terça-feira, 15 de outubro de 2024
A olaria tradicional como parte integrante da identidade cultural estremocense
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
NA JANELA DO TEMPO
Novo livro de Georgina Ferro apresentado
na Sociedade de Artistas Estremocense
Reportagem de Hernâni Matos. Fotografias de Manuel Xarepe
A Sessão de apresentação
Com o Salão de Festas da Sociedade de Artistas Estremocense literalmente cheio, teve lugar a partir das 16 horas e 30 minutos do passado dia 28 de Setembro, a sessão de lançamento e apresentação do livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, da autoria de Georgina Ferro, editado em Julho passado pelas edições Colibri, com uma tiragem de 500 exemplares.
A sessão foi coordenada por Fátima Crujo e a intervenção de abertura coube a João Ferro, Presidente da Direcção. Na Mesa encontravam-se o editor do livro, Fernando Mão de Ferro, Hernâni Matos e a autora, que falaram por esta ordem.
Coube a Hernâni Matos fazer a apresentação formal da obra, finda a qual solicitou uma calorosa salva de palmas para a autora, que agradeceu emocionada. Seguiu-se a leitura de excertos de estórias do livro pela filha Sónia Ferro e pelos netos Clara Ferro e Tiago Ferro. No final, a autora autografou o livro para o muito público presente.
A autora
A autora, professora aposentada do 1º ciclo, é natural de Manteigas, onde nasceu a 8 de Dezembro de 1948, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição. Daí que, segundo diz, se tenha sentido “sempre abençoada e protegida por todas as mães: a Mãe Natureza, a Mãe Celestial e a Mãe da Terra”. A autora revela-nos que repartiu o tempo de infância ente Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã. Frequentou a Instrução Primária até à 3ª classe em Aldeia do Bispo (Sabugal) e a 4ª classe em Manteigas. Ingressou depois no Ensino Liceal no Colégio de Nossa Senhora Auxiliadora, no Monte Estoril. Em 1967 ingressou na Escola do Magistério Primário de Évora e terminado o Curso, começou a leccionar o Ensino Primário no ano de 1969 em Rosário (Alandroal), a que se seguiram Veiros, Selmes (Vidigueira), Aldeia da Serra e Glória, onde leccionou 32 anos, até se aposentar em 2003.
Fixou-se em Estremoz em 1972 e aqui casou e teve 3 filhos: Sónia, Pedro e Inês. Sem nunca ter perdido os laços afectivos à terra natal e aos territórios da sua infância, Georgina é cumulativamente uma estremocense adoptiva, que tem participado activamente na vida social da Comunidade em múltiplos aspectos: educativos, cívicos e culturais.
Conheço seguramente a Georgina desde o início do exercício do Magistério Primário na Freguesia da Glória, da sua ligação à Comunidade, do seu reconhecimento por parte da mesma e do seu amor às coisas campaniças.
Lembro-me de partilhar há muito com a Georgina uma grande admiração pelo “Ti Rolo” da Aldeia de Cima (Glória), que exercia sobre nós um fascínio incomensurável, pela sua oralidade transbordante e pelos artefactos de arte pastoril nascidos das suas mãos mágicas, nos quais projectava toda a imaginária popular, lavrada em chifres e paus sabiamente escolhidos.
Lembro-me do nascimento da sua filha Sónia e tive o privilégio de ser professor de Física de 12º ano do seu filho Pedro. Foi uma experiência encantadora, pois além do Pedro ser um aluno fortemente motivado, eu tive oportunidade de pôr em prática o método de ensino-aprendizagem personalizado, preconizado por muitos pedagogos. É que o Pedro era o único aluno da turma. Nenhum de nós deixou os seus créditos por mãos alheias e a experiência pedagógica foi um êxito.
Lembro-me do envolvimento da Georgina no Projecto Serra de Ossa, desde o início, no tempo da liderança de Gil Malta e de ela ter participado em 1998, conjuntamente com outros professores, entre os quais eu me incluo, nas “Segundas Jornadas da Serra d’Ossa”, levadas a efeito na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A sua bem-sucedida intervenção oral nessas jornadas, foi o embrião dos seus primeiros livros, publicados ambos em 2005: “Plantas Medicinais da Serra d'Ossa” e “Por um Amanhã Mais Verde, Mezinhas Caseiras com Plantas da Serra d'Ossa”.
Em Setembro de 2012, a Georgina concedeu-me o privilégio de participar na apresentação pública do meu livro “Memórias do Tempo da Outra Senhora”, o que muito me congratulou.
Em Dezembro de 2013 a Georgina brindou-nos com o lançamento do seu livro de poesia “O MEU ARRAIAR POR TERRAS DO SABUGAL”, editado pela Colibri, o qual foi apresentado na Casa de Estremoz pela Maria do Céu Pires e pela Francisca de Matos.
Desta feita, coube-me a mim fazer a apresentação formal do seu mais recente livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, na sequência do convite que me foi endereçado pela autora e que eu gostosamente aceitei.
A obra
Fisicamente é um livro brochado, de 22,8 x 16 cm e 236 páginas, dado à estampa pelas prestigiadas Edições Colibri de Fernando Mão de Ferro. Tem capa a cores de Raquel Ferreira, gizada a partir de fotografia de Abel Cunha. Na primeira badana figura uma pequena biografia e a fotografia da autora e na segunda badana, um excerto de uma das estórias do livro. Este tem prefácio de José Carlos Lage, o qual confessa que é “Fácil e ao mesmo tempo difícil” falar das poesias e das crónicas de Georgina. Por sua vez, em posfácio impresso na contracapa, Francisca de Matos afirma e muito bem, que “Esta obra é, sobretudo, uma grande lição de vida, um legado que não deve, não pode ser esquecido”.
O livro é um livro de estórias ou não fosse Georgina, para além de notável poetisa, uma extraordinária contadora de estórias. Não estórias quaisquer, nem tão pouco inventadas ou arquitectadas, mas estórias reais ocorridas no tempo da sua infância, repartida entre Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã.
São estórias com personagens reais, de carne e osso, como o Ti Júlio, a Ti Mariana, a Senhora Isabel Augusta, o Ti Zé Ramos, a Menina Zéfinha, o tio António Pantalona, o tio Zé Manso e não sei quantos mais, numa infinidade numerável que não consegui quantificar. São eles que constituem aquilo que com orgulho, Georgina chama “A Minha Gente”.
São estórias contadas e redigidas numa escrita fluida e ágil, eficaz na pintura descritiva das paisagens rurais e do interior das casas aldeãs. Escrita que é também uma partilha intimista das emoções e sentimentos dos personagens, incluindo Georgina, também ela própria, personagem por direito próprio e inalienável. Tudo sempre minuciosamente filigranado ao pormenor, numa linguagem rica, valorizada pelo uso de vocábulos regionais, cujo sentido, se necessário pode ser decifrado num glossário que antecede o índice final.
São estórias do tempo em que nas aldeias se tocavam as Trindades.
As hortas eram regadas com água tirada das noras e das picotas. Comia-se daquilo que a terra dava e em situações de carência havia partilha e entreajuda ente vizinhos e familiares. Todavia, a falta de dinheiro para bens de mercearia e para comprar entre outras coisas, petróleo para alumiar, levavam alguns, mais aflitos e mais afoitos, a entrar no contrabando através da raia de Espanha ou a dar o salto para França.
Apesar de tudo ou talvez por isso, rezava-se a Deus, à Mãe de Jesus, ao Anjo da Guarda e a Santo Antão para proteger o gado.
A menina Zefinha andava de taleigo à cabeça, a ti Mariana remendava as ceroulas do Ti Júlio e a ti Neves do Ti Júlio punha-lhe ventosas e papas de linhaça, a ver se ele arribava.
A roupa era cosida, remendada e transformada, passando dos mais crescidos para os mais pequenos. O pão era amassado de tarde para ficar a dormir à noite e os mais velhos davam a bênção aos mais novos antes destes adormecerem.
Isto e muito mais, são registos de memórias de tempos idos dos personagens do livro. Tempos e vivências difíceis e duras, mas também de afectos, partilhas e tradições numa Comunidade onde Georgina nasceu e cresceu, com a qual se identifica e que pela mesma é reconhecida e idolatrada.
Georgina é, pois, uma guardadora de memórias, muitas delas guardadas no presente livro e que por serem reconhecidas pela Comunidade que a viu nascer e crescer, integram a memória colectiva local e contribuem com a sua quota parte para a memória colectiva regional e para a memória colectiva nacional.
É a memória colectiva que nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.
Daí a importância de que se reveste o livro, cuja leitura vivamente recomendo.
domingo, 6 de outubro de 2024
Repercussões do 5 de Outubro no leito dos portugueses
São conhecidos diversos tipos de camas
de ferro com a coroa real portuguesa, dos quais os exemplares da Fig. 2 e da fig. 3 são apenas dois.
Com a implantação da República Portuguesa em 5 de Outubro de 1910, há uma mudança
de paradigma em múltiplos aspectos da vida social da época. Não admira, pois,
que algum fabricante de camas de ferro, com sentido de oportunidade para o
negócio, tivesse decidido adaptar a sua produção aos novos tempos.
A imagem da Fig. 1 mostra-nos em pormenor
o topo das costas de uma cama de ferro. Em moldura elíptica de orla rendilhada,
está patente uma alegoria republicana. Em primeiro plano, o barrete frígio, símbolo
republicano da liberdade. Em segundo plano, um facho que emite luz, virado para
a esquerda do observador, o qual integra a simbologia maçónica.
Aqueles dois símbolos
conjuntamente quererão significar que “por detrás da República está a Maçonaria”
ou “a República é de inspiração maçónica” ou ainda “por detrás da República
está a ânsia da liberdade”.
O barrete frígio e o facho de luz
estão implantados num campo de flores, que a serem mimosas, simbolizam a
inocência e a pureza, virtudes que na alegoria estarão associadas à República e
à Maçonaria.
Há entre nós, respigadores natos,
farejadores de fino olfacto, guardadores de memórias compulsivos, os quais
deambulam por aqui e por ali, em casas de adelo e mercados de velharias, “em busca do tempo perdido", como diria Marcel Proust. São heróis na maioria
anónimos, muitas vezes com limitados ou mesmo parcos recursos, que a expensas
suas, tomam a iniciativa e a liberdade de trazer à luz do dia, testemunhos e
por vezes despojos do passado, que são importantes memórias materiais indispensáveis
à construção e à explicitação da nossa memória histórica enquanto Povo e da nossa
identidade cultural enquanto Nação.
MUITO OBRIGADO, MANUELA MENDES!
domingo, 29 de setembro de 2024
Pim! Onde é que já se viu uma Georgina assim?
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
ESTREMOZ - O neo-realismo a passar por aqui
D. Maria Fernanda Andrade.
[1]
“Gandaia” é um termo pertencente à gíria popular, cujo significado é: “Acto de remexer o lixo à procura do que nele se pode aproveitar”.
[2] Sinopse recolhida em https://tradestories.pt/carlos-lopes/livro/gandaia .
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Arte pastoril alentejana e Exposição do Mundo Português
Há alguns anos atrás, em conversa amiga e habitual com o artesão oradense João Catarino, foi-me dito por este que estava à venda num antiquário de Borba, uma colher antiga em madeira, bordada com a imagem de Nossa Senhora [1]. Disse-me ainda, mais ou menos isto: “O professor é coleccionador, mas se não a comprar, compro-a eu, que aquilo é coisa antiga, feita por alguém da minha terra”. Como não deixo os meus créditos por mãos alheias, lá fui ao antiquário para “abrir os cordões à bolsa” e comprar a linda colher, cuja descrição passo de imediato a fazer.
Colher de madeira com 17 cm de comprimento, em cujo cabo encimado por uma cruz, figura a imagem lavrada de Nossa Senhora da Orada. Junto
à base do manto, as iniciais "JT" do artesão Joaquim
Teodoro da Cruz [2],
inscritas num coração, o que decerto simbolizará a devoção do artista popular
por aquela imagem de Nossa Senhora.
Próximo da zona de ligação do
cabo à concha, as inscrições "ORADA" e "1940", distribuídas por duas linhas.
1940 foi o ano da "Exposição
do Mundo Português", que teve lugar de 23 de Junho a 2 de Dezembro de
1940. Foi um evento realizado em Lisboa durante o regime do Estado Novo, com o
propósito de comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português
(1140) e da Restauração da Independência (1640).
ORADA é a aldeia da naturalidade
de Joaquim Teodoro da Cruz, que terá participado na Exposição na qualidade de
artesão.
A vila de Orada participou em 30
de Junho desse ano no “Cortejo Histórico do Mundo Português” (https://www.youtube.com/watch?v=yZg3f-4NXac),
o qual teve lugar no recinto da Exposição e foi criado e encenado por Henrique
Galvão.
A vila da Orada ficara, de resto, classificada em 2.º lugar no concurso "A aldeia mais portuguesa de Portugal"(https://books.openedition.org/etnograficapress/569), organizado em 1938 pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN). A apresentação da vila da Orada ao júri do concurso, decorreu a 2 de Outubro de 1938 e pode ser visualizada no extracto do filme "A Aldeia mais Portuguesa de Portugal" (https://www.facebook.com/watch/?v=1103185636453994), realizado por António de Menezes, em 1938.
[1] Nossa Senhora
da Orada é Padroeira da Freguesia da Orada no concelho de Borba e é venerada na
Igreja de Nossa Senhora da Orada, que segundo a tradição terá sido fundada pelo
Condestável D. Nuno Álvares Pereira, o qual no local terá orado antes de partir
para a Batalha dos Atoleiros, da qual o exército português saiu vitorioso. De
salientar que o condestável era o donatário daquelas terras e a Igreja já aparece
referenciada no século XVI.
[2] A
identificação do autor a partir das iniciais foi feita após conhecimento de
outra colher, identificada por Vitor Tavares Santos
(https://www.facebook.com/photo/?fbid=10212487299973993&set=g.1505900599500258),
o qual conheceu o artesão quando vivia em Cacilhas no andar superior do antigo
Quartel de Bombeiros. A Vitor Tavares Santos os meus agradecimentos.
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
CICLO DA CORTIÇA - Uma jóia de arte pastoril alentejana
Guardador de memórias de arte pastoril alentejana, sob a
epígrafe QUANDO A CORTIÇA SE TRANSFORMA EM ARTE, publiquei recentemente no Facebook,
as imagens de 3 quadros em cortiça, pertencentes ao meu acervo de arte pastoril
alentejana, os quais mereceram o apreço generalizado de amigos e seguidores.
Uma dessas pessoas foi a minha estimada amiga Manuela Mendes,
que há muito assumiu o Compromisso de Salvaguarda da Memória da Fábrica Robinson
de Portalegre, que muito justamente considera a verdadeira JOIA da COROA de
Portalegre. Como comentário à terceira publicação que eu fiz dos meus quadros
de cortiça, perguntou:
- “E este Prof? Um dos muitos exemplares de grande
formato feito em Portalegre na primeira metade do séc. XX.”
Referia-se a uma folha de calendário para os meses de Maio e
Junho de 1963, impresso em aglomerado de cortiça e editado pela Fábrica
Robinson de Portalegre (Fig. 2).
A minha resposta foi a seguinte:
Manuela:
Este quadro (Fig. 1)
é de tal maneira extraordinário, que se situa num patamar superior a tudo
aquilo que me é dado conhecer.
A moldura é em cortiça.
A orla que ladeia
interiormente a moldura é um autêntico filigrana do mesmo nobre material.
O tema do quadro é o registo etnográfico do “Ciclo
da cortiça” nas suas diferentes fases em tempos de antanho, com a particularidade de os
intervenientes no ciclo estarem representados por figurinhas esculpidas em
madeira.
Onde parará esta jóia da arte pastoril alentejana? Quem terá sido o seu
criador? São duas perguntas (im)pertinentes, que ficam à espera de resposta.
Se me autorizar a
reproduzir a imagem e se não se importar, após adaptação publicarei o presente
texto no meu blogue.
Bem-haja. Um forte abraço
deste caminheiro e guardador de memórias da arte pastoril alentejana, que
admira todo o seu trabalho em prol da preservação da Memória da Fábrica Robinson
de Portalegre.
E a autorização chegou.