João Sabino de Matos (1923-2006), um dos fundadores do PS de Estremoz.
Foto Tony. Arquivo do autor.
No passado sábado, dia 11 de Outubro, estive
presente como convidado no 40º Aniversário da Secção do PS de Estremoz. Ali
foram homenageados fundadores do PS local, entre os quais se situava o meu
falecido pai, João Sabino de Matos. Na oportunidade, proferi uma comunicação
sobre o antes 25 de Abril e pós 25 de Abril em Estremoz, com referência
especial ao meu pai. É o seguinte o teor dessa comunicação.
MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES
O José Ramalho deu-me
conhecimento de que a Secção do PS de Estremoz, pretendia levar a efeito uma
homenagem àqueles que estiveram com o Partido Socialista desde a primeira hora,
como foi o caso do meu pai e pediu-me para eu falar sobre ele e a sua
participação no Partido. É o que vou procurar fazer com o rigor possível e as
armas que tenho na mão: a minha memória e a minha maneira própria de dizer as
coisas.
O meu pai se fosse vivo e infelizmente
não está, teria 90 anos e estaria aqui connosco, porque o PS foi o seu partido
de sempre. Estou eu, que pertenço a outra família política, mas respeito quem
com honestidade pensa de maneira diferente da minha. Procurarei honrar a
memória do meu pai e outra coisa não seria de esperar, já que além de filho,
sou vosso companheiro de estrada e convosco tenho o prazer de fazer em conjunto
as caminhadas possíveis. De resto, como diria o poeta sevilhano António Machado
(1875-1939):
……………………………..
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
………………………
Deixem-me então meter mãos à obra.
Passo de imediato a contar-vos uma história que fala do meu pai, do PS e por
vezes de mim próprio. Espero que seja do vosso agrado.
NASCIMENTO
A 1 de Julho de 1923 nasce na aldeia da
Cunheira da freguesia e concelho de Chanca, uma criança do sexo masculino, que
seria o primeiro de 4 filhos de Manuel Sabino (pedreiro) e Antónia Maria (doméstica).
À criança foi dado o nome de João Sabino de Matos.
INFÂNCIA
A infância foi bastante difícil para
ele. A família passava dificuldades, agravadas para ele e para os irmãos,
quando entraram para a escola primária, situada a 8 Km na vila de Chança e para
onde diariamente tinham de ir e vir todos dias, fizesse chuva ou fizesse sol.
No caso do João era mais complicado ainda, pois tinha um defeito físico numa
perna, fruto de um acidente em casa quando era pequeno. Mas era já uma pessoa
determinada e fez a 4ª classe da instrução primária
A JUVENTUDE
A juventude também não foi fácil, uma
vez que terminada a escola foi dar serventia de pedreiro ao pai, o que era
penoso para ele. O pai mandou-o então aprender o ofício de alfaiate, profissão
que na aldeia acumulava com a de barbeiro, pois quando não havia farpela para
confeccionar, sempre havia barbas e cabelos para dar para a bucha.
Pelos vinte anos já estava em Estremoz
para onde veio atraído por um tio. Era um rapaz namoradeiro e tinha várias
namoradas ao mesmo tempo, em diferentes freguesias do concelho, entre as quais
circulava de bicicleta, para poder encostar a calça à saia.
O CASAMENTO
No dia 24 de Março de 1946, com 22 anos
de idade, casa na Igreja de São Francisco, em Estremoz, com Selima Augusta
Carmelo, telefonista de 22 anos, natural da Fonte do Imperador, freguesia de
Santa Maria e residente em
Santo André. O casal foi morar para o Largo do Espírito
Santo, onde o João passou a exercer a profissão de alfaiate.
A dezanove de Agosto nasço eu. Como não
sou de cinco meses, é certo que por precaução fui encomendado a Paris, quatro
meses antes do casamento, não fosse a cegonha chegar atrasada.
Por ali brinquei e o meu pai teve a
primeira oficina de alfaiate e começou a formar futuros alfaiates, o primeiro dos quais Gil Cortes, da freguesia de São
Lourenço.
Mais tarde, o meu pai mudou a
residência e a alfaiataria, primeiro para a rua da Misericórdia e depois para a
Rua 5 de Outubro, onde algum tempo antes do 25 de Abril abriu também uma loja
de pronto-a-vestir. Tanto como alfaiate como comerciante, foi uma pessoa
considerada pelos seus pares e respeitada na praça.
Sem dúvida que foi o melhor alfaiate
que esta terra alguma vez conheceu e que dentro da oficina e fora dela chegou a
ter 15 pessoas a trabalhar sob sua orientação. Gostava de se vestir bem com
roupa confeccionada por ele próprio e eu apanhava por tabela.
Eu que sou um jovem contemporâneo do
Maio de 68, das barricadas em Paris e da Crise Académica em Portugal, ia para
reuniões da RIA – Reunião Inter-Associações com o Arnaldo Matos, o Danilo de
Matos, o Jorge Delgado, a Violante Saramago e o Augusto Fitas, sempre
impecavelmente vestido, com roupa feita pelo meu pai. Usava cabelo comprido,
pelos ombros, à Amália Rodrigues, mas a roupa era da Alfaiataria Matos e era
mais barata que as gangas e quejandos que os meus companheiros usavam. Daí eu
ter criado uma máxima que às vezes utilizo no Facebook: “Um homem nunca se rende, mesmo de fato e gravata.”
Fui para a Faculdade porque os meus
pais fizeram grande sacrifício para eu estudar num colégio particular, o
Colégio de S. Joaquim, do Adriano Mota. No 6º e 7º ano, a mensalidade, que
incluía desgaste de material e despesas com aulas práticas, atingia os 1.033$00
por mês. Era muito dinheiro nos anos sessenta do século passado. E quando o
cobrador do Colégio, o João Sacristão, ia lá a casa cobrar a mensalidade, o meu
pai entrava em parafuso e a atmosfera andava carregada durante alguns dias, mas
nunca deixou de pagar (1).
AS ELEIÇÔES PARA A PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA EM 1958
Em 1958, tinha eu 12 anos e o meu pai 35, apoiou a candidatura do
General Humberto Delgado a Presidente da República contra o candidato fascista
da União Nacional, Almirante Américo Tomaz. O meu pai era delegado incumbido de
ir vigiar as urnas em São
Lourenço, freguesia que conhecia bem, pois antes de casar com
a minha mãe, ia de bicicleta a pedais, namorar lá. Acabou por não ir, visto que
o advogado comunista e seu amigo, Dr. Rodrigues Pereira, que
liderava a oposição local, telefonou para o 316, que era o número de telefone
lá de casa e lhe disse: - Oh Matos não
vás, que fui informado que a PIDE está lá, como nas outras freguesias, para
prender os delegados da Oposição!
Foi com estas e com outras que apesar do
entusiástico apoio popular ao General Sem Medo, ganhou o candidato fascista.
Até mortos votaram com cumplicidade dos presidentes das mesas, afectos ao
regime. Mesmo assim e com intimidação da PIDE, Delgado obteve 23% dos votos
contra os 76,4% do Tomaz. A ditadura teve medo e a partir de 1959 e até ao 25
de Abril, a eleição do Presidente da República passou a ser feita pela
Assembleia Nacional, onde só havia um partido único: a União Nacional.
AS ELEIÇÔES DE 1969 PARA A ASSEMBLEIA NACIONAL
O meu pai e com ele outros que vieram a
aderir ao PS, participaram na Comissão Democrática Eleitoral (CDE), criada em
1969 para concorrer às eleições legislativas contra o partido de Salazar, a
União Nacional. Em Braga e Lisboa concorreu também a CEUD afecta a Mário Soares
e a Salgado Zenha. Houve ainda a Comissão Eleitoral Monárquica (CEM), reunindo
monárquicos oposicionistas não afectos à Causa Monárquica.
Num total de 1 115 248
eleitores e com a oposição dividida, os
resultados foram catastróficos para esta: União Nacional (87,99%), CDE
(10,29%), CEUD (1,51%) e Comissão Eleitoral Monárquica (0,12%). Por outras
palavras, a União Nacional ocupou os 130 lugares da Assembleia Nacional.
Foram umas eleições relativamente
livres como interessava à primavera marcelista, com alguma liberdade de
imprensa em jornais não afectos ao regime, tais como A Capital, República
e Diário de Lisboa. Todavia não deixou de haver fraudes como refere o livro “Eleições no Regime
Fascista” da “Comissão do Livro Negro Sobre o Fascismo” (2), compilação de
documentos que data de Julho de 1979, onde é feita a transcrição de um ofício
da ”Legião Portuguesa” de 22 de Outubro de 1969:
Setubal, 22
de Outubro de 1969
Informo V.Exª. que no dia 19 do corrente, pelas 11H00, foi solicitada, a minha
comparência na Escola Comercial e Industrial de Setubal, a fim de tomar parte
numa reunião com o Exmº. Sr. Miguel Rodrigues Bastos e Dr. Rogério Peres Claro.
A finalidade
da reunião (muito secreta), foi pedida a minha colaboração no sentido de montar
e chefiar um “carrocel”, com viaturas particulares e pessoal legionário munido
de certidões de falecidos, ausentes, etc, fornecidos pela U.N. (3), a fim de
votarem nas assembleias duas, três ou quatro vezes, por exemplo:
Os homens de
Almada votam no Barreiro, Seixal e Moita; os da Moita votam em Almada e
Sesimbra; os do Barreiro votam em Almada e assim sucessivamente.
Para o efeito
os Presidentes das mesas estão avisados, até porque as certidões estão
marcadas.
Em face do
solicitado desloquei-me ontem às Unidades de Almada, Barreiro, Moita, a fim de
solicitar aos Comandantes a sua boa vontade e colaboração para o fim em vista.
Com os meus melhores
cumprimentos,
…..
E assim se ganhavam eleições. Hoje isto
é impensável, mas era o que acontecia na altura, dado o clima intimidatório
criado e alimentado pela polícia política, a PIDE.
À época das eleições de 1969 e à
esquerda, emerge uma nova geração universitária, nascida dos movimentos
estudantis marcados pelo Maio de 68. Aí se destacam dois lideres que viriam a
ser socialistas: Jorge Sampaio, Presidente da RIA – Reunião Inter-Associações,
que estava em Lisboa e Alberto Martins, Presidente da Associação Académica de
Coimbra que ao ver recusada por Américo Tomaz, a possibilidade de falar em
público em nome dos estudantes no decurso da abertura solene das aulas, esteve
na origem da Crise Académica de 1969, que foi o princípio
do fim do regime.
AS COMEMORAÇÕES DO 5 DE OUTUBRO
Antes do 25 de Abril, comemorava-se o 5
de Outubro com uma romagem ao cemitério de Estremoz, que reunia velhos
republicanos como o Cândido ferrador, o Saturnino Martins, o Abílio Maleitas e
o Francisco Joaquim Baptista, mais conhecido por Chico das Metralhadoras. Iam
com uma bandeira nacional à frente, já que não podiam levar outra e a bandeira
nacional era e é, a bandeira da República. Nesse dia, o Chico das Metralhadoras
tinha a bandeira da República hasteada numa janela da sua casa, sita na rua das
freiras. Era a sua maneira de ilustrar a “Trova do vento que passa” de Manuel
Alegre:
“Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.”
Houve muitos homens que contribuíram
para a formação da minha personalidade e para além do meu pai, um dos mais
importantes foi, sem dúvida, o Chico das Metralhadoras, permanentemente
envolvido em angariação de fundos para a rotativa do jornal República e para os
bombeiros locais e que, por mesquinhez de alguns e por memória curta de outros,
foi injustamente esquecido.
No 5 de Outubro íamos almoçar uma
bacalhauzada à do Xico das Metralhadoras. Eu, o meu pai e outros amigos para
ali convidados: O Pelágio do notariado, o Francisco Ramos do Mendes Meira e
Niza, o Fernando Gomes mecânico, o Vicente Rosado da Sagres, o Sargento Luís do
Tabaquinho e Gonçalves e o Zé Luna da Câmara e do Estremoz.
O meu pai tinha de resto outros amigos
com quem jogava mah jong, xadrez ou bilhar no Café Alentejano, como eram o
tenente Graça Gonçalves, o Silva da Caixa Agrícola, o Júlio da Gulbenkian e o Dr.
Chico Maldonado, entre outros. Frequentava também o Águias de Ouro onde
tertuliava com o Dr. Rodrigues Pereira, o Padre Martins e o Dr. Martinho,
advogado.
Era também sócio dos Artistas, a cuja
Direcção pertenceu e onde jogava bilhar e às vezes às cartas, com o primo Brito
da Luz. Apreciador de futebol e de hóquei em patins, era sócio do Estremoz e
gostava de ir aos desafios.
O MONTE DO DR. AFONSO COSTA
Nessa época a oposição reunia clandestinamente no monte do Dr.
Afonso Costa. O meu pai era um dos conjurados. Para além dos conspiradores que
viriam a ser da área socialista, outros havia da área comunista, como o Abílio Fernandes,
por quem o meu pai tinha muita consideração
OS RÁDIOS CLANDESTINOS
Em casa ouvíamos à sucapa, notícias da
BBC, da Rádio Moscovo e da Rádio Argel, onde falavam o Piteira Santos e o
Manuel Alegre. Eram as rádios que furavam a censura das rádios nacionais.
O 25 DE ABRIL
Naturalmente que o meu pai, a minha mãe
e eu recebemos o 25 de Abril, de braços abertos. Tal como eu, o meu pai previa
um fim inescapável para a ditadura. Só não sabíamos quando. O golpe das Caldas
tinha sido o prenúncio. Em Estremoz havia civis que sabiam que o 25 de Abril ia
acontecer. Nós não tivemos esse privilégio.
A imagem mais forte que guardo desse
dia é o encontro com o professor Francisco Rodrigues, que mais tarde viria a
aderir ao PS, na altura já com um grão na asa e que, tal como eu, foi ao Café Águias de Ouro, ver como paravam as modas. Com o olhar e o rosto a brilhar, as
suas palavras foram estas:
- Hernâni:
Porra! Até que enfim!
O 1º DE MAIO EM LIBERDADE
Logo a seguir ao 25 de Abril reunimos
numa casa da rua do Mau Foro, vulgo Rua Alexandre Herculano. Ali funcionaria
mais tarde a primeira sede do PS. Tinha sido ali a sede do Círculo Cultural de
Estremoz, associação cultural de antes de Abril, do tempo do Dr. Luís Pascoal
Rosado e cuja história está ainda por fazer. Era uma casa, propriedade dos
irmãos José e Afonso Costa. Ali se preparou o primeiro 1º de Maio e o meu pai
lá estava. O camarada Binadade Velez, comunista da clandestinidade e que já
estivera preso, levava uma lista de ruas com nomes ligados ao fascismo, que era
preciso mudar. Alguns diziam que o Spínola, que como se veio a provar, nunca
deixou de ser fascista, não autorizaria a comemoração do 1º de Maio, que
acabava sempre à batatada, com a bófia a dar porrada nos trabalhadores. Outros
e neles nos incluíamos, eu e o meu pai, considerávamos que o 25 de Abril
legitimaria as comemorações livres do 1º de Maio, o que veio a acontecer.
As comemorações foram no Rossio com
tropa à paisana no meio da população, por ordens do capitão Moura, a ver no que
é que aquilo ia dar. Todavia foi tudo pacífico e no final houve desfile pelas
ruas da cidade, com a bandeira nacional à frente.
O PÓS 25 DE ABRIL
No pós 25 de Abril havia três tipos de
posturas. Havia os que queriam que tudo ficasse na mesma (Era a Dona Inércia),
assim como aqueles que queriam reformas inevitáveis (aí se situavam os futuros
PS, entre eles o meu pai) e aqueles que punham em causa a natureza do estado e
as relações de produção (aí se situava o PCP e a esquerda revolucionária,
família política que sempre foi a minha).
O golpe militar do 25 de Abril deu
origem a uma revolução social, com ritmo acelerado para uns e demasiado lento
para outros. A unidade do 1º de Maio transformar-se-ia em divergências
insanáveis, muitas das quais deixaram feridas. Mas a democracia é isso. É a
luta política entre forças plurais para afirmação do seu projecto de
sociedade.
A FUNDAÇÃO DO PS EM MAIO DE 1974
A secção do PS de Estremoz formou-se em Maio de 1974. Os primeiros
militantes foram entre outros: Afonso Costa (farmacêutico), Fernando Cavaco
(pintor), Irmãos Compõete (operários), Jaime Balão filho (professor), Jaime
Balão pai (cabeleireiro), José Albino (tipógrafo), José Fateixa (comerciante),
Manuel Godinho (comerciante) e Soeiro Travassos
(médico).
O meu pai é da primeira hora no PS e
está na fundação do PS em
Estremoz. Todavia, só regularia a sua inscrição em Setembro
desse ano.
O 28 DE SETEMBRO
No 28 de Setembro de 1974 fizeram-se
barragens na estrada nacional e à saída para Portalegre, visando impedir a "maioria silenciosa" de marchar
armada sobre Lisboa. Só deixávamos passar os veículos depois de passados a pente fino.
O PS esteve ali, como também esteve o PCP e a CDE.
A CDE – TENDÊNCIAS INTERNAS
A nível da CDE, havia basicamente dois
blocos em confrontos de ideias, que naturalmente tinham por detrás de si
objectivos próprios e propostas sociais distintas. Num deles, os oradores mais
eloquentes eram os professores Francisco Rodrigues (PS), Vítor Trindade e
Manuel Patrício. Do outro, peroravam figuras como Aníbal Alves (PCP), Véstia da
Silva (CDE) e José Sena (MES). Eu que sempre fui senhor do meu nariz e era CDE
puro desde 1969, apoiei este último bloco contra o meu pai e o seu amigo Zézica
Costa, que faziam parte do primeiro ramalhete. A partir daí começaram as
fricções ideológicas entre mim e o meu pai, as
quais atingiriam o seu ponto alto em 1975, tendo nós estado de relações
cortadas durante cerca de um ano.
O PLENÁRIO DA ESPLANADA PARQUE
Em meados de Maio de 1974,
a administração da Câmara Municipal de
Estremoz, estava ainda nas mãos de pessoas de confiança da Organização
Corporativa e da União Nacional. Daí que a CDE assuma a
liderança do processo de substituição da Câmara Municipal de Estremoz. Visando
esse objectivo, procura a base de legitimidade indispensável a essa operação e
organiza em 19 de Maio de 1974, num domingo, um plenário de cidadãos, com a
finalidade de se proceder à eleição da nova Comissão Administrativa para a
Câmara Municipal.
A Mesa que presidiu ao plenário público, realizado na Esplanada Parque, era composta por alguns dos membros
mais activos da CDE: Aníbal Alves (professor, do PCP), José Sena (professor, do MES), Véstia da Silva (advogado, da CDE), António Simões (professor, da CDE),assim como pelo capitão Andrade Moura (comandante do RCE e membro do MFA).
Participado por cerca de 6 mil pessoas,
o plenário elege Véstia da Silva (advogado), Paulo Lencastre
(médico-cirurgião), Casimiro Moura, (trabalhador das pedreiras), Aníbal Alves
(professor), Manuel Patrício (professor), Francisco Rodrigues (professor),
Fernando Martinho (professor) e Jacinto Varela (empregado de escritório).
Sabe-se que a eleição decorreu sem
problemas e a escolha foi realizada por voto secreto. O modo como foram aceites
os eleitores, consistiu na apresentação de um documento de identificação, de
modo a comprovar o estado adulto e a residência no concelho. Não existem
reprovações públicas imediatas sobre a eleição e os jornais locais parecem
aceitar o resultado do escrutínio. A primeira reacção à eleição será realizada
a 6 de Junho mediante carta reproduzida num dos jornais locais. Nessa carta, o
signatário Américo Luís Silva, que virá a pertencer ao elenco da Comissão
Administrativa empossada em princípios de Outubro, contesta que a eleição de 19
de Maio possa ser a base da futura Comissão Administrativa.
Na sequência disso e fruto de algum
trabalho de bastidores, o Governador Civil, o socialista Dr. Alves Pimenta não
reconhece a eleição e sob pressão socialista, social democrata e centrista,
nomeia nova Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Estremoz, por
Portaria de 1 de Outubro de 1974. Esta Comissão Administrativa, que toma posse
a 4 do mesmo mês, é de total confiança do PS e é presidida
por Francisco Roldão Pinheiro (advogado e notário) e tem como vereadores:
Américo Luís Silva (?-?), Manuel Godinho (comerciante-PS), Vitorino Marques
Alves (industrial-PSD) e Afonso Costa (Farmacêutico-PS).
A MANIFESTAÇÃO POPULAR DE 24 DE MARÇO
DE 1975
Esta manifestação foi arquitectada pelo
PCP, que falhou em termos de organização e fui eu, dissidente daquele partido,
que efectuei a mobilização popular para a manifestação, com a tónica de a
população estar em luta contra uma Câmara que não tinha sido eleita e dos
trabalhadores da Câmara estarem em luta contra um Município que não lhes
garantia o emprego. Eu não precisava de megafone, mas arranquei com um megafone
do PCP nas unhas, no carro do farmacêutico Vítor Carapeta, com ele a conduzir e
levando no banco de trás, antigos presos políticos: o estofador-filósofo
Binadade Velez e o carpinteiro Zé Mau. Mais
tarde, andámos no carro do Binadade e por lá passou também o cigano Rufino,
então de oficial de dia ao serviço da Câmara, com direito a uso e porte de
picareta. O Rufino era primo do cigano Chato, que tinha sido soldado às ordens
do Major Tomé. Hoje é um grande proprietário rural no México.
A mobilização foi eficaz, o que levou a
Comissão Administrativa a reunir-se no cartório notarial e a decidir pedir a
exoneração colectiva.
Na manifestação participada por algumas
centenas de pessoas, estiveram representados todos os partidos locais com
excepção do PPD. O processo foi inicialmente liderado pelo MES, que defendia a
formação de uma nova Comissão na qual tivessem assento representantes das
forças políticas que tinham apoiado a manifestação: MDP, MES, PCP e PS. Por
proposta do PCP, para que essa substituição tivesse legitimidade, foi procurado
o MFA, representado pelo capitão Andrade Moura do RC3, como árbitro da
negociação. No desenrolar das negociações, o PS combate a posição do MES,
propondo que a Comissão tenha a mesma composição do Governo Provisório. O MES
vê-se então excluído e a Comissão acaba por ser composta por um representante
do MDP, do PCP, do PS, do PPD e ainda um funcionário municipal em representação
dos trabalhadores. Será o capitão Moura a indicar ao Governo Civil a composição
da mesma, apontando para Presidente o representante MDP, que fora o mais votado
um ano antes para presidir à Câmara Municipal.
Essa Comissão Administrativa é nomeada
por alvará do Governador Civil de Évora de 28 de Março de 1975. É presidida por
Véstia da Silva (CDE) e tem como veradores: José Correia (PPD), Ademar Malhão
(PCP), José Costa (PS) e José
Pereira (funcionário da Câmara). Tal comissão permaneceu em
funções até às primeiras eleições para as autarquias locais, realizadas a 12 de
Dezembro de 1976. Mas, isso é outra história.
O VERÃO QUENTE
A história do chamado Verão Quente e o pós 25 de Novembro
está por fazer e é um desafio que anda no ar e que alguém, decerto devidamente
apetrechado com a indispensável informação e os adequados métodos de análise
sociológica não deixará de fazer. Pela minha parte, fico à espera.
AO SERVIÇO DO PS
Ao serviço do PS, o meu pai foi Presidente da Junta de Freguesia
de Santo André entre 1977 e 1979 e entre 1986 e 1989. Foi ainda membro eleito
da Assembleia Municipal entre 1980 e 1982 e entre
1986 e 1989.
Integrou também a Comissão
Administrativa do Hospital da Misericórdia.
Em acções de agitação e propaganda
chegaram a andar 12 pessoas no seu carro, algumas no porta-bagagens. Era um
velho TAUNUS 17 M
preto e com tejadilho branco, conhecido pelos socialistas como “carro
fantasma”, o qual tinha uma direcção mais rígida que a dum tractor. Também ele,
por direito próprio, faz parte da história do PS de Estremoz.
A RELIGIÃO
O meu pai não era religioso. Tinha
todavia duas religiões: antes do 25 de Abril era o Benfica e depois do 25 de
Abril, passou também a ser o PS.
As figuras que mais apreciava eram
Mário Soares, Tito de Morais, Salgado Zenha, Manuel Alegre e João Soares.
VALORES QUE ME INCULCOU NO ESPÍRITO
O meu pai era uma pessoa de carácter,
frontal, com coragem física e moral, que não fugia às responsabilidades e que
honrava a palavra dada. Valores que me inculcou no espírito e que me norteiam,
bem como os ideais de justiça, liberdade, igualdade e fraternidade.
Por isso estou hoje aqui em sua
representação.
Espero que tenham gostado desta
história. Se não gostaram, queixem-se ao José Ramalho que foi ele
que me convidou para vir aqui e ao contrário do que se passa na tropa, onde a
culpa é sempre do maçarico, em política a culpa é sempre do chefe.
Obrigado, por me terem ouvido.
(1)
– São de minha autoria estas quadras datadas de 1964:
Com a pastinha na mão,
Procura receber dinheiros.
É ele o João Sacristão,
O terror dos caloteiros!
Os pais que chegam a pagar,
Cantam o fado da triste
sina,
Mas p’ra quem o sabe
explorar,
Este Colégio é uma mina…
Instalações sanitárias
trinta escudos
E trinta de desgaste de
material.
Laboratório são cem
escudos.
Ah! Falta a Secção
Cultural!...
(2)
– A Comissão era constituída por: por José Magalhães Godinho, Piteira Santos,
Teófilo Carvalho dos Santos, Barradas de Carvalho e José Carlos Vasconcelos.
(3)
– União Nacional.
BIBLIOGRAFIA
[1]
- BORRALHO, Álvaro. A RAZÃO DO POVO É A
NOSSA FORÇA/O processo político português na transição democrática./Um estudo
local: Estremoz, 1974 –1976. Universidade dos Açores. Ponta Delgada, 2001.
[2]
- COMISSÃO DO LIVRO
NEGRO SOBRE O FASCISMO. Eleições no
regime fascista (2.ª ). C.L.N.F. Lisboa, s.d. (c. 1979).
[3]
- VIVAS, Diogo. Contributos para o estudo do Poder Local Democrático / Eleitos
Municipais em Estremoz / 1976-2007. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz,
2007.
[4]
- VIVAS, Diogo, Os
Presidentes da Câmara Municipal de Estremoz 1910 – 2006. Câmara Municipal de
Estremoz. Estremoz, 2006.
Hernâni Matos
Diploma
de exame do 2º grau de João Sabino de Matos. Arquivo do autor.
Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
Aqui estão parados na Avenida de Santo António. Presentes entre outros,
António Vão (estafeta), Xarepe (Máquinas Oliva), Saturnino Martins (Casa Verde),
António Parelho (Brados do Alentejo), António Cândido (ferrador), Furtado da Loja,
Francisco Gonçalves (Farmácia Godinho), Artur Assunção (Farmácia Costa),
Abel Violante Augusto (moldurador) com a bandeira, Francisco Baptista (ferroviário),
Machadinho (enfermeiro), Eduardo Movilha (carpinteiro) e Carmen Movilha (neta).
Cortesia de Carmem Movilha).
Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
Cortesia de Carmem Movilha.
Romagem de republicanos ao cemitério de Estremoz no dia 5 de Outubro de 1962.
Cortesia de Carmem Movilha.
Ofício da Legião portuguesa de Setúbal dando instruções de voto aos legionários
nas eleições de 1969. Imagem do livro COMISSÃO DO LIVRO NEGRO SOBRE O
FASCISMO. Eleições no regime fascista (2.ª ). C.L.N.F. Lisboa, s.d. (c. 1979).
Diploma da Sociedade de Artistas Estremocense conferido a João Sabino de
Matos, por ocasião dos seus 27 anos de associado, atestando a sua muita
dedicação à Colectividade. Arquivo do autor.
João Sabino de Matos num convívio benfiquista no Café Alentejano em
Estremoz, cerca de 1970, Foto Tony. Arquivo do autor.
Diploma
da Sociedade de Artistas Estremocense conferido a João Sabino de
Matos,
por ocasião dos seus 27 anos de
associado, atestando a sua muita
dedicação à Colectividade.
Arquivo do autor.
João
Sabino de Matos e João Soares num convívio socialista.
Fotografia de autor
desconhecido. Arquivo do autor.
João Sabino de Matos tomando posse como membro da Assembleia Municipal
de Estremoz, em 3 de Janeiro de 1994. Fotografia de autor desconhecido.
Arquivo do autor.
A 27 de Abril de 1974, após cumprirem com êxito a missão atribuída, herói
do RC3 regressam a Estremoz. No jipe à esquerda, o capitão Andrade Moura
(comandante do esquadrão) e à direita o coronel Caldas Duarte
(Comandante do RC3). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo do autor.
À chegada, frente ao edifício do RC3: Honras Militares e Aclamação Popular.
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.
Na manifestação do 1º de Maio, as colectividades locais fizeram-se representar
pelos seus estandartes. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo
do autor.
Na manifestação viam-se inúmeros cartazes, nos mais variados tons, desde os
da
exaltação ao movimento das Forças Armadas até aos de carácter reivindicativo.
Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.
Na
manifestação fizeram uso da palavra vários oradores, o primeiro do o quais
o
invisual
Joaquim Cardoso, da freguesia de Arcos, professor na Escola Técnica de Estremoz,
seguindo-se-lhe o Dr. António João Vestia da Silva, da
freguesia
de São Domingos e a exercer advocacia na nossa cidade, o ex-preso
político
Piteira, que disse ter saído naquele dia do presídio da Trafaria, o
estremocense
Rui Manuel Zagalo Pacheco, o Dr. António Inocêncio Amaro Simões
e
Raul Bernardo Manuel Júnior, ambos professores na Escola Técnica de Estremoz,
o
democrata de Évora António Manuel Murteira e o jovem, eborense também,
conhecido
pelo “Pãozinho”, do movimento estudantil democrático daquela cidade.
Fotografia de Rogério de
Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.
Terminada a série de discursos, os manifestantes desfilaram pelo Rossio e Rua 5
de Outubro, a caminho do quartel do Regimento de Cavalaria 3, frente ao qual se
repetiram as manifestações de apoio às Forças Armadas e à Junta de Salvação
Nacional. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988). Arquivo do autor.
Mesa
que presidiu ao plenário público, realizado na Esplanada Parque em 19 de
Maio de 1974. Da esquerda para a direita, Aníbal Alves (professor, do PCP),
José Sena (professor, do MES), Véstia da Silva (advogado, da CDE), capitão
Andrade Moura (comandante do RCE e membro do MFA) e António Simões
(professor, da CDE). Fotografia
de Inácio Grazina.
Manifestação popular de 24
de Março de 1975 no Rossio Marquês de Pombal,
dirigindo-se para a Câmara
Municipal de Estremoz, exigindo a demissão da
Comissão Administrativa
presidida pelo Dr. Roldão Pinheiro. À frente
manifestantes empunham bandeiras do MDP, do MES, do PCP, do
PS e do
Município. Fotografia de
Aníbal Alves (1921-1994).
Manifestação popular de 24 de Março de 1975 no Rossio Marquês de Pombal,
frente à Câmara Municipal de Estremoz. Entre os manifestantes encontram-se
trabalhadores das pedreiras e trabalhadores do Município. Fotografia de
Aníbal Alves (1921-1994).
Hernâni Matos Publicado inicialmente a 16 de Outubro de 2014