peça que me possa interessar, se encontra à venda. Por vezes, a meu pedido e como meus mandatários, compram aquilo que me interessa. E tudo isto parece muito e de facto é, mas não é tudo.
A Lei de Lavoisier
Hoje existe um vasta profusão de vendas “on line”, nas quais se podem comprar objectos, não só a vendedores profissionais, mas também a quem, por um motivo ou por outro, os pôs à venda. Algumas vezes, por necessidade de fazer dinheiro, outras para reciclar coisas que já não lhes interessam e que ao transformarem em dinheiro, lhes permitem adquirir bens ou serviços nos quais de momento estão interessados. É uma aplicação prática da Lei de Lavoisier: “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo ser transforma“. Trata-se de um enunciado que trocado por miúdos e em português corrente, pode ser expresso assim: “O que não te interessa a ti, pode-me interessar a mim e vice-versa. Por isso, toma lá e dá cá”. Daí que os eco-militantes que negam a existência de um plano B, proclamem “Desperdício zero, já!”.
A viagem
Não estranhem pois que um exemplar da Olaria de Estremoz, residente em Beja, tenha mudado de ares e vindo até Estremoz, onde se instalou na minha casa, com direito a todas as mordomias. Bastou-lhe viajar através do serviço dos Correios, depois de eu ter ressarcido o anterior proprietário no acto de se ver livre do espécime. Tratou-se de uma viagem que não foi isenta de riscos, pois por vezes ocorrem descuidos por parte dos transportadores. Daí a necessidade de uma embalagem meticulosa e paciente, realizada com o jeito de carinhosos cuidados maternais. Foi o que aconteceu desta vez, pelo que ao abrir a embalagem normalizei a respiração, os batimentos cardíacos e a tensão arterial. O recipiente de barro estava bem de saúde e recomendava-se como vão ver.
O moringue
O viajante foi um moringue, recipiente para água com uma asa na parte superior e um gargalo em cada extremidade desta. O gargalo da extremidade mais larga destina-se a introduzir água e o da extremidade afunilada destina-se à saída da mesma. Para a beber, vira-se esta última extremidade para a boca e dá-se ao recipiente a inclinação adequada, de modo a que o esguicho que dela brota vá cair na boca do bebedor. A direcção de alinhamento dos gargalos é perpendicular à direcção de implantação da asa.
O moringue é em barro vermelho, fabrico de Estremoz, firmado pela marca incisa linear “OLARIA ALFACINHA ESTREMOZ” na superfície exterior, junto à base.
A decoração com motivos fitomórficos em alto-relevo, configura ramos de sobreiro, povoados de folhas serradas e de glandes. Trata-se de elementos decorativos, obtidos por moldagem, a que se segue uma colagem na superfície, recorrendo a barbutina.
A superfície do moringue onde assenta a decoração em relevo é lisa e nela se destacam, igualmente espaçadas, quatro faixas polidas, entre a base e o topo do bojo. Os gargalos são igualmente lisos e ostentam faixas polidas.
A asa configura um galho de sobreiro bifurcado nas duas extremidades. As bifurcações assentam no topo convexo do moringue, onde também se inserem os gargalos.
No bojo, a legenda “LEMBRANÇA / DE / ESTREMOZ “, distribuída por três filas paralelas com texto centralizado.
Significados da legenda
Trata-se de uma legenda que encerra em si múltiplos significados:  
- Em primeiro lugar que o moringue é um artefacto de barro, manufacturado em Estremoz.
- Em segundo lugar que tanto pode ter sido comprado por um forasteiro como por um autóctone para uso próprio ou para oferecer a alguém, com a mensagem expressa que é uma lembrança de Estremoz e de nenhum outro local.
- Em terceiro lugar e para além de lembrança de Estremoz é, sobretudo, uma lembrança da Olaria de Estremoz.
- Em quarto lugar, atesta a magia das mãos do oleiro que lhe deu forma, repetindo gestos ancestrais, herdados de Mestre ou de familiares ascendentes.
- Em quinto lugar, a Memória das mãos pacientes e hábeis das “polideiras” que ao decorarem a superfície, reforçaram toda a beleza que na morfologia, na volumetria e nas proporções, o moringue já ostentava em si.
- Em sexto lugar, a mensagem de que a Olaria de Estremoz é “sui generis” e por isso mesmo inconfundível.
- Em sétimo lugar, a afirmação orgulhosa de uma identidade cultural popular, local e regional, que encerra em si e é deveras notória.
- Em oitavo lugar, a lembrança de que Estremoz já foi terra de olarias, que por fatalidade ou talvez não, se extinguiram.
- Em nono lugar, a mensagem de que parafraseando o poeta João Apolinário, cantado por Luís Cília, “É preciso, imperioso e urgente” recuperar, preservar e salvaguardar a Olaria de Estremoz, como modo de produção artesanal que integra o nosso património cultural imaterial.
- Em décimo lugar, a chamada de atenção àqueles que detendo as rédeas do poder local, andam embriagados pela inclusão da manufactura dos Bonecos de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Tornaram-se autistas em relação à Olaria de Estremoz e não revelam quaisquer sinais de estar interessados na sua recuperação. Onde é que já se viu isto? Só nesta terra. E depois ainda proclamam que “Estremoz tem mais encanto!”.
Acordai!
Nada mais adequado que evocar aqui um excerto do poema “Acordai” de José Gomes Ferreira, que musicado por Fernando Lopes Graça, constituiu, porventura, uma das mais apelativas “Canções Heróicas”, que serve para despertar consciências: “Acordai, / homens que dormis / a embalar a dor / dos silêncios vis!”.
Fala o Passado
A referência mais antiga aos barros e à Olaria de Estremoz remonta ao foral de D. Afonso III, datado de 1258, seguindo-se o foral de D. Manuel I, de 1512. Daqui para diante as referências histórico - literárias aos barros de Estremoz são múltiplas: António Caetano de Sousa (1543), Giovanni Battista Venturini (1571), Francisco de Morais (1572), Inventário de D. Joana (irmã de Filipe II), correspondência de Filipe II, Padre Carvalho (1708), Francisco da Fonseca Henriques (1726), João Baptista de Castro (1745), Duarte Nunes de Leão (1785), D. Francisco Manuel de Melo, Alexandre Brongniart (1854), Carolina Michaëlis de Vasconcellos (1925).
Os barros de Estremoz têm sido cantados por poetas como: António Sardinha, Celestino David, Maria de Santa Isabel, Guilhermina Avelar, Maria Antónia Martinez, Joaquim Vermelho, António Simões, Mateus Maçaneiro e Georgina Ferro. Mas não só os poetas eruditos têm tomado a Olaria como tema de composições. Também ao longo dos anos, os nossos poetas populares têm feito quadras e décimas que integram o valioso Cancioneiro Popular Alentejano. Não resistimos a divulgar aqui duas dessas quadras, recolhidas no início do século passado por António Tomaz Pires, de Elvas, nos seus Cantos Populares Portugueses. São quadras com um conteúdo algo jocoso. Eis uma: “Minha mãe não quer que eu case / Com homem que seja oleiro; / Mas eu faço nisso gosto, / Pois tudo é ganhar dinheiro.”. Eis a outra: “Se tens pele grossa, / Põe-lhe pós de arroz. / Que eu vou ser oleiro / Para Estremoz”.
A herança do Passado
De acordo com a Mitologia Grega, Atlas foi um dos Titãs condenado por Zeus a sustentar os céus eternamente, após o assalto gorado ao Olimpo com a finalidade de alcançar o poder supremo do Mundo. Pela nossa parte, herdámos do Passado tradições que não se podem perder, porque integram o conjunto das marcas da nossa identidade cultural popular, local e regional. Por isso, tal como Atlas, transportamos sobre os ombros uma pesada responsabilidade: a de recuperar, preservar e salvaguardar a Olaria de Estremoz. É claro que pelo cargo que ocupam, a responsabilidade de uns é maior que a de outros.

Estremoz, 18 de Outubro de 2019
(Jornal E nº 231, de 31-10-2019)

O oleiro Jerónimo Augusto da Conceição, membro do clã Alfacinha, a modelar uma
bilha. Fotografia de Artur Pastor, dos anos 40 do séc. XX.

Amélia, mulher de Jerónimo, a efectuar a decoração fitomórfica dum jarro.
Fotografia de Artur Pastor, dos anos 40 do séc. XX.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Uma jóia da História Postal de Estremoz


 
Fig. 1

Fig. 2


Prólogo
Há documentos cuja interpretação permite ao investigador catalogá-los na classe das “jóias”. Uma tal inclusão pode ser devida ao teor do seu conteúdo escrito, bem como ao contexto em que este foi produzido, assim como ao grafismo do próprio documento. Pode até acontecer que estas três situações coexistam, o que potencia o valor e o interesse do documento. Vamos ver que é o que se passa com um bilhete-postal ilustrado, pertencente ao meu arquivo de História Postal de Estremoz.

Descrição do bilhete-postal ilustrado
Trata- se de um inteiro postal, mais propriamente um bilhete-postal de Boas Festas do tipo “Tudo Pela Nação,” com selo impresso da taxa de $30 (30 centavos), destinado ao Serviço Nacional, obliterado com a marca do dia da estação dos CTT, do tipo de 1928, do dia 24 de Dezembro de 1942.  O bilhete-postal tem como motivo os Bonecos de Estremoz. A ilustração é de Laura Costa (activa 1920-1950), e o bilhete-postal foi emitido pelos CTT em 1942.
Na parte superior do rosto do bilhete-postal (Fig. 2), a ilustração é constituída por um tradicional “Berço do Menino Jesus” da barrística popular estremocense, o qual se encontra ladeado por dois ramos de azevinho.
No verso do bilhete-postal (Fig. 1) a ilustração representa uma cena no areal da praia da Nazaré e envolve um casal com os seus trajes tradicionais, acompanhados de duas crianças. Aparentam estar a montar no areal a “Adoração dos Reis Magos”, Presépio de 6 figuras, constituído pela Sagrada Família e pelos 3 Reis Magos.
O bilhete-postal ilustrado foi expedido em 24 de Dezembro de 1942 (véspera do Dia de Natal) por Sá Lemos, dirigido ao Dr. Marques Crespo, em Estremoz.

Sá Lemos, o expedidor do bilhete-postal
José Maria de Sá Lemos (1892-1971), escultor, discípulo de Mestre António Teixeira Lopes (1866-1942), começou a trabalhar como professor e simultaneamente Director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves, em 21 de Abril de 1932, data da sua tomada de posse, com base no Decreto de 15 de Março de 1932 publicado no Diário do Governo nº 82 – 2ª série de 8 de Março de 1932.
Pela sua acção fez ressurgir os Bonecos de Estremoz, cuja produção tinha cessado com a morte de Gertrudes Rosa Marques (1840-1921) em 1921. Tal ressurgimento foi conseguido recorrendo primeiro à velha barrista Ana das Peles (1869-1945), que foi o instrumento primordial dessa recuperação e depois ao Mestre oleiro Mariano da Conceição (1903-1959) - O “Alfacinha”, o qual foi o instrumento de continuidade dessa recuperação.
No período que esteve em Estremoz e que se prolongou até 30 de Setembro de 1945, foi vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz entre 1938 e 1945, durante dois mandatos do então Presidente da Câmara, Engº Manuel Bicker de Castro Lobo Pimentel. São de sua autoria a maqueta em barro e em tamanho natural do Monumento aos Mortos da Grande Guerra e da Fonte do Sátiro, ambos em Estremoz.

Marques Crespo, o receptor do bilhete-postal
José Lourenço Marques Guerreiro Crespo (1871-1955), médico, maçon, membro do Partido Republicano Português e Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (1923-1926). Foi fundador e director do semanário regionalista “Brados do Alentejo” (1931-1951), fundador da delegação da Cruz Vermelha Portuguesa de Estremoz, membro da comissão fundadora do Teatro Bernardim Ribeiro e Presidente Honorário do Orfeão Tomás Alcaide. Publicou entre outras obras, a monografia “Estremoz e o seu termo regional” (1950).

Estremoz doutros tempos
O facto de o bilhete-postal ter sido expedido apenas na véspera de Natal, também merece alguma reflexão. Decerto que o remetente sabia que no dia de Natal não havia distribuição domiciliária de correspondência, pelo que a missiva só seria recebida já depois do Natal. O que é que o terá levado a expedir o bilhete-postal postal só na véspera de Natal? Não sei. Todavia, posso admitir como plausíveis duas circunstâncias: – A chegada tardia à estação dos CTT de Estremoz, deste tipo de bilhete-postal de Boas Festas: o nº 42 (preparação do Presépio) de uma série de 12, numerados de 35 a 46, todos com ilustração de Laura Costa e ostentando o mesmo tipo de selo impresso; - O conhecimento tardio por parte do remetente da existência do bilhete-postal nº 42 (preparação do Presépio).
O endereço do destinatário resume-se ao nome deste e não inclui o nome do arruamento nem o número de porta. Para este facto contribuíram, decerto, factores como: - O destinatário ser uma personalidade com destaque na sociedade local e por isso muito conhecido; - O número de arruamentos ser muito inferior ao que é na actualidade; - O brio profissional dos carteiros que os levava a empenhar-se na missão de “levar a carta a Garcia”.

Epílogo
Sá Lemos considerara recuperada a produção de Bonecos de Estremoz em artigo publicado no jornal Brados do Alentejo, em 10 de Novembro de 1935. Ainda nesse mesmo ano, os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português. Nesta exposição estiveram também expostos os Bonecos de Estremoz de Mestre Mariano da Conceição, os quais no pavilhão expositor eram pintados por sua mulher Liberdade da Conceição (1913-1990), face à impossibilidade de Mestre Mariano estar presente por ser funcionário público.
Os Bonecos de Estremoz adquiriram notoriedade pública e projecção internacional com a Exposição do Mundo Português em 1940, de tal modo que os CTT os utiliza como motivo dos bilhetes-postais de Boas Festas de 1942. Deve ter sido uma suprema felicidade para Sá Lemos, que através do bilhete-postal endereça "um abraço de Boas Festas" ao seu amigo Marques Crespo, o qual através da missiva pôde constatar que os Bonecos de Estremoz andavam a ser divulgados pelos CTT através de mensagens natalícias.
Não há dúvida que a mensagem, bem como o seu contexto e o grafismo, legitimam completamente o título escolhido para o presente texto.

Hernâni Matos

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Entrevista sobre o 25 de Abril, concedida ao jornal E, de Estremoz

 


Hernâni Matos: “Foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor”

No ano em que se cumprem 50 anos sobre o 25 de Abril de 1974, o E’ associa-se às comemorações desta que é uma data tão importante da história do país. As memórias da Revolução dos Cravos também são feitas das memórias individuais daqueles que viveram essa experiência única. Registamos hoje a voz de Hernâni Matos, numa primeira entrevista com que assinalamos os 50 anos do 25 de Abril.

Quais as memórias mais fortes que tem do Estado Novo?

A NÍVEL DE INFÂNCIA: - O aglomerado de pobres a pedir esmola à porta da Igreja de São Francisco, à saída da missa de domingo; - Os pobres que nas segundas-feiras percorriam os estabelecimentos comerciais a pedir esmola; -  A constatação de que havia crianças que iam descalças para a escola, porque os pais não tinham dinheiro para lhes comprar sapatos; - A existência de um ensino repressivo que a nível da instrução primária permitia que um professor desse reguadas nas mãos, canadas na cabeça ou puxões de orelhas numa criança, só porque estava desatenta, era irrequieta ou porque não sabia a lição; A NÍVEL DE JUVENTUDE: - Um indigente que nos anos 50 foi a enterrar para o cemitério de Estremoz, transportado na carroça do lixo; - O ambiente carregado das cerimónias do 10 de Junho em Lisboa, onde as mulheres e as mães dos mortos em combate na Guerra Colonial iam receber condecorações a título póstumo. DE ÂMBITO PESSOAL: - O aviso telefónico que foi feito ao meu pai em 1958, no dia das eleições para a Presidência da República, para não se dirigir para a assembleia de voto de S. Lourenço, na qualidade de delegado da candidatura do General Humberto Delgado, uma vez que estava lá a PIDE para o prender; - Uma carga da PIDE em 1968, na qual me vi envolvido, após a proibição da exibição do filme Marcha sobre Washington e um debate subordinado ao tema Quem matou Martin Luther King?, na Paróquia de Santa Isabel, em Lisboa; - A proximidade diária de gorilas, que eram ex-militares das tropas especiais (comandos ou pára-quedistas), contratados como polícias internos das faculdades e cuja função era identificar, vigiar, perseguir, impedir ajuntamentos e espancar estudantes; - O cuidado e as precauções que tinha com aquilo que dizia, ao falar publicamente com alguém, não se fosse dar o caso de haver bufos (informadores) na vizinhança, que me fossem denunciar à polícia política, a PIDE/DGS; - O meu ingresso na carreira docente em 1972, o qual envolveu a chamada ao gabinete do Chefe da Secretaria da Escola, onde tive que jurar e de subscrever com a minha assinatura, a declaração formal exigida pelo famigerado Decreto-lei 27003, de 14 de Setembro de 1936 e cujo teor era o seguinte: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas.” Lá tive que mentir, pois embora não fosse comunista era democrata, o que correspondia a perfilhar ideias subversivas no Estado Novo, regime de partido único: a UN - União Nacional.

Esteve na Universidade ainda nos tempos da ditadura? Sentiu ou viveu a luta estudantil? Tinha, ao tempo, alguma intervenção ou acção política?

Ingressei na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1965, pelo que não me vi já envolvido na Crise Académica de 1962, mas não escaparia à Crise Académica de 1969. Era um jovem de espírito aberto, generoso e humanista, ávido de liberdades civis que me eram negadas pelo regime, o que me levava a questionar o sistema e a resistir. Foi assim que ingressei naturalmente no Movimento Associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa, o qual contestava o autoritarismo do Estado Novo e reivindicava direitos civis. Lutávamos pela liberdade de expressão e de associação, pela autonomia universitária e a democratização do ensino, pelo fim da repressão e da guerra colonial. Como activista de base do Movimento Associativo da FCUL, integrei a IMPROP – Secção de Imprensa e Propaganda, participei nalgumas RIA – Reunião Inter-Associações, greves às aulas e ocupações da Cantina da Faculdade. Fui uma entre muitas outras formiguinhas que anonimamente e em contexto universitário, deram o seu modesto, mas indispensável contributo a nível civil para que no dia 25 de Abril de 1974 pudesse ocorrer uma mudança de paradigma.

Nas eleições legislativas de 1969, na qualidade de activista da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, fui delegado da candidatura desta Comissão junto de uma das mesas da assembleia de voto que funcionou na Faculdade de Ciências de Lisboa. As eleições viriam a ser ganhas pela UN - União Nacional, liderada por Marcelo Caetano. Era um desfecho previsível, já que a campanha e o acto eleitoral ficaram assinalados, pela fraude, pela perseguição e intimidação da Oposição.

Sentiu, na altura que a ditadura tinha os dias contados?

Apesar da repressão que há muito se vinha abatendo e intensificando sobre as lutas operárias, camponesas, estudantis e dos trabalhadores de serviços, estas também se vinham intensificando. Por outro lado, o Levantamento Militar das Caldas da Rainha de 16 de Março de 1974, apesar de gorado, deu a sensação de que era o prenúncio de uma futura insurreição militar vitoriosa. Parece que havia um “cheirinho no ar” a indiciar que tal viria a acontecer. De facto, lá diz o rifão Agua mole em pedra dura, tanto dá até que fura” e foi assim que os militares aperfeiçoaram o plano e a organização de um novo levantamento, com a devida articulação entre as unidades envolvidas. À segunda foi de vez. Em 25 de Abril de 1974, os militares não falharam.  Bem hajam por isso!

Onde estava no dia 25 de Abril de 1974? Como soube da Revolução? Lembra-se do que fez nesse dia?

Estava adoentado e encontrava-me em casa. Só ao final da manhã tive conhecimento do que se passara em Lisboa e da participação do RC3. Saí imediatamente para a rua, ávido de notícias.  A maioria das pessoas estava eufórica. Todavia também encontrei pessoas apreensivas, com temor daquilo que poderia vir a acontecer. Eu também fiquei eufórico e sempre que me cruzava com alguém com quem tinha mais confiança, lá proferia um “Porra! Até que enfim!”, invariavelmente acompanhado dum aperto de mão ou um abraço ou ainda uma pancada nas costas. O “V” da vitória e o punho erguido só surgiriam mais tarde. E foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor. Eram os ares da liberdade que nos tinha sido restituída pelo Movimento dos Capitães. Como reconhecimento e sinal de gratidão, nasceu-nos espontaneamente nos lábios, a palavra de ordem O povo está com o MFA!” e assim seria durante muito tempo.

Olhando para trás, que avaliação faz do processo de transição da ditadura para a democracia que tivemos em Portugal?

A avaliação dessa transição, obriga-me a falar dos responsáveis por essa transição: as Forças Armadas Portuguesas.

O derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do MFA - Movimento das Forças Armadas, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no interior das próprias Forças Armadas, particularmente do Exército, instabilidade essa que se manifestou em meados de 1973, com o surgimento do denominado Movimento dos Capitães, o qual aglutinava oficiais de média patente, insatisfeitos com as suas remunerações e com a perda de prestígio da oficialidade do quadro permanente, bem como com a Guerra Colonial que, desde 1961, ou seja, há 13 anos, se arrastava em 3 frentes, sem se antever uma solução política para a mesma, bem como pela previsibilidade de uma derrota militar iminente.

No seu poema “As portas que Abril abriu!”, o saudoso poeta José Carlos Ary dos Santos, diz-nos quem fez o 25 de Abril de 1974: “Quem o fez era soldado /homem novo Capitão /mas também tinha a seu lado /muitos homens na prisão.” E mais adiante: “Foi então que Abril abriu / as portas da claridade /e a nossa gente invadiu / a sua própria cidade.

A chamada Revolução dos cravos desencadeada pelo MFA, teve o apoio massivo da população e o regime foi derrubado praticamente sem derramamento de sangue. A transição pacífica de Portugal de uma ditadura para uma democracia teve repercussões a nível internacional, pois foi vista como um exemplo positivo, influenciando assim sucessivos processos de democratização que se desenvolveram por esse mundo fora.

Que impacto teve a Revolução dos Cravos na sua vida?

Em 1º lugar senti uma grande alegria por sentir que tinham sido quebrados os grilhões que me aprisionavam e que impediam de me sentir um cidadão de corpo inteiro. Em 2º lugar tive a percepção de que era imperativo que o movimento revolucionário do 25 de Abril nos permitisse usufruir de direitos e liberdades que até então nos tinham sido negadas, para o que haveria decerto que lutar, tal como veio a acontecer. Em 3º lugar, intuí que o usufruto desses direitos e liberdades, teria que ser temperado através da assunção de deveres que regulassem o exercício da cidadania.

Um pouco por toda a parte, assumimos o direito à liberdade, à informação e à greve. Arrogámos o direito de reunião, de manifestação, de participação na vida pública e de voto. Reclamámos e conquistámos entre outras, múltiplas formas de liberdade: de expressão e informação, de imprensa, de criação cultural, de aprender e ensinar, de associação, sindical, que mais tarde viriam a ser consignadas na Constituição da República Portuguesa.

O 25 de Abril não me trouxe só alegria pelos motivos apontados, mas também por melhorias nas condições de vida dos portugueses que então ocorreram: aumento dos rendimentos, das oportunidades de aprendizagem, da liberdade e dos direitos das mulheres, bem como melhoria do acesso aos cuidados de saúde e uma mudança de valores que tornaram a sociedade mais aberta, o que teve reflexos a nível da cultura (literatura, artes plásticas, música, teatro, cinema, televisão).

Como foi para si o período que se seguiu à Revolução?

O período pós-25 de Abril, conhecido por PREC - Processo Revolucionário em Curso foi marcado por lutas por melhores de condições de vida de operários, assalariados agrícolas e trabalhadores de serviços, assim como de moradores pelo direito à habitação. Foi um período em que ocorreram nacionalizações, inúmeras manifestações, assim como ocupações de fábricas, herdades e casas. Tratou-se de uma época de grande agitação social, política e militar, caracterizada por intensos debates de âmbito político, económico, social e cultural, bem como confrontos militares entre sectores das Forças Armadas com visões distintas de modelos de sociedade a seguir. Os maiores desses confrontos ocorreram a 11 de Março e a 25 de Novembro de 1975. Nesse período há a assinalar a existência de 6 Governos Provisórios até à constituição do 1º Governo Constitucional liderado por Mário Soares (PS), com base nos resultados das eleições de 25 de Abril de 1976, realizadas após a aprovação da Constituição da República Portuguesa, a 2 do mesmo mês. É com a constituição do 1º Governo Constitucional que se completa a devolução do poder pelos militares aos representantes da sociedade civil, legitimados pelo sufrágio, conforme estava previsto no Programa do MFA

Teve, nessa altura, alguma militância ou intervenção política?

Logo a seguir ao 25 de Abril e em termos cívicos integrei comissões had hoc que iam surgindo, fruto da dinâmica social que se ia gerando: Comissão de vigilância de preços, Comissão de moradores da zona centro, Comissão coordenadora das comissões de moradores, Comissão pró-construção do parque infantil, Comissão Cultural de Estremoz, Comissão de Base de Saúde. A nível sindical fui delegado sindical dos professores na Escola Secundária de Estremoz.

A nível político, desde 1969 e ainda estudante universitário em Lisboa, que me identificava com a CDE - Comissão Democrática Eleitoral, liderada por Francisco Pereira de Moura, pelo que após o 25 de Abril passei a frequentar a sede desde Movimento em Estremoz, participando aí nos debates internos e nas dinâmicas então em curso. Fui um entre muitos outros. Por ali passaram activistas que mais tarde se iriam integrar em partidos: PCP, UDP, MES, PS e PSD. Quando em 1975 a CDE se transformou em MDP/CDE – Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral e se registou como partido, eu não me filiei, uma vez que me já me filiara no PCP – Partido Comunista Português, ainda em 1974, se bem me lembro por influência do meu grande amigo, Aníbal Falcato Alves. Acontece que a certa altura tive consciência de que não reunia condições pessoais para ser militante daquele partido, cujo passado de luta e de resistência me merecia o maior respeito, pelo que saí nos primeiros meses de 1975. Passei então à condição de independente, condição que mantive até integrar a UDP – União Democrática Popular em meados de 1975, desta feita por influência do meu colega e amigo, Albano Martins. Deste partido fui militante enquanto a estrutura organizativa local esteve activa. Em 1993 e a convite do futuro Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, o independente e meu amigo José Dias Sena, integrei como independente as listas da CDU – Coligação Democrática Unitária, sendo eleito como deputado municipal, cargo que desempenhei empenhada e activamente durante 3 mandatos, até que senti que era chegada a altura de passar o testemunho, para ter uma maior disponibilidade de intervenção na frente cultural, a qual desde sempre foi e continua a ser a minha grande motivação.

E que avaliação faz da democracia que temos na actualidade?

A democracia portuguesa é uma democracia estável cuja arquitectura tem por base a Constituição da República Portuguesa, lei suprema do país, aprovada em 1976 e revista 7 vezes desde então. Os órgãos de soberania são eleitos, existindo separação e interdependência dos seus poderes. Formalmente está tudo bem. Na prática não é bem assim.

Qual o estado da democracia em Portugal?

A democracia portuguesa sofre de problemas graves que urge resolver em múltiplos domínios: social, económico, financeiro, etc. Deles destaco: elevada abstenção nos actos eleitorais, corrupção, demora na aplicação da Justiça, desemprego, trabalho precário, fraca qualificação da mão de obra, baixa produtividade, salários e pensões muito baixos, falta de oferta pública de habitação, especulação imobiliária, elevada emigração jovem, baixa taxa de natalidade, envelhecimento da população, insuficiência de cuidados dignos na velhice, Serviço Nacional de Saúde com enormes carências, problemas graves a nível da Educação e do Ensino, falta de coesão social e territorial. Estes são os principais problemas que de uma forma ou de outra, atormentam diariamente a esmagadora maioria das pessoas.

50 anos depois do 25 de Abril, apesar da melhoria das condições de vida dos portugueses, ainda se nos deparam desafios a enfrentar para que possa ser assegurada a igualdade de género e a justiça social. Em democracia, isto só se consegues através do aperfeiçoamento da própria democracia. É uma tarefa e um repto que estão em aberto e que exigem o maior empenhamento de todos os cidadãos. 

Hernâni Matos

domingo, 22 de outubro de 2023

Adagiário das castanhas

 

MULHER DAS CASTANHAS (1938) - Ana das Peles (1869-1945).
Ex-colecção Azinhal Abelho.

À Catarina, minha filha,
que nesta época anda envolvida
na apanha da castanha na sua quinta.

Anualmente entre Junho e Julho, os castanheiros ficam floridos e a estas flores sucedem-se os ouriços, que encerram as castanhas, as quais começam a cair no início do Outono, em Setembro e Outubro.
É vasto o adagiário das castanhas:

- A castanha amarela em Agosto tem a tinta no rosto.
- A castanha é de quem a come e não de quem a apanha.
- A castanha e o besugo em Fevereiro não têm sumo.
- A castanha em Agosto a arder e em Setembro a beber.
- A castanha tem três capas de Inverno: a primeira mete medo, a segunda é lustrosa e a terceira é amarga.
- A castanha tem uma manha: vai com quem a apanha.
- A castanha veste três camisas: uma de tormentos, outra de estopa e outra de linho.
- A noz e a castanha é de quem a apanha.
- Ao assar as castanhas, as que estouram são as mentiras dos presentes.
- Arreganha-te, castanha, que amanhã é o teu dia.
- As castanhas apanham-se quando caem.
- As castanhas para o caniço e o boneco para o porco.
- As folhas de castanheiro andam sete anos na terra e depois ainda voam.
- Carregadinho de castanha, vai o burrinho para Idanha.
- Castanha assada, pouco vale ou nada, a não ser untada.
- Castanha bichosa, castanha amargosa.
- Castanha peluda, castanha reboluda.
- Castanha perdida, castanha nascida.
- Castanha que está no caminho é do vizinho.
- Castanha quente só com aguardente, comida com água fria causa “azedia”.
- Castanha semeada, p´ra nascer, arrebenta.
- Castanhas boas e vinho fazem as delícias do S. Martinho.
- Castanhas caídas, velhas ao souto.
- Castanhas do Marão, a escolher se vão.
- Castanhas do Natal sabem bem e partem-se mal.
- Castanheiro para a tua casa, corta-o em Janeiro.
- Com castanhas assadas e sardinhas salgadas não há ruim vinho.
- Crescem os reboleiros, morrem os castanheiros.
- Cruas, assadas, cozidas ou engroladas, com todas as manhãs, bem boas são as castanhas.
- Dá-me castanhas, dar-te-ei banhas.
- De bom castanheiro, boa acha.
- De bom castanheiro, bom madeiro.
- De castanha em castanha (roubando) se faz a má manha.
- De castanheiro caído todos fazem lenha.
- Desde que a castanha estoira, leve o diabo o que ela tem dentro.
- Do castanho ao cerejo, mal me vejo.
- Em ano de muito ouriço não faças caniço.
- Em minguante de Janeiro, corta o teu castanheiro.
- Em Setembro, antes de chover, o souto o arado quer ver.
- Folha amarela do castanheiro cai ao chão.
- Mais vale castanheiro, que saco de dinheiro.
- No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
- No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de São Julião, quem não assar um magusto não é cristão.
- O castanheiro, para plantar, precisa ir na mão, o carvalho às costas e o sobreiro no carro.
- O céu é de quem o ganha e a castanha de quem a apanha.
- O ouriço abriu, a castanha caiu.
- Oliveira do meu avô, castanheiro do meu pai e vinha minha.
- Os ouriços no São João são do tamanho de um botão.
- Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.
- Pelo São Francisco, castanhas como cisco.
- Quando gear, o ouriço vai buscar.
- Quando o sol aperta, o ouriço arreganha.
- Quem castanhas come, madeira consome.
- Quem não sabe manhas, não come castanhas.
- Raiz de castanheiro, dá bom braseiro.
- Sete castanhas são um palmo de pão.
- Temporã é a castanha, que em Agosto arreganha.

BIBLIOGRAFIA
- BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. I a X. Officina de Pascoal da Sylva. Coimbra, 1712-1728.
- CHAVES, Pedro. Rifoneiro Português. Imprensa Moderna, Lda. Porto, 1928.
- DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Evora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
- MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
- ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1780.


MULHER DAS CASTANHAS (1906) – Ilustração de Raquel Roque
Gameiro para capa da revista “Serões”, de Novembro de 1906.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Poesia Portuguesa - 103

 


SÃO BONECOS DE ESTREMOZ
Poema de Hernâni Matos
 (1946 -  )


Modelar é uma arte,
solta do coração
e que dali a reparte,
guiada a cada mão.

É com mãos e com barro,
água, teques e jeito,
um encontro bizarro:
modelar a preceito.

Tem bola, rolo, placa.
Com eles vai fazer,
tudo o que se destaca.
É lindo de se ver.

O rolo dá um braço
e dá a perna então,
com um gesto do traço
que nasce com a mão.

A bola dá cabeça
e dá olhar, razão
para que lá mereça
ter lugar a visão.

Placa dá avental,
vestidos e safões.
É roupa sem igual
em várias ocasiões.

Após modelação,
é cozer e pintar.
Envernizar então,
e sua obra acabar.

Secar para cozer,
com o tempo a passar,
para não acontecer,
a figura estalar.

Cozer tem a sua arte,
nunca é de repente,
que a figura se parte.
Disso estou bem ciente.

Pigmentos são zarcão
e azul dito Ultramar.
Como ocre e vermelhão,
dão tintas p'ra pintar.

As cores são reais,
são representação
desses dados visuais,
fruto da observação.

O verniz dá beleza,
concede protecção,
previne da rudeza
de feia alteração.

Há Presépios e Santos,
desfilam procissões
e há muitos recantos
das humanas paixões.

Tem a mulher no lar,
com o chá a servir,
com a roupa a lavar
e o que mais há de vir.

Da cidade o aguadeiro,
a mulher dos chouriços,
o peralta e leiteiro,
como outros aqui omissos.

Do campo uma ceifeira,
um pastor e um ganhão,
mais uma azeitoneira,
todos os que ali estão.

Galeria dos Santos:
onde vai São João,
a Virgem aos prantos
e António folião.

Também a procissão,
mostra solenidade,
com padre, sacristão,
povo mais irmandade.

O Natal é chegado
e logo nos seduz
o presépio montado.
Ali nasceu Jesus.

Lá vem o Carnaval
com o seu “Amor é Cego”
e Primavera tal,
que nenhuma renego.

E por fim os apitos.
Que bela brincadeira,
gozo de pequenitos,
bem à sua maneira.

O púcaro enfeitado,
cantarinha também.
Recipiente ornado
que beleza que tem.

Bonecos que cantamos
e só nos dão alegria.
Amigos quase humanos
no nosso dia a dia.

Assim, da Humanidade
tornaram-se Património,
orgulho da cidade
e do povo campónio.

Cá, os nossos barristas
brilharam bem então,
já que foram artistas
da classificação.

Barristas do presente,
barristas do passado
que a memória consente,
todo aqui é louvado.

Hernâni Matos (1946 - )

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aníbal e a preservação da (tua) memória



Reportagem de NOEL MOREIRA, 
publicada no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023,
de onde foi transcrita com a devida vénia

LER AINDA

No passado Domingo, 02 de Julho de 2023, decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz a Sessão Evocativa a Aníbal Falcato Alves, promovida e dinamizada pela Comissão Concelhia de Estremoz do Partido Comunista Português. O anfiteatro foi pequeno para todos os que quiseram partilhar as suas histórias e vivências com o Aníbal, para os que simplesmente quiseram saber mais sobre este estremocense ou simplesmente prestar-lhe uma homenagem.
A sessão abriu com um momento cultural intitulado “Palavras de Abril”, a cargo do Grupo Cénico da Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar”, seguindo-se as intervenções dos convidados: José Emídio Guerreiro (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz) e de Abílio Fernandes (economista, militante do PCP, antigo deputado da Assembleia da República e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), com quem o Aníbal partilhou momentos e histórias. Passou-se posteriormente a palavra aos que assistiram à sessão: todos os presentes poderiam intervir, partilhando as suas experiências, histórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, através de curtas intervenções.
Como fiz questão de afirmar publicamente na sessão evocativa, nunca tive o privilégio de me cruzar com o Aníbal, visto que aquando da minha chegada a Estremoz, em 2009, o Aníbal já tinha falecido há mais de uma década. Apesar de quase três décadas decorridas, escutei nesta sessão histórias sobre ele, daquilo que tinha sido a sua intervenção social e política (até estudos sobre o eucaliptal e gestão de água na Serra d’Ossa realizou), do seu trabalho na preservação da memória do povo alentejano, da sua obra e da sua luta contra o regime fascista e a sua importância no pós-25 de Abril na região. Aquando da decisão da Comissão Concelhia em promover esta sessão evocativa, comecei a conhecer mais sobre a vida e obra deste ilustre estremocense, a sua história (e as suas histórias), as suas lutas, a sua intervenção e no fim de tudo isto fiquei a admirar profundamente o Aníbal Falcato Alves.


E quem foi o Aníbal? Qualquer coisa que possa escrever sobre ele nas páginas deste jornal soar-me-á sempre a pouco, face a tudo o que fui conhecendo, lendo e escutando, mas também face à emoção que cada um colocava na voz quando falava dele, face àquilo que ele fez por Estremoz e pelo Alentejo, pelo esforço para o acesso inclusivo à cultura, pela luta da liberdade enquanto muitos se refugiavam nas suas casas, no conforto podre do silêncio imposto pela ditadura fascista. Mas não posso deixar de tentar fazer aqui uma pequena resenha do que foi o Aníbal, socorrendo-me do conjunto de testemunhos daqueles que com ele conviveram de perto e daquilo que li… Arrisco fazê-lo, mesmo sobre pena de não conseguir atingir a sua dimensão enquanto homem, estremocense, alentejano, comunista, resistente antifascista, homem da cultura, mas não posso deixar de o fazer sobre pena de deixar passar em branco este momento, esta sessão solene.
Nascido em Estremoz, em 1921, Aníbal Falcato Alves foi mais do que um intelectual da cultura, mais do que professor, mais do que um resistente antifascista, mais do que um promotor do Alentejo, da sua cultura, gastronomia, património oral e das suas raízes, mais do que um amante de cinema, da literatura e da arte, mais do que um comunista. Aníbal Falcato Alves foi tudo isto numa única pessoa.
Bem cedo, com apenas 10 anos, Aníbal Falcato Alves começou a trabalhar como caixeiro, num pequeno estabelecimento da sua família. Começou por trabalhar sem qualquer salário e citando quem o conheceu, usando o seu humor refinado, dizia que “todos os anos o patrão lhe aumentava o salário para o dobro”. Acabou mais tarde por abrir o seu próprio negócio – uma Livraria e Papelaria na rua 5 de Outubro, onde não vendia apenas livros; o Aníbal permitia a consulta e leitura dos livros aos mais novos e aos que tinham menos posses, mas também clandestinamente transacionava livros proibidos pela censura fascista da ditadura de Salazar, semeando a inquietação, a resistência à ditadura, a liberdade, no fundo os ventos que mais tarde acabariam por dar origem à afirmação da Revolução dos Cravos. Citando Hernâni Matos, a Livraria do Aníbal era muito “mais que simples loja era um espaço de convívio e de resistência”.


Mas a sua apetência para as artes manuais acompanhava-o. Tirou o curso de canteiro artístico e durante vinte anos (1971 - 1991) foi professor de trabalhos manuais. Aqui influenciou várias gerações de estremocenses, desde os alunos aos colegas, desde os mais pequenos aos graúdos. E claro, Aníbal utilizou a sua apetência para as artes como ferramenta para primeiro combater o fascismo e depois semear os ventos de liberdade vindos com o 25 de Abril de 1974. O Aníbal foi artista plástico, ceramista, pintor, o que o levou a expor em mais de 30 exposições individuais e coletivas por todo o país. Mas o seu legado vai muito para além das obras da sua autoria. É talvez na recolha, preservação e salvaguarda dos hábitos, dos costumes, tradições e do património do Alentejo e das suas gentes, seja ele gastronómico, material (caso dos bonecos de Santo Aleixo ou do artesanato) ou imaterial, que a obra do Aníbal ganha destaque e se eterniza na espuma dos dias que hoje correm. Introduzo aqui a obra escrita do Aníbal, que se focou na preservação deste património oral e das tradições do Alentejo, tendo sido autor de duas obras principais: (1) “Comeres dos Ganhões” (nas suas múltiplas edições desde 1985), onde se inclui a recolha das receitas dos ganhões, hoje incluída na “gastronomia típica alentejana”, e um conjunto de relatos sobre a natureza e origem dessa gastronomia (não, não é um mero livro de receitas como alguns querem fazer crer); (2) “Rezas e Benzeduras” (publicado em 1998), uma coletânea de orações, ensalmos e benzeduras, muitas delas resultantes dos trabalhos de recolha com o etnólogo Michel Giacometti; no fundo a transcrição para papel da cultura popular alentejana. Em nenhuma das obras o Aníbal descurou do enquadramento sociopolítico dos quais resulta este património, atitude politicamente ativa que de alguma forma lhe corria no sangue.


É esta pro-atividade, obviamente acompanhada da sua visão plural e igualitária do mundo, com forte intervenção social, que o fez ser também um cidadão diferenciado, tendo sido um dos promotores do certame gastronómico anual “Cozinha dos Ganhões”, que hoje tanto orgulha Estremoz e os estremocenses, apesar de hoje já pouco restar da sua essência primordial – a vivência e memória gastronómica dos ganhões alentejanos. Foi também fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, tendo tido ainda um papel fundamental na constituição dos cineclubes de Elvas e Portalegre, e foi membro fundador do Círculo Cultural de Estremoz.
Falar de Aníbal Falcato Alves e não falar da sua intervenção política é quase que um desrespeito pela sua memória. Como já mencionado atrás, foi pela cultura que Aníbal combateu o fascismo, quer pela transação de livros considerados ilegais pelo regime fascista, quer pela sua obra, quer pela sua intervenção no Cine Clube de Estremoz. O Aníbal teve uma destacada participação na luta clandestina contra o regime, tendo-se tornado militante do Partido Comunista Português em pleno período da ditadura fascista. Para além disso integrou e participou ativamente nas campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado, opositores ao regime fascista de Salazar. Apesar de tudo isto, a teia do fascismo, nomeadamente a polícia política do regime (PIDE), nunca o conseguiu demover nem prender, apesar das numerosas tentativas, denúncias e queixas apresentadas, como comprovam os documentos da PIDE presentes na Torre do Tombo. Depois do 25 de Abril teve também um papel destacado na organização dos trabalhadores rurais durante a reforma agrária, o que lhe permitiu também um profundo conhecimento do mundo rural, o que teve uma influência clara em toda a sua obra escrita. A transversalidade do Aníbal resulta de um profundo conhecimento do mundo real, das dificuldades sentidas e das vivências das gentes. Na sua vasta e ativa vida conviveu de perto com trabalhadores das pedreiras, agricultores ou artistas plásticos, analfabetos e professores, artistas de renome e ilustres desconhecidos…É portanto fácil aceitar a sua transversalidade perante as mais diversas camadas da sociedade civil quando também foi transversal na ação de consciencialização da população, lutando contra a alienação das massas, lutando pela liberdade, lutando por uma vida melhor e mais igualitária para todos.
Aníbal Falcato Alves faleceu em Junho de 1994, tendo deixado Estremoz e o Alentejo mais pobres.
A sessão evocativa decorrida no passado domingo mostrou de forma cabal a transversalidade e unanimidade da figura do Aníbal, com largas dezenas de pessoas de Estremoz, do Alentejo, do país a deslocar-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz para estarem presentes nesta sessão evocativa, apesar do calor tórrido que se fazia sentir nesse dia. Uma coisa é certa, a memória do Aníbal e do seu legado estão bem vivos na cabeça de todos aqueles que com ele conviveram, e a sua ação e obra vai muito para além daquilo que produziu fisicamente; ele mudou consciências, ele influenciou vivências, ele trabalhou para uma sociedade melhor e mais justa!
Pela preservação da memória do Aníbal e do seu legado é portanto fundamental que a ação não morra dentro das paredes da sala daquele auditório. Foi neste sentido que os eleitos da CDU apresentaram na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz do passado dia 29 de Junho de 2023 a moção intitulada “Aníbal Falcato Alves: uma vida e obra dedicada à cultura Alentejana e à luta pela liberdade”, a qual foi aprovada por unanimidade dos presentes, e na qual se solicita ao Executivo Municipal que: (1) reedite e promova da obra “Os Comeres dos Ganhões: memória de outros sabores”; (2) promova uma exposição da obra plástica de Aníbal Falcato Alves, podendo a mesma ser incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril no concelho.
Também da sessão evocativa saiu a proposta da edição de uma obra onde se compile as mais diversas memórias e relatos das pessoas que conviveram de perto com o Aníbal Falcato Alves, de forma a deixar vivo o seu legado e a memória coletiva da sua ação enquanto professor, Homem, intelectual da cultura, resistente antifascista e comunista.
Se uma das grandes obras do Aníbal foi a preservação da memória do Alentejo, a nossa tarefa hoje é preservar a memória do Aníbal!

Noel Moreira
Publicado a 6 de julho de 2023
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023



Hernâni Matos