quarta-feira, 19 de junho de 2024

Os dias de verão - Sophia de Mello Breyner Andresen





Os dias de verão

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)


Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo


Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

Hernâni Matos

#Poesia Portuguesa - 218

Nostálgica - Álvaro Feijó

 



Nostálgica
Álvaro Feijó (1916-1941)

Debruço-me no cais por sobre o rio,
vendo os navios partir,
vendo os navios voltar.
Vejo algum no horizonte e sigo a esteira
até ele ancorar,
e vou seguindo a esteira
dos que partem, até deixar
de os ver.
No cais há sempre gente!
Muita gente como eu que das viagens
só vê princípio e fim.

Álvaro Feijó (1916-1941)


#Poesia Portuguesa - 217

terça-feira, 18 de junho de 2024

O neo-realismo nas artes plásticas

 

Fig. 1 – Gadanheiro (1945). Júlio Pomar (1926-2018). Óleo sobre aglomerado de madeira,
122 × 83 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa.


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A LUTA CONTRA O REGIME
Foi em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, que foi conseguido o derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime totalitário e fascista de Salazar e de Caetano.
O 25 de Abril foi antecedido de muitas lutas contra o regime por parte de múltiplos sectores da sociedade portuguesa. Entre eles a frente cultural de escritores e artistas plásticos, descontentes com a política cultural do regime e que integrou o chamado “Movimento neo-realista português”. Este surge em finais dos anos 30 e identifica-se com a oposição ao regime, afirmando-se como representante e porta-voz dos anseios das classes trabalhadoras, retratando a realidade social e económica do país e empenhando-se na transformação das condições sociais do mesmo. Nesse sentido, foca-se no homem comum, procurando saber como vivem operários e camponeses. Aborda e aprofunda temas como as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem. Escrutina as injustiças e analisa o modelo social vigente. Pugna pela elevação moral dos oprimidos e deposita esperança no futuro do Homem.

MARCOS DO NEO-REALISMO NAS ARTES PLÁSTICAS
Há marcos importantes na génese e desenvolvimento do neo-realismo no âmbito das artes plásticas, os quais importa aqui salientar:

1 - A IX Missão Estética de Férias em Évora em 1945
As Missões Estéticas de Férias (MEF), instituídas pelo Decreto-Lei n.º 26957, de 28 de Agosto de 1936, destinavam-se a facilitar aos artistas e estudantes portugueses de artes plásticas, o conhecimento dos valores de carácter paisagístico, étnico, arqueológico e arquitectónico de Portugal, bem como a contribuírem para o seu cadastro, inventário e classificação.
As MEF tiveram lugar durante os meses de Agosto e Setembro no período 1937-1963 e visavam promover a formação de uma elite artística no contexto da visão política, académica e estética do Estado Novo. Para tal, os participantes eram escolhidos pelos órgãos da Academia Nacional das Belas Artes, atendendo ao seu mérito académico.
A IX Missão Estética de Férias realizada em Évora em 1945, foi orientada pelo pintor Dórdio Gomes e nela há a salientar a participação não só de pintores como Júlio Resende, António Lino e Júlio Pomar, como de arquitectos como Nadir Afonso e Francisco Rodrigues, bem como do escultor Arlindo Rocha.
O quadro “Gadanheiro” (Fig. 1) de Júlio Pomar ficou a marcar a Missão Estética de 1945, na qual o pintor produziu ainda obras como “Descanso” (Fig. 2) e “Retrato de Camponês” (Fig. 3). No relatório da Missão entregue à Academia Nacional de Belas-Artes, Dórdio Gomes destacou que Júlio Pomar não se interessou pela cidade, antes pelo trabalho dos camponeses, o que na sua opinião constitui outra face do Alentejo.
As pinturas de Júlio Pomar acima referidas, são consideradas pinturas inaugurais do Movimento neo-realista português, em ruptura com o panorama artístico conservador e retrógrado da década de 40.

2 - As Exposições Gerais de Artes Plásticas (1946-1956)
As Exposições Gerais de Artes Plásticas - EGAP ocorreram entre 1946 e 1956 na SNBA - Sociedade Nacional de Belas Artes, com um interregno em 1952, devido à SNBA ter sido encerrada pela PIDE. Foram cruciais na afirmação das correntes artísticas portuguesas do pós-guerra, em particular do neo-realismo. Constituíram também um marco relevante na afirmação das artes plásticas no âmbito político-social, bem como na história da luta contra o fascismo em Portugal.
As EGAP surgiram numa época em que nas poucas salas de exposições como a SNBA, ou imperava um academismo conservador ou se exaltava o regime fascista, como acontecia com o SNI - Secretariado Nacional de Informação, dirigido por António Ferro.
As EGAP foram organizadas anonimamente pelo MUD - Movimento de Unidade Democrática e inseriram-se numa acção política de oposição ao regime, abalado pela crise económica de 1945, no final da guerra. Os expositores eram convidados a participar, sendo-lhes dado conhecimento da inexistência de júri e de prémios, sendo-lhes apenas exigida uma condição: nunca ter exposto no SNI ou doravante não o voltar a fazer.
É de realçar o carácter multidisciplinar das EGAP, já que para além da pintura, escultura, desenho e gravura, incorporaram com regularidade a arquitectura, as artes gráficas, a publicidade, as artes decorativas e esporadicamente, a fotografia.
A 1ª exposição foi um sucesso, o qual se repetiu na 2ª, cujo catálogo assinalava o desejo de aproximar a arte do povo, ao qual era endereçada uma mensagem de amizade e solidariedade. Ao perceber o significado real da iniciativa, o regime reage com violência, primeiro através do Diário da Manhã (órgão da União Nacional – partido único) e depois com uma rusga policial, a qual culminou com a apreensão de obras de Arnaldo Almeida, Avelino Cunhal, José Viana, Júlio Pomar, Maria Keil, Mário Dionísio, Nuno Tavares, Ribeiro de Pavia e Rui Pimentel, entre outros. A partir da 3ª exposição (1948) passou a ser accionada a censura prévia às exposições.
A importância das EGAP foi um corolário natural da sua regularidade e da inexistência de júris e prémios. Na verdade, um tal contexto viabilizou o surgimento de vagas consecutivas de jovens artistas que se destacariam na arte portuguesa, como Manuel Ribeiro de Pavia, Júlio Pomar, Cipriano Dourado, João Hogan, Maria Keil, Rolando Sá Nogueira, Alice Jorge, Querubim Lapa, Lima de Freitas, João Abel Manta, Rogério Ribeiro e António Alfredo, mas não só. Também escultores como Vasco da Conceição, Maria Barreira, Jorge Vieira, José Dias Coelho e Lagoa Henriques e arquitectos como Keil do Amaral, Hernani Gandra, Celestino de Castro, Castro Rodrigues e Sena da Silva. Por outro lado, as EGAP deram visibilidade a tendências variadas, entre elas o neo-realismo, de tal modo que a história deste passa pela história das EGAP.
A participação dos neo-realistas nas EGAP nunca foi maioritária nem assumiu contornos definidos, insurgindo-se os neo-realistas contra a própria ideia de estilo.
O período de afirmação do neo-realismo coincide com a duração das EGAP, já que a partir daí o movimento se dispersa e os artistas vão seguindo cada um o seu caminho.

3 - O ciclo do arroz (1953)
O “Ciclo do arroz” foi uma experiência colectiva, artístico-literária, realizada em 1953, na qual participaram Alves Redol, Júlio Pomar, Rogério Ribeiro, Cipriano Dourado, Lima de Freitas, António Alfredo e Alice Jorge. Consistiu na realização de trabalho de campo junto das trabalhadoras dos arrozais do Ribatejo - cavadoras, mondadeiras e plantadoras de arroz - visando conhecer o seu modo de vida, as condições e a dureza do trabalho. O registo desse trabalho de campo, efectuado através de apontamentos e de fotografias, viria a ser utilizado na criação de obras (fig. 5)que receberam o título comum "Ciclo do arroz".

4 - A fundação da Sociedade Portuguesa de Gravadores (1956)
Em 1956 foi criada em Lisboa, a GRAVURA – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, a qual visava promover a gravura enquanto forma de arte. À data, nem sequer as Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto se dedicavam a essa modalidade artística.
O seu objectivo era desenvolver a produção e divulgação da gravura original em Portugal e a venda aos sócios das gravuras produzidas através da sua actividade, incluindo uma oficina de gravura.
Do conjunto de sócios fundadores em número de 18, ressaltam os nomes de Júlio Pomar, Cipriano Dourado, José Cardoso Pires, Alice Jorge, Rogério Ribeiro, Armando Augusto Vieira dos Santos, José Júlio Andrade dos Santos, Joaquim José Barata e Francisco da Conceição Silva.
A gravura, devido à sua possibilidade de reprodução técnica, constituía um meio privilegiado de tentativa de democratização da prática artística e de aproximação da arte do povo. Por isso, a GRAVURA promoveu exposições itinerantes que percorriam o país e na quais todos os artistas participavam.

BIBLIOGRAFIA

- COSTA, Diogo Moraes Leitão Freitas da. Missões estéticas de férias: estética, academia e política numa iniciativa de formação artística do Estado Novo. Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Lisboa, 2016. [Em linha].  Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/27968?locale=pt_PT . [Consultado em 10 de Abril de 2024].

- ESTEVES, João. EXPOSIÇÃO "OS CICLOS DO ARROZ" - MUSEU DO NEO-REALISMO . Vila Franca de Xira, 2016 [Em linha]. Disponível em: https://silenciosememorias.blogspot.com/2016/04/1438-exposicao-os-ciclos-do-arroz-i.html . [Consultado em 12 de Abril de 2024].

- GOMES, Inês Vieira. Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses: O renascimento da Gravura em Portugal. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2010. [Em linha]. Disponível em: http://run.unl.pt/bitstream/10362/5700/1/tese.pdf [Consultado em 13 de Abril de 2024].

- NEVES, José. O comunismo mágico-científico de Alves Redol em Etnográfica - Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia. VOL. 11 (1) | 2007. [Em linha]. Disponível em:  https://journals.openedition.org/etnografica/1884. [Consultado em 10 de Abril de 2024].

- POMAR, Alexandre. 1945 - MISSÃO ESTÉTICA, ÉVORA. [Em linha]. Disponível em: https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2020/04/1945-miss%C3%A3o.html . [Consultado em 10 de Abril de 2024].

- QUEIROZ, João Paulo. A Sociedade Nacional de Belas Artes - História em Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 2020. [Em linha]. Disponível em: https://snba.pt/wp-content/uploads/2020/12/ASNBA_Historia-2.pdf . [Consultado em 11 de Abril de 2024]. 

- SANTOS, David (coordenador). BATALHA PELO CONTEÚDO / EXPOSIÇÃO DOCUMENTAL / MOVIMENTO NEO-REALISTA PORTUGUÊS. Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e Museu do Neo-realismo. Vila Franca de Xira, 2007.

- WIKIPÉDIA. Exposições Gerais de Artes Plásticas. [Em linha]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Exposi%C3%A7%C3%B5es_Gerais_de_Artes_Pl%C3%A1sticas . [Consultado em 11 de Abril de 2024].

- WIKIPÉDIA. Gravura – Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. [Em linha]. Disponível em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gravura_%E2%80%93_Sociedade_Cooperativa_de_Gravadores_Portugueses [Consultado em 13 de Abril de 2024].

- XAVIER, Pedro do Amaral. Educação artística no Estado Novo: as missões estéticas de férias e a doutrinação das elites políticas em Apha. Boletim #4. Associação Portuguesa de Historiadores de Arte. Porto, 2006. [Em linha]. Disponível em: https://apha.pt/wp-content/uploads/boletim4/PedroXavier.pdf . [Consultado em 10 de Abril de 2024].

Hernâni Matos



Fig. 2 – Descanso (1945). Júlio Pomar (1926-2018). Óleo e areia sobre aglomerado,
48 x 80 cm. Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira.

Fig. 3 – Retrato de camponês (1945). Júlio Pomar (1926-2018). Óleo sobre
cartão colado sobre tela, 42x34 cm. Atelier-Museu Júlio Pomar, Lisboa.

Fig. 4 – Ordem (1946). José Viana (1922-203). Óleo sobre tela, 73 x 83 cm.
Centro de Arte Moderna, Lisboa.

Fig. 5 – Mondadeiras (1954). Rogério Ribeiro (1930-2008). Aguarela, tinta-da-China e óleo
 sobre papel, 53,2 x 60,4 cm. Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Ora agora falo eu!

 

O discurso de Hernâni Matos. Fotografia de Luís Mariano Guimarães.


Palavras proferidas no acto inaugural da exposição
NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS
que no passado dia 15 de Junho teve lugar na
Sala de Exposições Temporárias do
Museu Municipal de Estremoz Professor Joaquim Vermelho

 

 Vejamos o que aqui nos traz aqui

Em boa hora o Município de Estremoz teve a iniciativa de promover um conjunto de iniciativas, de índole diversificada e plural, sob a epígrafe "50 ANOS EM LIBERDADE: COMEMORAÇÕES DO 50° ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL DE 1974”.
Nestas comemorações se insere a presente exposição de artes plásticas, designada por NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS.
Este certame tem 3 objectivos precisos e claros: - Comemorar os 50 anos do 25 de Abril; - Realçar o papel da arte neo-realista como arte de resistência; - Divulgar trabalhos de artistas plásticos neo-realistas.

Falemos de Abril
Foi em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do Movimento das Forças Armadas – MFA, que foi conseguido o derrube da ditadura mais velha da Europa – o regime totalitário e fascista de Salazar e de Caetano.
No desenrolar dos acontecimentos teve papel determinante um esquadrão do RC3 comandado pelo então capitão Andrade Moura, o qual cumprida a missão que o levara a Lisboa, à chegada a Estremoz foi alvo de grandiosa recepção popular, sendo aclamado pela multidão entusiasmada e recebendo honras militares.
Estremoz, através do seu prestigiado RC3, participara na libertação, o que muito nos congratula.
No seu poema “As portas que Abril abriu!”, o saudoso poeta José Carlos Ary dos Santos, diz-nos quem fez o de Abril de 1974:

“Quem o fez era soldado
homem novo Capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.”

E mais adiante:

“Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.”

Com o 25 de Abril de 1974 houve uma mudança de paradigma. Como preito de homenagem a Luís Vaz de Camões, cujo 5º Centenário de Nascimento está a decorrer, mas pensando sempre no 25 de Abril de 1974, não resisto a parafrasear um excerto de um dos seus mais famosos sonetos:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

Antecedentes do 25 de Abril
O 25 de Abril foi antecedido de muitas lutas contra o regime, por parte de múltiplos sectores da sociedade portuguesa: operários, camponeses, trabalhadores de serviços e intelectuais.
É nesse contexto de luta que surge informalmente uma frente cultural de escritores e artistas plásticos, descontentes com a política cultural do Estado Novo, frente essa que viria a ser designada por “Movimento neo-realista português”.
Tratou-se dum movimento filosófico, literário e artístico, o qual se manifestaria pela primeira vez em meados dos anos 30 através de polémicas literárias surgidas nos jornais “O Diabo” e “Sol Nascente”, bem como na revista “Vértice”, que defendiam uma arte virada para os verdadeiros problemas da sociedade, entrando em ruptura com o que era preconizado pela revista “Presença”, a qual defendia uma literatura expurgada de ideologia e não comprometida socialmente e que ao contrário do neo-realismo dava mais importância à “forma” que ao “conteúdo”.
O Movimento neo-realista português estender-se-ia já nos anos 40 às artes plásticas.
Os neo-realistas assumem-se então como representantes e porta-vozes dos anseios das classes trabalhadoras, propondo-se retratar a realidade social e económica do país, ao mesmo tempo que se empenham na transformação das condições sociais do mesmo. Para tal, focam-se no homem e na mulher comuns, procurando saber como vivem e trabalham operários e camponeses. Para além disso, abordam e aprofundam temas como as desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem. Escrutinam as injustiças e analisam o modelo social vigente. Pugnam pela elevação moral dos oprimidos e depositam esperança no futuro do Homem.
É claro que a defesa de todos estes valores se processa nas condições mais duras de repressão, que incluem no mínimo a censura (caso dos frescos de Júlio Pomar no Cinema Batalha no Porto em 1948, os quais foram mandados destruir), a apreensão de obras de arte (como aconteceu, entre outros, com Júlio Pomar, Lima de Freitas e Manuel Ribeiro de Pavia na Exposição Geral de Artes Plásticas de 1947, em Lisboa), a censura prévia de exposições (como aconteceu nas Exposições Gerais de Artes Plásticas entre 1948 e 1956), a proibição da realização de exposições (como aconteceu em 1952 em que não se realizou a Exposição Geral de Artes Plásticas, porque a Sociedade Nacional de Belas Artes esteve encerrada pela PIDE), a interdição do desempenho de cargos públicos (caso de Júlio Pomar e Alice Jorge) e no limite, a prisão (como aconteceu com os pintores Rogério Ribeiro, Júlio Pomar e Lima de Freitas) e mesmo o assassinato a tiro na via pública (como aconteceu com o escultor José Dias Coelho).

Memórias guardadas
Os trabalhos neo-realistas aqui expostos são registos da realidade de uma época nos seus múltiplos aspectos: social, económico e político. São pois, memórias do passado.
Por outro lado, ao reunir um acervo pessoal dessas obras, tornei-me, eu próprio, um guardador de memórias.
Estas memórias guardadas, conjuntamente com muitas outras memórias integram a chamada “memória colectiva”, a qual nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.

A terminar
Dou-vos conta da minha disponibilidade para vos conduzir numa visita guiada à exposição.
Mas antes disso gostaria de expressar publicamente alguns agradecimentos:
Em primeiro lugar, ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Pena Sadio, que teve a gentileza de redigir um texto de abertura para o catálogo, que muito o valoriza e me honra, já que no mesmo é reconhecido o valor e o interesse de parte do meu acervo estar patente ao público, o que o levou a conceder o seu aval à presente exposição.
Em segundo lugar, ao estimado filósofo e meu prezado amigo António Júlio Rebelo, que igualmente teve a gentileza de redigir o texto “O imaginário desceu à terra”, um monumento de pensamento cuja inserção no catálogo muito me orgulha.
Em terceiro lugar, quero agradecer a curadoria da exposição, de Isabel Borda d’Água, Directora do Museu Municipal de Estremoz, que se mostrou inexcedível na preparação da exposição e na divulgação da mesma.
Por último, quero agradecer à equipa de montagem do Museu, liderada pelo Senhor Manuel Broa, a dedicação e a competência técnica reveladas na concretização do “visual da exposição”.
A todos, o meu muito obrigado. Bem hajam!
Para todos eles, peço uma calorosa salva de palmas.

Hernâni Matos

Uma aspecto inicial da assistência. Fotografia de Luís Mariano Guimarães.

domingo, 16 de junho de 2024

Convite - Antunes da Silva

 


Convite
Antunes da Silva (1921-1997)


Vinde Ver A Primavera,
Vós Que Sois Da Minha Terra.
Na Raiz De Cada Chão
Nasce Um Canto Contra A Guerra.

Vinde Ver O Sol Fecundo
E Abraçar A Ventania.
Nas Vozes De Cada Fome
Há Gritos De Rebeldia
Vinde, Vinde!

Antunes da Silva (1921-1997)

Hernâni Matos


#Poesia Portuguesa - 216

NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS

 



Créditos fotográficos:
Jorge Mourinha - Município de Estremoz


Integrada no Programa Comemorativo “50 anos em Liberdade: Comemorações do 50º Aniversário da Revolução de Abril de 1974”, decorreu ontem na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz Prof. Joaquim Vermelho, a inauguração da exposição de artes plásticas NEO-REALISMO / MEMÓRIAS GUARDADAS / COLECÇÃO HERNÂNI MATOS.

No acto inaugural, participaram cerca de 4 dezenas de convidados, cuja presença e afecto foi para mim gratificante. Presidiu ao evento, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, José Daniel Pena Sadio, a quem agradeço as palavras amigas, bem como ao Chefe de Divisão, Hugo Guerreiro, o qual no mesmo sentido o antecedeu no uso da palavra.  Seguidamente, coube-me a mim igual papel, tendo agradecido as facilidades concedidas pelo Município. De resto e como não podia deixar de ser, procurei dar uma visão do que que foi o movimento neo-realista português, o modo como surgiu e porque surgiu, os seus marcos mais importantes, as lutas em que se envolveu antes do 25 de Abril, bem como as suas naturais implicações.

A terminar, orientei uma visita guiada à exposição, procurando facilitar a leitura e interpretação das obras dos artistas plásticos patentes ao público: Júlio Pomar, António Cunhal, Lima de Freitas, Júlio Resende, Manuel Ribeiro de Pavia, Cipriano Dourado, Rogério Ribeiro, Alice Jorge, Jorge de Almeida Monteiro, Espiga Pinto, Querubim Lapa e Aníbal Falcato Alves. No seu conjunto, as obras expostas são em número de 40 e distribuem-se por diferentes tipologias: desenho a grafite, desenho a tinta-da-China, guache, aguarela, técnica mista, serigrafia, linoleogravura, xilogravura, litografia, água forte e água tinta e colagem. A mostra estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

Hernâni Matos





































sábado, 15 de junho de 2024

Diário de bordo - Álvaro Feijó




Diário de bordo
Álvaro Feijó (1916-1941)

Letra a letra,
hora a hora,
linha a linha,
marquei no Diário de Bordo
as fases da viagem.

Dias e dias no embalar das vagas,
sem que um bafo de brisa poluísse
o abandono tentador das velas;
expedições forçadas, abordagens;
fome e sede de carne, nos jejuns
de cem dias de Mar;
velhos contos de bordo, em noites podres,
sem lua e sem estrelas;
o escorbuto na alma, apodrecida
à espera dos combates;
os rateios da presa recolhida
e, ao fim,
a Ilha dos Amores de qualquer porto
onde as mulheres se vendem.
E tudo foi, profundamente, inútil.

Livro de Bordo de Corsário, deixa
que o tempo apague a tua prosa inútil
e escreve a história imensa
daquela frota em que tu vais partir
– como pobre navio auxiliar –
à demanda e à conquista
do Novo Continente
!

Álvaro Feijó (1916-1941)


#Poesia Portuguesa - 215