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terça-feira, 10 de dezembro de 2024

"O Amor é cego" com a "Sagrada Família" no coração

 

"O Amor é cego" com a "Sagrada Família" no coração (2020). Isabel Pires (1955 -  ).

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Uma figura composta

Tive recentemente conhecimento de uma interessante figura da Barrística Popular de Estremoz, criada por Isabel Catarrilhas Pires em 2020. Trata-se de uma figura composta por outras duas figuras.
Um dessas figuras é “O Amor Cego”, Boneco de Estremoz cuja origem remonta ao séc. XIX e é considerado uma figura de Carnaval. Trata-se de uma alegoria à cegueira do amor, expressa através do Cupido de olhos vendados. É representado como uma figura feminina, alada e de olhos tapados. Enverga um vestido rodado e vistoso, de cores garridas e decorado com motivos florais. Na cabeça usa um turbante que pompeia superiormente quatro plumas tricolores e ostenta frontalmente um coração - símbolo do amor. Calça botas apetrechadas com cordões entrelaçados. Na mão esquerda empunha um ramo de flores, enquanto que a mão direita segura um coração trespassado por dua setas e mostrado em corte. A figura assenta numa base circular, de cor verde, orlada de motivos florais no topo.
A outra figura, ela própria uma figura composta é um “Presépio de 3 figuras” ou “Sagrada Família”, envergando trajes bíblicos de fantasia. Está alojada no interior do coração de “O Amor é Cego”, mostrado em corte.

Da Natividade à Quaresma
Estamos em presença de uma figura composta tematicamente bivalente, uma vez que é simultaneamente um Presépio e uma figura de Carnaval.
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos, que retrata o Natal, festividade cristã que enaltece o nascimento de Jesus Cristo.
O Carnaval é o período de 3 dias, caracterizado por alegres festas populares que precedem o período da Quaresma, o qual antecede o domingo de Páscoa. Durante a Quaresma, a Igreja convida os fiéis a um período de penitência e de meditação, através da prática do jejum, da esmola e da oração, como preparação para o Domingo de Páscoa, durante o qual se comemora a Ressurreição de Jesus Cristo.
A figura composta objecto do presente estudo, sintetiza a vida de Jesus Cristo, recorrendo a figuras que integram há muito a Barrística Popular de Estremoz.
 
Cromatismo da composição
A cor dominante é o ocre amarelo, cor da terra onde decorreu a vida de Jesus. Segue-se o azul do céu para o qual, segundo o cristianismo, decorreu a Ascensão de Jesus, quarenta dias após a Ressurreição. Depois vem o vermelho, simbolizando o sangue derramado por Jesus e finalmente o verde, prenunciando a esperança da vida eterna.
De salientar ainda que o negro da venda de ”O amor é cego” simboliza a escuridão,  a tristeza e a dor da morte de Jesus.

A análise
A figura aqui dissecada é a meu ver daquelas que encerram em si uma mudança de paradigma, com a Barrística Popular de Estremoz a ascender a um patamar superior aquele que é habitual.
Trata-se da magistral criação de uma barrista com um estilo acentuamente personalizado, assente numa profunda interpretação naturalista e num cromatismo muito vivo, que tornam apelativas as figuras que fruto dum pulsar de alma lhe brotam à flor das mãos. Como tal, a barrista é merecedora dos meus melhores encómios, os quais aqui registo para que conste agora e para memória futura.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 6 de Abril de 2021

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

NATIVIDADE - uma tipologia de cantarinha enfeitada, criada pelas Irmãs Flores


Cantarinha enfeitada com Natividade. Irmãs Flores

A chamada "olaria enfeitada" não integra aquilo que se convencionou chamar o “Figurado de Estremoz”. Trata-se de objectos oláricos produzidos na roda pelos oleiros e enfeitados “à maneira de Estremoz” e na qual predominam cores como o zarcão, o azul, o verde e o vermelho. São peças com dupla autoria, que ostentam por vezes na base, as marcas dessa dupla autoria.
A cantarinha enfeitada aqui designada por "Natividade" é uma criação das Irmãs Flores.
Com a cantarinha ainda em cru, foi-lhe extraída a parte frontal superior do bojo e colada ao nível do corte, uma placa de barro que encaixa perfeitamente na concavidade aberta da cantarinha.
Com uma tal opção, essa concavidade configura a gruta na qual segundo uma das tradições bíblicas, terá nascido o Menino Jesus.
No interior da gruta e nas posições usuais, encontram-se: o berço do Menino Jesus, Nossa Senhora, São José, o burro e a vaca.
A “gruta” encontra-se protegida por uma sacada com arcos floridos, inspirada na protecção lateral do berço dos anjinhos (um dos tipos de berço do Menino Jesus).
Esta última opção visou embelezar ainda mais a decoração do conjunto, bem como impedir que as figuras da Natividade possam cair quando se desloca a cantarinha.
Com esta criação, as Irmãs Flores ampliaram e reforçaram o conceito de olaria enfeitada, criando uma peça composta, bivalente, que pertence simultaneamente a dois mundos: o da olaria enfeitada e o dos presépios.

Publicado inicialmente a 12 de Julho de 2023

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

NA JANELA DO TEMPO


 Novo livro de Georgina Ferro apresentado

na Sociedade de Artistas Estremocense

Reportagem de Hernâni Matos. Fotografias de Manuel Xarepe


João Ferro na abertura da sessão. Na mesa: Fernando Mão de Ferro, Georgina Ferro
e Hernâni Matos. 

Um aspecto da assistência.

A Sessão de apresentação
Com o Salão de Festas da Sociedade de Artistas Estremocense literalmente cheio, teve lugar a partir das 16 horas e 30 minutos do passado dia 28 de Setembro, a sessão de lançamento e apresentação do livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, da autoria de Georgina Ferro, editado em Julho passado pelas edições Colibri, com uma tiragem de 500 exemplares.
A sessão foi coordenada por Fátima Crujo e a intervenção de abertura coube a João Ferro, Presidente da Direcção. Na Mesa encontravam-se o editor do livro, Fernando Mão de Ferro, Hernâni Matos e a autora, que falaram por esta ordem.
Coube a Hernâni Matos fazer a apresentação formal da obra, finda a qual solicitou uma calorosa salva de palmas para a autora, que agradeceu emocionada. Seguiu-se a leitura de excertos de estórias do livro pela filha Sónia Ferro e pelos netos Clara Ferro e Tiago Ferro. No final, a autora autografou o livro para o muito público presente.


Hernâni Matos fazendo a apresentação formal da obra.

A filha Sónia Ferro, lendo um excerto do livro.

Os netos Clara e Tiago Ferro, lendo passagens do livro.

A autora Georgina Ferro, autografando o livro.

A autora
A autora, professora aposentada do 1º ciclo, é natural de Manteigas, onde nasceu a 8 de Dezembro de 1948, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição. Daí que, segundo diz, se tenha sentido “sempre abençoada e protegida por todas as mães: a Mãe Natureza, a Mãe Celestial e a Mãe da Terra”. A autora revela-nos que repartiu o tempo de infância ente Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã. Frequentou a Instrução Primária até à 3ª classe em Aldeia do Bispo (Sabugal) e a 4ª classe em Manteigas. Ingressou depois no Ensino Liceal no Colégio de Nossa Senhora Auxiliadora, no Monte Estoril. Em 1967 ingressou na Escola do Magistério Primário de Évora e terminado o Curso, começou a leccionar o Ensino Primário no ano de 1969 em Rosário (Alandroal), a que se seguiram Veiros, Selmes (Vidigueira), Aldeia da Serra e Glória, onde leccionou 32 anos, até se aposentar em 2003.
Fixou-se em Estremoz em 1972 e aqui casou e teve 3 filhos: Sónia, Pedro e Inês. Sem nunca ter perdido os laços afectivos à terra natal e aos territórios da sua infância, Georgina é cumulativamente uma estremocense adoptiva, que tem participado activamente na vida social da Comunidade em múltiplos aspectos: educativos, cívicos e culturais.
Conheço seguramente a Georgina desde o início do exercício do Magistério Primário na Freguesia da Glória, da sua ligação à Comunidade, do seu reconhecimento por parte da mesma e do seu amor às coisas campaniças.
Lembro-me de partilhar há muito com a Georgina uma grande admiração pelo “Ti Rolo” da Aldeia de Cima (Glória), que exercia sobre nós um fascínio incomensurável, pela sua oralidade transbordante e pelos artefactos de arte pastoril nascidos das suas mãos mágicas, nos quais projectava toda a imaginária popular, lavrada em chifres e paus sabiamente escolhidos.
Lembro-me do nascimento da sua filha Sónia e tive o privilégio de ser professor de Física de 12º ano do seu filho Pedro. Foi uma experiência encantadora, pois além do Pedro ser um aluno fortemente motivado, eu tive oportunidade de pôr em prática o método de ensino-aprendizagem personalizado, preconizado por muitos pedagogos. É que o Pedro era o único aluno da turma. Nenhum de nós deixou os seus créditos por mãos alheias e a experiência pedagógica foi um êxito.
Lembro-me do envolvimento da Georgina no Projecto Serra de Ossa, desde o início, no tempo da liderança de Gil Malta e de ela ter participado em 1998, conjuntamente com outros professores, entre os quais eu me incluo, nas “Segundas Jornadas da Serra d’Ossa”, levadas a efeito na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A sua bem-sucedida intervenção oral nessas jornadas, foi o embrião dos seus primeiros livros, publicados ambos em 2005: “Plantas Medicinais da Serra d'Ossa” e “Por um Amanhã Mais Verde, Mezinhas Caseiras com Plantas da Serra d'Ossa”.
Em Setembro de 2012, a Georgina concedeu-me o privilégio de participar na apresentação pública do meu livro “Memórias do Tempo da Outra Senhora”, o que muito me congratulou.
Em Dezembro de 2013 a Georgina brindou-nos com o lançamento do seu livro de poesia “O MEU ARRAIAR POR TERRAS DO SABUGAL”, editado pela Colibri, o qual foi apresentado na Casa de Estremoz pela Maria do Céu Pires e pela Francisca de Matos.
Desta feita, coube-me a mim fazer a apresentação formal do seu mais recente livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, na sequência do convite que me foi endereçado pela autora e que eu gostosamente aceitei.


A obra
Fisicamente é um livro brochado, de 22,8 x 16 cm e 236 páginas, dado à estampa pelas prestigiadas Edições Colibri de Fernando Mão de Ferro. Tem capa a cores de Raquel Ferreira, gizada a partir de fotografia de Abel Cunha. Na primeira badana figura uma pequena biografia e a fotografia da autora e na segunda badana, um excerto de uma das estórias do livro. Este tem prefácio de José Carlos Lage, o qual confessa que é “Fácil e ao mesmo tempo difícil” falar das poesias e das crónicas de Georgina. Por sua vez, em posfácio impresso na contracapa, Francisca de Matos afirma e muito bem, que “Esta obra é, sobretudo, uma grande lição de vida, um legado que não deve, não pode ser esquecido”.
O livro é um livro de estórias ou não fosse Georgina, para além de notável poetisa, uma extraordinária contadora de estórias. Não estórias quaisquer, nem tão pouco inventadas ou arquitectadas, mas estórias reais ocorridas no tempo da sua infância, repartida entre Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã.
São estórias com personagens reais, de carne e osso, como o Ti Júlio, a Ti Mariana, a Senhora Isabel Augusta, o Ti Zé Ramos, a Menina Zéfinha, o tio António Pantalona, o tio Zé Manso e não sei quantos mais, numa infinidade numerável que não consegui quantificar. São eles que constituem aquilo que com orgulho, Georgina chama “A Minha Gente”.
São estórias contadas e redigidas numa escrita fluida e ágil, eficaz na pintura descritiva das paisagens rurais e do interior das casas aldeãs. Escrita que é também uma partilha intimista das emoções e sentimentos dos personagens, incluindo Georgina, também ela própria, personagem por direito próprio e inalienável. Tudo sempre minuciosamente filigranado ao pormenor, numa linguagem rica, valorizada pelo uso de vocábulos regionais, cujo sentido, se necessário pode ser decifrado num glossário que antecede o índice final.
São estórias do tempo em que nas aldeias se tocavam as Trindades.
As hortas eram regadas com água tirada das noras e das picotas. Comia-se daquilo que a terra dava e em situações de carência havia partilha e entreajuda ente vizinhos e familiares. Todavia, a falta de dinheiro para bens de mercearia e para comprar entre outras coisas, petróleo para alumiar, levavam alguns, mais aflitos e mais afoitos, a entrar no contrabando através da raia de Espanha ou a dar o salto para França.
Apesar de tudo ou talvez por isso, rezava-se a Deus, à Mãe de Jesus, ao Anjo da Guarda e a Santo Antão para proteger o gado.
A menina Zefinha andava de taleigo à cabeça, a ti Mariana remendava as ceroulas do Ti Júlio e a ti Neves do Ti Júlio punha-lhe ventosas e papas de linhaça, a ver se ele arribava.
A roupa era cosida, remendada e transformada, passando dos mais crescidos para os mais pequenos. O pão era amassado de tarde para ficar a dormir à noite e os mais velhos davam a bênção aos mais novos antes destes adormecerem.
Isto e muito mais, são registos de memórias de tempos idos dos personagens do livro. Tempos e vivências difíceis e duras, mas também de afectos, partilhas e tradições numa Comunidade onde Georgina nasceu e cresceu, com a qual se identifica e que pela mesma é reconhecida e idolatrada.
Georgina é, pois, uma guardadora de memórias, muitas delas guardadas no presente livro e que por serem reconhecidas pela Comunidade que a viu nascer e crescer, integram a memória colectiva local e contribuem com a sua quota parte para a memória colectiva regional e para a memória colectiva nacional.
É a memória colectiva que nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.
Daí a importância de que se reveste o livro, cuja leitura vivamente recomendo.

Hernâni Matos

domingo, 29 de setembro de 2024

Pim! Onde é que já se viu uma Georgina assim?

 

Na mesa, da esquerda para a direita: Fernando Mão de Ferro (Edições Colibri).
Georgina Ferro (autora) e Hernâni Matos (apresentador).
Fotografia de Maria Helena Figueiredo.


Apresentação do livro
de Georgina Ferro.
Sociedade de Artistas Estremocense.
Estremoz, 28 de Setembro de 2024.
Hernâni Matos

 


Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Senão houver objecções, a minha conversa convosco constará de três partes:
1 - Onde te vieste meter, Hernâni?
2 - Deixem-me lá agora falar do livro!
3 - E quanto a mim, que penso eu?
Vou então começar, pois embora a jornada não seja longa nem fastidiosa, daqui a bocado são horas de ir lanchar e ninguém esta autorizado a lanchar por mim.

Onde te vieste meter, Hernâni?
Se bem me lembro, conheço seguramente a Georgina desde o Tempo da Outra Senhora. Do exercício do Magistério Primário na Freguesia da Glória, da sua ligação à Comunidade, do seu reconhecimento por parte da mesma e do seu amor às coisas campaniças.
Lembro-me de partilhar há muito com a Georgina uma grande admiração pelo “Ti Rolo” da Aldeia de Cima, que exercia sobre nós um fascínio incomensurável, pela sua oralidade transbordante e pelos artefactos de arte pastoril nascidos das suas mãos mágicas, nos quais projectava toda a imaginária popular, lavrada em chifres e paus sabiamente escolhidos.
Lembro-me do nascimento da sua filha Sónia e tive o privilégio de ser professor de Física de 12º ano do seu filho Pedro. Foi uma experiência encantadora, pois além do Pedro ser um aluno fortemente motivado, eu tive oportunidade de pôr em prática o método de ensino-aprendizagem personalizado, preconizado por muitos pedagogos. É que o Pedro era o único aluno da turma. Nenhum de nós deixou os seus créditos por mãos alheias e a experiência pedagógica foi um êxito.
Lembro-me do envolvimento da Georgina no Projecto Serra de Ossa, desde o início, no tempo da liderança de Gil Malta e de ela ter participado em 1998, conjuntamente com outros professores, entre as quais este vosso amigo, nas “Segundas Jornadas da Serra d’Ossa”, levadas a efeito na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A sua bem-sucedida intervenção oral nessas jornadas, foi o embrião dos seus primeiros livros, publicados ambos em 2005:
- Plantas medicinais da Serra d'Ossa
- Por um Amanhã Mais Verde, Mezinhas caseiras com Plantas da Serra d'Ossa
Em Setembro de 2012, a Georgina concedeu-me o privilégio de participar na apresentação pública do meu livro “Memórias do Tempo da Outra Senhora”, o que muito me congratulou.
Em Dezembro de 2013 a Georgina brindou-nos com o lançamento do seu livro de poesia “O MEU ARRAIAR POR TERRAS DO SABUGAL”, editado pela Colibri, o qual foi apresentado na Casa de Estremoz pela Maria do Céu Pires e pela Francisca de Matos.
Passados estes anos todos, estas nossas amigas resolveram não reincidir e passaram-me o testemunho, pelo que à falta de melhor, aqui estou eu, de peito descoberto, a apresentar o livro que está na ordem do dia, o livro da autoria da nossa amiga Georgina, que em boa hora aqui nos trouxe.
Tudo estaria bem se a Francisca de Matos, ignorando que sou um pés de chumbo, não me tivesse proposto entrar nesta dança, aqui mesmo neste belo salão da Sociedade Artistas Estremocense, onde actualmente até se dão aulas de dança. Vamos lá a ver se não me espalho ou não brindo alguém com uma pisadela mestra.

Deixem-me lá agora falar do livro!
Está aqui à vossa vista. Fisicamente é um livro brochado, de 22,8 x 16 cm e 236 páginas. O seu título é NA JANELA DO TEMPO – TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO – BEIRA INTERIOR e a autora, claro está, é a nossa amiga Georgina. O livro foi dado à estampa 78 prestigiadas Edições Colibri de Fernando Mão de Ferro e tem capa a cores de Raquel Ferreira,78 gizada a partir de fotografia de Abel Cunha. Na primeira badana figura a biografia e a fotografia da autora e na segunda badana, um excerto de uma das estórias do livro. Este tem prefácio de José Carlos Lage, o qual confessa que é “Fácil e ao mesmo tempo difícil” falar das poesias e das crónicas de Georgina. Por sua vez, em posfácio impresso na contra-capa, Francisca de Matos afirma e muito bem, que “Esta obra é, sobretudo, uma grande lição de vida, um legado que não deve, não pode ser esquecido”.

E quanto a mim, que penso eu?
O livro é um livro de estórias ou não fosse Georgina, para além de notável poetisa, uma extraordinária contadora de estórias. Não estórias quaisquer, nem tão pouco inventadas ou arquitectadas, mas estórias reais ocorridas no tempo da sua infância, repartida entre Manteigas, Aldeia do Bispo - Sabugal e Covilhã.
São estórias com personagens reais, de carne e osso, como o Ti Júlio, a Ti Mariana, a Senhora Isabel Augusta, o Ti Zé Ramos, a Menina Zéfinha, o tio António Pantalona, o tio Zé Manso e não sei quantos mais, numa infinidade numerável que não consegui quantificar. São eles que constituem aquilo que com orgulho, Georgina chama “A Minha Gente”.
São estórias contadas e redigidas numa escrita fluida e ágil, eficaz na pintura descritiva das paisagens rurais e do interior das casas aldeãs. Escrita que é também uma partilha intimista das emoções e sentimentos dos personagens, incluindo Georgina, também ela própria, personagem por direito próprio e inalienável. Tudo sempre minuciosamente filigranado ao pormenor, numa linguagem rica, valorizada pelo uso de vocábulos regionais, cujo sentido, se necessário pode ser decifrado num glossário que antecede o índice final.
São estórias do tempo em que nas aldeias se tocavam as trindades.
As hortas eram regadas com água tirada das noras e das picotas. Comia-se daquilo que a terra dava e em situações de carência, havia partilha e entreajuda ente vizinhos e familiares. Todavia, a falta de dinheiro para bens de mercearia e para comprar entre outras coisas, petróleo para alumiar, levavam alguns, mais aflitos e mais afoitos, a entrar no contrabando através da raia de Espanha ou a dar o salto para França.
Apesar de tudo ou talvez por isso, rezava-se a Deus, à Mãe de Jesus, ao Anjo da Guarda e a Santo Antão para proteger o gado.
A menina Zefinha andava de taleigo à cabeça, a ti Mariana remendava as ceroulas do Ti Júlio e a ti Neves do Ti Júlio punha-lhe ventosas e papas de linhaça, a ver se ele arribava.
A roupa era cosida, remendada e transformada, passando dos mais crescidos para os mais pequenos. O pão ara amassado de tarde para ficar a dormir à noite e os mais velhos davam a bênção aos mais novos antes destes adormecerem.
Isto e muito mais são registos de memórias de tempos idos dos personagens do livro. Tempos e vivências difíceis e duras, mas também de afectos, partilhas e tradições numa comunidade onde Georgina nasceu e cresceu, com a qual se identifica e que pela mesma é reconhecida e idolatrada.
Georgina é, pois, uma guardadora de memórias, muitas delas guardadas no presente livro e que por serem reconhecidas pela comunidade que a viu nascer e crescer, integram a memória colectiva local e contribuem com a sua quota parte para a memória colectiva regional e para a memória colectiva nacional.
É a memória colectiva que nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.
Daí a importância de que se reveste o livro NA JANELA DO TEMPO – TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO – BEIRA INTERIOR, da autoria de Georgina, o que me leva a proclamar:
- PIM! ONDE É QUE SE VIU UMA GEORGINA ASSIM?
Para a Georgina peço uma calorosa salva de palmas.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 29 de Setembro de 2024


domingo, 28 de julho de 2024

A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou na Feira de Artesanato de Vila do Conde

 


A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou entre 20 e 27 de Julho na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde. Fê-lo em stand próprio, na condição de associação independente, com personalidade jurídica, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.

A ADOE constitui-se em 2023, na sequência do Curso de Olaria que por módulos teve lugar a partir de 2021, no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. O Curso foi fruto de uma parceria entre o Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património (CEARTE) e o Município de Estremoz. Teve como formador Mestre Xico Tarefa, Mestre oleiro prestigiado, com longa experiência e sempre pronto a ajudar os formandos.

A ADOE é constituída entre outros por: Inês Crujo, Ana Calado, Luís Rosa, Vera Magalhães, Xico Tarefa, Jorge Carrapiço, André Carvalho, Pedro Capão, Graça Paulo e Sara Sapateiro.

A ADOE propõe-se recuperar a olaria tradicional de Estremoz, o que constitui uma iniciativa muito louvável e de alcance incomensurável. Desejo-lhe os maiores êxitos na prossecução dos seus objectivos estatutários. Bem hajam!

Hernâni Matos

Sara Sapateiro, uma barrista de Estremoz na Feira de Artesanato de Vila do Conde

 



Sara Sapateiro participou entre 20 e 27 de Julho na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, em stand partilhado com a barrista Maria Isabel Catarrilhas Pires. Fê-lo como artesã produtora de Figurado de Estremoz, na condição de barrista independente, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.

À Feira levou trabalhos como “Sagrada Família”, “Nossa Senhora da Conceição”, “Amor é cego”, “Primavera” e “Presépio de altar”, dentro do âmbito do Figurado de Estremoz. Fora deste apresentou ainda um “Busto de pastor alentejano”.

O “Presépio de altar” participou na 2ª edição do “Concurso Jovem Artesão”, que teve lugar durante a Feira, sem todavia ser distinguido pelo Júri.

Sara Sapateiro (1995-  ), sobre a qual já elaborei o texto Sara Sapateiro e o aristocrata rural (ler aqui), é discípula da barrista Maria Isabel Isabel Catarrilhas Pires, com a qual começou a trabalhar em 2018. No ano seguinte frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que teve lugar no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. No Curso aprofundou os conhecimentos de Barrística de Estremoz, com Mestre Jorge da Conceição.

De então para cá tem modelado e criado de uma forma fluida, imagens que umas vezes se integram no Figurado de Estremoz e outras vezes não, mas que têm o seu público, já que são apelativas, não só pela modelação como pelo cromatismo.

Desde 28 de Maio do ano em curso que é portadora de Carta de Artesão e de Unidade Produtiva Artesanal na área da Cerâmica Figurativa, emitida pelo CEARTE.

Creio que em devido tempo, que só a ela cabe decidir, submeterá a sua produção a processo de certificação como artesã produtora de Bonecos de Estremoz, junto da Adere-Certifica, organismo nacional de acreditação a quem compete a certificação de produções artesanais tradicionais, com garantia da qualidade e autenticidade da produção.

Hernâni Matos



sábado, 27 de julho de 2024

Maria Isabel Catarrilhas Pires, uma barrista de Estremoz na Feira de Artesanato de Vila do Conde

 


Há já algum tempo que venho acompanhando o trabalho da barrista Maria Isabel Catarrilhas Pires, sobre a qual comecei por escrever uma pequena nota biográfica no meu livro BONECOS DE ESTREMOZ, publicado em 2018, a qual pode ser lida aqui.

Desde 2018 que a barrista tem a sua produção certificada pela ADERE-CERTIFICA, único organismo de certificação acreditado pelo IPAC - Instituto Português de Acreditação. Significa isto que os Bonecos de Estremoz produzidos por Maria Isabel Catarrilhas Pires, estão de acordo com o MANUAL DE CERTIFICAÇÃO “BONECOS DE ESTREMOZ”, publicado pela ADERE-CERTIFICA em 2018. De acordo com aquele manual, os Bonecos de Estremoz de Maria Isabel Catarrilhas Pires, obedecem à TÉCNICA DE PRODUÇÃO e à ESTÉTICA DO BONECO DE ESTREMOZ.

O acompanhamento do trabalho desta barrista tem-me levado a elaborar textos sobre algumas das suas criações: Isabel Pires e o velho camponês alentejano – 2020 (ler aqui), Isabel Pires e a Alegoria do Outono – 2020 (ler aqui) e "O Amor é cego" com a "Sagrada Família" no coração – 2021 (ler aqui). Esta última criação, assim como as alegorias das 4 estações, estão entre os exemplares em que é mais notória a criatividade da barrista. No caso de "O Amor é cego" com a "Sagrada Família" no coração teve a genialidade de conceber uma figura composta tematicamente bivalente, uma vez que é simultaneamente um Presépio e uma figura de Carnaval. No caso das alegorias das quatro estações, porque teve a ousadia de abordar a criação de alegorias das outras estações para além da Primavera. Fê-lo duma forma coerente com a representação da Primavera. São exemplos paradigmáticos das suas criações que me apraz registar e que integram a sua participação entre 20 e 27 de Julho, em stand partilhado com a barrista Sara Sapateiro, na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde. Fá-lo na condição de barrista independente, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.
A barrista, como já tive oportunidade de observar, tem um estilo acentuamente personalizado, assente numa profunda interpretação naturalista e num cromatismo muito vivo, que tornam apelativas as figuras que cria. Como tal é merecedora dos meus melhores encómios.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Inocência Lopes, uma barrista de Estremoz na Feira de Artesanato de Vila do Conde

 

Merenda

Preâmbulo
Há já algum tempo que venho acompanhando o trabalho da barrista Inocência Lopes, que no ano transacto viu trabalhos seus serem expostos no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. Tratou-se da exposição “CURIOSIDADES - Figurado de Estremoz de Inocência Lopes”, que ali esteve patente ao público entre 18 de Maio e 3 de Setembro, conforme noticiei oportunamente, o que pode ser lido aqui e aqui.
Desde 2022 que a barrista tem a sua produção certificada pela ADERE-CERTIFICA, único organismo de certificação acreditado pelo IPAC - Instituto Português de Acreditação. Significa isto que os Bonecos de Estremoz produzidos por Inocência Lopes, estão de acordo com o MANUAL DE CERTIFICAÇÃO “BONECOS DE ESTREMOZ”, publicado pela ADERE-CERTIFICA em 2018. De acordo com aquele manual, os Bonecos de Estremoz de Inocência Lopes, obedecem à TÉCNICA DE PRODUÇÃO e à ESTÉTICA DO BONECO DE ESTREMOZ.
Em 2024 participa entre 20 e 27 de Julho, com stand próprio, na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde. Fá-lo na condição de barrista independente, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.
Na Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, Inocência Lopes apresentou duas criações, as quais despertaram a minha atenção e que passo a descrever.

Merenda
Uma Família de camponeses alentejanos merenda ao ar livre, sentados sobre uma garrida manta de listas do Freixo. Todos comem a partir do seu próprio tarro, aquilo que configura ser uma sopa de tomate alentejana. O pai enverga o tradicional traje de pastor. A mãe veste o também tradicional traje de camponesa alentejana, do qual sobressaem as meias de três agulhas, com listas alternadamente de ocre amarelo e ocre castanho, à moda da Serra d’Ossa, bem como um lenço vermelho pintalgado de branco, usado “à mourisca”. Tanto o marido como a mulher usam um chapéu preto, pendurado para o lado das costas. O petiz usa uns vulgares calções à jardineira.
Ao centro e sobre a manta, encontra-se estendida uma toalha de quadrados brancos, ladeados a vermelho. Sobre esta, um chouriço e ao lado deste, uma faca. Em frente destes, um pão e um queijo que já foram cortados. À sua frente, uma cabaça tapada com rolha de cortiça, que é suposto conter azeitonas e mais além um barril de barro, vedado com uma tampa de cortiça e um tarro do mesmo material, destinado a beber a água do barril. Junto ao petiz e à direita, um pião e a guita que o faz rodar, bem como as tampas dos 3 tarros e o taleigo confeccionado com retalhos de tecido e no qual o pastor transporta a “bóia” quando anda a apascentar o gado.

Momento familiar

Momento familiar
Uma Família de camponeses alentejanos, encontram-se dispostos sobre uma garrida manta de listas do Freixo. O pai traja à pastor, encontra-se deitado de lado e atrás de si tem um tarro. Com uma das mãos, acaricia uma das mãos do filhote, o qual sentado, segura na mão o pião com que brinca, tendo a seu lado a guita com que o faz rodopiar.
Ao lado deles, encontra-se a mãe sentada, segurando uma criança de colo, encostada ao peito do qual o amamenta. A mãe veste o também tradicional traje de camponesa alentejana, do qual sobressaem as meias à moda da Serra d’Ossa, um xaile preto que lhe cobre os ombros, bem como um lenço verde, pintalgado de branco, que lhe cobre a cabeça e cai sobre os ombros. Do lado esquerdo da mãe encontra-se um tarro tapado e o chapéu preto do pastor.

Presépio da manta alentejana

Presépio da manta alentejana
Os trabalhos “Merenda” e “Momento Familiar” divulgados agora em Vila do Conde, surgem na sequência da criação do “Presépio da Manta Alentejana”, apresentado na exposição “CURIOSIDADES - Figurado de Estremoz de Inocência Lopes”, realizada em 2023 no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz.
O “Presépio da Manta Alentejana” é uma composição que representa a Natividade em contexto alentejano, com a Sagrada Família deitada sobre uma manta listada do Freixo. A figura central é o Menino Jesus, parcialmente coberto com um pano branco, símbolo da pureza, da inocência, da espiritualidade e da Paz. O Menino está a ser adorado pelos seus pais, qua trajam à maneira alentejana. S. José encontra-se deitado de lado e enverga os tradicionais pelico e safões, tendo a cabeça coberta por um chapéu preto. Junto a si, dois dos seus atributos de pastor: o cajado e o tarro. Nossa Senhora encontra-se deitada de bruços e usa o tradicional traje da ceifeira alentejana. Junto de si, alguns atributos geralmente associados a uma ceifeira: molho de trigo, foice e xaile preto dobrado.

Um tríptico?
As três composições “Presépio da manta alentejana”, “Merenda” e “Momento familiar” revelam em si uma grande unidade temática, para além da unidade subjacente à técnica de produção e à estética do Boneco de Estremoz. De tal modo que me atrevo a pensar que eles constituem um tríptico de composições paradigmáticas que são uma exaltação da Família e um hino á Identidade Cultural Alentejana.
Parabéns, Inocência Lopes.
Bem haja pelas suas criações que nos deleitam o Espírito e aquecem a Alma.

domingo, 21 de abril de 2024

Como era Portugal antes do 25 de Abril de 1974

 

Embarque de militares no navio Niassa para a guerra colonial em 1971.

COMO ERA PORTUGAL ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974


- As mulheres tinham menos direitos que os homens;
- As mulheres precisavam de autorização do marido para poderem ser comerciantes, para arrendarem uma casa e para viajar para o estrangeiro;
- As professoras primárias tinham de pedir autorização para casar, que só era concedido se o pretendido tivesse um ordenado igual ou superior ao da mulher;
- Os ordenados eram de miséria, sem direito a subsídios de férias e de Natal;
- O despedimento de trabalhadores estava facilitado;
- Os sindicatos corporativos eram fortemente controlados pelo regime;
- As greves estavam proibidas e eram consideradas crime;
- Reuniões só com autorização do Governo;
- Os partidos e movimentos políticos estavam proibidos;
- Partidos políticos só havia um, a União Nacional – o partido do Governo;
- Nas eleições só podiam votar os chefes de família, com um grau de instrução mínima e rendimentos. Assim ficavam de fora as mulheres, os analfabetos e os pobres. E tudo isto numa farsa de eleições onde, no recenseamento, eram logo excluídos dos cadernos eleitorais os opositores ao regime e depois, nas próprias eleições, se manipulavam e falsificavam os resultados;
- Os líderes oposicionistas como Mário Soares, Manuel Alegre ou Álvaro Cunhal, encontravam-se exilados;
- O serviço militar obrigatório durava 4 anos;
- Rara era a família que não tinha alguém a combater em África;
- Com 10 milhões de habitantes, Portugal fizera um esforço de guerra em África cerca de 9 vezes superior ao dos EUA, no Vietname, com os seus 250 milhões de habitantes;
- Portugal mobilizara para a guerra colonial mais de 800 mil jovens. Teve 8 mil mortos, 112.205 feridos e doentes, 4 mil deficientes físicos e estima-se que cerca de 100 mil doentes de stress de guerra;
- 40% do Orçamento de Estado destinava-se à Defesa;
- Um milhão e meio de emigrantes tinha saído para os países ricos da Europa, entre 1960 e 1974;
- Havia 21% de analfabetos e a vida cultural era apertadamente vigiada;
- A expressão pública de opiniões contra o regime e contra a guerra era severamente reprimida pela Censura e pela polícia política, a PIDE que gozava de plenos poderes;
- A censura e a PIDE controlavam os jornais, a rádio e a televisão e impediam-nos de ler, de ouvir ou ver tudo aquilo que pusesse em causa o regime ou que era considerado por eles, os bons costumes;
- A PIDE, responsável por 80 assassinatos, prendeu, entre 1960 e 1974, cerca de 50 mil pessoas;
- As prisões políticas estavam cheias;
- Muitos dos presos políticos eram torturados e condenados com as chamadas medidas de segurança, isto é, terminada a pena de prisão, a PIDE podia mantê-los na prisão, sem novo julgamento, por períodos prorrogáveis até 3 anos, o que podia equivaler a prisão perpétua. Para ajudar a condenar estas pessoas existiam os tribunais plenários que só julgavam, sem efectivas garantias de defesa, os presos políticos;
- Trabalhar na função pública, só com declaração de fidelidade ao regime vigente e a aprovação da PIDE. 

Hernâni Matos
Publicado no jornal E, nº 332, de 11 de abril de 2024


Emigração portuguesa nos anos 60.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Inauguração da Exposição "PARAÍSO" de Joana Santos na @arquivolivraria, em Leiria, no sábado, dia 2 de Março

 


Transcrito com a devida vénia da
de 28 de Fevereiro de 2024.


"O paraíso não é um lugar, é uma condição da alma." - Simone Weil

O que é o Paraíso? Onde é o Paraíso? O Paraíso existe?

O Paraíso pode ser um destino final. Um lugar celestial ao qual se chega no final dos dias corpóreos, como uma recompensa. Pode ser um espaço tangível, exótico, perfeito onde a natureza abundante é habitada por seres que vivem em uníssono e onde a felicidade é eterna.

O Paraíso pode ser um espaço que nos habita, que nasce e cresce dentro de nós.

Este é o Paraíso que nasceu das minhas mãos, materializado na delicadeza do grés branco, nos tons azuis e verdes dos cabelos livres das figuras que o habitam, no amarelo ocre das folhas de ginkgo biloba ou no vermelho coração. Uma reflexão sobre o amor, em particular o amor-próprio, vivido no feminino. Uma Ode ao Paraíso como corpo e à sua relação com o mundo físico que o encapsula. Ode também ao mundo interior que se preenche de sentimentos, ideias e tempo.

O Paraíso encontrado no ato da criação, da ideia ao desafio de lhe dar forma usando o barro, tornando físico o meu Paraíso particular e pessoal.

Convido-vos a virem descobrir o meu "Paraíso".

De 2 a 31 de março, na @arquivolivraria, em Leiria. Inauguração, dia 2 de Março, pelas 18h30!

Conto convosco?

Joana Santos


REPORTAGEM FOTOGRÁFICA DA EXPOSIÇÃO













 Hernâni Matos


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vera Magalhães recebeu o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos de Estremoz

 

A barrista Vera Magalhães ladeada pelo  Presidente do Município, José Daniel Sadio
pelo Presidente da Assembléia Municipal, Ricardo Catarino.
 Fotografia de Município de Estremoz.

Teve lugar ontem no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Estremoz, uma Sessão Comemorativa do 6.º aniversárioda Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na ListaRepresentativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No decurso da cerimónia foi entregue à barrista Vera Magalhães, o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos deEstremoz, que lhe foi outorgado pela Adere-CERTIFICA, entidade credenciada para conceder aquela certificação.

Anteriormente, a barrista Vera Magalhães frequentou um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição. Foi frequentado por 16 formandos, dos quais até à presente data, 4 foram certificados pela Adere – CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.

Mais recentemente, a barrista teve a Exposição “TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães” patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, entre os dias 9 de Setembro e 26 de Novembro.



quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Lúcia Cóias partiu. Fica a saudade.



Lúcia Cóias (1934 - 2023)

A última viagem
Por mais sedentários que sejamos, todos nós somos nómadas. Ao longo da vida, vivamos onde vivamos, todos nós somos impelidos a viajar no espaço e no tempo. É como se fossemos templários à procura do Santo Graal. Só que a busca agora é outra e mais diversificada. À procura da espiritualidade, da beleza interior e da verdade, juntam-se agora outras necessidades de procura, de natureza material: trabalho, condições de vida, formação académica ou profissional, amor, paz, divertimento e muito mais que se poderia aqui enumerar. São necessidades que se traduzem em viagens, que temos o livre arbítrio de realizar ou não, se assim nos der na real gana. Todavia, para além destas viagens, há uma outra de natureza diferente, inescapável e com desfecho único, já que é uma viagem sem retorno, independente do nosso livre arbítrio. É a viagem que se inicia quando se transpõe a última etapa da vida e se diz que alguém morreu ou partiu. É uma viagem sobre a qual existem múltiplas interpretações, entre elas a da antropologia bíblico-cristã, mas qualquer delas ultrapassa o âmbito dos propósitos da presente abordagem textual.

Morreu a Lúcia da Singer!
Morreu a Lúcia da Singer! Foi uma notícia que correu célere em Estremoz, no passado dia 18 de Novembro e que me tocou particularmente. É que eu conhecia bem a Lúcia Cóias, seguramente há 70 anos, para além de ser amigo pessoal de seu filho Paulo Cóias e de ter sido professor de sua filha Cristina Cóias, bem como amigo pessoal de sua irmã, a poetisa Constantina Babau.
A Lúcia foi empregada da Singer em Estremoz, onde durante largos anos foi competente professora de costura, que marcou gerações e gerações de jovens mulheres. Tratou-se de uma actividade que, após a aposentação, prosseguiu com êxito na Academia Sénior de Estremoz, onde era muito estimada por todos os membros, sentimento partilhado, de resto, pela generalidade da comunidade local.

Poetisa do amor e da saudade
Como poetisa, Lúcia Cóias (1934-2023), é autora dos livros “Poesia Popular” (2015), “Rosas Brancas” (2016) e "Madrugada" (2018). No primeiro destes livros, em “Infância perdida” confessa: “Sem mãe fiquei aos três anos / E sofri horrores tamanhos / Num mundo que não era o meu / Senti-me sempre perdida / Sem alegrias na vida / E ela partira p’ro céu”. Lúcia ao perder a mãe, foi internada e criada no Asilo de Infância Desvalida João Baptista Rolo, em Estremoz, onde o internato gerido por freiras, a marcou para toda a vida. Ainda em “Infância perdida” confessa: “Tantas torturas passadas / Que não devem ser contadas / Pois ainda creio em Deus / Não sei bem porque razão / Vou dar-lhes o meu perdão / E os soluços ficam meus”.
Lúcia cresceu, fez-se mulher, casou e teve dois filhos. Todavia, perdeu o marido prematuramente, de tal modo que em “Saudade”, começa por se dirigir a ele nos seguintes termos: “Ó meu amor que agonia / Partiste naquele dia / Partiste p´ra não voltar / Meu coração está desfeito / Ficou-me esta dor no peito / Quase ceguei de chorar”. Termina o poema dizendo: “Sei que tu já estás nos céus / Lá bem pertinho de Deus / Se é que a outra vida existe. / Olha bem p’los teus filhinhos / Guia-os por bons caminhos / Consola a minha alma triste”.
O amor de mãe transborda no poema “Ao meu filho”: “A ti meu filho eu dedico esta poesia / Pelo milagre que o amor em mim te fez / Pois tu me deste a santa alegria / De ser mãe pela primeira vez”. O mesmo sentimento maternal transvasa igualmente no poema “À minha filha”: “Obrigada minha filha, eu te adoro / Pelo amor e carinho que me deste / Perdoa se estou triste e às vezes choro, / Tu sabes o que é dor pois já sofreste”.

O amor ao próximo
Na poesia de Lúcia Cóias, o amor não se se circunscreve à família. É mais vasto e assume, em particular, a forma de amor ao próximo. É o que nos revela o poema “Amar sem olhar a quem”, onde no final nos diz que: “Dar amor, dia após dia / Sem olhar à diferença / Não é loucura é magia / De quem tem alma e tem querença” e acrescenta: “Esta é a ventura maior: / Em cada ser ver um irmão. / É viver para dar amor / É ser alguém de eleição.” O amor ao próximo é um amor preocupado, como nos revela no final do poema “Oração”: “Que mágoa sinto em meu peito / Quando à noitinha me deito / Numa cama agasalhada / Lembro a Deus com muito afecto / Aqueles que não têm tecto / E dormem num vão de escada.”

Lúcia Cóias presente!
Lúcia Cóias partiu, mas deixou connosco uma enorme saudade, partilhada entre a família, os amigos e todos os que com ela conviveram. Deixou-nos igualmente a mensagem do seu exemplo de vida, da sua vontade de viver e de lutar contra a adversidade, bem como o seu legado de amor a Deus, à família e ao próximo. Por isso, Lúcia Cóias perdurará nas nossas memórias e nos nossos corações.

Publicado no jornal E, n.º 322, de 23 de Novembro de 2023

Em 2017, Lúcia Cóias participou na iniciativa Poetas em defesa da olaria de Estremoz”, desenvolvida pelo blogue “Do Tempo da Outra Senhora”, publicando o poema: