quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Arte pastoril alentejana e Exposição do Mundo Português

 

Colher em madeira. Artefacto de arte pastoril alentejana da autoria de Joaquim Teodoro da Cruz. Orada, 1940.

Há alguns anos atrás, em conversa  amiga e habitual com o artesão oradense João Catarino, foi-me dito por este que estava à venda num antiquário de Borba, uma colher antiga em madeira, bordada com a imagem de Nossa Senhora [1]. Disse-me ainda, mais ou menos isto: “O professor é coleccionador, mas se não a comprar, compro-a eu, que aquilo é coisa antiga, feita por alguém da minha terra”. Como não deixo os meus créditos por mãos alheias, lá fui ao antiquário para “abrir os cordões à bolsa” e comprar a linda colher, cuja descrição passo de imediato a fazer.

Colher de madeira com 17 cm de comprimento, em cujo cabo encimado por uma cruz, figura a imagem lavrada de Nossa Senhora da Orada. Junto à base do manto, as iniciais "JT" do artesão Joaquim Teodoro da Cruz [2], inscritas num coração, o que decerto simbolizará a devoção do artista popular por aquela imagem de Nossa Senhora.

Próximo da zona de ligação do cabo à concha, as inscrições "ORADA" e "1940", distribuídas por duas linhas.

1940 foi o ano da "Exposição do Mundo Português", que teve lugar de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940. Foi um evento realizado em Lisboa durante o regime do Estado Novo, com o propósito de comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640).

ORADA é a aldeia da naturalidade de Joaquim Teodoro da Cruz, que terá participado na Exposição na qualidade de artesão.

A vila de Orada participou em 30 de Junho desse ano no “Cortejo Histórico do Mundo Português” (https://www.youtube.com/watch?v=yZg3f-4NXac), o qual teve lugar no recinto da Exposição e foi criado e encenado por Henrique Galvão.

A vila da Orada ficara, de resto, classificada em 2.º lugar no concurso "A aldeia mais portuguesa de Portugal"(https://books.openedition.org/etnograficapress/569), organizado em 1938 pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN). A apresentação da vila da Orada ao júri do concurso, decorreu a 2 de Outubro de 1938 e pode ser visualizada no extracto do filme "A Aldeia mais Portuguesa de Portugal" (https://www.facebook.com/watch/?v=1103185636453994), realizado por António de Menezes, em 1938. 


[1] Nossa Senhora da Orada é Padroeira da Freguesia da Orada no concelho de Borba e é venerada na Igreja de Nossa Senhora da Orada, que segundo a tradição terá sido fundada pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira, o qual no local terá orado antes de partir para a Batalha dos Atoleiros, da qual o exército português saiu vitorioso. De salientar que o condestável era o donatário daquelas terras e a Igreja já aparece referenciada no século XVI.

[2] A identificação do autor a partir das iniciais foi feita após conhecimento de outra colher, identificada por Vitor Tavares Santos (https://www.facebook.com/photo/?fbid=10212487299973993&set=g.1505900599500258), o qual conheceu o artesão quando vivia em Cacilhas no andar superior do antigo Quartel de Bombeiros. A Vitor Tavares Santos os meus agradecimentos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

CICLO DA CORTIÇA - Uma jóia de arte pastoril alentejana

 


Fig. 1

Guardador de memórias de arte pastoril alentejana, sob a epígrafe QUANDO A CORTIÇA SE TRANSFORMA EM ARTE, publiquei recentemente no Facebook, as imagens de 3 quadros em cortiça, pertencentes ao meu acervo de arte pastoril alentejana, os quais mereceram o apreço generalizado de amigos e seguidores.

Uma dessas pessoas foi a minha estimada amiga Manuela Mendes, que há muito assumiu o Compromisso de Salvaguarda da Memória da Fábrica Robinson de Portalegre, que muito justamente considera a verdadeira JOIA da COROA de Portalegre. Como comentário à terceira publicação que eu fiz dos meus quadros de cortiça, perguntou:

- “E este Prof? Um dos muitos exemplares de grande formato feito em Portalegre na primeira metade do séc. XX.”

Referia-se a uma folha de calendário para os meses de Maio e Junho de 1963, impresso em aglomerado de cortiça e editado pela Fábrica Robinson de Portalegre (Fig. 2).
A minha resposta foi a seguinte:

Manuela:

Este quadro (Fig. 1) é de tal maneira extraordinário, que se situa num patamar superior a tudo aquilo que me é dado conhecer.

A moldura é em cortiça.

A orla que ladeia interiormente a moldura é um autêntico filigrana do mesmo nobre material.

O tema do quadro é o registo etnográfico do “Ciclo da cortiça” nas suas diferentes fases em tempos de antanho, com a particularidade de os intervenientes no ciclo estarem representados por figurinhas esculpidas em madeira.
Onde parará esta jóia da arte pastoril alentejana? Quem terá sido o seu criador? São duas perguntas (im)pertinentes, que ficam à espera de resposta.

Se me autorizar a reproduzir a imagem e se não se importar, após adaptação publicarei o presente texto no meu blogue.

Bem-haja. Um forte abraço deste caminheiro e guardador de memórias da arte pastoril alentejana, que admira todo o seu trabalho em prol da preservação da Memória da Fábrica Robinson de Portalegre.

E a autorização chegou.

Hernâni Matos


Fig. 2

domingo, 15 de setembro de 2024

Manuel Broa e Sara Sapateiro, barristas de Estremoz certificados pela ACertifica

 

Manuel Broa e Sara Sapateiro


Os barristas MANUEL BROA e SARA SAPATEIRO viram no passado dia 3 de Setembro, os seus Bonecos de Estremoz certificados pela ACERTIFICA, único organismo de certificação acreditado pelo IPAC - Instituto Português de Acreditação e que em Portugal faz a Certificação das Produções Artesanais.
Aos barristas agora certificados, endereço os meus sinceros parabéns.
A lista completa de barristas produtores de Bonecos de Estremoz certificados pela ACertifica, num total de 15, pode ser consultada, clicando aqui:
https://www.acertifica.pt/produtos/bonecos-estremoz

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Juramento de fidelidade



Aqui me assumo como guardador de memórias que procura salvaguardar e preservar o registo material das marcas identitárias desta terra transtagana de antanho, patente nos utensílios de uso corrente de campaniços - servos da gleba, os quais comeram o pão que o diabo amassou, em épocas não muito remotas, que desejo não se voltem a repetir, dado o sofrimento que causaram.
Colecciono arte pastoril. Pois, claro!
Publicado em 12 de Setembro de 2024

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

1935 - "Annus mirabilis" da Cultura Popular Estremocense


Sá Lemos trocando impressões com ti Ana das Peles numa sala de aulas
da Escola Industrial António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988), publicada no semanário estremocense “Brados do
Alentejo” nº 250, de 10 de Novembro de 1935. Arquivo fotográfico do autor.


Em Março de 1935 tem lugar o primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide, o qual se saldou por um assinalável êxito, não só pela participação da população, como pelo impacto junto de forasteiros que visitaram a cidade.

Em Novembro de 1935, o escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves em Estremoz, dá como coroada de êxito a missão que a si próprio atribuíra de recuperação da extinta tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, para o que contara com a colaboração de Ana das Peles (1869-1945), velha bonequeira que foi o instrumento primordial dessa recuperação.

Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra.

A repercussão que os três acontecimentos extraordinários referidos tiveram na cultura popular estremocense, leva-me a considerar que o ano de 1935 foi um ano admirável, excelente, formidável, maravilhoso, o que me levou a adjectivar o ano de 1935 com a locução latina habitual nestes casos: "annus mirabilis", a qual significa "ano maravilhoso" e que está na origem do título do presente texto.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Peça olárica de Estremoz, alegórica ao corso carnavalesco de 1935

  

Cavalheiro de cartola e monóculo. Decoração relevada em garrafa
alegórica ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

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O Orfeão e a revitalização do Carnaval de Estremoz [1]
"Após a criação em 1930 do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", este chamou a si a iniciativa de promover corsos carnavalescos designados também por “Batalhas de flores”, integradas por carros alegóricos, grupos de cavaleiros, grupos de ciclistas, grupos de foliões e ranchos folclóricos do concelho. Os corsos eram abrilhantados pelas bandas locais, Sociedade Filarmónica Luzitana e Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, as quais tocavam música portuguesa, assegurando a animação do evento. “Cabeçudos” e “gigantones” completavam o ramalhete de animação que percorria as ruas da parte baixa da cidade, previamente engalanadas.
O primeiro corso carnavalesco organizado pelo Orfeão teve lugar em 1935 e saldou-se por um assinalável êxito.”

A empatia entre o Orfeão e a Olaria Alfacinha
Em 1933 já alguns membros do clã Alfacinha[2] integravam o coro do Orfeão de Estremoz "Tomaz Alcaide", o qual constituía na época um polo dinamizador da cultura local. Por sua vez, Mariano da Conceição, o mais velho dos irmãos Alfacinha, desde 1930 que era Mestre de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves e a Olaria Alfacinha era pujante na sua laboração e como tal um referencial na arte popular local. É, pois, natural, que se tenha gerado uma perfeita empatia entre o Orfeão e a Olaria, que se veio manifestando ao longo dos tempos. É assim que a Olaria é tema de operetas levadas à cena pelo Orfeão. É assim que a Olaria e com ela os Bonecos de Estremoz vêm a ser glosados por poetas estremocense como Maria de Santa Isabel,
Maria Guiomar Ávila, Maria Antónia Martinez e Joaquim Vermelho, cujas ligações e afinidades com o Orfeão são sobejamente conhecidas.

Corso carnavalesco de 1935 perpetuado no barro de Estremoz
É a profunda empatia entre a Olaria Alfacinha e o Orfeão de Estremoz Tomaz Alcaide que me leva a admitir que a garrafa em barro vermelho que ilustra o presente texto, com decoração fitomótfica polida e relevada com figuras carnavalescas, seja uma peça olárica, alegórica ao corso carnavalesco organizado pelo Orfeão em 1935, a qual foi produzida na Olaria Alfacinha.




[1] MATOS, Hernâni. CARNAVAL DE ESTREMOZ: Oh tempo, volta para trás! Jornal E nº 194, 22-02-2018. Estremoz, 2018
[2] Uma fotografia da época regista a presença no coro dos Irmãos Mariano da Conceição, Caetano da Conceição, Diocleciano da Conceição e Sabina da Conceição.

Comadre (matrafona). Decoração relevada em garrafa alegórica
ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

"Pirata" de cachimbo. Decoração relevada em garrafa alegórica
ao corso carnavalesco de Estremoz, em 1935.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Tudo o que é pequeno tem graça

 

 Cantil com decoração por polimento com simetria radial. Prenda de aniversário da Catarina.


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Tudo o que é pequeno tem graça” é uma máxima perpetuada na nossa memória colectiva. Trata-se de uma premissa que “assenta que nem uma luva”, não só aos brinquedos de louça de barro vermelho de Estremoz, como também aos exemplares da mais ínfima dimensão do vasilhame de barro desta cidade. É o que se passa com o cantil da figura, de pequenas dimensões (10 x 8,5 cm) e uma decoração por polimento com simetria radial, muito simples mas vistosa. Com efeito, o contraste entre o polido e a superfície sobrante que após a modelação na roda não sofreu mais nenhuma intervenção, surte um belíssimo e encantador efeito visual.

As miniaturas de louça de barro vermelho de Estremoz, exerceram desde sempre forte atracção sobre a garotada. Fialho de Almeida no conto “O Romana” [1]  evoca a ida na sua juventude a uma feira, onde na secção de loiças: “Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz, com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia, reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu muito antes do diluvio universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos, e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em quantia nunca inferior a doze vintens.”

Hernâni Matos

 


[1] ALMEIDA, Fialho de. Gente rústicaGuimarães e Cª, Lisboa, s/d.